Capítulo 96 - O que a carne respondeu?
O que a carne respondeu?
Eduardo
— Mas é um clássico! — eu disse para Sandro, que estava sentado ao meu lado e me encarava como se fosse jogar um andaime em mim.
O de sempre.
Ele tinha visto Titanic com Cecília e, segundo seu relato detalhado que minha irmã tinha me enviado sobre o assunto, que eu descobri no meu celular depois de tirá-lo do bowl de arroz, ele tinha muitas críticas, exceto a óbvia: Jack cabia naquela porta!
Eu queria jogar um andaime nele pela ousadia! Onde já se viu! Criticar Titanic! TI-TA-NI-C!
— Não tinha como salvar o Jack, Eduardo — Sandro sibilou, mais uma vez, entredentes, agindo como se tivesse razão, só que ele não tinha.
Ele tinha me trazido mais café, mas eu só queria jogar a xícara na sua cabeça para arrumar o parafuso frouxo.
Será que ele tinha assistindo o mesmo filme que eu? A amostra da perfeição na Terra com Kate Winslet e Leo DiCaprio? Com o coração do oceano esquecido no bolso do casaco? As mãos marcadas no vapor da janela do carro? O "você pula, eu pulo"?
— Sandro, eu não te odiei porque você é o namorado da minha irmã, mas eu vou te odiar se você continuar com isso! — avisei, claramente falhando na minha lista de prioridades. — Cabia o Jack naquela porta!
— Mas é isso que eu estou tentando te dizer, cunhado! — Por que aquilo soou como uma ameaça? — Caber, cabia. Mas para com essa cabeça de arquiteto e pensa como engenheiro, ok? Duas pessoas fariam a porta afundar! O problema sempre foi o peso! Que nem quando você quer enfiar árvores no telhado e a gente tem que te avisar que vai dar merda!
— Você é muito puxa saco do James Cameron!
— Você acha que o filme seria tão bom com Jack e Rose vivos no final? — ergueu uma das sobrancelhas, cheio de si. Só que eu nunca saberia, porque o Jack estava no fundo do oceano junto com a noção de Sandro. — E James Cameron é um ótimo diretor.
— Os irmãos Russo também e nem por isso você finge que não tem várias falhas nas linhas do tempo de Ultimato! — expliquei e Sandro rolou os olhos.
— Ok, Edu, eu respeito sua opinião — Sandro disse, dando de ombros e desistindo de argumentar. Sandro! Ventura! Sandro! — Acho inteligente? Não. Não condiz com o que eu conheço do seu cérebro.
Sandro e eu nos distraímos com Renata, Márcio, Isaac, Sâmia e Lavínia passando pelo gramado aos risos na direção oposta. Eu até tentaria saber o que eles estavam aprontando, mas, se Renata estava no meio, então provavelmente eu não precisava me preocupar, certo?
Bom, ela tinha descoberto a vodca rosa e sua irmã verde, mas o Márcio estava sóbrio. Ele cuidava de doguinhos, com certeza sabia o que fazer com quatro humanos bêbados.
Ok, talvez não.
E aí eu vi Marcela, Alice e Andreia perto da churrasqueira que Valter tinha assumido naquele momento, todos com taças de vinho quente e risadas, e meu raciocínio meio que parou de se importar com Jack, Márcio ou Renata trilouca de vodca ruim que eu ainda não tinha descoberto de onde tinha vindo.
Só que Sandro Ventura, que não entendia nada de cinema mas entendia muito, aparentemente, sobre ser um cara ridiculamente apaixonado, acompanhou meu olhar e limpou a garganta, chamando minha atenção.
E aí ele estendeu sua xícara de café para mim e eu fiquei me perguntando o que ele queria que eu fizesse.
— Finge que é uma cerveja, brinda comigo e me conta o que está acontecendo nesse coração, Eduardo — ele disse e eu bati minha xícara na dele e nós dois tomamos um gole.
Claramente era um café obra de Gisele, porque estava doce como a formiguinha da CPN gostava.
— Nada — eu disse, simplesmente, dando de ombros.
Sandro ergueu as sobrancelhas, olhando para a mesma direção que eu, mas eu tinha desviado os olhos para onde Golden estava, segurando um violão em cima das pernas enquanto conversava com Galileu.
O engenheiro master deu um gole no café e depois crispou os lábios, como se não acreditasse nem um pouquinho em mim. Até porque eu não consegui ficar olhando para o Golden, por mais fofinho e bom garoto que ele fosse, porque eu só conseguia olhar para uma pessoa tomando vinho quente vestida no meu moletom e sorrir como o quadrúpede alegre que eu me tornava quando via Marcela.
