VI: "Castrati"
Ouvir o choro inconsolável de uma mãe desesperada após perder seu filho na sala de espera do hospital não foi nada reconfortante para Harry, o qual tremia nós braços de sua irmã mais velha, que acariciava seus cachos com uma de suas mãos enquanto tentava consolá-lo, dizendo que nada do que havia acontecido era sua culpa.
Claramente, tudo aquilo era sua culpa.
Poderia ter aguentado algumas queimaduras em sua pele, porque não eram nada comparado a um ataque do coração. Não teria passado de um castigos, porque seu pai jamais o machucaria gravemente...
... mesmo que, após todos aqueles acontecimentos, não tivesse mais tanta certeza disso.
Os irmãos Styles olharam para a porta da frente quando a mesma se abriu, com sua mãe entrando e dando-lhes um sorriso fraco. Harry não sabia se aquilo era bom ou ruim. Anne caminhou até seus filhos, sentando-se ao lado de Gemma, os olhando por um momento.
— Garotos, não chorem. Seu pai está bem, ele vai se recuperar. — beijou a testa de ambos. — Vocês precisam rezar, Deus vai nos ajudar. Ele ficará em observação esta noite, e vai se recuperar, pouco a pouco. Não devem ficar chateados, e precisam se alimentar da forma correta. Vamos superar tudo isso, não se preocupem.
Apesar do sorriso de sua mãe e do profundo suspiro de alívio saindo dos lábios de Gemma, o corpo de Harry ainda tremia, e sua pele estava pálida como papel. Estava quebrado, tonto, enjoado...
— Gemms, querida, vá com seu irmão até o refeitório. — disse enquanto lhe entregava dinheiro para sua filha mais velha. — Compre um chocolate quente e um donut para ele. Compre algo para você também. A noite está muito fria. Vou esperar aqui, certifique-se de que seu irmão está bem, ok?
— Claro.
Gemma assentiu e ajudou seu irmão a se pôr de pé, caminhando para fora da sala de espera. Atravessaram o hospital até, finalmente, chegarem ao refeitório, o qual estava quase vazio, exceto por alguns idosos sentados em um canto, bebendo xícaras de café e conversando em voz baixa. Gemma deixou seu irmão em uma mesa de canto e acariciou seus cachos com cuidado.
— Não vou demorar, espere aqui. — disse antes de ir procurar algo para comerem.
Harry encolheu seus ombros em seu lugar, sentindo-se mais pequeno enquanto tentava parar de tremer. Morria de frio, morria de medo...
... morria de vontade de continuar nos braços de Louis. Não se sentia a salvo, estava desprotegido, e tão nervoso que mal conseguia vê-lo com o canto do olho.
Era sua culpa. Seu pai havia tido um ataque do coração, e eles não poderiam mais se ver cara a cara. Sua família suspeitaria dele, se perguntariam quem é "Louis", eles o acusariam e o espancaria até a morte.
Sua alma iria ser tomada da pior forma possível, e mesmo sabendo que acabaria no inferno, nunca deixou de querer ser envolvido nos braços do Diabo.
Ele o queria tanto, precisava daquilo. Necessitava...
As xícaras sendo colocadas bruscamente sobre a mesa o assustaram, interrompendo seus pensamentos e encolhendo-o mais ainda em seu assento. Sua irmã mais velha se sentou em sua frente e colocou um prato com quatro donuts de chocolate.
— Coma, Harry. — ordenou a garota.
Não negava que estava com fome, mas sentia que podia vomitar a qualquer momento. A culpa não saía de sua mente e, aparentemente, nem de seu estômago também.
Tentando parar de pensar muito, respirou profundamente antes de se sentar corretamente e pegar um dos donuts, dando uma pequena mordida e mastigando lentamente. Sue irmã mais velha suspirou e tomou um gole de seu café com creme, lambendo os lábios em seguida.
— Harry. — chamou, mas o garoto continuou com seu olhar direcionado para baixo, enquanto mastigava. — Se realmente acredita que é seus culpa, p-
— É minha culpa. — o menino interrompeu. Mas sua voz mal saiu. Engoliu a comida de sua boca e deixou o doce na mesa, pegando delicadamente seu copo e soprando o conteúdo antes de dar um gole, sentindo a bebida arder em seu peito. — Não pode... não pode se iludir dessa forma.
