CAPÍTULO 5
Ao fim da aulas corri para o centro de tratamento de doentes renais.
Ela não compareceu a Hemodiálise.
Este era o único local da cidade onde esse tratamento é feito. Fiquei sem chão.
Dirigi novamente até sua casa, estava tudo fechado. Não havia ninguém.
Fiquei lá algumas horas, quando um carro com vidros escuros entrou na garagem.
Não consegui distinguir se ela estava lá.
Olhei meu telefone. Ela não ouviu nenhum dos áudios que mandei.
— Que inferno! Eu preciso fazer alguma coisa!
Já saí da porta da casa dela tarde, eram quase 22h. Liguei o carro pra voltar pra casa, e segui pela avenida central.
Senti um mal estar muito forte. Rodei na pista e resvalei o carro no canteiro central.
Eu não tinha forças pra sair. Abri a porta e cai no chão. Eu estava fraca, sem forças. Vi algumas pessoas chegando, mas não conseguia entender o que diziam.
— A senhora sabe seu nome??
Tentei desviar da luz forte que batia no meu Olho!
— A senhora sabe seu nome?
— Claudia! Mas espera! Não estou conseguindo ver.
A luz baixou!
— Nome completo e idade?
Eu respondi. Estava numa ambulância, com soro, muito enjoada.
— O que aconteceu?
— Resgatamos a senhora caída ao lado do seu carro. És diabética?
Ingeriu algo álcoolico?
— Não... não...
— Sua glicose estava muito baixa. Poderia ter causado um acidente. Tem certeza que não é diabética e tomou remédio errado?
— Não... estou há mais de 24h sem comer.
Fui atendida na emergência. Patrícia veio me buscar com Carlinhos.
— Não digam nada por favor... Eu sei que errei...
Patricia me abraçou e me conduziu ao carro.
— Onde está meu telefone? Quero ver se ela ouviu os áudios que mandei!
— Não Claudia! Agora não! Vamos pra casa, se alimentar... depois você pensa nessa moça.
Acordei assustada de manhã. Procurei meu telefone e não vi.
Patricia tinha feito café. Estava na minha cozinha. Se ela não tivesse ido embora, nossa vida seria bem diferente... Fiquei parada olhando...
— Que foi que está me olhando? Bom dia!
— Bom dia! Estava aqui pensando na burrada que você fez na vida indo embora...
— Amor, escute... eu te amo. Sempre te amei. E sempre vou te amar. Mas eu me amo também. E a música é algo que me fascina, que gosto. Eu tentei... bem que tentei estar aqui. Mas não podia deixar algo que amo muito antes de você, para ficar aqui. Sei que você não entende, nem nunca entenderá. Mas é isso...
— A música sempre foi mais importante que eu não é?
Ela ficou quieta...
—Ok... não vou mais remexer nosso passado.
— Sente-se e coma! Que horas é sua aula?
— As 10h e hoje vai até a noite. Você vai ficar aqui?
— Desmarquei uns compromissos, ficarei aqui até você estar melhor, tudo bem?
Apenas sacudi a cabeça.
Hoje não seria dia de hemodiálise para Sara.
No dia seguinte, voltei a clínica, mais uma vez ela não foi. Muita angustia me dominava. Na porta da casa dela, novamente tudo parado, sem movimento.
Dessa vez não me demorei. Fiz isso mais dois dias. Na volta do terceiro dia indo a casa dela, vi Joana na minha porta. Magra, abatida...
— Joana! Meu Deus! Como está Sara?
— Mal minha filha. Muito mal. Tem cinco dias que mal come, abatida, o pai não a deixa sair de casa. Ela precisa fazer a hemodiálise. Não sei o que fazer, vim aqui desesperada, pois é a única pessoa capaz de me ajudar. Ele está alucinado, faz vigílias de oração para ela, dizendo que Deus dará o livramento. Ela não tem forças pra comer.
Carlinhos chegava naquela hora. Iriamos jantar os três lá em casa.
Joana deu a mesma breve explicação a ele.
Fui em direção ao carro.
— Aonde você vai?
— Pegar ela a força.
— Não adianta. Ele não vai nos permitir entrar. Vamos a delegacia, pedir apoio
— Como assim delegacia? – Dizia Joana
— Senhora, seu marido está mantendo sua filha em cárcere privado. Isso é crime, ela é maior de idade, tem o direito de ir e vir, e ele está negando esse direito a ela. Vais deixar sua filha morrer?
