Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Da varanda, eu te vejo

Da varanda de sua casa, Allana conseguia ver o limite entre o que era a sua vida e o que era parte do seu mundo particular. Bom, talvez ela não fosse a mais criativa das pessoas no mundo – ela admirava artistas num geral porque eles sabiam como despertar todos os sentimentos do mundo de uma vez só –, porém ela gostava de acreditar que havia um mundo em que ela fosse o centro de tudo.

Não, não era puro egoísmo. Se ela pudesse viver em um local onde só ela existisse, este seria seu mundo e ela faria o que bem entendesse com ele. Sem inúmeras listas de exercícios do colégio e preocupações com o seu futuro. Sem ter que ir ao supermercado e cuidar da horta de sua vó. Sem ter que espiar o garoto que ela gostava em total segredo apenas para que sua existência continuasse despercebida.

É, ela queria muito um universo para si.

Mas, de sua varanda, ela sabia que não poderia ir muito além das ruas do bairro onde crescera e das estradas que sempre levavam aos mesmos locais. Então o que lhe restava era se sentar, observar o sol se pôr no horizonte e imaginar que, em seus sonhos, ela seria a rainha de seu próprio mundo.

O que poderia dar errado se ela deitasse e esperasse pelas estrelas? Sua mãe gritaria do andar debaixo que ela precisava tomar banho, ajudar com o jantar e colocar o seriado que a avó queria ver. E depois ela teria que correr para se esconder debaixo do edredom com as bochechas coradas ao lembrar de como o seu garoto ainda passava por ali, mas nunca a via.

Fazia semanas que ela não o via por aí, com os cachos caramelo e os olhos verdes como as folhas da horta, infelizmente. Ela se sentava no mesmo lugar da varanda, mas ele desaparecia assim que ela piscava os olhos. De seu trono entre os limites dos mundos, ela enxergava a clínica de fisioterapia de onde ele saía todo final de tarde. De segunda a sexta, sem faltas, ele estava lá para se recuperar da lesão em seu pulso.

No dia em que ele entrou na sala de aula com o pulso imobilizado, Allana sabia que algo estava errado. Como um garoto que tocava na banda mais popular da cidade poderia se deixar machucar assim? O processo de recuperação seria difícil e longo. Ela tinha certeza disso porque tinha torcido o pé descendo as escadas da colégio alguns dias antes.

Tudo bem que ela não era a pessoa mais equilibrada do mundo, mas se os garotos mais infantis da turma não tivessem começado uma brincadeirinha estúpida de empurrarem uns aos outros, ela não teria sido vítima de um garoto mais estabanado que esbarrara nela em um péssimo momento. Como resposta para a reação do encontro dos corpos, ela pisou em falso e torceu o pé. Seu corpo só não foi ao chão com tudo porque ela teve o reflexo de segurar o corrimão.

Seu grito de dor rasgou as risadas e trouxe uma coordenadora para a cena em um piscar de olhos. Os garotos de dezesseis anos sumiram e ela permaneceu sentada nos últimos degraus chorando de dor. Nem todo o gelo no mundo poderia amenizar o susto e a dor que rasgava seu corpo.

O pior passara quando ela ouvira do médico de plantão no hospital que ela não tinha quebrado nada. Mas ela teria uma luxação enorme, tomaria alguns remédios para ajudar com o incômodo, aplicaria gelo durante todo o dia no local e faria dezenas de sessões de fisioterapia. Se seu dia pudesse ficar pior, ela teria que andar de um lado para o outro com muletas e uma bota ortopédica, dificultando a simples tarefa de ir e vir despercebida por sua vida.

Ela aceitou o destino de comparecer, durante as tardes, três vezes na semana, na clínica de fisioterapia perto de sua casa. Não era tão chato assim quanto parecia, mas ela se sentia sozinha.