— Não estou me iludindo. — Gemma negou, observando o garoto a sua frente. — Papai é violento. Você sabe disso, mamãe sabe, eu sei disso. Inferno, ele mesmo sabe disso! — Harry olhou para cima ao ouvir tal insulto. Não sabia que sua irmã se expressava daquela maneira. — Sinto muito. Mas a questão é que... não é um castigo. Ele nos faz acreditar que tudo aquilo é apenas um castigo mas... pelo amor de Deus, não é um.
— Gemma, n-não... — novamente, respirou fundo, tentando acalmar seu corpo. Mas ele não podia. — ... por favor, não vamos falar disso. Eu estou... estou tentando não tremer.
— Se não falarmos disso... — de forma repentina, a garota parecia um tanto triste, abaixando seu olhar. — ... quem vai, Harry?—o garoto sabia que sua irmã mais velha tinha mais coragem do que qualquer um que já conheceu. — Está com frio? — Gemma mudou rapidamente o assunto, sentando-se de maneira mais reta. — Você está sempre descoberto. Não usa calças compridas. É inverno, Harry! Quer que eu vá para casa pegar um casaco para você? Eu posso ir com o carro.
Não precisava de um casaco, precisava dos braços de um certo alguém...
— Não, não. Eu... preciso ir ao banheiro, me desculpe. — enquanto sua irmã asentia, deu um último gole em seu chocolate quente e se levantou, saindo do refeitório.
Caminhou rapidamente, em busca do banheiro. Sabia que não era o horário suficiente para que alguém estivesse lá. Havia começado a chorar silenciosamente, impotente, só de pensar que sentiria os braços de Louis ao redor de si. Talvez pudesse, finalmente, provar um pouco de proteção.
Aquilo fazia parte do vínculo por conta da Invocação?
Uma vez que o encontrou, entrou sem hesitar e fechou a porta atrás de si. Olhou ao redor, aproximando-se das cabines e deixando escapar um forte e alto soluço ao perceber que estava sozinho. Não estava suportando aquela angústia, o desespero, a culpa e a necessidade da situação. Mesmo depois do que havia feito, de tudo que causou, estava se permitindo, pelo menos um pouco, sentir o bem-estar que estava em si.
— Louis? — se virou assim que sentiu uma sombra passar pelo canto de seu olho. Caminhou imediatamente na direção do Diabo ao vê-lo parado frente a si, e abraçou seu tronco, sem sequer temer seu belo, mas inexpressivo semblante. Começou a soluçar descontroladamente enquanto sentia os braços do Diabo o envolver — a princípio — com dificuldade. — Louis. N-não consigo parar de tremer...
— Sh, shh. — o arcanjo tentou acalmá-lo, reafirmando seu aperto com mais firmeza e levando seu nariz até os cachos do garoto, o qual estavam um tanto bagunçados, mas continuava belo como sempre. — Você vai parar de tremer, só precisava estar em meus braços. — lhe disse, ainda sem expressão alguma.
Era impossível decifrar o que aquele ser sentia... se é que sentia algo, claro.
— Ele ainda está vivo... meu pai. — disse Harry, como se o rei do submundo não houvesse notado. Se afastou de seu peito para levantar seu rosto e ver seus lábios, já que não podia olhar em seus olhos ou o barulho irritante começaria a perfurar seu cérebro mais do que já fazia. Sentiu seu estômago vibrar quando as mãos do Diabo seguraram suas bochechas e seus polegares limparam com muita calma e cuidado, as lágrimas que estavam por seu rosto. O humano soluçou. — Ele vai me matar, Louis. — não estava exagerando... tinha certeza disso.
— Não vai te matar. — respondeu o homem imediatamente. — Ele é estúpido, mas nem tanto. — sorriu de lado, como se não houvesse acontecido tragédia alguma. — Não vai querer tocar em você, até porque... — ergueu ambas sobrancelhas, sem apagar aquela expressão perversa. — ... isso poderia matá-lo.
— Não, não... — murmurou rápidamente, fungando enquanto acalmava seus solução completamente. Não que acredita que era o melhor ser humano do universo, mas já havia sido o suficiente. — Ben, Brad e Bobby... — negou lentamente, ainda um tanto abalado.
Seus primos... eles haviam planejado tudo isso. Queria poder dar-lhes uma lição, uma que realmente os fizesse entender de uma vez por todas, mas ele não podia, e nem podia perguntar algo sobre para o Diabo já que, aparentemente, o mesmo se animava suficientemente rápido.
Louis o silenciou novamente e o segurou contra seu peito, ainda sorrindo de lado.