Ela fez que não...
— Vamos!
Carlinhos acabou pegando a direção, enquanto eu ligava pra Patricia pra explicar.
Fomos rapidamente atendidos na delegacia. Joana contava a eles o ocorrido. Eu não poderia esperar mais.
Saí com o carro cantando pneu, Ainda acertei o espelho num ferro, que fez ainda mais barulho. Foi possível ouvir de dentro da delegacia.
— Que diabos foi isso? – Disse um dos policiais
— Claudia! Meu Pai!!! Ela saiu feito louca! Deve estar indo pra sua casa Joana!
— Como assim? Homero vai mata-la!
— Senhores... Precisamos ir!
— Estão de carro?
— Não... viemos com ela.
Eu entrei na garagem com carro e tudo, arrombando os portões, O barulho deve ter acordado toda a vizinhança. Peguei no carro uma barra de ferro que uso nas aulas de campo, pra montar barracas. Dei a volta na casa correndo, desesperada... Procurava uma porta, ou janela que
eu pudesse entrar!
— O que está fazendo aqui? Vou chamar a policia!
— Chama! Chama mesmo! Vim buscar Sara!
— Vá embora sua endemoniada! Vá cuidar dos seus demônios.
Algo em mim me fazia cega, eu não tinha noção de como era forte. Chutava uma porta de alumínio com tanta força, que ela entortou. Continuei chutando Muito forte, até que o trinco saiu do lugar.
Aquele infeliz estava com o telefone na mão. Devia ter ligado pra polícia. Eu parti pra cima dele como um bicho, empurrando-o para a parede e apertando a barra em seu pescoço! Ele tinha nas mãos também um livro. Suponho ser a bíblia.
Sem noção da minha força eu apertava cada vez mais!
— Onde ela está?
Ele me deu um chute e me empurrou! Eu caí, e ele veio pra cima de mim.
— Saia da minha Casa demônio! Saia Capeta. Deixe minha família em paz.
Acertei a barra na barriga dele, que ficou sem forças.
Corri pela casa, não conhecia nada. Vi uma jovem, muito parecida com Sara numa das portas. Ela me apontou o Quarto.
Sara Estava completamente abatida, nem de longe lembrava a mesma menina que conheci. Ela não me respondia. Fui pega-la no colo
— Deixe minha filha em paz Satanás!
Senti ele correndo na minha direção!
— PAIII NÃO FAZ ISSO!
Era uma menina, menor ainda que a outra. Ele se virou pra olhar a criança, e eu o empurrei. Ele acertou-me um soco, que certamente quebrou meu nariz. Muito sangue desceu na hora.
Joana chegou logo atrás, acompanhada de Carlinhos e mais dois homens, com colete e camisa preta. Estávamos numa luta corporal.
Os homens conseguiram conte-lo.
Corri em direção a Sara, que mal respirava.
— Carlinhos, pelo amor de Deus, ela vai morrer!
Eu a tomei nos braços. Chegaram alguns policiais fardados, certamente os que ele chamou.
— Carlinhos, ela está morrendo! Por favor! Precisa fazer alguma coisa.
— Senhora... melhor chamar uma ambulância.
Eu estava toda suja de sangue, e a sujava também.
— Não há tempo! Não há! Ela não está respirando direito.
Saí correndo com ela no colo, estava muito mais magra do que era.
Meu coração batia alucinado.
Acabamos entrando no camburão da polícia militar. Não havia tempo de esperar uma ambulância. Carlinhos foi comigo.
Eu chorava com ela no meus braços. Sangue e lágrimas molhavam meu rosto. Cada vez mais sua respiração ficava fraca.
Beijei sua testa. Sujei todo seu rosto de sangue.
Carlinhos me olhava com piedade. O trajeto até o hospital durou uma eternidade.
Quando o carro parou, ela também havia parado de respirar.
— Não... não... Sara!! Sara!!!!
Eu a sacudia, tentava faze-la acordar.
— Sara, sara! Sara!!! Pelo amor de Deus Sara! Não... não... Sara!!!!
Um dos policiais a tirou da minha mão e a pôs numa maca.
— Carlinhos ela parou de respirar!!! Carlinhos! Cheguei tarde!!!
Ele me abraçou!