— Vamos fazer um jogo, Eduardo — Sandro disse e se sentou no mesmo balanço que Lucas tinha ocupado um tempo antes, com a diferença que o engenheiro master era gigantesco e não era engolido pelas almofadas e sumia na meia esfera. — Nós estamos num navio.
Ergui minhas sobrancelhas, curioso com o que ele estava fazendo.
— Todas as pessoas que estão aqui estão no navio. E todas as coisas. E a última moita de bambu que existe na Terra também.
— O que aconteceu com as outras?
— Sei lá. Zumbis.
— Zumbis que comem bambu?
— Porra, Eduardo! Um meteoro, aliens, usaram tudo para construir prédios — eu sorri — que desmoronaram — Sandro Ventura, senhoras e senhores —, inventa a desculpa que quiser. Não tem mais bambu. E no navio tem também a única pessoa que sabe como produzir bioconcreto.
— Eu entendi. Todas as pessoas que fabricam biomateriais que existem estão lá e não sobrou mais nenhum fora do navio.
— Isso — Sandro disse, feliz porque eu tinha entendido o seu raciocínio. — E o navio bate em um iceberg.
— Original.
— Eduardo, eu vou terminar o que o Fernando começou e te afogar de verdade — Sandro disse e eu ri, dando um gole na xícara para dizer que ia ficar quieto. — Só que só tem como salvar uma pessoa.
— Como? — perguntei e Sandro rolou os olhos.
— Colocando em cima do caralho da porta que afunda com duas pessoas! — Eu achei melhor não protestar, porque ele ia mesmo me afogar, eu senti no seu olhar. — Quem você coloca na sua porta, Eduardo Senna?
Eu ergui as sobrancelhas, tomando o gole de café mais longo do mundo e entendendo o que ele queria que eu dissesse. Ele não tinha colocado minha irmã no navio, ou meus pais, ou Leandro e Chicão, que seriam a saída pela tangente.
Era óbvio que ele sabia. Ele só queria que eu admitisse.
— Você, claro — eu disse, apenas para provocá-lo. — Eu não posso viver num mundo sem Sandro Ventura.
— Eu já morri. Pulei do navio em desespero e o Golden pulou atrás, pobrezinho, um cão muito leal — eu ri, porque tenho quase certeza que era a primeira vez que Sandro chamava Lucas de Golden e o arquitetinho nem estava ali para morrer de amor e ressuscitar só para morrer de amor de novo. — Quem você salva, Edu?
Eu bebi o restinho do café que estava na xícara, deixando meu olhar se perder na direção da churrasqueira como se carne fosse a coisa mais importante da minha vida, mas só porque eu podia ver Marcela perto, com as bochechas cada vez mais rosadas e aquele sorriso delicioso no rosto, que me fazia sorrir junto mesmo que eu só quisesse conseguir controlar meus lábios um pouquinho, só para dizer que eu não tinha perdido o controle de tudo por causa dela.
Se a gente estivesse em um navio e eu tivesse uma porta que não cabem duas pessoas? Com certeza Marcela Noronha ficaria em cima dela enquanto eu morria congelado por uma questão de peso.
— A Marcela, Sandrinho. Eu salvo a Marcela — eu disse, finalmente assumindo o que ele queria que eu assumisse.
Eu ergui meus olhos para Sandro Ventura e ele estava olhando para mim de volta, com seu típico sorriso que podia ser traduzido como mais-uma-vez-o-Sandro-estava-certo. Ele largou a xícara vazia sobre a mesinha e cruzou os braços.
— Que fraude ambiental, Eduardo Senna — Sandro gracejou e eu tentei não rir da visão dele mesmo se balançando como seu filhote tinha feito antes. — Você deixou o bambu morrer para salvar a Marcela.
Acompanhei a risada do engenheiro, desviando meu olhar para o céu estrelado que já se estendia acima de nós, muito mais visível do que estaria no centro de São Paulo.
— Você acha que minhas prioridades estão deturpadas? — perguntei, mesmo que eu soubesse que não estavam, não.
Bambu podia ser substituído pelo seu primo fracote, o aço. E Marcela? Nem se ela fosse a nova Dolly e fizessem um clone dela seria a mesma coisa.
