
Capítulo 94 - Tudo caraminhola da cabeça daquele maluco
Tudo caraminhola da cabeça daquele maluco
Marcela
— Sua vez, Má — Isaac, completamente alheio ao perigo que estava correndo, segurou o meu pulso e tentou me puxar para perto da piscina.
— Você não tem medo da morte? Deve ser heresia jogar um anjo na água, Isaac! — o Golden soltou a mão do engenheiro do meu braço e me puxou para perto, plantando um beijo no meu ombro enquanto me levava (ou eu o estava levando pelo peso que ele jogou contra o meu corpo?) para a área de fora, apenas para assistir Eduardo espirrando água em todo mundo enquanto praguejava cinco gerações de CPNers por terem molhado a carteira e o celular dele.
— Como você se sente por estar em um projeto com o chefe de novo? — o arq-júnior me perguntou e eu ajustei a gravata dele mais uma vez, porque ele se mexia tanto que ela estava sempre torta e eu tinha a leve impressão que a qualquer momento ele a colocaria na testa.
O que não era errado, só era... errado!
— Vai ser... — eu me parei e engoli a seco, porque quase respondi "vai ser como voltar para casa", mas essa era a resposta que eu pensava comigo de noite, não aquela que eu deveria dar para um colega de trabalho — interessante ver como ele vai tentar enfiar o bambu dessa vez, mas eu já tenho uma ideia pra usar concreto auto reparável e tinta solar, ao invés de instalar um painel.
— Eu vi que o Canadá estava com uma pesquisa bem avançada disso, né? — ele me perguntou em um soluço.
— O Brasil também — pisquei para ele e o Golden apenas me deu um sorriso líquido, aprochegando seu ombro para mais perto do meu e envolvendo-me com a sua mão em algo que era mais próximo do que o profissionalmente aceito? Era, né? Será que eu deveria dizer algo?
Então eu vi a Lavínia rindo ao lado do Valter e Gisele, apontando para a Trindade como se estivessem no meio de um debate urgente e acalorado — de maneira positiva, porque eu tenho certeza que ela estava contando a história da batalha com a topógrafa de Itaparica e como ela a desarmou com um desnível que a planta dela não havia mostrado.
— Espera um pouquinho, Golden, já volto — eu pedi para o arquitetinho, dando dois tapinhas contra o seu ombro e o ouvindo quase uivar com aquilo enquanto eu me juntava aos nossos colegas, porém fui parada de seguir em frente quando senti dois braços me abraçando.
— Noronha, só você seria louca para esse tipo de coisa — Sandro me cumprimentou com um abraço de urso, praticamente tirando meus pés do chão e me balançando de um lado para o outro ao nos juntarmos à rodinha.
— Eu amo um bom desafio. Coitado do Valter que vai acompanhar e supervisionar tudo, né? — eu pisquei para ele e a sua coloração passou para diversos tons de rosa, porém acho que dessa vez todos eles de alegria e não pânico.
— Eu topo! Só não precisa me jogar na piscina, Sandrinho! — Valter concordou e o seu colega engenheiro-embriagado avançou na direção dele, os dois basicamente encenando uma partida de judô ali mesmo e precisando da intervenção divina de Gisele para que eles se soltassem antes que alguém caísse no chão a o Eduardo desmaiasse por causa do sangue alheio.
— Ei, Lavi, queria falar com você sobre o estádio — eu cruzei meus braços quando uma brisa fria passou por nós e jogou nossos cabelos para todos os lados, menos para o lado que nos favoreceria — não queria que ficasse algum mal entendido entre nós, porque...
— Má, de coração mesmo, obrigada por me tirar dessa — ela segurou uma das minhas mãos e sorriu para mim de uma maneira realmente agradecida — eu sei que você e o Eduardo trabalham juntos faz muito tempo e faz sentido você optar por ele em um dos maiores projetos da empresa, porque eu sinto que eu ainda tenho muito que aprender. Gerenciamento de tempo, controle de programas, aperfeiçoar meu desenho, fazer uns cursos de BIN e AutoCad? — a arquiteta suspirou e apertou ainda mais as minhas mãos — você tem muita paciência comigo e sempre me ajuda demais, mas eu acho que para esse tipo de obra, você precisa de alguém com um pouco mais de experiência nesse ramo das obras não-comerciais e eu ainda estou começando.
