Da tua retina
"Você vai chorar, vai sorrir, vai chorar de sorrir, sorrir para não chorar... e o mundo vai continuar girando...Então apenas entre na roda amor, ficar de fora não é opção (...)
Faça valer, faça sentir, cada dor, cada alegria. Faça sentido em cada um que passa na sua vida, os que vão, os que ficam, e os que se vão mas ficam... Só não pare amor, isso nunca! Pense andando, chore andando, sorria andando. Só não fique para trás.
Existir sem ter vivido, é triste demais. "
L. Krsna
Fechar os olhos era um hábito, mesmo que sempre fosse noite para ele. Ergueu a cabeça, sentindo o ar, o cheiro das flores.
Jasmine.
Sentiu o sol por entre as folhas das árvores, e o cheiro de couro da jaqueta de aviador.
'- Você poderia ir de aviador, daqueles antigos. Jaqueta de couro, óculos, e quero que recite um poema.'
Virou o rosto na direção onde Hiashi havia dito que estava a túmulo e se agachou fechando a bengala e deixando as flores no gramado bem cuidado. Tateou a pedra fria, sentindo a escritura em alto-relevo com os dedos bem treinados.
Afinal, já fazia cinco anos desde que perdera a visão. Com o tempo, certas coisas vem naturalmente.
Hinata Hyuuga
Amada filha, querida irmã, inesquecível amiga
'- Qual?
- O mundo, de Henry Vaughan.'
-Eu demorei, me desculpe. – Sentou no gramado molhado pelo orvalho, seus dedos descendo da pedra com carinho. – Mas antes tarde do que nunca.
Voltou a fechar os olhos, nos velhos hábitos que nunca morrem, sentindo o sol filtrado na pele das pálpebras e aspirando o cheiro de jasmine que envolvia a tudo.
Sua voz tomou o silêncio daquele domingo de verão, solitária no grande espaço do cemitério, ecoando por entre as lápides.
-Vi a eternidade em uma noite entrante/ Qual grande anel de luz pura e incessante/ Toda calma, tanto quanto brilhante/ E bem debaixo dela, o Tempo em horas, dias, eras/ Impelido pelas esferas/ Como uma vasta sobra avançada...
'Você tem que aprender a voar de verdade.'
- Onde o mundo e todo seu séquito soçobrava.
Os olhos voltaram a se abrir, e eram de um lilás apagado, despigmentado. Um sorriso pequeno tomou seus lábios e a mão voltou à pedra fria, com carinho, em uma despedida que havia demorado tanto para acontecer. O adeus que ficara em suspenso.
-Eu quero que saiba que você me ensinou a voar. - pegou as flores e colocou em cima da pedra, a voz caindo para um sussurro.- Se estiver me ouvindo saiba que eu poderia viver uma eternidade, mas eu ainda te amaria, de alguma forma, em cada dia que eu passasse nela.
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Hanabi demorou alguns segundos admirando a figura que seguia para fora dos portões do cemitério. Usando uma jaqueta de couro de aviador, removendo os óculos para voo com uma mão, a outra segurando a bengala que ela havia lhe dado de presente anos atrás. Sua postura era ereta, seu andar não possuía nada de incerteza. Isso sempre lhe pegava de surpresa. Quem o visse de longe, nem mesmo poderia desconfiar que ele não tinha visão.
Naruto demorara cinco anos para que fosse em Konoha. Para que estivesse pronto para dar o adeus que ficou no ar tantos anos atrás. E agora, esse não era o único adeus da ocasião.
Hanabi suspirou se recostando no banco do carro, mas antes que pensasse em falar algo Neji já havia saído do carro e caminhava em direção a ladeira.
- Apressado. – resmungou, saltando em seguida. - Bonito!
Ele virou o rosto em alerta, e então o sorriso mais lindo o tomou e sentiu seu coração esquentar, como sempre. Todos deveriam ter um sorriso como o de Naruto. Do tipo que alcança os olhos, que te faz bem-vindo.
Que te faz ter certeza que tudo vai dar certo.
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Naruto parou onde estava. Ele havia falado a eles que não precisavam fazer aquele caminho todo para se despedir, que podiam todos se encontrar no aeroporto, se necessário, mas não iria reclamar. Gostava muito de estar perto dos dois para isso.