E mesmo que houvesse uma forma, qualquer forma, de substituir Marcela Noronha por outra versão dela mesma, eu não ia querer. Eu amava aquela versão dela: a original, reativa, foda para caralho, linda para caralho, incrível para caralho. E doce. E frágil. E delicada. E complicada.
Praticamente minha versão ideal da mulher de fases.
Talvez não fosse todo mundo que tivesse chegado perto o suficiente para saber como ela era insubstituível e como eu deixaria Jack Dawson morrer congelado um milhão de vezes por ela. Como eu morreria congelado um milhão de vezes por ela.
Então foi mal, bambu.
— Não, não acho — Sandro disse, limpando a garganta e me fazendo voltar a olhar para ele. — Do jeito que você olha para a Marcela desde que voltou das suas "férias"? Não sei, sinceramente, como você não pediu para o capitão do cruzeiro casar vocês em alto mar.
Espera: Ele podia fazer isso? Quer dizer, não que eu fosse ter pedido isso de verdade, mas eu não sabia que cruzeiros eram tipo Vegas e você podia ficar muito louco e acordar casado.
Espera: Sandro falou do cruzeiro?
Espera: Como ele sabia do cruzeiro?
Cecília!
— A Cecília não consegue guardar a língua dentro da boca, não é? — perguntei, dando de ombros.
— Uma mulher com uma faca do tamanho das que ela tem? Pode falar o que quiser — Sandro disse, dando um sorriso torto ao mencionar a minha irmã. Nós éramos, oficialmente, dois bobões apaixonados e eu nunca pensei que seria Sandro quem teria esse ponto em comum comigo. — E não é como se você tivesse moral para falar isso, né, Eduardo? A Sâmia veio me perguntar se eu realmente tinha um piercing no mamilo!
— Em minha defesa, todo mundo queria ver! Virou a nova lenda da CPN, então, de nada — eu disse e Sandro rolou os olhos, porque ele não parecia muito interessado que seu mamilo se tornasse uma lenda, embora Cecília tenha me garantido que era uma bela visão e era digno de ser uma (às vezes eu queria que ela não me contasse algumas coisas? Sim).
— Imagina o que eles diriam se soubessem do "namoro falso" de Eduardo e Marcela? — Sandro ergueu as sobrancelhas e eu abri minha boca.
Caralho, Cecília tinha mesmo contado tudo? Que Maria Fifi!
— Você...
— É, eu sei disso. E do rolo que vocês tiveram depois. Ela só não sabe dizer porque vocês brigaram, mas eu sei que foi na mesma época em que eu entrei na Horta Verde e vocês dois andavam para lá e para cá com aquela cara de tristeza infinita — Sandro contou, como se não fosse nada demais. — O pobre Lucas até entrou numa missão com ele mesmo de tentar fazer você sorrir, mas você não estava colaborando em nada e cada dia chegava com a cara um pouco pior e com mais olheiras.
— Eu vou matar a Cecília — eu disse, desconversando, porque não ia ficar me lembrando de um período triste que tinha ficado para trás.
— Ei, não ameaça sua irmã na minha frente! — Sandro vociferou e eu comecei a rir porque ele era muito babão com Cecília.
E meus pais tinham amado conhecê-lo no almoço de natal, quando ele, Gio e Breno foram para Campinas encontrar Cecília. Meu pai claramente se apaixonou pelo fato de Sandro saber usar uma chave de rosca, não teve volta.
E nessa ocasião a gente também descobriu que, na verdade, Cecília foi quem demonstrou primeiro interesse pelo engenheiro e apareceu muito "despretensiosamente" no apartamento dele para conversar algo sobre a obra, porém tinha levado suas lâminas assassinas e ingredientes para agradecê-lo com um jantar — e eu soube quando um mousse de chocolate picante foi mencionado que ela tinha um total de zero boas intenções com ele.
E eu nem precisava saber que quanto mais ardida a pimenta, mais afrodisíaca ela era, porque o rosto vermelho de Sandro Ventura tinha sido o maior atestado de culpa da história.
— E o que você vai fazer? Você está entalado! — E aí eu chutei o balanço, que começou a fazer um zigue-zague muito esquisito e eu só vi as pernas de Sandro se sacudindo de um lado para o outro porque ele tinha mesmo ficado entalado ali.
Eu seria um homem morto quando ele conseguisse sair, eu tinha certeza, mas valeu cada segundo em que eu perdia meu ar para dar risada.
— Edu! — Sâmia me chamou e eu olhei na direção dela, que estava vindo de algum ponto mais distante do gramado. Apertei os olhos para conseguir ver, através da penumbra, que ela estava com o dedo sobre os lábios pedindo silêncio.