Bom, até o garoto aparecer em uma tarde com seu pulso ainda imobilizado. Como toda fratura, lesão ou luxação, ele precisaria de várias sessões de fisioterapia se quisesse tocar violão novamente. Allana o espiava secretamente quando eles estavam próximos, mas ela fingia indiferença com a presença dele. E ele nem sabia que ela era, então não havia nenhuma preocupação em pronunciar algo além de "boa tarde" junto com os outros pacientes quando ele entrava na sala.

A fisioterapia era passado: ela estava no final das suas sessões quando ele começou. Mas ela descobriu ocasionalmente que colecionaria momentos secretos de sua própria varanda. Seu universo particular tinha um espaço especial para imaginá-lo saindo da clínica e indo diretamente ao seu encontro.

E, como sempre, ela teria que acordar.

– Allana! – Renata, a melhor amiga da garota, gritou metros abaixo e acenou do portão. – Pronta?

– Já vou descer! – ela acenou de volta e se deu conta que passara tempo demais ali na varanda. – Mãe, a Rê chegou!

Allana desceu as escadas correndo e pegou sua bolsa preta – com o dinheiro, o celular e seu documento de identidade – na mesinha de centro da sala.

– A mãe da Rê já disse que horas vai buscá-las?

A mãe de Allana estava na cozinha, preparando a carne para o almoço do dia seguinte, com uma expressão de cansaço após uma semana puxada no trabalho da firma. Mesmo assim, a filha entrou no cômodo para beijá-la uma última vez antes de ir.

– Mãe, é sexta feira, não precisamos de um horário muito rígido, não acha?

– A mãe da Rê concordou com isso? – ela deslizou a faca pela carne com cuidado e encarou a garota.

– Sim. Mas ela prometeu nos buscar. Se ela não puder, o irmão mais velho da Rê vai nos buscar.

– Tudo bem, querida. Divirta-se, mas não faça nada que eu não faria, combinado?

– Ok, mãe – ela jogou a cabeça para trás. Elas tiveram a conversa sobre as coisas que a mãe não faria um milhão e sete vezes, mas não era como se Allana tivesse contado. – Te amo.

– Também te amo.

Allana passou pelo corredor até a sala de estar e acenou para a avó no sofá.

– Ah, essa juventude – a vó Vitória murmurou e sorriu para a neta antes de vê-la partir.

Com seu vestido soltinho de alcinhas – com estrelas prateadas que ela bordou com a ajuda da avó – e seu tênis vermelho favorito, Allana conferiu se pegara tudo antes de passar pelo portão. Droga, o casaquinho!, ela acenou para a amiga pedindo um minuto e voltou para casa, buscando o casaquinho que a mãe pedira para ela levar porque não ouvir os conselhos de dona Sílvia sobre o que levar seria pedir para se arrepender no segundo seguinte que a situação prevista se concretizasse. Mães e suas previsões certeiras e assustadoras, como sempre.

Sentindo-se confiante, Allana trancou a porta de casa mais uma vez e correu até Rê. Não via a sua melhor amiga desde a manhã e, por Deus, ela jurava que tinha passado uma eternidade longe dela. As duas garotas trocam mensagens sobre quais roupas usariam e qual batom ostentariam nos lábios, mas, mesmo assim, uma eternidade para elas.

– Rê, você está linda! – E realmente estava. Com sua pele preta e cachos definidos, a garota permitia que o amarelo cítrico de sua blusa iluminasse seu rosto e o short jeans mostrava as longas pernas. Como uma das jogadoras do time de basquete do colégio, ela se permitia exibir um pouco de seu corpo quando se sentia confortável para tal.

– E você também, Lana!

Aproveitando-se da diferença de altura entre elas, Rê puxou a mão da amiga para que ela desse uma voltinha que nem as bailarinas e revelasse a roupa por completo.

– Vamos logo, mamãe está impaciente porque quer sair para jantar com o novo namorado e ela não sabe nem o que vestir!