Ele havia passado os últimos dias como hóspede na casa de Hiashi.
Nos últimos dois anos a presença dos Hyuuga fora constante na sua vida. Mesmo quando Neji fora embora para Nagoya para trabalhar como professor de História na universidade de lá. E então Hanabi viera de vez dos Estados Unidos para morar em Osaka, e começara a tocar na orquestra . Eles sempre achavam tempo para uma visita.
Ainda mais quando Sasuke e ele começaram a dividir um apartamento em Tokyo há três anos. Seu primeiro livro havia sido lançando nesse mesmo ano. E para sua surpresa, havia sido produtivo o bastante para ser lançado em 16 países. O segundo fora ainda melhor, e iniciaram uma adaptação para animação.
O começo desse ano havia sido marcado pela graduação de Sasuke na universidade de Tokyo, o segundo prêmio de Naruto, o Akutagawa, no seu aniversário de 30 anos e a indicação ao Osamu Dazai. Como resultado teria que se mudar para Londres durante dois anos, para escrever a franquia, e participar das filmagens do novo filme que seria lá. Sasuke, como seu editor, iria se mudar para lá também, mas só passaria alguns meses e teria que estar de volta. Por seus outros trabalhos na editora Japonesa, e por Sakura. Há um ano, eles haviam dado o passo de morarem juntos. Nesse meio tempo, haviam se separado e voltado algumas vezes, mas finalmente as coisas pareciam ter se acalmado.
Ele pensava que morava sozinho nesse meio tempo, ilusão, já que o apartamento estava sempre cheio. Hanabi e Neji eram apenas o começo. Era sempre fácil encontrar um deles lá. Sasuke passava o dia quase inteiro lá o enchendo para não perder prazos, e discutindo com um dos Hyuuga. Sakura parecia ter determinado ele como lugar de dormida, por ser mais próximo do hospital em dias de plantão. Kushina nem se fala. Ela havia aberto uma franquia do restaurante em Tokyo com ajuda do filho, e apesar de ser outra pessoa que cuidava do lugar, ela sempre estava lá. E quando Shikamaru decidira estudar em Tokyo Naruto havia perdido a privacidade de vez, já que Ino sempre vinha de bagagem com ele, fazendo milhões de perguntas sobre os atores do Dorama que estava sendo feito.
Então, meio que essa seria a primeira vez, em cinco anos, que Naruto teria um longo tempo vivendo sozinho. Seria uma nova fase na sua vida. Ele iria dar continuidade ao curso de literatura que havia iniciado no Japão na Universidade de Londres, teria um apartamento só para si e um lugar calmo para escrever e respirar. Ele sabia que algumas pessoas ainda estavam hesitantes com isso. Sua mãe, por exemplo, tentara o convencer de todo jeito a ficar no Japão. Até mesmo Sasuke, que sabia toda a importância disso, ficara estranho por algumas semanas.
Era a hora de Naruto voltar a "voar".
Neji se aproximava quando um raio passou a seu lado, e mal Naruto cruzou os portões Hanabi já havia o agarrado pelo braço, dando um beijo estalado na bochecha. Riu um pouco assustado com o gesto repentino.
Balançou a cabeça, caminhando ainda devagar. Hanabi sempre seria Hanabi.Mesmo com o passar dos anos, ela ainda era a mesma. Sempre a mesma personalidade de uma tempestade que não poderia ser contida por nada.
- Bonito! Não acredito que iria embora sem falar comigo, peguei o primeiro voo de Osaka seu Baka!
- Deixa ele respirar Hanabi! - Neji repreendeu, ouvindo a risada de Naruto, como sempre fazia quando eles começavam a discutir.
- Acabei de ouvir falarem de seu livro na TV! – A voz dela estava excitada e ele sorriu encabulado. Hanabi sempre tinha esse poder sobre Naruto. Neji, sem perceber, também sorria com carinho olhando os dois interagindo. – E a sua entrevista! O pai gravou ela em vídeo escondido, ele pensou que a gente não estava vendo. Sem falar que ele chorou quando você falou da Hina...Tenho certeza que eram lágrimas ali.
