Maquinando Tecnologias
Desde o jantar eu só conseguia pensar no projeto que eu tentaria construir no dia seguinte. Deitei na esteira em meu quarto e me lembrei de cobrir Danda. Levante, peguei um cobertor de couro e levei até lá, para forrar sobre a jovem. Ela dormia profundamente. Ouvi o som da chuva prometida durante todo o dia e presumi que a noite seria mais fria do que eu tinha imaginado. Peguei dois cobertores para mim. A diferença entre nós era que ela usava vestes que por si só já eram quentes, enquanto as minhas eram leves e desgastadas.
Levei uma lamparina a óleo para o quarto e coloquei próxima da cama para que o fogo me ajudasse a manter o calor durante a noite. No outro cômodo o fogão à lenha ainda estava aceso me livrando desse tipo de preocupação em relação à Danda.
Suspirei cansado de interagir com outro ser humano. Ficar sozinho por tanto tempo me pareceu um grande conforto naquele momento. Não me lembrava de como eram difíceis as relações sociais. Senti como se tivesse envelhecido vinte anos em um dia e eu nem podia culpar ela por isso, afinal não foi sua vontade que a trouxe até ali.
Fechei os olhos sem realmente ter pretensão de dormir, e quando os abri, já era manhã. Tinha tido um sono sem sonhos.
Ergui o corpo e alonguei os músculos, endurecidos pelo repouso no chão. Verifiquei Danda para ver que ela ainda repousava profundamente e aquilo me fez feliz por alguns segundos. Sem suor, sem febre, sem expressão de dor. Nesse ritmo ela ficaria bem mais rápido do que imaginei. Peguei carne seca em um cesto e saí mascando os pedaços enquanto buscava uma caixa com ferramentas que eu deixava em um baú no chão.
Perto de casa eu tinha uma oficina/serralheria onde fazia a maior parte dos trabalhos manuais. Tirando algumas coisas que restaram do naufrágio, o resto era produzido por mim a partir do que era encontrado na ilha. Eu tinha meus talentos.
Comecei a medir e cortar algumas tábuas, dando o máximo de mim e de minha força física. Poucas horas depois, quando parei para verificar os animais e aguar a horta, meu projeto já estava pela metade. E eu, exausto.
Voltei para casa antes de começar a cozinhar e peguei uma pequena bolsa de palha que eu deixava guardada. Passei por Danda que já estava acordada e lia o livro que eu tinha fornecido para ela. A jovem nada disse, mas não tinha problema. Naquele momento sua respiração era mais importante que sua voz. Pendurei a alça da bolsa de palha na cabeceira da cama. Eu tinha enchido o acessório com carne seca.
Busquei água e tecido limpo para dar banho em Danda.
— Bom dia. — Cumprimentei quando retornei, sem esperar por uma resposta. Meu cumprimento era uma mera expressão para indicar que estava tudo bem entre nós, pelo menos pela minha escolha.
— Bom dia. — Danda respondeu aparentemente tranquila enquanto mascava um pedaço de carne. Seus olhos estavam inquietos de curiosidade apesar de ainda visualizarem as páginas do livro.
Quando ela se expressava pelo olhar, da maneira como fazia naquele momento, eu sentia meu coração dar um saltinho contente. Era divertido porque seu olhar demonstrava como ela estava tentando me decifrar.
— Hora do banho, e vamos trocar esses curativos. — Falei como se não tivesse observado sua expressão. Tudo normal, Diana Dandara. Nada incomum. Ri internamente enquanto segurava os músculos da face.
Ela concordou que queria o banho com um gesto de cabeça. Acreditei que a experiência de banho do dia anterior tinha deixado ela mais confiante sobre isso.
Abri os botões da parte frontal do vestido para trocar os curativos que ficavam sobre a costela, em cima de duas camadas de tecido. A tarefa demorava um pouco porque os botões eram pequenos e havia muito tempo que eu não treinava a habilidade de despir alguém. Estava enferrujado. Quase comemorei quando terminei de abrir o último botão na altura da cintura dela.