E, com um sorriso no rosto e poucas esperanças para a noite, Allana embarcou no carro e se deixou levar por todos os cenários que ela imaginou para uma festa em seu universo pessoal.

+++

Em seu universo particular, ruas arborizadas e com casas incrivelmente belas estariam por todos os lados. Infelizmente, no mundo real, lugares assim estavam longe demais de todos os moradores da cidade. A mãe de Rê dirigiu por vinte minutos antes de entrar em um residencial que surgira na cidade há alguns anos.

As meninas estavam meio que preparadas para o casarão da família de Romeu. O garoto aproveitara que os pais estariam viajando para dar uma pequena festa para os colegas de turma – e consequentemente da escola porque o convite correra todos os cantos. Nem Allana e nem Rê estavam preocupadas com a arquitetura contemporânea da casa, elas só queriam sair logo do carro e se juntar aos colegas.

– Meninas, me liguem se precisarem de qualquer coisa. Se cuidem! – a mãe da Rê se despediu com um aceno e manobrou o carro para retornar para casa.

Mais de uma hora depois, Allana perdera a melhor amiga de vista. Elas entraram juntas, cumprimentaram algumas pessoas, mas Rê logo desapareceu com uma de suas colegas do time de basquete – e prometera que logo encontraria a amiga.

Bom, o que confortava Allana era que elas não poderiam ir embora sem a outra. Em algum momento, no meio de todos aqueles corpos, elas se encontrariam. Mas enquanto não criava coragem para andar em direção a pista de dança improvisada, Allana permaneceria sentada na mureta mais distante de todos.

Seus pés balançavam de um lado para o outro. Seu copo de plástico estava vazio e ela iria esperar até a língua se tornar um deserto antes de tentar entrar na cozinha para pegar mais um pouco de refrigerante. Ela gostava de festas, mas estava se sentindo levemente deslocada naquela. O medo de ser o efeito colateral de alguma brincadeirinha idiota era real porque ela não suportaria mais perder algumas horas da sua semana na clínica quando poderia ficar na varanda de sua casa.

A música mudou das batidas eletrônicas sem nenhuma letra para algo em com letras em português, mas levemente vulgares. Ela se atentou ao conteúdo de algumas para rir um pouco.

– Eu também acho algumas músicas engraçadas – Pedro se sentou ao lado de Allana com um sorriso no rosto e pegou a garota totalmente desprevenida. Ela precisou de alguns segundos para se recuperar do choque. – O que foi?

– Eu não vi você se aproximar, só isso.

– Você tava distraída demais – ele deu de ombros. – Eu te entendo, dançar também não é meu forte.

Allana não conseguia tirar os olhos de Pedro. Ela sempre o vira tão de longe, da varanda de sua casa, e tão rapidamente, entre uma olhada e outra por sobre o ombro da primeira cadeira da sala de aula. De perto, ele parecia ainda mais como o garoto de seus sonhos e de seu próprio universo.

– Ei, nossos tênis são iguais! – ele constatou e Allana parou de mexer seus pés. Uma cabeça inclinada e um par de olhos apertados depois, Pedro gargalhou. – É, não tão iguais assim.

Enquanto o par vermelho dela estava brilhando, o par branco dele estava encardido. O tecido branco já vira dias melhores: agora manchas desbotadas em amarelo, vermelho e azul se espalhavam por todo o sapato e, se ela olhasse com muita atenção, veria alguns desenhos registrados no solado.

– Você veio com alguém? – ele perguntou, mas o coração de Allana estava tão disparado que ela mal conseguia se concentrar nas palavras dele.

– Eu vim com a Rê, mas ela foi dançar com as meninas do basquete e eu a perdi de vista – ela deu de ombros. Nem em seus sonhos mais profundos ela imaginaria que Pedro Morales puxaria conversa com ela numa festa quando ele poderia estar por aí, conversando e rindo com seus amigos e amigas.

– Legal. Quer dizer, não é legal porque você a perdeu de vista, mas você está aqui, não está?

