Sexo, Drogas e Rock'n'Roll
Em meio à madrugada, o Knight acordou. Com olhos ainda apertados, olhouo display do relógio que marcava 4h45m. Estava com uma imensa dor decabeça e o estômago embrulhado. Na verdade, sentia como que milhões deagulhas espetando impiedosamente seu cérebro e um gosto amargo na boca.
Entretanto, logo que vieram as memórias da noite anterior, soltou umaenorme e constrangedora gargalhada. E apesar do desconforto que sentianaquele momento, podia dizer que aquelas eram apenas "as insígnias" querecebera em razão de sua mais recente vitória, aliás da maior vitória de suavida como hacker.
Do sofá onde estava largado, como um rei orgulhoso faria ao seu vasto reino,contemplou por todos os lados as consequências da celebração de seusucesso: A casa totalmente revirada, com garrafas de uísque e latas decerveja vazias espalhadas por toda parte. E se sentiu por um momento comoum verdadeiro vencedor. Após meses de duro trabalho, conseguiradesenvolver um programa de computador que julgava ser sua obra-prima, aqual chamara de vírus K.
Como ele previu durante o desenvolvimento, o v-K fora altamente eficiente.Ao invadir o sistema dos cinco maiores bancos do mundo, o vírus haviarealizado automaticamente uma série de infinitas transferências de valoresem todas as contas de seus clientes, as quais se repetiram em cascata demodo a que parte do valor se perdesse nessas transferências de uma formatão aleatória que ficava praticamente impossível rastrear o destino, sendoentão o valor remetido a contas controladas também pelo Knight.
Então após o restabelecimento do sistema, que exigiu o esforço de milharesde programadores, os rastos do v-K simplesmente se apagaram deixando-osconsternados. O Knight havia criado o mais absurdo de todos os cibervírus já desenvolvidos e o resultado disso foi um rombo financeiro que atingiu a casade bilhões.
Obviamente, que um trabalho desse tamanho fora encomendado por umapoderosa organização criminosa e o Knight havia sido generosamente pagoem contrapartida por seu trabalho brilhante com "dinheiro totalmentelimpo", sob alegações de ter executado apenas um serviço trivial deprogramador de sistemas.
Apesar de tudo isso, depois de alguns instantes o Knight percebeu que"ainda" estava insatisfeito.
Entre todas as lembranças que possuía de sua trajetória até ali, a mais caraque o Knight guardava era certamente a singela memória de sua mãe vindoacudir-lhe quando, ainda pequenino, caíra na rua e machucara o joelho.
Chorando copiosamente, ele entrara em casa e ela num gesto de suprema ematerna compaixão envolveu seu frágil corpo e o abraçara até que sua dor,absorvida pelo calor do afeto que sentiam mutuamente, cessasse porcompleto.
Curiosamente, o irrompimento dessa lembrança tão reconfortante não raroera acompanhado de uma sensação de melancolia, que progredia ao ponto dese tornar um contrastante sentimento de rancor contra o mundo.
Esse rancor evidentemente surgia de outro evento que marcara sua vida. Eera um sentimento excessivo e absurdo de desprezo pelas relações sombrias eincompreensíveis que as pessoas forjavam entre si, apesar da fragilidade detudo e da inevitabilidade do fim.
Já havia passado um bom tempo depois do incidente da infância com suamãe, quando o Knight, já com a idade de 16 anos, chegava do parque local aonde costumava ir com seus amigos depois da aula, e encontrou o quarteirãoonde morava cercado por viaturas da polícia e do corpo de bombeiros.
Ele achou aquilo muito estranho e, preocupado com seus pais, tentou correrna direção de sua casa, mas foi impedido por um policial:
— Volte para trás, meu rapaz! É perigoso...
— Mas eu moro lá... — argumentou.
— Os bombeiros estão fazendo o rescaldo e é perigoso ficar próximo.
— Mas minha mãe e meu pai...