Até Sandro parou de berrar que ia me matar quando notou porque tínhamos que fazer silêncio. Renata, Márcio, Sâmia e Isaac estavam, literalmente, puxando centímetro a centímetro o colchão inflável no qual Fernando Nogueira estava desmaiado abraçado com sua amada vodca cor-de-rosa.
Ele estava tão apagado que não tinha acordado nem com todos rindo em volta dele, porque por mais que houvesse uma clara tentativa de segurar risadas mais altas, ainda havia um hihihihi sapeca ecoando das pessoas que estavam ao redor daquele colchão.
— Eles vão colocar o Fernando na piscina? — Sandrinho perguntou e Golden, que eu nem sei de onde tinha aparecido, se agarrou a uma das bordas do colchão azul escuro para ajudar.
Acho que sua ajuda foi bem vinda, porque eles iam ter que levantar o colchão do chão e baixá-lo na água para que Fernando não rolasse para dentro da piscina e acabasse com a brincadeira.
— De-va-gar! — Renata ordenou, coordenando toda a operação, mas direcionando aquele puxão de orelha para o seu marido. — Tem que ficar nivelado!
— Rê, ele não vai ficar chateado? — Márcio, a voz da sobriedade, perguntou, apontando para Fernando vagamente com o queixo enquanto se esforçava para manter o colchão suspenso junto com Golden, que tinha assumido o posto à sua frente na missão.
— Fernando? — Renata ergueu as sobrancelhas após ordenar que todos andassem juntos. O arquiteto-chefe resmungou alguma coisa ininteligível a distância, mas que fez Sâmia ficar roxa na tentativa de segurar sua risada. — A gente chamava ele de Fantasminha Camarada na faculdade porque ele sempre fazia amizade com todo mundo, aí sumia e reaparecia em um lugar absurdo depois de toda cervejada! Vocês não conhecem esse cara, acreditem em mim!
— Eu preciso sair para beber com ele! — Golden anunciou, claramente empolgado com aquela perspectiva.
— Certo, comecem a baixar! — Renata disse, vendo todo um sentido naquela logística que claramente Sandro e eu já tínhamos entendido que ia dar errado. Era só uma questão de tempo até...
Claro, Golden caiu na água junto com o colchão. Claro.
— Pai, me ajuda? — Golden pediu, estendendo a mão para Sandro, que o puxou para fora como se ele pesasse o mesmo que uma pena.
Felizmente o colchão ainda estava na horizontal, boiando na piscina enquanto todo mundo meio que parou de respirar esperando que Fernando acordasse e se desse conta de onde estava.
Ele simplesmente abriu um olho.
— Boa noite, Rê — Fernando disse para a sócia antes de virar para o outro lado e voltar a dormir.
⟰
Galileu estava com uma tiara de princesa, cuja base tinha um frufru peludinho azul. Dela, duas anteninhas saíam, deixando o aniversariante com um 3 e um 7 planando sobre sua cabeça, o que era meio fofo.
E também um sinal de que Andreia Ramos levava aniversários muito a sério, porque pela cara do analista, ele também não sabia de onde tinha vindo aquele bolo azul que parecia estar escorrendo chocolate branco, nem a quantidade absurda de brigadeiros de diversos sabores que estava sobre a mesa.
Gisele parecia meio em êxtase e meio preocupada com o fato de que Lucas estava encharcado dos pés a cabeça, tanto que já tinha puxado sua orelha três vezes e colocado duas toalhas de banho nas costas do garoto, parecendo muito dividida entre roubar um doce antes da festa e procurar a terceira.
Acho que as vodcas finalmente tinham chegado à cabeça de Gigi, que continuava andando descalça porque tinha perdido suas sandálias de novo tentando acertar o pobre Sandrinho — quem podia recomendar à rainha do RH um curso de reatividade? Talvez ela precisasse mais do que todos nós.
Havia um burburinho confuso no ar, porque Deia tinha reunido todo mundo ali para o parabéns e várias conversas paralelas estavam acontecendo, deixando uma aura gostosa de risadas e vozes no ambiente — eu pude ouvir Sâmia dizendo para Alice que queria um quadril maleável como o de Isaac, Márcio insistindo para Renata tomar a água que ele tinha pegado e parar de beber "a coisa verde" e Valter perguntando a Sandro onde tinha sido o local que Gisele tinha usado para atentar contra a vida dele usando saltos plataforma, porque queria recuperar as sandálias para ela.