– Aham. E você? Onde estão seus amigos?

– Ah, eles foram... – ele olha ao redor. – Eu não os vejo mais. O Vitor mora algumas ruas daqui, então talvez eles tenham ido para lá.

Ela nunca se colocara naquela situação antes, logo as palavras lhe faltavam. Ela desviou a atenção de Pedro, sua paixonite secreta há anos, para a festa. Seria tão mais fácil se ela estivesse em sua varanda, e não ali, numa situação que nunca imaginara.

– Ei, você quer algo? – ele a perguntou e ela voltou a olhá-lo.

– Hum, não, eu estou bem.

– Certeza? Seu refri acabou – ele aponta para o copo. – Vamos lá, Allana, eu prometo te proteger na pista de dança.

Pedro se levantou e estendeu sua mão para Allana. Por dentro, ela queria se beliscar para confirmar que aquilo era realidade. Porém, a parte ainda decente de seu cérebro, reagiu e sua mão encontrou a dele. Ela não foi capaz de esconder o sorriso quando os olhos dele foram de suas mãos juntas para o rosto dela.

E em direção à cozinha eles foram.

– Nós vamos precisar passar pela pista de dança – ele a alertou. – Não solte a minha mão em momento algum, tudo bem?

– Aham – ela acenou a cabeça positivamente mais pela força do hábito do que como um contato entre eles. Pedro estava alguns passos à sua frente.

Por causa da música alta e das batidas energéticas, atravessar os corpos em movimento com a intenção de fazer o mínimo de contato o possível não era uma tarefa simples. Allana se manteve firme, agarrada ao braço de Pedro, enquanto ele abria espaço pelo público. Algumas pessoas o cumprimentavam, mas ele seguia a diante com seus passos firmes. Em alguns longos minutos, eles estavam do outro lado do tumulto.

– Espere aí. – Pedro a soltou e se virou, inclinando a cabeça de um lado para o outro para observá-la. – Você está inteira.

– E eu não deveria? – ela disparou e rapidamente escondeu a boca com as mãos para rir da pergunta ridícula.

– Eu ficaria triste se você perdesse qualquer pedaço de si ali no meio – ele apontou para o grupo de pessoas que aumentava a cada segundo. – Que tipo de companhia eu seria se isso acontecesse?

– Uma bem ruim.

– Viu? É por isso que eu precisava conferir se você está inteira – ele riu e tomou a mão dela para si. – Vamos lá, hora de reabastecermos seu copo.

Não havia mais corpos suados e em movimento pelo caminho, mas Allana gostava de como Pedro segurava a sua mão – era delicado, mas firme. Eles não levaram muito tempo até chegarem na cozinha, e o contato foi finalizado.

Pedro conhecia a todos e não se cansava de cumprimentar cada um que chamava seu nome e estendia a mão para um "toca aqui". Allana apoiou suas mãos na bancada atrás de si e encarou como o seu tênis contrastava com o piso escuro.

– Ei, você é amiga da Rê, não é? – uma garota alta recuperou a atenção de Allana com um aceno.

– Hum, sim.

– Ela tá te procurando pra falar que quer ficar na festa até o final. – Ela olha ao redor. – Posso falar pra ela que te dei o recado?

– Claro, tudo bem. Mas ela está bem?

– Ela tá ótima! – a gargalhada da garota era mais alta que a música que se infiltrava pela janela. – Aproveita a festa, menina!

– Você também! – mas a provável jogadora do time de basquete se vai sem demonstrar se ouviu ou não as palavras de Allana.

Estaria Allana sozinha novamente? Seus olhos conferiram a cozinha praticamente vazia, seu coração palpitou. Nada de Pedro nem na janela conversando com alguns garotos, nem na geladeira procurando uma garrafa de refrigerante gelado.

– Ei, aí está você! – ele irrompeu pela porta da cozinha. – Eu achei que tivesse te perdido.