— Não quero meu menino favorito desperdiçando seus pensamentos com aqueles idiotas. Você vai se acalmar, respirar fundo e relaxar. Está bem? — Harry assentiu, obedientemente, e isso simplesmente fascinou o Diabo. — Deveria comer.
— Mas... — franziu um pouco a testa antes de olhar para cima, analisando o rosto do ser à sua frente. — Você não vem comigo? — o Diabo não conseguiu evitar de rir baixo, num suspiro, pela inocência e pureza que aquele garoto carregava.
Ninguém queria ficar perto dele, até tinham medo de nomeá-lo, e agora estava com um garoto pequeno e religioso. Um tanto curioso também, é claro.
Com um coração tão grande... mas não tão grande quanto a tristeza que carrega a anos.
Sem poder evitar, Louis se aproximou do rosto do cacheado, deixando um suave mas casto beijo no canto dos lábios do garoto, o qual congelou em seu lugar, ganhando um rubor furioso em suas bochechas.
— Eu adoraria, mas o dever me chama. Agora, vá.
Harry assentiu lentamente, limpou suas lágrimas e soltou o corpo do Diabo, recuando alguns centímetros antes de sair pela porta, sem olhar para trás, com medo de não querer voltar para o território. Definitivamente se sentia mais relaxado.
Mas... ainda assim, não parecia certo.
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Os olhos de Des se abriram lentamente. Engoliu saliva, sentindo sua garganta extremamente seca. Precisava de água, urgentemente.
Suspirou enquanto se movia, desconfortavelmente. Aquela agulha em seu braço o incomodava, doía, precisava ver sua família e saber se todos estavam bem, que estavam o esperando do lado de fora, torcendo e orando para si.
Sua mente começou a se lembrar de como havia tentado castigar seu filho, e imediatamente começou a sentir uma dor forte em seu peito. Quando o ar escapou de seus pulmões, sua visão escureceu e o impacto no chão o deixou inconsciente.
— Quer água? — soltou um pequeno grito de susto ao ouvir uma voz susurrar em seu ouvido esquerdo. Levou uma mão ao peito, tentando acalmar seu coração. Definitivamente, não queria ter outro infarto.
Novamente, virou sua cabeça e notou através da nebulosidade de sua visão, alguém vestido totalmente de preto no final de sua cama. Sua garganta secou ainda mais, piscando algumas vezes para saber se aquilo era realmente real.
Finalmente conseguiu enxergar melhor o homem; parecia mais jovem do que si, e tinha olhos tão azuis quanto o céu em um belo dia de verão. Sorria com calma, vestindo uma camisa preta abotoada até o pescoço e calças da mesma cor.
— Q-quem é você? — conseguiu dizer, embora quase não tivesse voz.
Imediatamente, aquele homem se aproximou até estar ao lado de Des e pegou um copo plástico com água de um bandeja que estava sobre a mesa ao lado. Levou-o até a boca do paciente, esperando até que o mesmo bebesse todo o conteúdo, mesmo sem merecer um gota.
Ao terminar, recolocou com calma o copo na bandeja onde estava e voltou a ficar na ponta da maca, apenas olhando para o homem deitado ali.
— Quem é você? — perguntou novamente, totalmente perdido. — Onde está minha família?
— Des Styles, eu... — o homem levou sua mão repleta de anéis de ouro até seu próprio peito. — ...sou Jesus.
Se Drs não estivesse medicado, provavelmente, teria outro ataque do coração. Se limitou a observar fixamente aquele ser gentil, o qual continuava sorrindo com a mesma calma de antes.
Definitivamente, não esperava que Jesus Cristo fosse daquela maneira.
Entretanto, quem era ele para julgar seu Deus?
— C... como sei que não está mentindo?
— Des, você acreditou em mim quando salvei seu irmão de um câncer terminal. — imediatamente, aquele homem na cama começou a chorar, sem conseguir acreditar no que estava acontecendo. Ninguém sabia que ele havia começado a acreditar em Deus naquele momento. A vida de seu irmão estava em risco, e aquele ser glorioso foi sua única sorte. — Acredita em mim, agora?
— Oh, Deus, meu Senhor. Louvado s- — se interrompeu quando o homem de preto levantou uma de suas mãos e negou lentamente com a cabeça, indicando para que parasse.
— Meu querido Des, eu não estou aqui para conversar. Quero dizer... — ergueu ambas sombrancelhas. — ... eu sou Jesus Cristo, não seu terapeuta. — Des engoliu em seco, sentindo uma dor dentro de si. Esse era o filho de seu senhor? — Estou aqui porque você tentou fazer algo muito, muito ruim com um de meus querubins.
— Q-quem?
— Seu filho, para ser mais exato. — caminhou ao redor da cama para ficar ao lado do humano, ancarando-o fixamente. — Você quase queimou aquela pele de porcelana. Tem alguma ideia do quanto vai custar para você pagar por isso?
— O que? — olhou ao seu redor, estava com medo de chamar alguma enfermeira. Tentar se defender o assustava. Esse não podia ser Jasus Cristo, não, claro que não. — Eu...
— É uma pena. — voltou a dizer o arcanjo, sorrindo um pouco ao perceber o quão irritado o humano ficou por ter sido interrompido. — Se lembra de como se sentia quando era apenas um garotinho e se escondia no armário para que sei pai imundo não o encontrasse? Medo, desespero de... de ser como ele, não é mesmo? — apesar das coisas horríveis que estavam sendo ditas, estava tudo calmo, tranquilo. — Você sempre dizia: "Eu não vou ser como meu pai" mas, pooorra, você é mais que seu pai. Você é pior que ele.
— Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco... — naquele ponto, Des já havia se dado conta de com quem estava lidando. Havia sentido isso mas esperava que não fosse nada ruim. Nada pior do que já houvesse acontecido.
— Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre... — continuou o Diabo, fazendo uma pausa para que pudesse apontar para si mesmo. — ... Jesus. — a cruz da parede, onde se encontrava a cabeceira da cama, cambaleou em seu lugar para que, então, pudesse pousar a cima da cabeça do humano. O qual soltou um um soluço de medo enquanto Louis sorria como se não houvesse amanhã. — Não seja imbecil. Achei que estávamos nos entendendo. — exclamou em um tom triste, mas sarcástico. — É realmente uma pena, pensei que pudesse me obedecer.
— Te obedecer? — soluçou o homem. — Só obedeço o meu Deus, e em nome dele, devolvo você à escuridão de onde veio. Eu te ordeno em nome do senhor...
Houve um breve silêncio, onde o arcanjo ergueu suas sobrancelhas, olhando em volta, como se algo estivesse prestes a acontecer.
— Esta é a parte em que um lago negro se abre em meus pés e eu caio para a morte? Você... você definitivamente anda vendo muito filmes, não acha? — soava amigável, mas era possível notar sua falsidade. — Deus te disse para ser essa pessoa agressiva que é? Pensei que ele era bondoso... mas vejo que é pior que eu. — brincou, rindo baixo, de maneira rouca.
De repente, a seriedade voltou para seu rosto, e a cor marinha de seus olhos se tornou bordô. Suas pupilas se dilataram e suas sobrancelhas se ergueram enquanto se inclinava lentamente para o rosto do cristão.
— Vamos ser claros, hm?
— Em nome de Jesus, eu te devolvo par-
— Em nome da puta da sua mãe morta. Cale a boca. — sua voz se tornou grave, distorcida, terrorífica, e Des começou a chorar imediatamente. O Diabo limpou a garganta, fingindo arrependimento enquanto se endireitava. — Me desculpe por isso. — sua voz voltou ao normal. — Eu perdi o controle, eu acho.
Tudo que houve naquele momento foi o silêncio, por alguns segundos, até que, Louis, novamente, sorrisse de lado.
— P-por favor, não me mate. — implorou Des, soluçando e tentando recuar para trás o máximo que conseguia, espantado com o que estava diante de seus olhos.
— Você vai deixar seu filho em paz. — ordenou o arcanjo, novamente sério e com seus olhos bem abertos, fixos nos do pai de seu menino favorito. — Não vai mais olhar para ele, não vai falar com ele, muito menos tocá-lo. — Des asentia, obedientemente. — Se sua alma ainda está em seu corpo é graças a ele... agora, agradeça a ele.
— E-eu, eu...
— AGRADEÇA!
— Obrigado, o-o-obrigado. Obrigado. — soluçou, tremendo enquanto levava uma de suas mãos até o peito. — Obrigado, obrigado.
Os bipes começaram a se tornar audíveis no ambiente, indicando que o pulso de Des estava muito acelerado. O diabo observou fixamente sua vítima por longos segundos, com um olhar indecifrável.
— Sou alguém muito ocupado, mas continuo sendo real. Estarei te vigiando aqui na Terra, Desmond Styles. — novamente, caminhou para a ponta da cama, sem tirar os olhos do homem a sua frente. — E se lembre: na próxima vez... seu Deus não vai te salvar.