E eu sorri, desligando a chamada com Cecília, que só queria saber se sua farofa de banana tinha sido aprovada pelo público da CPN, e enfiei meu celular no bolso da bermuda azul que eu estava vestindo. Eu me sentia como se estivesse em um evento fazendo um cosplay de Galileu Amorim agora que meu moletom estava com...
— Não melhorou, né? — Marcela perguntou, parando ao meu lado e tendo a mesma visão que eu do burburinho geral, porque eu tinha sido o último a chegar e estava um pouco mais para trás. Então notei que ela estava falando do corte na minha mão, que ela tinha visto porque eu estava coçando o queixo. — Então eu provavelmente não tenho poderes de cura. Já está sentindo algum sinal do mal súbito? Dores de cabeça, tontura, dormência...
Eu apertei os lábios e prossegui coçando o queixo, como se considerasse o que ela estava falando.
— Depois do seu beijo, eu diria que estou com sintomas seríssimos no meu coração. — Coloquei a mão do lado esquerdo do peito, para ilustrar o local onde os "sintomas" estavam acontecendo. — Mas definitivamente não parece ruim. Acho que eu gosto do que eu estou sentindo, na verdade.
Marcela subiu as duas sobrancelhas junto com um sorriso de canto.
E eu, é claro, sorri também.
— Acha? — perguntou.
— Você pode beijar de novo, aí eu te afirmo com certeza — eu disse e Marcela riu dessa vez, fazendo meu coração se aquecer como se ela tivesse jogado uma brasa acesa em um copo d'água. — Um beijinho não é o suficiente de você.
— Mas um beijo é o meu limite pelo tamanho do seu machucado — explicou ela, passando uma mecha do cabelo para trás da orelha.
O cloro e o vento tinham feito um volume e uma ondulação completamente diferentes do usual no cabelo de Marcela e, mesmo após dois cafés caprichados, eu ainda queria apenas enfiar meu rosto nos fios macios e cheirosos, porque só colocar a mão não parecia suficiente.
— Eu posso estar errado, mas parece que você está me induzindo a conseguir machucados maiores. — Tombei a cabeça de lado, olhando para ela e deixando um sorrisinho torto subir pelos meus lábios.
Provavelmente ele era tipo 1% amigável. No mais, eu estava olhando para a sua boca e isso dizia por si só que nada que condizia com um bom moço viria da minha.
— Chico me bloquearia da vida dele se ouvisse uma atrocidade dessas — Marcela disse.
— Ah, é? — perguntei, erguendo as sobrancelhas. — Então para de fazer a métrica de beijos pelo tamanho do machucado.
— Nada de machucados novos para você, Eduardo Senna — Marcela pontuou de forma incisiva, mas então sua feição e sua voz se suavizaram. — Eu gosto de você inteirinho.
Inteirinho tipo... Com sua integridade física sã e salva? Sem machucados? Nada de cortes e escoriações?
Ou inteirinho tipo cada pedacinho de Eduardo? Todos e cada um deles?
Porque eu gostava de ambas as opções, mas uma delas...
— Olá, vocês — Golden disse, enrolado em uma toalha marrom e outra roxa, que tinham sido claramente incorporadas ao seu vestuário molhado por Gigi, que estava preocupada com uma gripe ou pneumonia eminente, e parando ao lado da engenheira. — Gisele quer puxar minha orelha de novo porque eu caí na piscina no frio. Felizmente, Isaac conseguiu distraí-la com um brigadeiro, mas é bom eu sair da visão dela por um tempinho.
— Ela não está errada, Golden — Marcela disse, trocando o peso do corpo de perna e só então, pela mudança da iluminação, eu notei que suas bochechas estavam rosadas. Marcela Noronha corando era minha nova visão preferida, eu tenho certeza. — Você deveria trocar de roupa.
Aí Lucas sorriu. Cadê-o-bom-garoto?-Não-tem-bom-garoto.
— Ou você poderia me esquentar, Má — ele disse, já pronto para abraçar a engenheira para roubar um pouquinho do seu calor, como eu bem gostaria de estar fazendo naquele exato momento.
— Eu não sou a solução de todos os seus problemas, Golden — Marcela disse, dando um passo mais para perto de mim ao declinar do convite dele.
— Nisso discordamos, um anjão desses resolveria tudo na minha vida — Lucas disse, avançando o passo que ela recuou enquanto eu dava risada junto com Marcela. — Você já contou ombros?
