7: & "Se depender de mim..." &
~3000 palavras
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[26/11/2022- Sábado]
6hrs: 05 mins
"Calma, eu estou aqui." Valac agachou-se ao lado de Kuma, no chão de joelhos e olhou-o nos olhos. Estavam murchos, não focavam e não paravam um segundo quietos à procura de um pouco de luz. No entanto, naquele momento- e talvez para sempre-, os olhos eram incapazes de captar qualquer luz que fosse.
"Papa."
Procurou-o com as mãos, queria senti-lo, não o deixar fugir. Valac pegou a sua mão o mais depressa que pode, estavam geladas, ao contrário de todo o corpo do pequeno. Levou-as para perto de si e brincou com os dedos dele, massajando com fraqueza as suas pontas.
Ele estava cada vez pior. A sua respiração colapsava cada vez mais, sempre mais ruidosa, rápida e fraca. Ouvia-se a expetoração a subir a descer pela traqueia inchada e cada vez mais estreita.
"Eu estou aqui, pequeno. Não me vou embora." Com a outra mão acariciou os cabelos húmidos de suor. Kuma tinha sorrido, mesmo cansado, mesmo sem vê-lo, a sua voz já o deixava feliz; não estava ferido e sozinho de novo.
"Papa?"
"Não fales, okay."
As mãos do Valac estavam gélidas. Para humanos normais, aquela temperatura baixa cortava qualquer tipo de circulação sanguínea de qualquer membro, mas para o corpo de Valac, nada daquilo lhe afetava. Aquilo até ajudava naquela situação, conseguia baixar a temperatura do mais novo, por muito pouco que seja.
Continuou com os mimos nos cabelos e na mão. Encaracolou o cabelo do menino no seu indicador e voltou a desencaracolar. Fez isso em todas as madeixas castanhas quase negras daquele couro cabeludo espesso e momentaneamente húmido.
"Valac?"
Noah vinha a correr quando finalmente tinha acabado de fazer o antídoto contra o Black Pollen. Estava dentro numa taça de porcelana, um xarope branco e um pouco viscoso, envolvido pelas mãos cuidadosas do Neto da Lua. No entanto, no momento em que viu- e, de certa forma, sentiu- o seu chefe fragilizado, parou de golpe os seus passos leves e rápidos.
"Já o tens?"
"Sim." Mordeu o lábio, caminhando até ao pé dele. Viu que o Kuma tinha ficado sem visão, ao aproximar-se dele. "Kuma, preciso de te sentar."
Valac ajudou o seu segurança a meter o mais novo posicionado na maneira certa. Mas cada vez o que ele tentava se mover, ou fazer força no tronco, todos os músculos do corpo doíam ao enrijecer de maneira brusca. Kuma chorou de novo, ao prender a língua entre os dentes, a respiração forte e entupida.
"Calma, meu amor. Está quase." Reconfortaram a almofada por detrás das suas costas, tombadas agora contra a mão quente do Noah. O menino já não tinha mais força para ser mover por vontade própria, só se deixava ir pelos movimentos mecânicos que faziam no corpo dele. Encostaram-no, então, na almofada fofa e deixaram-no recuperar. "Vês? N-Não custou nada..." A voz de Valac saiu tremida, pela primeira vez em muito tempo. Ele estava bastante nervoso com o estado do seu pequeno, mas odiava demonstrá-lo.
Noah tremeu ainda mais ao ouvir aquela quebra na fala grossa e gélida do seu chefe. "Senhor Daemonium, eu preciso que seja forte." Molhou os lábios, nada pronto par contar as consequências horríveis que aquele xarope tinha.
"Porquê?"
"Este xarope é traiçoeiro. Antes de retirar todo o veneno do corpo de uma pessoa, ele faz com que fique mais forte, que piore." Noah não deixou que o chefe falasse. "Preciso que o segure. Com força."
Noah preparou a primeira colher daquele xarope, mas antes mesmo de completar a sua ação, Valac tocou-o no braço, parando-o. "O que é que lhe vai acontecer, Noah?"
"Este líquido vai limpar cada célula que esteja afetada com o veneno. É um processo rápido de poucos segundos, mas que enfraquece até o mais forte ser. O mais provável é que ele vomite."
Noah tentava não mostrar qualquer tipo de ansiedade que o seu cérebro criava e mandava para o seu psicológico. Já tinha visto e tratado pessoas que foram envenenadas com uma das Nove Ervas, mas nunca uma criança com quatro anos.
"Okay." Valac sussurrou para si mesmo, encaixando-se ao lado do Kuma, que parecia cada vez mais morto. "Kuma, filhote?" O pequeno não respondeu, apenas ganhou forças para se encostar mais ao seu protetor. Valac pendeu a cabeça dele um pouco para trás, afastando os cabelos da testa molhada. O seu olhar estava perdido, não focava em nada, nem sequer se moviam mais.