Mas eu não me movi um centímetro, ela queria dizer, mas não deixou as palavras voarem por aí. Allana sorriu e deu de ombros, erguendo o copo vazio. Pedro riu e rapidamente encontrou uma garrafa de refrigerante de guaraná a vista. Não satisfeito, ele ainda roubou um pacote de batatas chips do armário e escondeu enrolando-o no casaco que Allana segurava.

– Eu sei de um lugar melhor do que aqui – ele sussurrou, tão próximo da garota que ela travou. – Prometo que é seguro.

– Eu prometi pra minha amiga que não sairia daqui sem ela – Allana recuou os ombros e as mãos.

– Não vamos sair daqui, eu prometo. Só não é, como posso dizer, um lugar próximo do chão.

Alerta! Alerta! Os neurônios mais sensatos da garota gritavam enquanto o seu coração disparava. O que ela teria a perder? Já perdera a amiga no meio das outras pessoas, talvez ela pudesse passar menos tempo se lamentando se aceitasse o convite.

– Eu não vou dividir as batatinhas com você se não gostar de onde estamos indo – ela retrucou. – Entendido?

– Sim, senhorita. Agora deixe-me levar isso daqui para você – ele pegou o copo da mão dela para, em seguida, entrelaçar seus dedos novamente.

Eles partiram sem mais delongas, da cozinha para o corredor cheio de obstáculos com saliva e mãos curiosas. Um, dois, três lances de escadas e a música se afastava, desistindo de persegui-los por sua aventura. Mais um corredor, dessa vez vazio, e algumas portas depois, Pedro pediu para que Allana fechasse os olhos e confiasse nele.

Mesmo acreditando que nada daria errado, Allana ainda espiou pela brecha da porta antes de fechar os olhos. Pronto, lá estava ela sendo guiada pelo garoto que sempre gostara em segredo. O que ele estava aprontando?

Ela pensava que talvez o incidente na escola se repetiria, porém eles estavam avançando em um espaço com muito vento e a música voltava aos seus ouvidos. Pedro ia devagar, indicando caso ela precisasse desviar de algo. Onde eles estavam? Ela não tinha ideia.

– Pronto. Abra seus olhos.

A noite escura ia até certo ponto: de onde Allana estava, ela podia ver a lagoa ao fundo e luzes e mais luzes de outras residências. Se ela apertasse os olhos, podia ver algumas luzes da cidade.

– Maneiro, né? – ele se sentou no chão e cruzou as pernas. – É melhor do que ficar lá embaixo.

– O quão longe do chão estamos? – suas pernas bambearam e ela logo tratou de se sentar ao lado dele.

– É só o terceiro andar. Espera, você tem medo de altura?

– Não, eu só – ela engoliu em seco e o encarou – não esperava isso.

– Eu te prometi que faríamos algo seguro – ele apoiou as mãos atrás do corpo e se inclinou para encarar as estrelas. – O que você acha?

– É legal. E diferente da visão da minha varanda – confidenciou em um sussurro.

– Eu tentei subir no telhado da minha casa para ter uma visão assim, mas acabei com o pulso quebrado.

– Imagino que tenha doído muito.

– Doeu mais fazer fisioterapia para recuperar os movimentos, mas eu tentava não reclamar porque seria pior para mim.

– Fisioterapeutas são bem cruéis, mas eles dizem que é para o nosso bem – ela sorri.

– Sim! Tinha essa moça, a Vitória, que sempre ria toda vez que eu era obrigado a apertar a bolinha centenas de vezes porque ela dizia que eu me esforçava demais para uma coisa muito simples. – Ele vira o rosto para criar um contato visual. – Mas não era ela que tinha quebrado o pulso.

– Eles colocaram vários eletrodos para darem choque na sua mão?

– Não. Eles fizeram isso com você?

– Aham. Disseram que era para se certificar de que todos os meus ligamentos ficariam bem, mas acho que era divertido ouvir meus gritinhos de dor.