-Se ele ouvir você dizendo isso. – Quando eles chegaram mais perto do carro Neji, em um gesto quase automático, ergueu a mão bagunçando o cabelo loiro cacheado.
-Devia perder esse hábito. – ele resmungou, empurrando sua mão, mas havia um sorriso pequeno enquanto ele tentava arrumar o ninho de pássaros que eram os fios loiros.
- Nunca, se irrita você. – Ele pausou, abrindo a porta do carro para que o outro entrasse. E então perguntou mais baixo. – Está tudo bem?
-Sim.
Naruto se recostou no banco de couro e sorriu, colocando a bengala no colo.
– Muito bem.
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- E como vai ficar a sua namorada? Ela vai junto?
Hiashi não entendeu porque o outro se engasgou ao ouvir a pergunta. Seus filhos também começaram a rir, Neji apenas escondendo o rosto.
Ele não lembrava de ver Neji rir com frequência.
A não ser que Naruto estivesse por perto, ou fosse algo envolvendo ele ou irritar o pobre garoto Uchiha. Aliás, irritar o outro era a única coisa em que seus dois filhos pareciam concordar além de Naruto.
Olhou para o rapaz – não, homem, Naruto já era um homem – loiro sentado entre seus dois filhos. Hanabi deitada com a cabeça em seu colo, Neji sentado no chão perto do sofá, com a cabeça perto dos dois. Não era uma cena estranha para si. Ele olhava para Naruto, e não podia comparar esse homem seguro com o rapaz perdido de anos atrás, tão cheio de tristeza e raiva que sua Hinata embraçara e cuidara. Por muitas vezes pensara o que seria se ela estivesse viva. Se eles teriam construído uma família. O que seria dos dois?
E então lembrava do hoje e do agora.
Perder um filho ia contra todas as leis da natureza. Ele já havia lidado com a dor de perder sua amada Lin, e depois Hinata. A dor abrandava, mas nunca sumia. Porém, ver seus filhos – e isso incluía Naruto já há algum tempo – daquela maneira sempre aquecia seu coração, e o fazia lembrar que havia coisas importantes demais no presente para o passado ser relembrado e sofrido para sempre. Afinal, de nada adiantava viver no passado e esquecer de viver. Sua filha e sua esposa não iriam querer isso.
Aquela era uma noite estrelada de verão em Konoha. Haviam terminado o jantar de despedida de Naruto, e estava quente demais para se ficar dentro de casa, por isso estavam na varanda. Hanabi tocara violão e Hiashi contado sobre o tempo que viveu na Inglaterra no secundário.
- Nós terminamos. Há mais de um ano. – O rapaz falou, parecendo constrangido com toda a situação, enquanto sua filha continuava rindo de forma perversa.
-Oh, certo. – Hiashi pareceu pronto para mudar de assunto, mas claro que Hanabi não deixaria passar. Afinal, ela fora uma das culpadas do fim desastroso do namoro breve de dois meses de Naruto. E ela tinha muito orgulho disso. Apenas ajudara em algo que todos queriam fazer.
Fora a primeira vez que o Uchiha lhe dera parabéns por algo.
- Ela acampou na porta do apartamento dele por uma semana. Se não fosse a Haruno ela estaria lá até hoje. Lembra Neji? Ela ficou só de biquíni, sentada em uma cadeira de balanço, gritando pelo nome dele.
-Hanabi...
-Deixa eu terminar! Ela morria de ciúmes de mim. – Ela parecia bem animada com isso. Animada demais. Naruto só queria esquecer de Shion. Namorar com ela havia sido uma péssima ideia. Ela tinha ciúmes até do Sasuke. E onde havia Sakura e Hanabi, Shion não poderia estar sem acabar em desastre.
-Ela quebrou metade do apartamento dele quando Naruto a deixou.
-Neji! Você também não.
-Só comentando. Ela pensava que você era um incapaz. Era irritante.
-Não sei porque briga tanto com o Sasuke. Vocês se parecem demais.
-Não precisa ofender também.
Eles pararam quando uma risada contida saiu da cadeira de balanço na penumbra, todos em choque. Hiashi rindo era raro demais. Meio bizarro até. Até mesmo Naruto virou seu rosto em direção a ele, assustado. E então todos começaram a rir, alto demais, por minutos inteiros sem conseguir se conter.