Dois enfermeiros entraram na sala, colocando-se ao lado do mesmo, tentando o acalmar. Outra enfermeira chegou com uma bandeja repleta de comidas saudáveis, e todos bloquearam a vista do paciente. Quando o homem teve oportunidade de ver novamente a ponta da maca, não havia mais nada ali.
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Gemma e Harry entraram pela porta principal de casa, exaustos. Sua mãe iria permanecer no hospital, esperando pelo marido, ou seja, Gemma quem levou seu irmão para casa.
A casa estava silênciosa e as coisas estavam exatamente como haviam deixado. Existia uma grande tempestade se formando lá fora e ambos os irmãos apenas queriam dormir.
— Descanse, Harry. E me chame se precisar de algo. — o garoto asentiu, recebendo um beijo na testa de sua irmã. — Te amo.
— Eu também, Gemms. — murmurou o garoto, dando um fraco sorriso para a jovem. — Descanse.
Finalmente, se direcionou para a porta do porão, desceu os degraus e abriu a porta ao lado direito, entrando em seu quarto. Uma vez no mesmo, se permitiu soltar um suspiro cansado, tentando aguentar toda a tensão que estava sobre ele. Caminhou até a mesinha de sua cabeceira, prestes a acender a luz do local. Porém, não o fez.
Ele não temia o sobrenatural, apenas queria dormir... talvez, para sempre.
Aquele pensamento fez o cacheado soltar um soluço seco. Tudo havia sido sua culpa, e não conseguia não pensar dessa forma. Seu olhar se abaixou até que estivesse encarando o chão, apertando seus olhos com força enquanto suas mãos se fechavam em punhos antes de abraçar a si mesmo. Por que tinha que dar tudo errado? Não havia um momento sequer de paz para ele? Nem para Anne e Gemma?
Sentiu uma quente e inesperada respiração em sua nuca, seguido de braços envolvendo-o por trás em um abraço reconfortante. Louis poderia ser o Diabo mas, pelo menos para Harry, dava os melhores abraços do universo, ao ponto de poderem ser comparados com os de sua mãe.
Se permitiu relaxar sob os braços do rei do submundo, envergonhado, sem parar de pensar em sua situação. Triste vida... ele era alguém tão triste...
Alguém que nunca poderia ser amado por ser quem era.
— Louis, acho que estou me tornando alguém cruel. — o nariz do ar arcanjo tocava os cachos do garoto, aspirando de maneira discreta o aroma dos sentimentos que exalava de seu menino favorito.
— Impossível. — respondeu Louis em um susurro. — Ainda consigo sentir a pureza em você.
Harry não compreendia como poderia haver sequer uma gota de pureza em sua alma depois de ter invocado o suposto ser mais malvado de toda a existência.
— Mesmo depois de invocar o Diabo? — se atreveu a dizer em voz alta, sentindo um aperto em seu estômago quando a mãos de Louis envolveram seu tronco, dando suaves e pequenos tapinhas no local.
— Não foi um ato de maldade, foi um ato de desespero diante da maldade dos outros. — respondeu o Diabo, virando o menino em seus braços e colando seus corpos, inclinando-se para que seu nariz tocasse suavemente a lateral do rosto do cacheado, o qual estava nas pontas dos pés, amando receber aquelas carícias e a proximidade que ambos mantinham. — Muitos não entenderiam.
— Ninguém entenderia. — confirmou, Harry.
— Eu entendo. — retrucou Louis, continuando a esfregar seu nariz com o do garoto. — Sua alma é minha, posso sentir tudo que você sente de uma forma pior.
A testa de Harry se franziu imediatamente ao que uma preocupação surgiu em seu peito.
— Não dói em você? — o Diabo sorriu de lado, negando lentamente diante a inocente pergunta de seu menino favorito, ao mesmo tempo em que acariciava a região de sua lombar.
Me dói saber que dói em você.
— Se lembra de todas aquelas histórias de que sou egoísta, que gosto de sentimentos ruins e que sou muito, muito mentiroso? — Harry assentiu lentamente, esperando uma resposta positiva. — Não são mentira. — o cacheado engoliu em seco para tentar acalmar o nó em sua garganta que se formou após ouvir a resposta do Diabo.
Claro que o Diabo era malvado e mentiroso. Por que ele acreditaria o contrário? Por sentir proteção? Porque Louis era um dos únicos que o tratava bem? Porque o...?