– Eu era a única pessoa que não ria – ele confidenciou.

O rosto de Allana ficou quente. Então ele estava ciente de quem ela era antes mesmo daquela festa. Será que ele a ouvira reclamar das dores? E das piadinhas que fizeram? E das provas difíceis de aguentar com a bota ortopédica e as muletas? Seu pé doeu, mas era uma dor diferente.

– Sinto muito pelo seu pulso, de verdade. Deve ter sido bem difícil para voltar a tocar violão. – Ela desviou o olhar para a paisagem escura à sua frente.

– Foi a parte mais fácil, pra falar a verdade. Sinto muito pelo seu pé, aqueles garotos são estúpidos.

– Garotos sempre são estúpidos. – Ela disparou e seu deu conta. – Não todos, claro.

– Não, eu sou um garoto, logo também sou estúpido. – Ele apoiou a mão sobre o peito e suspirou. – Mas só às vezes.

– Me desculpe, sério. Eu não queria te ofender. Eu juro que saiu sem querer e...

– Allana, calma – ele gargalhou e segurou o ombro dela. – Eu sei que você falou brincando. E tudo bem se você me acha estúpido, não existo para agradar todo mundo.

– Erh, me desculpa, de verdade. E por que alguém te acharia estúpido?

– A galera espera que, por eu estar numa banda, eu tenho que agir de certo modo, tocar certas músicas e fazer coisas que eles consideram dignas de astro do rock. – Um leve tom de chateação saiu dos lábios finos de Pedro e ele arrumou os cachos rebeldes com a mão que tirou do ombro da garota. – Eu nem sei se quero voltar para a banda quando meu pulso se recuperar.

– Seria tão difícil assim deixá-los?

– Tão difícil quanto tentar escalar o telhado de uma casa antiga – ele sussurrou.

O corpo de Pedro se fechara: ele parecia completamente feliz antes, talvez um pouco entendiado com a festa, mas feliz. Allana entendia agora que ele estava apenas usando um sorriso falso e cumprimentos vazios para sair do espaço cheio. E ali, no telhado da casa de Romeu, ele se abria para ela.

Por que ele está me contando isso? O que será que aconteceu entre ele e os amigos? Ela tentou pensar em todas as possibilidades enquanto ele fazia casa no silêncio que surgia entre eles.

– Você já se sentiu como se precisasse de um lugar só seu? Não no sentido de ser dono, mas de se sentir confortável ali.

– Por um acaso você lê mentes, Lana?

– Não – ela encarou suas mãos percorrendo a barra do próprio vestido. – É que eu me sinto assim. Eu não sei descrever direito, mas é como se eu não sentisse que pertenço de verdade ao nosso mundo. Isso faz sentido?

– Muito. Você também imagina que possui uma terra só sua e que pode ser quem quiser lá?

– Não me leve a mal, mas eu já sou eu quem eu quero ser, mesmo que isso não agrade todo mundo. Só é difícil imaginar que eu vivo em um lugar que não respeita minhas escolhas.

– Seus pais também são chatos?

– Não, a minha mãe me apoia muito e a minha avó até gosta de me ouvir falar sobre o que eu gosto, defendo ou represento.

– Elas devem ser muito legais.

– Elas são. Se eu me mudasse pra outro lugar, eu levaria elas comigo.

– Não acho que meus pais gostariam de ir comigo – ele se movimentou, deitando suas costas contra o chão. – Eles só querem saber de resultados e nunca têm tempo para mim ou meu irmão.

– Veja pelo lado bom: em dois anos, se tudo der certo, teremos a oportunidade de deixar a cidade para irmos atrás de nossos sonhos. Agora é só aguentar firme.

– É, você tem razão.

Allan aproveitou-se do silêncio para observá-lo. Os jeans escuros e a camiseta desbotada, tudo se camuflava tão bem na escuridão do telhado. Ela tentou espiar lá embaixo, mas a vertigem era tanta que, após vestir o casaco, ela se deitou ao lado de Pedro.