'É bom estar com os três em casa.'
Hiashi olhou com carinho, enquanto Hanabi tossia, se acalmando, e Naruto estava com a cabeça jogada para trás, tentando respirar normalmente. Neji apenas limpava algumas lágrimas. Naruto se movia, e eles dois se adaptavam, os olhares sempre o seguindo. Sempre dispostos a mover o mundo por ele. Saber que Naruto iria para Inglaterra haviam os feito mover Céus e terras para estarem ali naquela noite.
Não era complicado perceber o que havia ali, e por vezes ele não sabia o que pensar. Ele não sabia se eles mesmo percebiam. Ele temera, por algumas vezes que aquele sentimento que eles não percebiam iria arruinar a relação de Hanabi e Neji, mas com o tempo percebera que estava além disso. Naruto era uma das poucas coisas em que seus filhos concordavam. Diferente de Hinata e Neji, Hanabi e Neji eram opostos demais, desde criança. Hanabi sempre fora diferente de tudo que poderia pensar em um Hyuuga, e ainda assim possuía muito de si. Hinata e Neji, eram Lin em toda sua alma, sua bondade, sua calma, seu altruísmo.
Ele realmente não sabia como isso iria terminar. Mas tinha certeza que, de alguma forma, eles dariam o jeito deles. Eles sempre davam.
Eram seus filhos, afinal.
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Neji observava sua irmã passar os dedos nos cabelos de Naruto em seu colo, que ressonava levemente, em uma delicadeza rara que ela só tinha para tocar seu violoncelo. Eles haviam conversado na varanda por horas a fio mesmo depois do pai ir deitar. Havia muito a ser dito, havia muito a ser feito. Naruto iria embora por dois anos e Deus se sabe quanto mais, e eles só queriam ficar perto dele o máximo que podiam.
O Uchiha viria logo cedo o pegar para o levar ao aeroporto. Eles não iriam, Neji não queria ir, e nem Hanabi. E não era preciso se dizer o porquê. Ele sempre soube o que sua irmã sentia por Naruto. Ele soubera desde a primeira vez que a vira olhando para ele naquela sala na casa de Kushina há cinco anos.
Mas ainda assim, aproveitando a aura de nostalgia ali, de toda a saudade antecipada, ele achou que seria hora de serem limpos um com o outro.
-Você o ama.
Não era uma pergunta. E Neji sabia que Naruto sentia algo por Hanabi também, que talvez nem mesmo entendesse ao certo, por isso eles nunca haviam dado o passo necessário. Naruto havia tido suas namoradas nesse meio-tempo, casos rápidos, um mais longo, mas ele sempre ouvia Hanabi com um ar de fascínio que era reconhecível à qualquer um que olhasse para os dois.
E não se podia nem pensar em projeção. Hanabi era diferente demais de Hinata. Ela era como uma tempestade na vida de todos, entrava do nada, deixava tudo de pernas para o ar e ia embora. Naruto queria a manter por perto, mas era difícil manter uma tempestade.
Ela pausou o carinho em meu cabelo por alguns segundos, até falar, com simplicidade, a voz em uma calmaria rara a ela:
-Como não o amar, Neji? Eu lembro quando Hina me falou sobre ele. Ela disse que era impossível não amá-lo. Que ele era feito para ser amado. Eu achei que ela estava exagerando, apenas apaixonada. Mas então... – a mão dela pausou novamente, a voz baixa ecoando na noite que já esfriava. – Ele é tão forte, e tão vulnerável ao mesmo tempo. Ele faz com que as pessoas gostem dele rápido demais. Ele é apenas...
-Naruto. – Neji falou quando ela pausou, a entendendo. – Um sol, um estúpido sol brilhante que faz com que todos girem na órbita dele sem querer.
Hanabi riu com a comparação, mas encontrou verdade ali.
- Sim. Ele é assim.
Ficaram em silêncio, ainda por algum tempo. Até que perceberam que era hora de entrar, não podiam adiar mais.
Não querendo acordar o loiro, que parecia tranquilo dormindo, Neji o pegou nos braços. Era fácil demais. Por mais que ficasse velho, Naruto continuava o mesmo garoto de sempre. Mais forte pelos treinos, mas ainda baixo. Não era a toa que o Uchiha estava sempre o jogando em um ombro para irritá-lo e o arrastando por aí.
Hanabi observou quando seu irmão tirou o outro do seu colo, o pegando com cuidado. Era difícil não comparar com quando eram crianças e fingiam que estavam dormindo para Hiashi os levar para a cama no meio da noite. Ela se ergueu, se espreguiçando enquanto entravam dentro de casa, pegando o violão, o colocando no sofá e fechando a porta de tela.
E então, voltou a observar o irmão. A maneira que ele olhava o outro dormindo, esperando por ela.
Suspirou.
Eles deviam deixar aquilo claro de uma vez.
– Nós três sempre tivemos o mesmo gosto. – Sua frase fez Neji a olhar, e não havia negação ou surpresa em seus olhos. Eles sempre souberam que aquilo aconteceria. E eles sabiam que não importasse o que acontecesse, família vinha antes.
Eles sempre seriam irmãos.
Neji sempre seria o herói que havia criado elas duas quando a mãe deles morrera e Hiashi trabalhava. Ele sempre seria o irmão que abrira mão de uma carreira por muito tempo para cuidar de Hinata. Eles sempre seriam uma família.
E eles sempre cuidariam de Naruto, de alguma forma.
Neji abriu a boca para falar algo, mas ela se adiantou.
-Não me importo se ele escolher você.
Ele franziu a testa.
-Ele gosta de você. – o irmão rebateu, e Hanabi sentiu vontade de rir, porque Neji podia ser tão distraído quando Naruto as vezes.
-E de você também.
Isso pareceu o pegar de surpresa. E então ela apenas sorriu e passou por eles na escada, dando o beijo no cabelo loiro, e outro na bochecha do irmão.
- Seja como for, ele será amado. Me sinto feliz por isso. Hinata estava certa, ele nasceu para isso. Não estou desistindo. Só falando.
Neji assentiu, voltando o olhar para a forma adormecida, com outros olhos. Hanabi sorriu pensando que agora que o irmão não dormiria a noite.
-Boa noite, resmungão.
A voz dele saiu automática.
-Boa noite, fedelha.
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A manhã seguinte foi confusa para Naruto, e ele não sabia se havia sonhado tudo aquilo. Toda aquela conversa de Hanabi e Neji.
Como sempre Neji e ele foram os primeiros a acordar. Hanabi sempre dormia como uma pedra, e Hiashi só acordava depois das oito da manhã.
Neji havia preparado o desjejum e estava tão frio que ele sabia que o sol nem mesmo havia nascido. Sasuke chegaria em algumas horas e sua mãe já estaria no aeroporto com Sakura e seus avôs. Ficaram em silêncio quase todo o tempo. Era confortável. Era bom.
Naruto gostava disso em Neji. De toda a calma que vinha dele. Ele gostava de muitas coisas em Neji. Que só percebia após aquele sonho – talvez-não-sonho – estranho.
Ele soube que não havia sido um sonho quando Sasuke chegou, horas depois, e ele fora buscar a mala no quarto de hóspedes enquanto o Uchiha conversava com Hiashi na entrada da casa. Ele vinha pelo corredor em direção ao quarto quando foi barrado no caminho, batendo em Neji que havia parado na sua frente. Eles não falaram nada.
Neji queria falar tanto, mas nada vinha, e se surpreendeu quando sentiu os dedos do outro em seu rosto, o "enxergando". Não era como se ele já não tivesse feito isso antes, mas daquela vez seu coração desenfreou ao lembrar da conversa com Hanabi.
Naruto sentiu a mão de Neji segurar a sua em seu rosto, e então o hálito estava perto, a outra mão dele tocando sua bochecha devagar. Ainda em silêncio. Foram apenas segundos. Uma mão segurando seu braço, a outra em seu rosto. Um simples beijo. Rápido, suave. Calmo como ele era. E então outro em seu nariz e testa, o soltando devagar. O rosto de Naruto estava surpreso, enrubescido, a boca entreaberta e ele não sabia o que pensar com isso.
Neji apenas sorriu, bagunçando seus cabelos como sempre.
-Boa viagem, Naruto.
Ele terminou de seguir no corredor sem esperar resposta alguma.