A maca onde ela estava foi levada pra dentro, já haviam várias pessoas a sua volta. Um dos enfermeiros estava de joelhos na maca, fazendo massagem.
Eu os perdi de vista.
Senti-me morrer ali. Apenas caí de joelhos no chão.
Por que fui tão tarde?
Eu precisei ser atendida na emergência também. Meu nariz ficou bem feio. Colocaram-me um tampão, quase não respirava.
Era noite, e eu precisaria aguardar a avaliação de um cirurgião específico, porque talvez precisasse operar. Na verdade eu nem sentia dor. Patricia foi a casa pegar roupas limpas pra mim. E eu continuava sem nenhuma notícia dela.
Alguns policiais vieram conversar comigo, eu também agredi o pai dela, precisaria fazer um corpo delito. Como Sara estava muito mal, Carlinhos disse que veria com um advogado para configurar legítima defesa. Não me importava. Eu podia até ser presa. Nada me importava.
De verdade, eu só queria notícias dela.
Patricia chegou com uma muda de roupa. Troquei-me. E pedi que sondasse como Sara estava. Já haviam se passado algumas horas, eu não sabia ao certo. Carlinhos veio depois de um tempo. Com o conhecimento que tinha foi fácil saber notícias.
— Como ela está?
— Minha amiga...
— Carlinhos sem rodeios! Ela morreu?
— Ela está muito grave. Muito mesmo. Talvez não resista.
Eu fiquei olhando-o em choque. Nem sabia o que dizer. Eu só pensava por que não invadi a casa dela antes...
— Claudia... me escuta... não há muitas esperanças. O caso dela é muito grave. Os médicos a estabilizaram, está respirando com aparelhos, em coma. Seu coração está batendo. Mas tudo é relativo. Será feito um exame pra saber se ainda há vida ali.
— Há alguma esperança?
— Remota. Bem remota dela ainda estar com vida.
— Eu queria muito vê-la.
— Só vão liberar a família.
— Carlinhos, por Deus, peça a Joana pra me deixar vê-la.
— Claudia, não tenha esperanças amiga. Não há o que se fazer. Nesse momento, ela não pode nem fazer hemodiálise, pois seu coração não aguentaria.
— Você disse que há uma mínima esperança. Não vou perde-la. Por favor... fale com Joana.
Eu fiquei sem chão. Nem conseguia chorar. Presa na emergência, sem ter o que fazer. Minha cabeça era um turbilhão de pensamentos.
“Maldito! Desgraçado! Deus não pode fazer isso com ela. Não é o que Deus poderia querer... deixa-la nas mãos de um louco. Ela teve chance de viver. Teve uma segunda chance. Como ela pôde ter sido tão preconceituosa??? Também... nem posso culpa-la, com um pai desse... Meu Deus! Como isso foi acontecer? O Senhor não me deixou chegar até aqui pra ela morrer! Até Patrícia estava disposta a doar um rim! Gente! Ela ia doar uma parte dela, e tomar remédios pelo resto da vida, e por uma pessoa que nem conhecia. Que mulher maravilhosa... filha da puta me deixou! Mas e Sara? Tem que haver algum fundamento.”
Eu estava perdida nos meus pensamentos, quando uma pessoa chegou com uma cadeira de rodas.
— Pra que isso?
— vou levar a senhora no CTI, o Drº Carlos irá com a senhora.
— Eu posso andar.
— São normas do hospital a cadeira.
O rapazinho me empurrou por um longo corredor. Parecia sem fim. Na porta do CTI estava Carlinhos de jaleco, e Joana. Ela me abraçou. Choramos muito juntas.
— Estamos aguardando a enfermagem liberar nossa entrada – disse Carlinhos
— Me perdoa Joana... por ela estar assim...
— Filha, você não tem do que pedir desculpas. O destino quis assim.
— Não foi o destino. Foi ela. Ela e seu marido. Mas eu não me conformo, deveria ter feito algo antes.
— Claudia, quando ela me contou da briga que vocês tiveram, eu quis argumentar, quis explicar que a religião não muda caráter. Mas Ele fez uma lavagem cerebral nela. Não conseguia nem me manifestar. Ele gritava e orava. As outras meninas estavam super assustadas. O que eu poderia fazer? Eu não tinha como sair de casa, cuidava dela o tempo todo. Ela desistiu da Hemodiálise de tanto que ele a convenceu que Deus daria libertação a ela.