– O que você acha que as estrelas pensam de nós?

A pergunta lhe pegou desprevinida. Ela mordeu o lábio e apertou os olhos.

– Acho que elas têm inveja de nós: elas estão longe umas das outras, explodindo e implodindo a todo momento, e tudo o que veem uma das outras são rastros de poeira.

Ele nada comentou sobre sua resposta. A ansiedade consumiu o estômago e Allana se lembrou do pacote de batatinhas. Ela se sentou e abriu o pacote, tentando controlar as emoções com a boca cheia.

– Eu mereço parte de suas batatas? – Pedro não estava mais em seu estado deliberativo, a luz e a vida voltaram para suas íris verdes.

– Pode comer quantas quiser – ela estendeu o pacote e ele se aproximou, sentando-se ao lado dela.

Entre uma batatinha e outra, eles trocavam sorrisos e toques suaves de suas mãos. Allana se envergonhava cada vez mais: palavras lhe faltavam, mas ela estava tão confortável ali que torcia para que a noite durasse uma eternidade. Quantas chances de se repetir este encontro tinha?

A festa se tornava cada vez mais barulhenta abaixo deles. Corpos e mais corpos pularam na piscina enorme. E, no telhado, Allana tentava decifrar o que se passava por trás dos olhos verdes e do sorriso gentil.

Ela nem se deu conta quando Pedro se aproximou para pegar uma das últimas batatinhas e levou seus lábios ao encontro dos dela. Ele usou a mão limpa para aconchegar o rosto delicado dela na noite fria, aguardando pela resposta. Ela, surpresa, não sabia o que fazer com seus lábios.

Então aquele seria o seu primeiro beijo? No telhado de uma festa qualquer, com a sua paixonite de anos.

O contato entre seus lábios se desfez e Allana podia se sentir triste por... tudo. Ela nunca beijara antes. O que ele esperava?

– Me desculpe – ele tratou de colocar as palavras para fora enquanto se afasta. – Lana, me desculpe.

Ela o encarou atônita.

– Por favor, fala alguma coisa – ele tocou a pele quente dela.

Allana logo estava de volta ao seu corpo. Recobrou a consciência do que havia acontecido nos últimos segundos e sorriu, levando os dedos aos lábios, ainda sem acreditar. Pedro a observava, curioso com o que se sucederia a sua escolha.

– Você me beijou – ela sussurrou.

– E eu não deveria ter feito isso? Sinto muito, sério, eu não sei o que deu em mim. – Ele olhou ao redor e depois voltou a encará-la. – Na verdade, eu queria te beijar e fiz isso, ponto final.

– Eu...

– Você não queria? – ele balançou o corpo, para frente e para trás, apreensivo.

– Não. Quer dizer, sim! – regida por seu impulso e seu coração acelerado, Allan apoiou suas mãos nos ombros dele e provocou o encontro de seus lábios mais uma vez.

Dessa vez, ela tinha um pouco mais de segurança – ou era o que tentava transparecer. Seus lábios se moveram assim que os dele se mexeram. Ele deixou seus dedos mergulharem pelo pescoço dela e, sem receios dessa vez, tentou se aprofundar nas borboletas que surgiram em seu estômago.

Allana deixou a sensação inebriante de suas emoções inexploradas tomarem o controle de seu corpo: a cada segundo, era mais fácil de entrar em sincronia com Pedro. Ele estava ali, seguindo o ritmo dela como um bom guitarrista faria. Que bela canção eles formavam.

Ela se afastou para recuperar o fôlego, o sorriso tomando conta de todo o seu rosto. Quem diria que ela o beijara em uma varanda qualquer, longe de seu universo particular, com a realidade por todos os lado, gritando que aquilo ali aconteceu. Pedro e Allana se beijaram. Ele a beijou. Ela correspondeu.

