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Lábios

Era mais uma noite insone e eu já estava cansada de permanecer naquele navio. Nem sabia mais quantas vezes já tinha me arrependido de sair de Avalon, mesmo assim eu resistia. Era isso ou morrer, e eu tinha sofrido muito para me manter até aquele ponto da vida, morrer não era opção. Não ainda.

Sufocada, saí da cabine para tomar o ar da noite. Já estava se tornando um hábito. Não havia estrelas no céu, estavam cobertas por nuvens. Caminhei o mais silenciosamente que consegui e encostei-me à amurada do navio, para observar as ondas. Os movimentos das ondas sempre me tranquilizavam de alguma forma, apesar de me deixarem um pouco tonta.

— Seus olhos estão inchados. — Martin se encostou ao meu lado olhando diretamente para o mar.

— Não dormi muito bem. — Repliquei fraco. Não tinha vontade de conversar.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes.

— Quantas borboletas você já viu na vida? — Martin perguntou em tom baixo. Tão baixo que poderia ser confundido com o som do mar.

Eu esperava muitas coisas, menos aquilo. Perscrutei seu rosto, curiosa, sem entender o motivo daquela pergunta.

— Quantas? — Ele mirou seus olhos nos meus. Da fato o homem exigia uma resposta.

— Muitas. — Respondi sem entender.

— E quantas já estiveram em seu estômago? — Ele se virou de frente para mim.

— Você está perguntando se já comi borboletas? — Indaguei incrédula.

— Quantas, Diana? — Martin sustentou meu olhar.

— Nenhuma... ning...

Não consegui terminar a frase, pois Martin me puxou pela cintura e colou seus lábios nos meus. Meu coração acelerou, minha face queimou, minhas pernas se tornaram fracas e me apoiei com as mãos em seus braços para não cair. Cerrei as pálpebras sentindo a eletricidade percorrer meu corpo e ouvi um trovão anunciando a chegada da chuva fina que começou a cair. Meu estômago vibrava inquieto como se houvessem borboletas voando dentro dele.

Borboletas no estômago, a isso que ele se referia. Eu não as conhecia, apenas de narrativas fictícias.

Abracei seu corpo quente, por instinto, e me entreguei ao beijo. A realidade é que havia no raso de mim um sentimento por ele que surgiu pela convivência. Eu era uma romântica, carente e desprotegida. Eu tinha sim me apegado.

Nossos lábios se moveram em um bom encaixe, quente sob a chuva fria.

Quando nos separamos, Martin sorriu como se tivesse vencido na vida e afagou minha bochecha com o polegar.

— Vá dormir, ou irá contrair um resfriado. — Ele virou as costas e partiu, me deixando ali com rastros seus sobre a pele e sobre o coração.

Senti-me extasiada, fora de mim. Meu peito vibrava com as batidas fortes do músculo em seu interior.

Corri até a cabine e entrei, encharcada. O interior do cômodo estava quente e abafado. Agradeci por aquilo. Olhei para o capitão que parecia dormir profundamente. Eu precisaria trocar de vestido, não tinha remédio. Era isso ou realmente ficaria doente. Abri minha mala e selecionei um bonito vestido verde escuro com rendas brancas e bordados prateados. Caríssimo. Escolhi também roupas íntimas limpas.

Aproveitei que tinha me despido e limpei melhor meu corpo. Tinha medo que o capitão acordasse, mesmo assim era uma oportunidade que não poderia perder. Passei óleos perfumados pela extensão da pele e vesti minhas roupas limpas. Demorei horas e horas no processo. Tantas que quando terminei, estava exausta. Pendurei as roupas sujas para lavar no dia seguinte e me joguei no meu cantinho. Repassei o beijo em minha mente um milhão de vezes, me dando conta do quanto tinha desejado aquele momento. Um sentimento por Martin latejava em mim. Comecei a imaginar coisas que iam muito além das ilusões quotidianas. Imaginei se ele me amava, se teríamos futuro... É risível. As pessoas poderiam me julgar muito por isso, como se muitas delas não fizesse o mesmo. Tudo bem, elas nunca saberiam. Eu estava segura no conforto de minha mente. Eu estava segura no meu recém descoberto sentimento.

Dormi vencida pelo cansaço e tive um sono sem sonhos.

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