Noah, calmo e sereno, retirou a colher do fraco cheio com o xarope branco e aproximou-o do rosto do mais pequeno. Kuma, mesmo com o olfato fraco, conseguiu captar o cheiro azedo daquele líquido. Cerrou os dentes em reprovação.
"Tem de ser, Kuma, vá lá." A voz do Noah tinha quebrado naquele momento. Tinha deixado ser-se consumido por aqueles sentimentos assustadores todos, mesmo depois de tantas horas de puro pânico, mesmo sendo o provável fim daquilo tudo. "Abre a boca, Kuma. E-Eu sei que cheira mal e que sabe mal, mas tens de tomar isto." Fungou. Merda. "Vá lá, Kuma." Encostou um pouco mais a colher à boca dele.
O mais pequeno abriu-a e engoliu-o todo o líquido contido naquela colher. Queimava o esófago, era ácido, talvez até mais ácido que o vómito todo. Sentia o líquido escorrer gelado e o calor imenso que aquilo causava depois. Grunhiu de desconforto ao sentir aquilo nas paredes do estômago. Ardia como álcool numa ferida aberta e recente.
Porém o pior veio depois.
Kuma fechou os olhos com força ao sentir algo no seu estômago a vir ao de cima. Cerrou os dentes. Começou a salivar em demasia, a respirar forte, a grunhir contra aquilo que estava a borbulhar contra a cárdia que estava na entrada do estômago. O seu corpo ficou tenso por completo, não houve um músculo que tivesse ficado rígido. O coração batia rápida e fortemente, tanto quanto a sua respiração. Estava de novo a suar, quente, a ferver. Estava a ver flashs repetitivos, estava a voltar a ver aos poucos.
Porém tinha dores em tudo o que era massa muscular de tanta força que estavam a fazer por si só. Não conseguiu evitar o grito quando sentiu um forte aperto nos pulmões e o tecido musculoso fino dentro da traqueia inchasse e o obstruísse. Elevou o peito e abriu a boca à procura de todo o oxigénio que não conseguia passar aos pulmões.
"Calma, filho, calma." Valac segurou as mãos do Kuma, que iam e direção à garganta dele, tentou baixar-lhe a postura, mantê-lo direito. "Já vai passar."
Cam entrou a passos brutos dentro daquele quarto, já a chorar, em pânico ao ter acordado com um grito tão agonizante. "Kuma!" Viu os lábios dele roxos, assim como as pálpebras pequenas e finas, envolvidas por uma roxidão imensa que tomava conta das bochechas dele.
Os movimentos foram rápidos. Assim como o Valac, Noah sabia que a Cam era incapaz de ver aquilo, por muito que quisesse ajudar. Noah saiu rapidamente de cima da cama pequena e correu em direção à porta. Tapou-lhe os olhos com as mãos e saiu do quarto com ela, fechando a porta em seguida.
"O qu—"
"Camoren, vai para o teu quarto."
"Não, Noah-"
"Camoren! Não faças esta situação mais difícil do que já está."
"Noah! VEM CÁ!" Era o timbre grave do Valac. Noah não conseguia desobedecer.
Olhou mais uma vez para a Camoren, pedindo com o olhar para que ela vá para o seu quarto, ou dar uma volta, ou o caralho, mas que não ficasse ali.
"NOAH!"
"Camoren, por favor. Vai para o teu quarto." Foram as últimas palavras antes de abrir a porta do quarto outra vez e entra lá dentro.
Havia vómito no chão, imenso vómito, mas não tinha cheiro, embora fosse negro como se a crueldade do ato daquele ser- que fora capaz de fazer isto- fosse pintada. Kuma estava agora encostado ao ombro do seu protetor, adormecido, mas de volta a sua tonalidade negra normal. Via-se que a sua respiração tinha voltado, e que estava a retornar ao tempo normal dos seus ciclos vitais.
"J-Já acabou, Noah?"
O de cabelos brancos não precisou de responder; o seu sorriso de alívio e a permissão para que todos os seus extremidades tremessem diziam que sim, que aquele pesadelo tinha acabado.
Debruçou-se pelos joelhos.
Noah, embora fosse profissional em todas as situações de maior tensão, desabava sempre quando tudo acabava. Deixava-se levar pelas emoções- normalmente sozinho- mas desta vez não teve como controlar aquele alívio misturado de certa forma com a ansiedade ainda presente.
"Eu não sei o que faria se não tivesses aqui, Noah."