– Lana? – ele segurou a mão dela, um belo sorriso em seu rosto.

– Hum? – atônita demais, ela não conseguia formar frases completas.

– Você acreditaria em mim se eu dissesse que gosto de você?

Uma parte dela queria dizer que não. Que ela acreditava que tudo aquilo ali era uma pegadinha e, no segundo que ela fosse embora, todo mundo saberia o que aconteceu. Que os sonhos dela sempre estiveram fadados a não se tornar realidade.

No entanto, ela balançou a cabeça positivamente e deixou o garoto ainda mais feliz. Ela não queria se prender aos discursos das mocinhas quando elas achavam que não mereciam seus namorados.

– Eu também gosto de você – ela confessou.

– Sério? – ele se apoio sobre os joelhos e aconchegou o rosto dela em suas mãos. – Eu acho que gosto de você desde sempre, mas dividir o horário da fisioterapia me fez observá-la além da minha colega de turma.

– Nós nunca trocamos nenhuma palavra antes de hoje, Pedro. Talvez você esteja exagerando.

– Talvez eu esteja, mas assim são os artistas.

E, mais uma vez, eles se beijaram. Pedro começou a reclamar de fome e, com as mãos dadas, eles desceram as escadas, retornando para o universo alternativo da festa.

+++

– Aí está você! – Rê comemorou, em alívio, por ter achado a amiga depois de horas de festa.

Allana e ela receberam uma mensagem do irmão mais velho – vulgo a carona delas – de que estava ficando tarde e ele precisava dormir para realizar uma prova no dia seguinte. Logo ele estaria estacionando o carro da mãe da Rê em frente ao local e não queria que elas demorassem tanto.

Pedro e Allana estavam no jardim da frente fazia algum tempo. Eles se sentaram nos degraus da entrada e ficaram conversando sobre a fisioterapia, sobre as últimas provas do ano e sobre seus sonhos. Ela estava para lá de feliz por cada segundo que passavam juntos. Era um sonho que ela implorava para que não acabasse.

– Ei, Rê. Onde você esteve? – a amiga também ficara preocupada.

– Por aí, com as meninas do basquete. – Ela se aproximou e percebeu o acompanhante da amiga. – Ah, oi, Pedro!

– Ei, Renata. – Ele balançou os cachos e se colocou de pé. – Você jogou muito na competição entre as turmas.

– Obrigada. Achei que você fosse tocar hoje.

– Ainda estou recuperando o pulso, infelizmente.

Allana ficou de pé, ajeitou o vestido e o casaco, conferiu as horas e suspirou.

– É, está tarde mesmo. – Como se a constatação tivesse poderes, ela bocejou e o carro do irmão da Rê se aproximou. – Nossa carona chegou.

– Vão lá. Descansem bem – Pedro escondeu as mãos nos bolsos da calça.

– Você também, Pedro. – Rê acenou e foi em direção ao carro.

Allana e Pedro tinham mais uma chance de ficarem sozinhos.

– Foi um prazer, Pedro. – Ela encarou os tênis vermelhos. – Da próxima vez, eu vou te mostrar a minha varanda, podemos conversar lá tranquilamente.

– Mal posso esperar para observar o mundo do mesmo modo que você. Aposto que você consegue ver tudo, até mesmo a clínica de fisioterapia de lá. – Ele piscou um dos olhos, admitindo que sabia que ela estava lá o observando, e se aproximou para um selinho. – Bons sonhos, Lana.

– Bons sonhos, Pedro.

Ela correu para o carro, morrendo de vergonha e com o coração acelerado. Felizmente, Rê e o irmão estavam muito entretidos brigando pela chance de escolher a música que tocaria no caminho até em casa.

Foi assim que, no escuro dos bancos de trás, que Allana se deu conta: estivesse ela na varanda de sua casa ou na sala de aula, ele a via. Ou seja, seu universo particular invadia, aos poucos, o mundo real.

E ela jamais reclamaria disso.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro