Húmil
Eu só queria chorar. Apenas isso. E foi o que fiz, sentindo a dor inexistente que aquele órgão deslocado me causava. Eu já tinha me resolvido com ele antes, mas toda a passagem com Martin me fizera acordar para a realidade do mundo comum. Senti-me humilhada mesmo que Bakji tenha se mostrado muito humilde e servil.
Estar sem alguns dos movimentos era um castigo. Um enorme castigo. Poucas coisas ensinam tanto na vida quanto a dependência física. Depender para se alimentar, se aliviar ou se higienizar é como o fundo do poço para quem já fazia tudo isso sem ajuda.
A insegurança de saber o que ele faria de me descobrisse, unida com a situação constrangedora... Eu não queria mais comer e nem olhar nos olhos dele. Só queria morrer sem socorro. Amaldiçoei-me por ter saído de Avalon, onde eu era feliz e não tinha medo de cada mísero passo, de cada gesto natural.
Ouvi o som de utensílios enquanto chorava olhando para a parede.
— Diana, olhe para mim. — A voz veio do espaço ao lado da cama. Eu estava de costas para ele.
Permaneci em silêncio, pois a humilhação segurava minhas cordas vocais.
— Danda, por favor, coma enquanto ainda está quente. — Ele soprou algo que presumi ser a comida.
— Eu não quero comer, não tenho fome. Alimente somente a si. — Falei com a voz engasgada.
— Você precisa de alimentos... — A voz de Bakji saiu compreensiva e suave como um carinho. — Não tenha vergonha de suas necessidades, eu realmente não me importo. Sou uma pessoa que mora sozinha, em uma ilha, no meio do oceano, longe de tudo que já conheci.
— Você não entende... — Sussurrei magoada com ninguém em especial. Talvez com o responsável pelo meu nascimento ou com a morte que sempre fazia a curva quando chegava a mim.
— Se você comer, eu prometo que vou encontrar uma solução para isso... — Ele barganhou em tom alegre, até fez uma voz diferente, como em uma atuação de comédia.
— É impossível, você não entende meu problema. — As lágrimas ainda corriam pelo meu rosto. Ele imaginava que eu tinha um único problema, que de fato eu tinha, mas havia o outro ainda pior.
— Mas sou inteligente e inventivo, não importa qual seja o problema, encontrarei uma solução universal. — Ele prometeu enquanto fazia outra voz.
Suspirei e voltei o rosto para o seu, rendida. Vencida pelo cansaço porque naquele ritmo ele ficaria a noite toda me convencendo a comer.
Ele sorriu.
— Confie em mim. — Pediu enquanto enxugava as lágrimas de meu rosto com uma das mãos, então deu uma piscadela. — Farei meu melhor.
Será que um dia eu seria capaz de confiar nele? Cri que não. Ainda assim, naquele momento específico, resolvi dar um voto. Pela paz.
Ele me ajudou a me sentar e fez menção de dar comida em minha boca, mas eu peguei a colher e me alimentei sozinha. Tinha força suficiente para, pelo menos usar o braço que estava bom. Tentei ser rápida, porém ainda não estava em plenas condições. Senti culpa por ser tão difícil para uma pessoa que apenas me olhava sem julgamentos, no entanto, eu julgava que isso ia somente até a página dois, quando ele descobrisse quem eu era.
Quando terminei fiquei sentada por um tempo enquanto ele levava os utensílios, depois ele me ajudou a deitar. Tudo em mim doía absurdamente, maldito castigo que nunca passava. Eu só conseguia ruminar os pensamentos negativos que tinha. Bakji jantou sentado à mesa. Apenas suas costas eram visíveis dali, de minha cama. Pelo tecido fino eu conseguia ver os movimentos dos músculos sob a pele. Não ver suas expressões faciais fez com que eu me sentisse mais insegura. Talvez estivesse cansado de mim, era possível que estivesse fazendo uma careta de desgosto.
Senti uma absurda necessidade de pronta recuperação, tanto para deixar de ser um peso quanto para ajudar no que era necessário. Por mais que ele fosse generoso, eu trazia em mim a marca da independência e do autogoverno.
Por fim, depois da avalanche de sentimentos e pensamentos, fui completamente vencida pelo sono. Só continuei ali, parada, sem pensar, apenas sentindo a dor em sua máxima potência enquanto minhas pálpebras cerravam para me jogar no mundo dos pesadelos.
A última coisa que vi foi que quando Bakji terminou de comer, empilhou as vasilhas sujas em um canto e pegou um vidro da prateleira que ficava na frente da cama. Com uma colher em mãos, caminhou na minha direção. Abriu o vidro, despejou um pouco na colher e ofereceu a mim. Tomei sem reclamar, já quase totalmente inconsciente.
Dentro de pouco tempo meu coração desacelerou, a dor diminuiu enquanto meus olhos terminavam de se fechar, me deixando no escuro.
Caí em sono profundo.
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