.........................................
-Naruto.
A voz sonolenta o surpreendeu. Hanabi nunca acordava tão cedo. Ele caminhava no mesmo corredor, voltando ao quarto onde havia esquecido o passaporte – Sasuke lhe dera um tapa na testa, ele tivera que voltar da entrada de Konoha. Culpava Neji por isso.
Parou com o documento na mão, e sentiu o deslocamento de ar e um abraço. Era tão nostálgico que sorriu. Ele já havia se despedido na noite anterior, então não havia nada a ser dito. Quando se abaixou para beijar o cabelo de Hanabi, no entanto, encontrou a boca na sua. E era totalmente diferente do beijo mais cedo. Era exigente, saudosista. Com gosto salgado por ela estar chorando em silêncio.
E então, assim como começou, ela o soltou.
-Boa viagem, Naruto.
Sua voz sonolenta, e tão triste.
-Hanabi?
Foi recebido com silêncio. Ela apenas o deixou ali no corredor, mão estendida para o nada, sem esperar resposta também.
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Esse negócio que as coisas não mudam com a distância não existe. As coisas mudam sempre, toda hora, todo segundo. Você nunca vai ver a mesma coisa, ser a mesma coisa. A distância, o tempo e as ações entre eles, tudo muda. As pessoas, os lugares e os sentimentos também.
Como muda, já é uma questão diferente.
Isso de 'nada vai mudar' não chega nem a ser uma piada, na verdade é uma ilusão. As pessoas mudam, e as pessoas fazem as coisas acontecerem, logo essas coisas mudam. É para ser simples.
E não se fala apenas da distância física. Uma pessoa pode estar a seu lado e estar longe demais. Você a via todo dia, passa a vê-la esporadicamente e um dia ela some da sua vida, mesmo estando lá. Por isso existem amizades e amores de temporadas.
E o engraçado é que nunca se tem garantias de quantas temporadas tudo irá durar.
Não temos noção exata do quanto as pessoas realmente se gravam em nossos corações. Aquela pessoa que hoje você vê todo dia, conta tantas coisas, ri por tudo, em anos pode se tornar um estranho, mais alguém que mudou e se foi com uma temporada. E então, quem você menos esperava vai estar lá. E isso é tão peculiar. Triste até. Você não saber o que, ou quem estará sempre esperando por você.
Quando Naruto pegou aquele avião, ele pensava nisso. Quando sua mãe chorou no aeroporto e disse que o amava. E tantas outros conselhos, como se fosse a primeira vez que ele iria voar, iria embora. E para ela sempre seria como na primeira vez.
Quando se despediu de Sakura, a menina bonita da rua. Sua irmã. E seus avôs, que foram os faróis para ele e sua mãe sempre que se perdiam no escuro. E então Sasuke estava lá, como sempre esteve. Como uma extensão de si mesmo. E Itachi lhe deu um abraço tão forte, e disse que confiava nele e que tudo daria certo. Que Naruto era forte. Que Naruto era um guerreiro.
Seria uma nova fase na sua vida. Talvez não fosse fácil. Ele não sabia o que esse caminho o reservava e o que estaria o esperando quando ele voltasse. E ele voltaria um dia.
Quando chegaram na agitada Londres, no entanto, e entraram no táxi enviado pela editora para o hotel, ele sentiu que algo faltava. Algo crucial. Franziu a testa e pegou o celular no bolso na jaqueta. Sasuke roncava exausto ao seu lado.
A ligação demorou, internacional. Então ela atendeu. Sonolenta.
-Alô?
-Te acordei, desculpa. – falou sem jeito. – Esqueci do fuso horário.
A ouviu bocejar a milhares de quilômetros de distância.
-Naruto...É o Naruto. – Ouviu a voz de Neji ao fundo, então eles não estavam dormindo. – E então bonito, chegaram bem?
-Sim. – sorriu com o apelido. – Pode colocar no auto-falante? Quero que Neji ouça também.
-Hum?
-Por favor.
Ela riu, mas ouviu um barulho de estática.
-Pronto, bonito.
- Anos atrás eu decidi que nunca deixaria de falar algo assim por supor que alguém soubesse. Eu amo vocês. Os dois. Não sei porque demorei tanto, mas não queria que ficasse algo sem ser dito.