Provavelmente todos os supostos sentimentos ou sinais de afeto que ele parecia ter por Harry eram falsos, porque ele era um ser mentiroso, e claramente não possuía sentimentos. Não deveria estar tão perto daquilo, não deveria querer que o arcanjo o beijasse, e sequer deveria sentir cócegas em seu estômago. Harry se sentia mal.
Deveria ter sido esperto, mas aquela pergunta que não terminou de formular em sua mente... não se permitia terminar aquilo.
— Então, também é verdade que tem chifres e rabo? — perguntou, tentando esquecer aquele assunto, mesmo que a umidade em seus olhos revalassem que seus pensamentos não eram bons, ainda que seus olhos estivessem fechados. O Diabo franziu a testa.
— Quem te disse isso? Eu o matarei. — apesar de estar brincando, não pôde evitar de soar indignado, o que fez o cacheado rir baixo enquanto corava. Louis inclinou um pouco seu rosto e começou a despejar suaves e lentos beijos na bochecha de Harry. — ... é engraçado.
Naquele ponto, o cacheado não queria mais se mover. Estava totalmente relaxado contra o quente corpo do rei do submundo, e se encontrava encantado pelos suaves beijos em sua bochecha.
— O que? — conseguiu falar.
— Não sabia que tinha dois lados.
Aquele comentário de Louis fez com que abrisse seus olhos, com a testa levemente franzida, esperando que não seja nada ruim, mesmo sabendo o que equele ser que o segurava era.
Bom, pelo menos é o que queria pensar.
— ... do que está falando?
— Uma parte de mim adora sentir a sua tristeza. — os músculos de Harry tensionaram, e o medo se fez presente em seu peito. Porém, não queria perder a proteção que sentia ao ser envolvido nos braços do Diabo. — Mas outra parte de mim faz tudo que é possível para que você esteja sorrindo, chega a ser engraçado. — um silêncio se instaurou por alguns segundos. — Nunca aconteceu comigo antes. — admitiu e, mesmo que soasse realmente honesto, Harry tentou não criar esperanças.
O Diabo era mentiroso. Tinha que ser inteligente, mais do que ele.
Se afastou um pouco, com o olhar baixo, girando novamente para que pudesse pegar seu pijama azul claro. Como os olhos do...
... não. Não poderia admitir isso.
Caminhou até a cama, sentando-se na ponta e tirando seus sapatos. Estava prestes a começar a se despir, mas notou os preciosos olhos de Louis em si, intimidando-o.
— ... você poderia...? — envergonhado, aguardou que o Diabo compreendesse o que queria dizer.
O arcanjo bufou e se virou, revirando os olhos, sem acreditar que se estava realmente realizando aquele pedido para agradar um simples garoto. Uma simples alma.
Mesmo que... talvez não fosse tão simples.
— Pronto. — murmurou Harry, já vestido com seu pijama no corpo.
Quando Louis voltou a se virar, o cacheado já estava deitado debaixo de suas cobertas, e deixando um pequeno espaço para o arcanjo.
Se aproximou e não hesitou em seu deitar ao seu lado, envolvendo novamente o corpo do garoto com suas mãos. Começou a acariciar os cachos de seu menino favorito, esperando que o mesmo conseguisse dormir, mesmo sabendo que isso não iria acontecer, porque ele estava lá e provavelmente deveria sair de novo para que Harry pudesse descansar melhor.
— O que significa as palavras que disse aos meus primos? — perguntou o humano de maneira inesperada.
Sempre teve curiosidade de saber o significado daquela palavra, e agora que estava mais confiante com o Diabo — o que parecia loucura — não perderia a oportunidade.
— "Castrati"? — Harry asentiu, e o Diabo lubrificou seus lábios antes de começar a explicar. — Muitos anos atrás, a igreja comprava garotinhos que tinham uma boa voz, e os levavam para um reformatório. Os castravam porque acreditavam que isso conservaria suas vozes agudas. — uma careta de dor se fez presente no rosto do cacheado. Como alguém pode ser tão cruel com um simples criança? Era tão injusto, e ainda mais terrível que eles se considerassem "cristãos". — Quer saber a pior parte? A que ninguém sabe? — sua voz soava como se estivesse prestes a contar algo divertido, até mesmo engraçado.
— ... eu não sei.
— Eles os comiam. — a testa de Harry se franziu em clara confusão.
— O que? Os meninos? — perguntou.
— Seus testículos.