— Só se fosse a libertação da morte. Isso é criminoso!
— Ele é um fanático. Eu Honro a Deus e nossa igreja. Mas ele é bitolado. É o pastor, e assim ele mexe com a cabeça das pessoas, pois está acima do bem e do mal.
— Nenhum de nós está...
— Mas ele se achava assim. E seus fiéis o colocavam nesse patamar. Eu que devo pedir perdão, a Deus, a minha filha, a você... Fui omissa. Estou perdendo minha filha... nem sabemos se ela ainda está viva. Eu ouvi seus áudios. Ela nem sequer os abriu. Mas como ela estava bem fraca, pus ao lado do seu rosto, quando estávamos em casa hoje, ela abriu os olhos, e me olhou cheia de lágrimas. Tentou alcançar o telefone. Mas não conseguiu. Quando ela balbuciou alguma coisa que eu entendi como “Claudia... desculpe... eu vou morrer... me perdoa”
— O Eletroencefalograma será feito após nós a vermos. – Mais uma vez Carlinhos falou. — Mas o estado dela é muito grave. Está bem pouco responsiva. Só mesmo um milagre para salva-la.
— Claudia... eu posso estar louca... mas por favor... peça ao que você acredita... Eu sei que você tem muita fé, pela forma que Sara falou. Por favor... eu não entendo... mas com fé vamos a qualquer lugar.
— Joana eu não paro de orar por ela um instante sequer.
Fomos liberados pra entrar, apenas podíamos um de cada vez. Joana foi. Voltou mais arrasada ainda. Não me disse nada. Mas havia dor em seus olhos.
Carlinhos empurrou minha cadeira. Era a forma dele entrar comigo.
Sara estava tão magra e abatida. Não conseguia nem ver seu rosto direito. Cheia de tubos e coisas em cima dela. As máquinas apitavam o tempo todo. Algumas piscavam em vermelho... não era bom. Um gráfico sobre seu coração passava fraco na tela...
— Sara... por Deus... saia dessa. Eu te perdôo por tudo que me falou. Por tudo que fez. Mas quero que me perdoes também. Não precisa nunca mais olhar na minha cara. Mas por favor, saia dessa. A Patricia está aqui, esperando pra fazer o transplante. Você pode não querer mais ficar comigo. Não quero que tome meu perdão como uma libertação. Mas como força pra você lutar. Luta meu amor. Luta por você. Luta por nós.
Carlinhos me tocou no ombro. Era hora de ir.
Beijei meus dedos e levei a sua testa. Era muita dor vê-la assim.
Tive que voltar pra emergência. Aguardar o cirurgião pela manhã.
Carlinhos como era médico de Sara, passou a noite no hospital.
Ele voltou depois de algum tempo. Já era de manhã.
— Claudia... preciso falar com você. Saiu o resultado de Eletroencefalograma.
Engoli seco. Ele me olhou com ternura. Me abraçou.
— Ela ainda está viva... continue orando!
Acordei da cirurgia meio 'grogue' ainda. A Patrícia estava lá do meu lado.
Como essa mulher é incrível... Como ela pôde simplesmente me deixar? Ela é perfeita. E eu ainda a amo. Só estou muito magoada. Mas... Amo a Sara. Sinto que posso fazer essa menina feliz.
— Que porra! Que merda que me meti!
— Nossa! Já acordou assim?
Eu olhei pra ela meio tonta, que riu. Eu ainda estava tonta e falando com dificuldade
— não dá... falar muito. Dor...
— Então fica quietinha e pare de reclamar.
— como...
— Na mesma. Se acalme. – Patrícia sabia que eu perguntaria sobre Sara e logo respondeu.
Fui de alta no outro dia. Com um curativo no rosto, parecia um filme de terror.
Uma semana se passou de muita dor física e na alma.
Sara tinha feito a primeira sessão de Hemodiálise, e respondido bem.
Todos os dias eu ia ao hospital. Entrei duas vezes, pois as visitas eram limitadas.
Depois de duas semanas eu não parecia mais um personagem de filme de horror.
Não tinha encontrado o pai dela nenhum dia. Ele não havia ido visita-la.
Seu quadro era muito grave ainda, reagia sutilmente. Joana me chamava de filha. Me tratava com carinho. Tinha toda a preocupação de uma mãe, se eu comia, se tomava meus remédios. Ficamos bem amigas, afinal, ela não era tão mais velha que eu.