— Quem são sua mãe e seu pai?
— Eu moro na casa azul na esquina...
— Desculpe-me, rapaz! Não há mais o que você possa fazer... Sinto muito,não há como salvá-los...
A verdade desse dia, entretanto, era ainda mais terrível do que aquele pobreadolescente poderia supor: O pai, que estava desempregado já havia algunsmeses, chegara bêbado em casa. E alterado pelo álcool, espancara sua mãeaté a morte.
Por fim, ao compreender a gravidade do que tinha feito, o homem abriu o gáspara que se espalhasse por todos os cômodos e acendeu um isqueiro. Aexplosão foi tão forte que metade do velho sobrado onde moravam foidestruída e o que sobrou em pé, para sempre condenado.
A dor daquele jovem foi incomensurável e seu desespero no instante dacatastrófica revelação indescritível. Não há no mundo quem tenha o coração tão duro que vendo aquela cena não se abalasse ao menos um pouco com aterrível sorte do rapaz.
Gritando pela mãe a plenos pulmões, ele se desvencilhara dos policiais, queem vão tentaram contê-lo. Desesperado, ele revirou os escombros,queimando as próprias mãos, na esperança de encontrar a mãe ainda viva.Mas era tarde, não havia mesmo o que fazer.
Depois disso, ficou três meses internado para se recuperar dos ferimentos docorpo e, embora nunca houvesse se recuperado das feridas da alma, o Knightteve a sorte de ser acudido por seu tio paterno, diretor da área de informáticade uma grande multinacional.
Comovido com o sofrimento do sobrinho, ele o acolhera em sua casa e,apesar de não ter uma esposa que cumprisse a função de mãe e estar sempremuito ocupado com o trabalho, garantiu que o rapaz tivesse uma vidaconfortável, além de ensinar-lhe o ofício que mais tarde faria daquele tristeórfão o lendário hacker Knight, criador do vírus K.
Infelizmente, a fatalidade cruzaria mais uma vez o caminho do Knight. Numacidente de avião, quando retornava de uma viagem de negócios ao Japão,também o tutor do jovem viria a morrer, deixando-o definitivamente só.
Condenado a mais esta terrível dor e sem alguém que o orientasse em suanova vida, o jovem acabou dilapidando os bens que seu tio lhe deixara.
É verdade que por um tempo recebera diversas propostas de trabalho, pois jáera reconhecido pelo seu talento nessa época, mas como não se ajustava emnenhum lugar, acabou indo morar num velho apartamento nos arredores dacidade, praticando, em princípio, pequenos golpes que lhe garantiam asubsistência.
Entretanto, com o passar dos anos, seu talento também como hacker foisendo reconhecido por grupos muito poderosos que exigiam suas habilidades formidáveis para complexas fraudes eletrônicas, que se tornavam cada vezmais recorrentes à medida que os sistemas de segurança das empresastornavam-se mais sofisticados. Vale dizer que poucos hackers no mundoeram tão habilidosos nesse quesito como o Knight.
Foi quando, já suficientemente famoso no submundo do crime, ele foraapresentado a uma certa Luciana, vulgo: Lux, contato da organização secretachamada Clavis Magistra.
*
Erguendo-se com certa dificuldade do seu velho sofá, por causa da tonturaprovocada pelo uso excessivo de álcool e drogas na festa da noite anterior, ojovem hacker dirigiu-se até a cozinha do pequeno apartamento, onde seserviu de uma generosa jarra de água.
No outro cômodo, nesse momento, seu celular começou a tocar repetidasvezes.De início, ele não deu muita atenção, pois não estava esperando nenhumaligação importante, mas diante da insistência, ficou apreensivo. E retornandoà sala, atendeu o telefone com certa rispidez:
— Alô, o que é que você quer?