Diana deixava que eu limpasse e passasse unguento em seu tórax, sem nada temer, como se ali não houvesse duas protuberâncias proibidas em sociedade, no caso, seus seios. Obstante, eu estava proibido de ver acima de seus joelhos. Era estranho, mas quem fazia as regras era a dona do corpo, eu apenas seguia.
Resolvi pegar uma barra de sabão de flores de baunilha para ajudar no processo, pensei que a deixaria mais calma. Então andei até a prateleira dos remédios e apanhei uma barra que era diferente daquelas que eu usava para me banhar. Era uma fórmula nova, mas eu não usava porque achava um pouco doce demais para sentir o dia todo onde quer que eu fosse. Isso, ou somente não tinha combinado com minha pele e eu não queria admitir. Não estaria desperdiçado, isso eu poderia garantir. No fim das contas eu poderia utilizá-lo para lavar minhas roupas ou as vasilhas sujas.
— Eu tenho cosméticos na bagagem. — Danda avisou quando viu que eu tinha pego a barra de sabão.
— Você quer usar algum em específico? — Questionei enquanto arrastava a bagagem dela que estava oculta atrás dos pés da cama.
Ela olhou nitidamente envergonhada em pedir algo específico, como se um favor a mais doesse em sua alma.
— Enquanto decide, vou continuar de onde estava. — Avisei e coloquei o sabão na água. A liberdade de escolha é importante para as pessoas.
Comecei a limpeza pelo rosto da mulher, passei pelo pescoço longo e fino, braços compridos e, quando já tinha limpado seus braços, pulei para as pernas e depois os pés. Ela gemeu de dor quando limpei o pé cujo tornozelo ainda estava muito inchado. Os olhos de Danda lacrimejaram.
— Já tomou sua decisão? — Questionei ao terminar de lavar o último dedinho.
— Sim, eu... — Ela mordeu o lábio inferior e engoliu em seco. — Eu gostaria de passar a loção que uso em meus cabelos. É branca e espessa, e está na minha bagagem.
Busquei mais água limpa, pois o cabelo dela precisaria.
Coloquei-a sentada na cama e aos poucos desembaracei os fios, com o auxílio de um pente de madeira que ela tinha e água. Essas loções perfumadas normalmente eram usadas para deixar nos cabelos, então tratei de primeiro lavar e pentear. Foi um processo mais demorado e cansativo do que pensei.
Quando abri sua bagagem para pegar a loção, vi a quantidade de pertences valiosos e de boa qualidade que ela tinha. Eram bons vestidos, de tecidos bordados, e roupas íntimas de renda e tecidos finos. Havia muitos cosméticos, sapatos e acessórios.
— Você é uma nobre ou algo do gênero? — Questionei confuso. Nunca em vida, com exceção dos saques, tinha visto pertences tão bons.
— Não, apenas tinha boas amizades. — Ela respondeu enquanto dispensava o assunto com um gesto.
— Eram boas mesmo... Faz muito tempo que vivo sozinho, mas acho que bordados em fio de ouro ainda são valiosos. — Coloquei um pouco da loção na palma de uma mão, espalhei com a outra e passei por seus cabelos.
— Não tenho certeza de quanto vale, eu também vivia em uma ilha. — Ela replicou em tom irônico.
— É algum tipo de anedota? — Questionei confuso ao começar a passar o pente pelos fios.
— Não. — Ela respondeu sem humor. — Saí de uma ilha para outra ilha.
— Agora entendo toda a curiosidade sobre o mundo. — Comentei.
Ela me lançou um olhar mordaz e apontou para a bagagem.
— Meu espelho, por favor. — Pediu. Mesmo brava era educada, já conheci muito piores. — Está na lateral.
Peguei o espelho de mão ricamente ornado, milagrosamente inteiro, e entreguei para ela, que agora tinha enchido a casa com seu cheiro de baunilha, de loção misteriosa e um fundo de remédios para o corpo. Eu gostava daquilo. Da dinâmica social, dos desafios e do cheiro. No fundo eu gostava.
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