Depois de um mês e meio, ela ainda estava em coma, só que induzido. Fazia hemodiálise com mais frequência.
Depois de três meses nessa angústia, eu já tinha emagrecido muito, Joana se separou do crápula, foi isolada da igreja, pois ele já tinha contado a todos do envolvimento de Sara comigo.
Como a vida dela se tornou um inferno, a levei com as meninas pra ficar lá em casa.
Até a separação dela sair. Patricia e eu já tínhamos assinado a nossa.
Mas estávamos todas juntas em minha casa.
Todo mundo em casa, uma segunda a noite, jantando, quando meu amigo chegou.
— Oi Carlinhos!
— Oi gente, bom dia! Tenho novidades pra vocês. Sara está reagindo bem. Devagar. Mais bem. Então, os médicos do hospital e eu chegamos a conclusão que podemos tentar o transplante. Queria saber se Joana autoriza e se Patricia ainda aceita ser doadora.
— Ora Carlinhos, estou aqui esse tempo todo pra ajudar. Claro.
— Você sabe que isso vai mudar sua vida, não sabe? Vai precisar se cuidar sempre, tomar remédios...
— Carlinhos, eu estou aqui pra isso. Se meus Orixás me guiaram pra esse fim, aqui estou.
— Muito obrigada Patricia. Nem sei como agradecer. Não haverá como lhe pagar.
— Deus já está me pagando. Não se preocupe.
— Então, posso começar a organizar as coisas? Patricia, vai precisar refazer os exames.
Quarto mês de internação, o coma já era totalmente induzido, mas pro bem dela.
Chegou o dia do transplante.
Minha pressão a mil.
Não sabia se ria ou chorava.
As duas mulheres que amo na mesa de cirurgia.
Já tinham mais de 6h de procedimento cirúrgico... Ninguém pra dar notícias.
Fui pegar as meninas na escola pra sair um pouco de carro, distrair e as levei pro hospital depois.
Já eram mais de 8h de cirurgia.
As vezes parecia que eu teria uma síncope.
As irmãs de Sara estavam bem apreensivas.
Carlinhos finalmente saiu na porta do centro cirúrgico.
Na mesma hora que o pai de Sara chegou na sala de espera
Homero chegou e abraçou as filhas mais novas. A bem da verdade, eu estava pouco me lixando pra presença dele ali. Fui em direção a Carlinhos.
— Como elas estão?
— Patricia está bem. Já foi pro CTI, pra se recuperar, está estável. Vai ficar bem.
— e.....?
— Sara ainda está instável, teoricamente a cirurgia foi um sucesso, mas ela está muito fraca ainda, precisamos ter fé e aguardar.
— Patricia não entrou naquela sala a toa. Ela vai ficar bem, tenho certeza.
Joana que já estava chorando, ficou pior, a abracei.
— Vamos ter fé. Vai ficar tudo bem.
— Ora... ora... que lindo... agora você também está mancomunada com a aberração? – O pai de Sara alfinetou.
Preferi nem responder...
— Ela não é uma aberração, é uma pessoa como nós, e ela e seus amigos salvaram a vida de sua filha.
— Não era esse o propósito que Deus gostaria pra vida dela.
— Homero, como assim? Sua filha teve a chance de nascer de novo. Como pode achar que Deus queria a morte de Sara?
— Era melhor que vê-la envolvida com essa gente...
— Senhor, por favor, estamos num hospital, peço que mantenha o controle, senão , peço para retirá-lo daqui.
— Com sua macumba doutorzinho?
— Não... com o meu poder de funcionário publico, uma vez que é desacato o que o senhor faz.
— Quero que vão todos pro inferno! Alias, já estarão lá mesmo.
— Te esperamos lá então. – Carlinhos sorriu!
As meninas acabaram se soltando e vieram pro lado da mãe. Como me afinizei na mais nova, ela me abraçou!
— Não vou permitir que corrompa outra filha minha.
Ele veio tirar a garota de mim.
Apenas a protegi, não queria um novo escândalo.
Carlinhos chamou a segurança, e pediu para que ele saísse do hospital.
— A Fúria da mão do Senhor cairá sobre vocês todos! Pederastas, aberrações!