— Contar ombros? — Marcela perguntou e franziu a testa, deixando claro que a resposta era não.
Pessoas normais pareceriam um Shar-Pei ou um buldogue com aquele movimento.
Marcela Noronha? Citando RETRIEVER, Golden, 2021: Anjão.
— É fácil, quer ver? — Lucas não esperou resposta, encostando o ombro esquerdo no direito dela e levando a mão esquerda ao próprio ombro direito. — Um. — E aí sua mão foi para seu ombro esquerdo. — Dois. — Mão no ombro direito da engenheira. — Três. — E aí, claro, seu braço passou por trás das costas dela para que sua patinha alcançasse o ombro esquerdo dela. — Quatro.
E ele deixou o braço ali, sobre os ombros dela, puxando Marcela contra o seu corpo.
— Golden, você está molhado! — ela reclamou, mas o arquiteto junior apenas passou o outro braço pela frente do corpo dela, prendendo-a num abraço risonho, gelado e molhado. — Golden!
Era só o que me faltava.
Depois de passar semanas achando que ela estava com Gustavo e me escusando de fazer qualquer coisa para demonstrar que eu estava com os quatro pneus arriados por ela, totalmente rendido, e agora o Golden estava tentando marcar território!
Quem mandou me apaixonar por uma mulher tão incrível?
— Você é tão quentinha, Mázinha — ele disse, esfregando o rosto no ombro dela enquanto Marcela meio ria e meio fazia careta.
— Uma ajuda com seu pupilo, Edu? — pediu, presa entre os braços de um garoto que não podia estar mais feliz.
— Tá bom, Golden, você já tem duas toalhas para se secar, deixa a Má continuar quentinha — eu pedi, enfiando o meu braço entre os dois como um obstáculo para um Golden Retriever muito obstinado.
Marcela olhou para mim e algo no jeito que suas orbes castanhas vieram para as minhas me disseram que ela sabia que eu estava me mordendo de ciúmes do pet da CPN e ela achava isso divertidíssimo.
Provavelmente por que eu não precisava ter ciúmes dele? Provavelmente.
Mas eu acho que eu... Eu só queria ser o único tentando conquistar seu coração.
— Você não trocou de roupa ainda? Por que você não escuta o que eu falo, caralho? — Sandro perguntou, chegando perto e estreitando os olhos para o seu filhote muito, muito, atrevido, que se tivesse um rabo, teria o colocado entre as pernas. — Um dia, Lucas, eu vou sumir e aí você vai dar razão para o que eu digo!
E aí Sandrinho arrancou a própria jaqueta corta vento e vestiu no Golden com o maior carinho que seu estilo bruto, rústico e sistemático permitia. E ele ainda tentava se convencer de que não era o pai daquele garoto.
Lucas, por outro lado, já estava perfeitamente convencido de seu papel de filho e apenas abraçou o engenheiro pela cintura, dando para ele quantidades absurdas de amor canino.
— Todo mundo aqui? — Andreia perguntou, com um isqueiro em uma mão e trazendo na outra um Galileu de tiara, cujo olho direito piscava de uma forma pouquíssimo natural. Impressão minha ou ele estava agindo meio estranho aquele dia todo?
Deia apenas passou os olhos pelo ambiente, conferindo vagamente se todos estavam ali e concluindo que sim, à exceção de Fernando, que provavelmente ainda estava dormindo e, com um pouco de sorte, não tinha feito xixi em si mesmo pelo barulho da água e pela quantidade de bebida que ele passou o dia colocando para dentro.
Aí Gali localizou Golden no meio das pessoas e seu olho parou de tremer no mesmo momento que ele moveu o queixo discretamente, chamando Lucas.
— Eu preciso ir lá! — O garoto disse e foi até lá, deixando as duas toalhas molhadas com Sandro, que resolveu ir atrás apenas para se certificar de que ele não estava fazendo nada idiota.
Alice colocou um chapéu de festa na minha cabeça e depois na de Marcela, que pareceu não ficar exatamente satisfeita com o acréscimo, mas deixou mesmo assim pela diversão e porque até Sandro tinha topado a brincadeira, usando um chapéu azul brilhante com um pompom.
Andreia colocou Galileu atrás da mesa do bolo e acendeu as velas ao mesmo tempo em que Valter apagava a luz, deixando as velinhas fininhas soltando faíscas bem visíveis no escuro relativo, assim como a vela central, que não era estrelada e tinha uma chama contínua.