— Eu tenho certeza que você consegue projetar até uma nova Torre Eiffel se quiser, entendeu? Você tem uma curva de aprendizado surreal que é lindo de se acompanhar, parece até mesmo eu — gracejei e ela soltou sua risada de porquinho asmático — mas eu só queria dizer que... você estava a uma renderização de fazer o Valter chorar e a gente sabe que magoar o Valter é um passo muito tenso para entrar no hall do desgosto da CPN, então eu achei que talvez não fosse o melhor momento para te colocar em mais um projeto.
— Espera, não era de você que ele tinha medo até mês passado? — ela questionou com uma sobrancelha, duvidando do meu conselho.
— Eu sou diferenciada, até quando ele tem medo, ele me adora — confessei e ela me empurrou de brincadeira, revirando os olhos.
— Ei, ei! Que segurada de mão é essa? — Andreia se enfiou no nosso meio e entrelaçou seus dedos com os meus e de Lavínia com um ciúmes que era quase palpável — não sei se você sabe, Lavivi, mas a Má é meu lance casual.
— Eu pensei que eu era o seu lance sério? — coloquei a mão no peito, indignada com aquela revelação, e ela me olhou com culpa.
— Você viu o churrasco que o Gali fez? Meu amor é pela barriga, Má — ela deu de ombros, se desculpando e eu tive que concordar, porque era sensacional um homem que cozinhasse bem.
— O meu também! O Márcio fez sushi pra mim no nosso primeiro encontro e estamos juntos desde então, ou seja, a comida é o caminho para um relacionamento verdadeiramente duradouro — Renata surgiu de mão dadas com a sua Eugência, seu marido rindo atrás.
— Na verdade eu comprei tudo pronto, mas pra impressionar eu disse que tinha feito — ele nos confessou, coçando a nuca por ter sido flagrado naquela mentira.
Márcio Duarte, marido de Renata e dono da Duarte Petshopperie, tinha a aparência tranquila e um olhar de adoração por sua esposa que fazia com que todo mundo se apaixonasse pelos dois juntos. Pelo jeito, eles foram aquele tipo de casal que começou a namorar no colégio, acabou se separando na faculdade e depois se encontraram de novo quando o Bichon Frisé da Rê precisava de um tosador novo.
Destino se me perguntarem.
— Funcionou de qualquer maneira, não é? — ela beijou o queixo dele e notei que Lavínia também estranhou aquele beijo torto, porém a gente apenas deixou passar, porque nós duas tínhamos noção que Renata Pinheiro poderia estar em um churrasco informal, porém ela ainda seria nossa ídola da vida.
Mesmo que a Lavi fosse do time da arquitetura, não era mistério para ninguém que a admiração por Renata Pinheiro transcendia setores.
— Com a minha namorada, foi na massagem. Eu fiz um curso durante um mochilão na Tailândia no início da faculdade que se mostrou muito bem aproveitado — Lavínia deu de ombros e bebeu mais uma Eugência com longos goles de quem estava amando a cerveja e não tinha medo de demonstrar todo aquele amor.
Eu olhei para o lado, para Eduardo, e tentei entender exatamente quando foi que virou a chavinha para mim, mas eu não conseguia definir um momento em nossa história que eu tivesse olhado e pensado "é isso, foi aqui que eu me apaixonei", porque, para mim, os sentimentos vieram como a maré, que subia e descia e você nem ao menos reparava até que em um momento você simplesmente sabia que era maré baixa ou maré alta. Acho que foi bem assim com Eduardo. Acho que foi tão aos poucos que quando eu notei que estava louca por ele, o sentimento existia em mim fazia um tempo. Eu nem ao menos conseguia me lembrar de um momento que eu não gostasse dele, que eu não estivesse apaixonada pelas suas manias, que eu não amasse até mesmo... bem, acho que eu não via defeitos nele, mas se eu os visse, provavelmente amaria cada um deles também.