-Naruto...Eu...nós...
- Eu amo os dois. Não sei como resolveremos isso. Não quero nenhuma mágoa. Eu vou voltar ainda, e vamos trabalhar isso. Eu amo os dois, e no momento não vou escolher um ou outro. Não dá para escolher entre as pessoas que a gente ama. Talvez um dia isso mude, mas é o que sinto.
Para sua surpresa ela riu, e ouvi um bufo de Neji atrás.
-Está propondo ficar com nós dois, Naruto?
Naruto sentiu o rosto esquentar. Hanabi sempre fazia isso.
-Não é exatamente isso...mas é uma situação bem confusa não é? - Sorriu ao ouvir a risada dela.
- Muito, mas podemos resolver isso depois. – Ela falou com carinho e ouviu a voz de Neji atrás. – Neji disse que você é um idiota, mas nosso idiota. Vamos esperar você voltar e ver no que isso vai dar, tudo bem?
Sentiu algo no peito, como se uma mão que o esmagava o soltasse finalmente. Então era isso que faltava. E idiota como era, demorara tanto à perceber.
- Tudo bem.
-Papai vai fazer uma piada disso. –Ouviu ela dizer a Neji e um resmungo dele de "E eu não sei." A voz dela se encheu novamente de carinho. –Foi bom saber disso. Não sabe como foi bom. Neji disse que seu voo foi longo, e que devia ir dormir e não deixar o Uchiha mandar em você por aí. Mande notícias. – Ouviu Neji falar "Todos os dias" e riu com isso, seu nervosismo indo embora.
-Tudo bem. – repetiu. – Até a volta.
-Até a volta, bonito. Nós amamos você, tenha cuidado.
Desligou com um sorriso no seu rosto. Aquilo era confuso, nas não dizer a alguém que ele amava o que sentia? Nunca mais.
-Finalmente os idiotas tomaram uma atitude.
A voz de Sasuke o pegou de surpresa. Então ele não estava dormindo?
-Você sabia? – perguntou timidamente e ouviu um resmungo exasperado.
-Só você não sabia dobe. Há quatro anos ameacei Neji se ele aprontasse para seu lado, e disse que a ameaça se estendia aquela psicótica da irmã dele. Era tão óbvio que eles queriam entrar dentro da sua calça, que até sua mãe, que é distraída como você, sabia. Era óbvio que ia acabar em algum tipo estranho de triângulo amoroso de Dorama.
Seu rosto esquentou, mas acabou rindo, o cutucando com a bengala em seu colo com os olhos como sempre fixos à frente.
-Então, você deu uma de irmão mais velho protegendo seu pobre irmãozinho indefeso dos corvos ao redor.- falou com sarcasmo e ouviu um grunhido.
-Calado, Dobe. Vai dormir.
Fechou os olhos e o silêncio voltou, tomado apenas pelo barulho da velha Londres do lado de fora. Seu mundo era assim agora: cheio de sons, que explodiam como imagens na sua cabeça.
Por muito tempo Naruto imaginou se quando abrisse os olhos, um dia, estaria enxergando novamente, mas como sempre continuou na mesma escuridão.
'Não. Não a mesma.'
Há muito tempo que essa escuridão era confortante à ele. Cheias de imagens. Imagens da sua retina. Das suas lembranças mais coloridas que envolviam voos, garotas borboletas e sonhos que se realizavam.
Afinal, ele não precisa ver para enxergar há muito tempo.
Nem de um avião para voar.
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Espero que vocês tenham gostado dessa estória. Muita coisa aconteceu no processo dela. Cresci escrevendo, foi minha terapia. Foi em homenagem a minha mãe, que me ensinou sobre legados, sobre voar sem avião. E irei carregar isso sempre comigo.
O final ficou meio em aberto, e foi de propósito. Deixo o resto a cabo de vocês imaginar. Voem sem avião também.
Foi maravilhoso passar esse tempo com vocês! Agradeço muito por todo o carinho, todas as mensagem de apoio. Todo o amor que senti através disso.
Espero que tenham gostado desse trabalho, e, quem sabe, um dia nos viremos em alguma bienal, ou em alguma livraria daqui há alguns anos?
Com amor.
Ayzu
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