— Boa noite, Knight! — O uso de seu nickname chamou a atenção do rapaze o interlocutor obviamente sabia disso. — Bom! Não tenho muito tempo,por isso serei breve. — A voz do sujeito era grave, ainda que gentil, ecarregada com um peculiar sotaque alemão. — Creio que temos assuntos doseu interesse a tratar e gostaria de me encontrar com você.
— Se for assunto de trabalho, diga-me qual é o seu nickname e eu entro emcontato...
— Não é bem um assunto de trabalho. Só posso dizer, por enquanto, que éum caso de vida ou morte!
— Certo! — expirou contrafeito. — Mas eu gostaria ao menos de saber comquem estou lidando? — indagou o rapaz, que novamente foi ignorado peloestranho que continuou falando:
— Preciso que esteja amanhã na Rua 57, numa antiga casa de chá,exatamente a um quarto para as cinco da tarde. Basta chegar e entrar. Não seatrase, isso é muito importante e, sobretudo, não falte sob nenhuma hipótesea esta reunião.
Após deixar essas palavras no ar, o homem simplesmente desligou o telefonesob os gritos e palavrões de Knight, que tentava acessar rapidamente orelatório de contatos recentes. Infelizmente o número daquele sujeito erarestrito e não estava com cabeça para hackear a companhia telefônicanaquele momento.
Irritado, apenas tomou um pequeno guardanapo e anotou o endereço e ohorário, sem nem mesmo saber se de fato iria àquele encontro absurdo. Nãoera de seu feitio e nem um pouco prudente negociar pessoalmente. Depoisdisso, ele meteu o pedaço de papel no bolso da calça.
Quase no mesmo instante, a campainha tocou. E ainda exaltado peloaborrecimento anterior, o jovem hacker simplesmente abriu a porta numgesto brusco, soltando uma dezena de palavrões, para logo engolir toda suaira a seco.
À porta de seu apartamento, havia cinco homens. Todos elegantementetrajados e empunhando suas armas em direção a ele.
— Espera... espera... — gaguejou o hacker, enquanto era empurrado pelosestranhos para dentro da própria sala.
Com as portas fechadas, um homem calvo, de traços rudes apertou o cano dapistola contra as têmporas do Knight, aproximando o rosto dele.
Rompendo o silêncio, o agressor lhe falou pausadamente, como a quererdeixar bem claro o que estava perguntando:
— Onde ELA está?— Ela? Ela quem?... Espere, por favor. Olha, não sei de quem você estáfalando. Eu trouxe umas três garotas para cá ontem a noite, mas como podever, todas já foram embora...
— Cala essa boca! — gritou. — Não estou me referindo a nenhuma dasvagabundas com que você costuma andar, garoto!
Voltando-se para os outros homens, o calvo fez um gesto de cabeça, no queprontamente eles o atenderam, iniciando uma rigorosa revista no pequenoapartamento de Knight.
— Não tem nada aqui, Sr. Duke. — Logo anunciou um deles, um sujeitomuito alto, com rosto fino, de bigode e com olhos tão pequenos que eradifícil enxergar as pupilas.
— Muito bem... — disse o homem calvo, voltando-se de novo para o hacker,que totalmente acuado exibia uma expressão muito patética. — Meu Deus!Como eu posso ser tão descuidado? Deixe que eu me apresente enfim, jovemKnight: Eu sou conhecido como Duke e, de agora em diante, estarei na suacola. Não adianta tentar esconder o que você sabe. Cedo ou tarde, vouarrancar da sua cabeça tudo que preciso saber.
— Acho que isso é um engano, senhor Duke... — tentou argumentar oKnight, para logo ser interrompido pelo calvo.
— Não há engano algum de minha parte. Tudo é bastante nítido para quemsabe a verdade!
Diante do silêncio atônito do Knight, o estranho grupo deixou seuapartamento, fechando a porta atrás de si com um grande estrondo.
O rapaz se sentiu ainda mais indisposto. No entanto, conseguiu caminhar atéo sofá antes de perder a consciência mais uma vez, num sono que seguiu atéo início da tarde do próximo dia.
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