O filho do Sol sussurrou, ainda sofrendo das consequências daquele pesadelo tão vívido. Estava também a tremer, aliviado, mas rígido. Já não lutava contra a vontade enorme que os seus olhos tinham para chorar. De paz? Talvez. Deixou-se sentar-se ao lado da cama, onde o Kuma estava agora adormecido, por entre os lençóis de lã, com um sorriso calmo.
"H-Hey."
No momento em que viu o seu superior encolhido entre as pernas, o rosto escondido nos braços, e ouviu bem baixo os fungos, o corpo do Noah pareceu esquecer-se de si mesmo, da quantidade soberba de emoções que ainda estava a fervilhar.
"Por favor, não chore." Noah agacha-se na frente do seu chefe, perto de mais. Não sabia o que fazer. Em tantos anos de trabalho com aquele demónio, nunca tinha o ajudado assim, nem o nunca tinha visto tão fraco, tão sensível.
Valac Daemonium abraçou-o. Queria sentir-se protegido- queria a proteção dele-. Queria e precisava que algo o agarrasse e queria agarrar em algo, ter a certeza que pelo menos alguém estava ali com ele, que o mantivesse seguro. Puxou-o contra o seu corpo, encostando-se à madeira forte da cama com o corpo robusto e branco entre as pernas dele.
Noah apertou-o, da mesma maneira que fora apertado pela cintura, massagando o ombro forte e robusto do seu chefe. Não queria que ele chorasse mais, não conseguia ouvi-lo nem o ver chorar. Doía nele, apertava-lhe o peito.
"Meu Sol, como é que eu deixei isto acontecer?"
"A culpa não foi sua, senhor.
"Eu não sei o que seria de mim se ele não resistisse." Noah voltou a apertá-lo. Culpou-se um pouco pelo que tinha acontecido. Era a sua função proteger o Daemonium, e aquele pequeno tinha acabado de se tornar um. "E-Ele é o meu filho, Noah, o meu filhote. Eu não o posso perder, porra."
"Não o vai perder." Passou a barba branca pequena e por aparar por cima da curvatura do moreno. Fora feroz ao cerrar os dentes, murmurando ao ouvido do seu chefe: "Se depender de mim, Valac, eu prometo-lhe que mais ninguém volta a magoá-lo."
Não fora preciso mais nada para que aquele fervilhão de ideias se tornassem em ações. Valac beijou-o com força. Tentava descrever o que aquela promessa causou no seu corpo, pela maneira rápida e forte que pegou no rosto do seu segurança e encostou as duas bocas. Levantaram-se os dois do chão frio às pressas, e ainda colados e desajeitados saíram do quarto do pequeno.
Valac encostou o albino na parede branca, assim que entrou no quarto ao lado, e pediu passagem para explorar aquela boca. Porém, Noah não queria jogar daquele lado do tabuleiro. Com movimentos velozes, meteu o Valac na parede e voltou a beijá-lo, ainda com mais garra, puxando-o pela cintura com uma mão apenas e a outra nos cabelos rasos da nuca do seu chefe. As línguas mexiam-se rapidamente entre a boca deles; os estalos gostosos ouviam-se bem dentro daquele quarto vazio e ambos sabiam que iam ficar marcados com a força imensa que faziam os dois na pele.
Queriam tomar o controlo, domar o outro, mas nenhum deixava que isso acontecia.
Mas o oxigénio fez-se escasso. Valac, no entanto, não deixou os lábios do seu segurança fugir sem antes os selar. E, naquele momento, a pele branca do Noah tornou-se vermelha. Só naquele segundo de compasso de espera, ele tinha voltado à Terra e à realidade.
Merda, o que acabou de acontecer?
Separou-se rapidamente do seu chefe. Lua, onde estava o profissionalismo? O rigor que dá inveja a qualquer outro chefe que conheça o Daemonium? Limpou a garganta e afastou-se da bolha pessoal. Embora os seus pulmões quisessem respirar apressadamente, Noah manteve a respiração lenta e firme. Tinha de voltar a estar firme.
"Peço perdão pelo meu comportamento. Vou—" A voz morreu por um pouco. Voltou a limpá-la. "Vou voltar ao meu posto." Caminhou de costas para o caminho. Embora tentasse parecer calmo e que nada daquilo tivesse acontecido, o seu rosto indicava o contrário.
Ele parece um pimento, meu Sol.
Valac só queria rir pela reação dele. Estava completamente encarnado, nem parecia o mesmo homem seguro que o defendia todos os dias. E o Valac já não era o homem de alguns minutos atrás; estava de novo ao seu humor macabro.
Antes mesmo que o Noah pudesse passar a porta, Valac sorri de boca fechada, a língua presa entre os dentes, ansioso.
"Quantos centímetros, Noah?"
"D...Desculpe?"