Passamos a noite lá. Sara estava no CTI, mas já era tarde, e eu estava cansada pra dirigir. As garotas cochilaram numa poltrona, eu iria esperar as noticias da manhã para irmos embora.
As pacientes estavam em observação. Patricia reagindo bem. Sara ainda grave.
Fomos pra casa. Ao chegar, percebi meu portão aberto. Apesar da porta da frente intacta. Eu sentia que algo não estava bem. Pedi as meninas pra ficarem no carro.
Fui com Joana até os fundos, a porta estava arrombada. Minha casa inteira revirada, coisas quebradas. As paredes pintadas com pixações em vermelho.
Joana foi ver o resto da casa e eu
Fui até o quartinho onde tinha meu altar. Tudo foi quebrado. Apaguei o fogo que ainda se alastrava por uma toalha.
Não tinha o que dizer... o que fazer... quase tudo foi destruído.
Joana veio até mim. Ela nunca tinha visto o quarto onde eu guardava coisas da minha religião.
— Meu Deus Cláudia... me perdoe.
— Não é culpa sua Joana. Mas ele não agiu sozinho. Com certeza não. Vou ligar pra polícia.
— Aqui que você fazia suas coisas?
Um leve sorriso atingiu meu rosto.
— Sim, aqui eu orava, rezava, cantava, aqui acendia minhas velas e fazia minhas preces. Viu? Não há nada demais aqui. Apenas algumas imagens.
Mas agora esta tudo destruído.
Joana mandou as filhas pra casa de uma prima.
Esperamos a polícia, perícia, depoimentos. Acabamos passando o dia enroladas, sem noticias das duas no hospital.
— E essa câmera de segurança .– perguntou-me um policial
— Nossa! Tinha até esquecido-me dela. É do condomínio.
— Está funcionando?
— Possivelmente sim, ela se ilumina de noite.
Levei um dos policiais a administração do condomínio de casas onde eu morava.
Minha cabeça girava... não sei como podia estar passando por tudo aquilo.
Passamos a noite e os dias seguintes num hotel.
Após a liberação da polícia, acionei o seguro do banco, que fez alguns reparos na minha casa e me indenizou algumas coisas.
Cerca de uma semana após havíamos voltado pra casa.
Não houve mais notícias de Homero. O vídeo da invasão dele e de mais algumas pessoas a minha casa, viralizou na internet. Ele estava desaparecido.
Patricia já estava de alta para o quarto. E Sara reagia melhor. O rim começou a funcionar sozinho.
— O que é isso?
— Sopa ué?
— Ahhh Claudia, pelo amor de Deus! Vá comprar comida de verdade pra mim!
— Patricia! Você não muda!
— Não aguento mais essas comidas! Compra uma pizza, por favor!
— Como eu vou entrar no hospital com uma pizza, sua doida?
— Sei lá... enfia dentro das calças... Já estou há mais de um mês comendo comida sem gosto e sem sal...
— Bom dia!!! Quem já está reclamando a essa hora??
— Carlinhos, eu quero uma feijoada!!!! Um mocotó, uma dobradinha!
— Calma minha amiga! Logo você vai poder voltar a ter uma vida normal. Quase normal na verdade.
— Claudia preciso falar com você, vamos?!
—O que houve? Aconteceu algo com Sara?
— Você vai ver.
Fomos ao CTI, já tinham se passado 45 dias da cirurgia.
Fiquei ansiosa aguardando a minha permissão pra entrar... Sara deve ter melhorado, eu a visitava todos os dias, mas nos últimos dois dias, não fui para permitir outros parentes dela que estavam na cidade irem.
Um longo corredor de cortinas de vinil, frio, barulhento, com pessoas andando de um lado pra outro. Eu não suportava entrar ali.
Olhei pro leito onde ela passou esses dias internada, e estava vazio.
— Carlinhos.... onde.... o que aconteceu?
— Calma... vem comigo...
Seguimos pelo corredor, até a última cama. ele abriu a cortina.
ela dormia serena, não tinha rosto inchado, e respirava sozinha.
— Carlinhos...
— Foi extubada ontem a noite. Estava reagindo bem... agora respira sozinha. Não está em coma, só sedada. Mas dorme. Hoje de manhã ela já interagiu com a enfermagem. Ela está melhor minha amiga. Reagindo bem. Pode ficar uns minutos com ela. Já venho te buscar.