Um enjôo surgiu na garganta do cacheado, mas conseguiu engolir rápido enquanto a mais pura angústia se instalava em seu peito, por todas aquelas crianças, e não conseguia evitar de pensar no motivo de Louis chamar seus primos dessa forma. Era porque cantavam no coro da igreja ou porque estavam planejando fazer algo? Tentou continuar com as perguntas para evitar de cair em um choro desesperado.
— O-oh, bom... isso realmente é doentio. — sua voz tremeu um pouco, e Louis o envolveu para que ficasse mais perto de si. — Quero te perguntar uma coisa, mas tenho medo de te ofender.
— Vá em frente.
— Você era... um anjo? Era um anjo de Deus?
Houve um breve silêncio antes que Louis concordasse.
— ... huhum. — afirmou em um murmúrio. — O melhor de todos.
Oh, uau.
— Esse é o seu corpo verdadeiro? Quero dizer, sempre teve esta forma? — o assustava pensar que o homem que o segurava em seus braços era um corpo que o Diabo havia tomado. Realmente, esperava que não.
— Eu posso ser o que eu quiser, mas este é o meu corpo verdadeiro. — se aliviou imediatamente diante da resposta do Diabo.
Mas isso não durou muito tempo.
Um medo de quando Louis confessou adorar sentir sua tristeza, somando a angústia que sentia pelos garotos que foram castrados, usados como coro de anjos e governados por demônios que se faziam passar por crentes... temia o mesmo destino para sua família, mesmo que fossem ruins, não eram o suficiente para merecer aquilo.
E o que mais temia, que não estava querendo admitir...
... era de que estava se apaixonando por Louis. Desesperadamente.
E o diabo era um mentiroso.
Suspiro de forma trêmula, apertando seus olhos com força.
— Louis. — chamou, tenso enquanto se aconchegava no peito do nomeado. — Eu tenho medo. — admitiu.
— O que teme? — a voz do Diabo era neutra, assim como sua expressão.
Se ao menos pudesse se lembrar de alguma palavra de afeto que mostrasse que ele se importava... mas não. Jamais havia compartilhado nada disso com alguém e não achava que tivesse sentimentos.
— ... você. Mas não da maneira como os outros temem. — murmurou eu resposta, tentando se acalmar enquanto o quarto mergulhava em um silêncio absoluto.
Tenho medo de me apaixonar muito, porque acho que não tem mais volta.
Minutos depois, conseguiu cair em um sono profundo, e assim que o fez, Louis saiu de perto para não provocar pesadelos no garoto que pudessem prejudicar sua mente mais do que já estava.
Além disso, ele tinha assuntos para resolver.
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— Harry. Harry, hey. Acorde. — seus olhos se abriram quando sentiu sua irmã mais velha agitar seu ombro. Olhou para a garota de maneira levemente estranha, até perceber que sua pele se encontra extremamente pálida, e suas bochechas totalmente molhadas. — Harry.
— Gemms? — se sentou abruptamente, sentindo um pouco de dor ao fazê-lo. Levou sua mão em forma de punho até seu olho esquerdo, tentando afastar o cansaço. — O que aconteceu?
— Temos que ir ao hospital, agora. Levante-se. — respondeu a garota, saindo do quarto do irmãos rapidamente, sem nenhuma explicação.
O pânico começou a tomar conta de seu corpo de maneira imediata. Algo havia acontecido com seu pai? Era sua culpa!
Começou a hiperventilar enquanto se levantava da cama, vestindo-se com rapidez. Colocou seu short, seus sapatos, sua camisa branca abotoada, seus suspensórios e um enorme casaco preto. Limpou as lágrimas em seu rosto, olhando em volta e percebendo que não conseguia ver nada com o canto de seu olho.
— Louis? — chamou.
Nada aconteceu.
Saiu do quarto apressadamente, fechando a porta atrás de si e subindo as escadas para a porta seguinte. Uma vez dentro da cozinha, sua irmã mais velha lhe entregou um copo com suco de laranja espremido e duas torradas com geleia de pêssego por cima. Era estranho não ouvir Dominique soar pela casa no volume máximo.
— Gemms? Algo aconteceu com o papai? — não pôde evitar de soluçar ao completar a frase.
Gemma o abraçou imediatamente.
— Não, não. Fique calmo, nada aconteceu com ele. — disse rapidamente, deixando um beijo na testa de seu irmão mais novo antes de lhe dar um sorriso fraco. — Te explico no caminho, tudo bem? Tome o café da manhã rápido, por favor.