Palmas e assovios acompanharam o "parabéns" animado que todo mundo cantou para Galileu, que sorria olhando os rostos que estavam ali e sorria um pouquinho mais olhando para Andreia.
Não sei quem puxou o Com Quem Será, mas Galileu ficou roxo esverdeado quando aconteceu e Andreia abraçou a cintura dele, dizendo que com certeza o pai dela ia apoiar os dois se eles quisessem casar.
E aí as luzes se acenderam e uma música começou a tocar, mas não era das caixas de som — Lucas estava de pé, com um violão nos braços que ficava preso ao corpo dele por uma alça. Seus dedos da mão esquerda começaram a marcar as notas no braço enquanto os da direita dedilhavam as cordas, formando um som agradável que...
Era Listen To Your Heart, constatei e acho que Marcela também reconheceu aqueles acordes, porque seus olhos vieram para os meus ao mesmo tempo em que eu olhei para ela, sentindo um comichão percorrer todo o meu tronco, iniciando pelo meu coração, que irradiava aquela sensação para todo o resto.
O casamento de Retúlio. A gente tinha dançado essa música no casamento juntos, colados, sorrindo, trocando beijos e carinho na fase mais apaixonada que tínhamos nos permitido experimentar um com o outro.
Ela estava ali, ao meu lado, mas eu sentia tanta falta dela. De nós dois. De sentir que eu era o cara certo, de merecer seus sorrisos e suas risadas, dos ângulos estranhos em que a gente se encaixava para que ela tivesse acesso ao meu pescoço e eu pudesse abraçar sua cintura, puxá-la para o meu peito e acariciar seus cabelos.
Marcela era tanto para mim e nem se dava conta, me olhando daquele jeito inocente sem saber que era a dona do meu coração. Sem saber que eu a colocaria em cima da porta no meio do oceano e morreria congelado e feliz por ter sido digno dela em algum momento.
As costas da mão dela esbarraram na minha e eu não resisti, segurando sua mão e olhando nos seus olhos apenas para saber se aquilo era um problema.
Seus dedos se entrelaçando nos meus disseram que não era.
— Deia... — Galileu disse, pegando na mão da namorada ao mesmo tempo em que ela procurava desesperadamente a espátula que tinha separado para cortar o bolo.
— Eu separei... Eu juro que estava aqui e...
— Lindinha — ele disse e ela parou o que estava fazendo para se virar para ele, deixando Gali a afastar de sua missão.
— O que foi, Gali? — perguntou, do jeito mais doce que eu já tinha a visto falar com alguém na vida, o que me fez sorrir.
Ou talvez tenha sido Marcela fazendo carinho na minha mão com o polegar ao som daquela música que, de certa forma, sempre seria nossa.
— Hoje é meu aniversário — Andreia ergueu as sobrancelhas, levemente confusa, porque disso ela com certeza sabia —, e eu queria um presente seu.
Andreia trocou o peso de perna e inclinou o rosto para a direita, estudando a feição de Galileu, dos olhos castanhos aos lábios.
— Você não gostou do... — Gali apenas balançou a cabeça em negativa, dispensando sua ideia e fazendo a mulher o encarar ainda mais confusa do que antes. — Eu não entendi o que você quer.
Galileu sorriu.
A mão pequena de Marcela apertou a minha com gentileza e eu senti meu corpo inteiro se aquecer simplesmente porque seus dedos estavam juntos com os meus. Porque eu desejava Marcela Noronha, assim como tinha acontecido na piscina. Todo o meu corpo queria o dela, se encaixava no dela, se excitava com o dela.
Mas era mais.
Era muito mais do que isso.
— Eu quero um sim, Deia — Galileu pediu, por fim, após enfiar a mão no bolso da bermuda pescar uma caixinha de veludo com um anel dentro, que ele ergueu em direção à namorada.
Andreia arregalou os olhos e levou as mãos aos lábios, olhando de Galileu para o anel, do anel para Galileu, de Galileu para o anel... Praticamente um looping infinito enquanto tentava entender o que ele estava propondo para ela.
Os olhos castanhos dela, que simplesmente não tinham decidido onde deveriam se fixar, começaram a se encher de lágrimas a medida que ela entendia o que estava acontecendo.
— Eu amo você, Andreia Ramos, e não consigo imaginar uma vida sem você ao meu lado. Sem seus drinks coloridos e sua risada e sua voz e o jeito que você critica absolutamente tudo o que eu visto e ainda assim eu continuo me sentindo o cara mais sortudo do mundo. Eu quero ser o seu marido, Deia, então, se você puder me dar um sim de presente... — Galileu disse.