Eu fiquei imóvel na beira da cama. apenas olhando pra ela. Não estava mais deformada, como parecia estar. Dormia tranquilamente.
Beijei meus dedos e levei em sua boca. Ela Fez um leve indicio que acordaria. Mas não.
— Sara meu amor. – Eu sussurrava no ouvido dela. — Eu te amo tanto... tinha tantas coisas pra te dizer mas agora não sei o que falar. Todos os dias eu vinha aqui conversar contigo, te contar como estavam as coisas... mas agora... estou perdida.
Passei alguns minutos apenas segurando sua mão e fazendo carinho no seu rosto. Ela abriu os olhos algumas vezes, mas sem nenhuma reação.
Em cerca de 10 minutos Carlinhos voltou e me abraçou por trás.
— Muito obrigada por tudo que fez por ela. – eu disse a ele.
— O amor e a fé de vocês a salvou. Fomos só instrumento. Ainda há muita luta pela frente. mas a pior, ela já venceu.
O abracei muito forte. Me deixei chorar feito criança.
— seja macho Claudia
— Ahhh "viadinho"... me deixa. Sou uma florzinha.
— Sei... flor de cactos.
Nós rimos. Pela primeira vez em quase seis meses eu me senti mais leve.
Voltei pro quarto depois de ter chorado horrorres.
— O que houve?
— Ela esta melhor! Respira sozinha. Está acordando.
— Ohhh graças a Deus.
— E a você
— Se Deus e nossos guias não Tivessem permitido, nada disso estaria acontecendo.
— Em breve você vai ter alta...
— Não vejo a hora de voltar pro Rio...
— Voltar? Como assim? Achei que...
— Que eu ia ficar? Ora Claudia... imagina você com duas mulheres...
— Não sei se Sara vai me querer.
— Mesmo assim, já tínhamos chegado a conclusão que nosso tempo acabou.
— Mas... sei lá... esses dias cuidando de você...
— Só está confusa. Já tínhamos conversado sobre nós. Eu te amo. Mas não quero mais me envolver com você.
— As vezes você é tão cruel.
— A realidade é cruel. Talvez não estejas pronta a ouvir a verdade, por isso ela dói.
Eu fiquei quieta no meu canto... Claudia logo iria embora. E eu talvez ficasse sozinha. Estava bom ter a casa cheia, Joana e as meninas traziam alegria pra meus dias preocupados. Cuidar de Patricia me fazia bem. Acho que fiquei um pouco perdida na história. Tanta gente na minha vida, logo eu estaria sozinha.
Uma semana depois Patricia saiu de alta, fui arruma-la em casa, ainda ficaria mais uns dias conosco, pra só quando estivesse bem, voltar ao Rio. Minha ex cunhada viria busca-la.
Nesse mesmo dia que fui arrumar Patricia em casa, Sara foi pro quarto. Ninguém havia me avisado nada.
Uma chamada de Joana no telefone.
— Onde você está?
— Chegando no hospital.
— Me espere na recepção.
— Aconteceu alguma coisa Joana?
— Não. Só me espera na recepção.
— Ok. – Desliguei com o coração em frangalhos.
Chegando lá,vela me aguardava na porta. Sara havia ido para o quarto.
Meu sorriso se abriu. Não pude conter minha emoção. Mas Joana tinha o semblante frio. Tenso.
— Filha... quero conversar com você.
— Joana eu sei que Sara não me quer, me repele, e tem raiva de mim. Esses dias todos eu fui vê-la, e ela sempre com o olhar distante, não me encarou nenhuma vez. Só quero poder vê-la. E tentar conversar.
— Minha filha... esses mais de 6 meses me fizeram ver a pessoa maravilhosa que és. Tão gentil, tão prestativa, cuidou de mim e das minhas filhas. Não quero que se magoe. Tentei conversar com Sara sobre você, mas ela não quis falar...
— Eu a entendo. E já a perdoei. Não tenho mágoas dela. E se ela não quiser ficar comigo, entenderei. Perder essa lavagem cerebral que foi feita nela é muito difícil. Só quero conversar com ela.
— Filha? Está dormindo?
Ela olhou pra mãe. E depois pra mim.
— Vou deixar a Claudia aqui com você...
Ela saiu.
Eu fiquei um tempo ali parada olhando pra ela. Nada dizia. Ela fechou os olhos. E começou a chorar.
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