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Meia hora depois, os irmãos Styles estavam no veículo, com seus cintos de segurança apertados devido à rápida velocidade em que Gemma dirigia. Harry tentava não entrar em pânico, acreditar nas palavras da jovem ao seu lado, mas sabia que algo ruim havia acontecido.
— Olha Harry.... ah, droga. Não sei como dizer isso. — sua irmã negou lentamente com a cabeça enquanto viravam uma esquina. O coração do jovem começou a bater com extrema rapidez enquanto olhava para frente. — Algo aconteceu com nosso primo, Brad. — o cacheado a observou, pálido como papel, começando a tremer. Não, não. — Não sei como dizer isso delicadamente. Oh Deus. Uhm, algo aconteceu com suas partes íntimas, e ele teve que ser... amputado.
A tontura que o cacheado sentiu foi terrível, mas foi disfarçada devido ao rápido movimento que o veículo realizou, e por estar com seu cinto de segurança devidamente colocado.
Sentiu enjôo, com uma enorme vontade de morrer, alí mesmo.
Era sua culpa, apenas sua.
Sequer percebeu quando chegaram no hospital. Gemma o chamou mas não conseguia a escutar muito bem, sentiu como se alguém tivesse tirado seu cinto de segurança e, após alguns segundos, foi tirado do veículo. O ar frio contra seu rosto o fez despertar um pouco, mas a culpa que sentia era tão grande, que sentiu como se pudesse ter um ataque cardíaco quando seu peito começou a doer. O carma de seu pai, talvez?
Ambos os jovens caminharam rapidamente, entrando no hospital, pelos corredores, até chegarem à sala de espera. Toda sua família se encontrava alí, e quando Harry chegou junto de Gemma, seus primos o observaram com pavor. Seus tios estavam conversando com um médico que acabava de sair de um dos quartos, e Anne estava atrás de sua tia Jacky, acariciando seu ombro enquanto soluçava baixinho.
— Fique aqui. — Gemma murmurou ao seu irmão mais novo, deixando-o mais longe de sua família, dirigindo-se até sua mãe, em busca de respostas.
A luz do hospital piscou, mas ninguém pareceu notar. O frio invadiu Harry como se o mesmo estivesse no pólo norte e, quando olhou para o lado, algo grande e alto coberto por uma túnica escura passou rapidamente. O ar escapou do peito do menino enquanto via a figura que anteriormente viu na estrada — e em seu pesadelo — entrar seguido por um médico no quarto onde Harry acreditava que estava Brad.
Seu tio Joffrey começou a chorar enquanto cobria seu rosto com a notícia que havia recebido do médico, e assistiu sua tia Jacky cair no chão, soltando um grito agudo.
Bob, junto de Ben, começaram a chorar em seus lugares, de maneira alta, enquanto Anne e Gemma tentavam amparar a mulher que não parava de gritar, repetindo ininterruptamente o nome de seu filho mais velho.
Eram o centro das atenções e, pela cara que o médico possuía quando se virou, prestes a continuar seu caminho pelo corredor do hospital, Harry supôs que não havia sido apenas uma amputação.
Algo deu errado, e agora Brad estava morto.
O Diabo marcou presença ao lado de seu menino favorito. Ele podia senti-lo perto de si.
Mesmo que não soubesse se poderia sentir algo além de culpa.
— O que era aquilo? — perguntou Harry, referindo-se à figura que saiu do quarto de Brad, seguindo pelo corredor, até o final, e então, finalmente virando uma esquina. Pronta para continuar sua caçada.
— Morte. — murmurou Louis.
— Para onde ela está levando ele? — recuou um pouco em seu lugar.
Sua boca movia-se por conta própria, fazendo perguntas coerentes, mesmo que a única coisa em que conseguia pensar era em como ainda conseguia ficar de pé.
A respiração profunda do arcanjo foi tão audível e forte que fez com que até as pinturas nas paredes tremessem levemente. Harry sabia que, naquele momento, Louis estava absorvendo almas obscuras...
... como a de seu primo.
— Não importa onde. O importante é que não será mais um incômodo. — mentiu, porque sabia. Harry sabia para onde iria a alma de Brad.
Porque o Diabo era um mentiroso. Ele engana, finge, envenena, mata...
— Louis... — conseguiu dizer em uma exalação mas, sem mais forças, caiu no chão.
Ninguém o segurou, o Diabo nunca respondeu ao seu pedido de ajuda... Deus também não.
E tudo se tornou preto.
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História original: BooDarkness
Tradução: Hey_Jeez5
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