Noah não entendeu a que objeto aquele homem se refere segundos antes de seguir a linha de contacto que a sua íris marcava. Merda... Se o Noah estava vermelho, naquele momento ele estava roxo de tanta vergonha. Ele era o seu chefe, não devia responder àquelas perguntas; ele nem devia ter beijado o chefe, em primeiro lugar!
"E-Eu vou...vou ver se está tudo bem lá em baixo, Sr. Daemonium. Com licença."
E fugiu daquele lugar não mais santo pelo pecado que tinha acabado de fazer.
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[27/11/2022- Domingo]
13hrs: 00minutos
"Neste Jornal: A camada de ozono tem melhorado cada vez mais; Os cientistas continuam a trabalhar arduamente para descobrir a origem da doença de GH; Foram encontrados vestígios de uma explosão de gelo numa das autoestradas velhas a caminho da cidade de Aska. Valac Daemonium anuncia esta manhã ter adotado uma criança."
O som da televisão saiu no mesmo momento em que Valac Daemonium entra na sala de jantar, cheio de fome, depois de ser entrevistado por todas as companhias de comunicação social. Ele tinha dito logo no começo que não ia ser uma entrevista com permissão a perguntas de gente que ele não conhecia. E claro que os jornalistas não respeitaram isso e atropelavam-se uns aos outros nas palavras para conseguir uma reposta mínima daquele homem.
Kuma estava encantado com aquilo tudo, no colo da Camoren; adorou ver tantos flashes na sua direção. A Camoren não o largou por nada, só queria ter o menino ao seu lado. Adorava-o tanto.
"E o patrão chegou." Soren tirou o cigarro da boca para falar, perto da varanda da sala de estar. Apagou-o e guardou-o no cinzeiro azul que estava em cima da mesa. "Realmente, as câmaras da televisão fazem-te mais gordo, Valac."
"O almoço?"
"Já está na mesa."
"Soren!"
Mal o Kuma vê o cozinheiro do outro lado da sala, corre por cima de tudo o que é obstáculo- sofás, cadeiras, empregados, o próprio Valac-, criando um enorme sorriso na boca de todos os que tiveram presentes naquela noite.
"Demónio!"
Ele parecia não se lembrar de nada do que tinha acontecido a algumas horas atrás. É como o seu subconsciente tivesse apagado aquele episódio e quase mortal. Tinha acordado bem-disposto, sem qualquer náusea ou medo de comer- tinha uma fome insaciável- e corria de um lado para o outro, pronto para sair de casa.
Saltou para cima do Soren, não se importando se ia ser apanhado ou não, somente se entregou num salto alto e energético, de braços abertos contra o homem. Valac sorriu ao vê-lo assim, e pediu desculpas com o olhar mais uma vez por ter se enraivecido com o Soren sem razão nenhuma. Mas era algo que já estava no passado e resolvida.
"Encontro-me agora perto da autoestrada de Aska onde ocorreu uma misteriosa explosão de gelo." Valac olhar para a televisão. Estavam a transmitir em direto o estrago que tinha feito na noite passada. A neve continuava igual e a paisagem era branca em torno dos 100 metros. "Não foram encontradas evidências para explicar qual acontecimento, mas os especialistas teorizaram que o epicentro seja naquela circunferência negra." A câmara moveu-se e ampliou a sua imagem, mostrando o grande círculo negro, onde o negro era capaz de captar 100% da luz que embatesse nele. Era um negro puro.
Cam sabia que tinha sido o Valac. Era a única no Globo que tinha o conhecimento dos poderes controversos e opostos do filho do Sol. Ela fora a única que foi capaz de conquistar quase toda a confiança dele, confiança a bastante para que o Valac contasse praticamente tudo sobre ele, e sobre o seu passado. Não tudo, porque há coisas que devem se manter dentro da caixa, e não serem reveladas a ninguém, por muito que essa pessoa transmita lealdade. Era um mecanismo de defesa.
E finalmente tinha se feito luz dentro da mente dela. Finalmente se apercebeu do que o Valac tinha feito àquele empregado; do porquê de ele não ter falado nada quando voltou a casa, do porquê de ter estado tão abalado ontem à noite. Porém ela não via nenhum desconforto vindo da parte dele à medida que falavam da sua obra de arte em direto. É como se ele não fosse o culpado daquilo tudo. Valac Daemonium omitia a verdade muito bem. Essa era uma verdade.
E tinha de o fazer.
Era obrigado a oprimir os seus poderes, de libertar toda a energia gélida e ao mesmo tempo fervente dentro dele. Todavia sabia que se o fizesse, todos naquele mundo queriam matar aquela ameaça.
Os Humanos temem o desconhecido e abominam tudo o que é superior a eles.
E todos o que não são apenas humanos tinham de viver desde o dia 1 a oprimir, e a oprimir, e a oprimir a sua verdadeira forma e poder para a sua própria proteção.
Continua
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