Andreia apenas continuava estática, exceto que agora seu corpo inteiro tremia, assim como o do analista, cujos olhos, notei, estavam igualmente marejados e buscaram os dela por um tempo que pareceu infinito.
— Agora é a parte em que você me fala alguma coisa. Eu passei o dia todo pedindo para casar com a carne do churrasco tentando prever qual seria a sua reação, mas nenhuma delas incluía você paralisada desse jeito.
— O que a carne respondeu? — Andreia se manifestou, finalmente.
— A linguicinha disse sim. As asinhas de frango falaram que era muito recente, que era melhor dar um tempo porque eu estava indo rápido demais. O coração disse "não era tipo casual?". A alcatra...
— Sim, Gali, sim! — Andreia disse, praticamente saltando no pescoço dele.
Então eles se beijaram, as lágrimas se misturando quase tanto quanto suas bocas, que buscavam uma a outra como se não pudessem mais ficar separadas por nenhum segundo, ela segurando o rosto dele com carinho e ele a segurando pela cintura.
Quando eu olhei para o lado, vi que Marcela estava chorando, o que me fez perceber que eu também estava com os olhos marejados, mas que me fez sorrir porque... Marcela, no fundo, era uma romântica.
— Eu não acredito que você falou de linguicinha no meu pedido de casamento! — Andreia disse quando se afastou de Galileu, dando um tapa no ombro dele enquanto o pobre homem deslizava o anel pelo seu anelar. — Eu amo tanto você, Galileu.
E eles se olharam com todo o amor do mundo, sem precisar falar mais nada.
E eu entendi.
Era isso o que eu queria.
Eu queria as conversas de Marcela. Eu queria o sorriso. Eu queria seus olhos. Suas ideias. Suas emoções. Seus dias difíceis. Seus dias fáceis. Seu cabelo amassado de capacete. Segurar sua mão.
Ela estava olhando para mim. Talvez ela também achasse que aquela música, mesmo que oficialmente fosse de Gali e Andreia agora, ainda era nossa.
Marcela sorriu para mim, com lágrimas escorrendo pelo rosto e eu a amei um pouquinho mais do que a amava antes.
— Eu estou noiva do cara mais incrível do mundo! — Andreia gritou, fazendo uma dancinha ao redor de Galileu.
Lucas começou a cantar a música e Marcela soltou a minha mão para correr para a amiga, que pulou no seu colo e só não foi parar no chão porque Gisele amorteceu as duas. Eu só consegui rir enquanto elas berravam uma para a outra que se amavam e que a madrinha vestiria azul e que Andreia obrigaria Marcela a usar uma flor horrível no cabelo.
E eu só sabia sorrir, ouvindo de longe a voz de Lucas cantando.
Listen to your heart when he's calling for you
Listen to your heart, there's nothing else you can do
E não tinha mais nada que eu pudesse fazer além de ouvir meu coração, que falava Marcela a cada batida.
Eu queria ser o amor da vida de Marcela Noronha. Quando ela quisesse.
Me juntei aos caras que jogavam Galileu para cima, felicitando-o, mesmo que fosse impossível fazer aquele cara mais feliz do que ele estava, porque acho que ele teria dor no rosto quando desfizesse aquele sorriso de tanto que o manteve lá.
E aí todo mundo ouviu Fernando caindo na piscina e gritando algo tipo "podem me chamar de Gasparzinho!", que fez Renata engasgar de tanto rir.
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SEXTOU COM S DE SANDRO SABE DE TUDO!
Com certeza se você não surtou com essa conversa, volta lá e lê de novo, porque ela é incrível!!!
E tivemos um pedido de casamentoooooooooooo!!!!!!!!! Galeia é um casal lindíssimo que achamos que merecia esse espacinho para ser fofo e lindo e feliz <3 Ainda mais com o Golden tocando Listen To Your Heart (ninguém acertou a música hahaha), não tem como ficar melhor!
AAAAA tem sim, mardo dando as mãaaaaaaaaaaaaaaaaaaos <3 tantos surtos para tão pequeno capítulo hehehehe
Esperamos que estejam gostando! De pouquinho em pouquinho, a gente vai vendo para onde CEM vai nos levar e é uma estrada lindíssima! Obrigada por percorrerem conosco! Não esqueçam do biscoito!!!
Beijinhos de alcatra,
Libriela <3
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