— Marcela Noronha está com cara de romântica incurável para vocês também ou é uma miragem? — Sandro Ventura, eu repito: Sandro Ventura, disse ao bagunçar meus cabelos com uma mão e gesticular com o seu copo de uísque com a outra.
Por um momento eu fiquei tentada a bater nele, mas a Renata estava próxima demais e eu queria que ela visse que eu havia começado 2021 uma nova e menos reativa Marcela.
— Eu estava pensando no estádio e queria pegar algumas referências do Coliseu — sorri e belisquei sua mão discretamente, porque eu não era uma pessoa tão melhor assim — acho que vou falar com o Thales rapidinho.
— Mas é sábado, Marcela! — Andreia me recriminou em um berro agudo.
— Vai engenharia! — eu me eu gritei em uma desculpa, ouvindo Sandro, Isaac, Thales e Renata gritando comigo mesmo que metade deles não soubessem sobre o que eu estava falando.
Quando eu me aproximei de Thales Carvalho, que estava trocando ideias muito animadas sobre temperos de carnes com Galileu, Fernando e Isaac, eles me receberam com um sorriso acalorado e Fernando me abraçou e pulou comigo, como se fôssemos melhores amigos da vida e eu acabei virando mais um shot daquela bebida cancerígena que ele estava enfiando em todo mundo.
Será que o corpo dele que importava salmão da Argentina poderia ingerir aquilo? Será que daria intoxicação? Tutti me mataria se eu atrapalhasse sua sessão dos filmes da Barbie para socorrer meu chefe e seu estômago fino.
— Agora me conta, Má, como você se sente sabendo que está roubando o amor da minha vida e eu estou aqui te alimentando? — Gali me perguntou e ofereceu uma picanha que estava no ponto que os deuses se ajoelhavam antes de comer.
— Muito bem, na verdade — eu peguei mais um pedaço de carne antes que ele a tirasse do meu alcance — mas, em minha defesa, ela estava te fazendo juras de amor agora pouco pela comida.
— Sério? Eu tenho que aproveitar! — ele saiu correndo com a comida no exato segundo que Thales se inclinou para pegar um pouco, encontrando um vazio eterno dentro da sua alma que fez com que Fernando apenas gargalhasse.
— Eu estou em minoria aqui — o arquiteto supremo comentou, apontando para mim, Thales e Isaac, como se estivesse fazendo uma matemática extremamente complexa — acho que a CPN precisa de mais arquitetos, porque nós enfiamos a firula que as pessoas amam ver.
— Fernando um dia quase entregou um projeto que o N ali esqueceu de verificar a área externa e estava prestes a construir uma garagem na frente de uma figueira centenária — Thales comentou quase em segredo, por mais que sua voz fosse alta — eu tive que intervir antes que ele entregasse o projeto e o meio ambiente pedisse o CAU dele.
— A gente quase saiu no braço esse dia, porque o Thales resolveu revisar isso às três e trinta de uma sexta e eu com certeza tinha coisas melhores para fazer — Fernando revirou seus olhos dramaticamente, apoiando seu corpo contra o se Isaac que ficou como uma estátua ali.
Tenho certeza que ele nunca mais iria se mover se Fernando não se movesse antes.
— Provavelmente você estava em um leilão online de carros antigos que você nunca vai dirigir — o engenheiro sorriu, conhecedor.
— As garotas adoram — Fernando deu um sorriso mole que definitivamente tinha o efeito que Leandro Lamas tanto almejava e que Eduardo Senna entregava vinte vezes melhor, mas era um bom meio termo — dona Marcela, sua amadíssima esposa, ainda guarda rancor pela sua despedida de solteiro?
— Não vamos falar disso, por favor — Thales tentou tampar a boca do amigo, porém Fernando apenas lambeu e lambuzou a sua mão de saliva rosada para ter o direito de fala.
— Eu levei o Thales para um final de semana em alto mar e a gente perdeu o dia do casamento — Fernando confessou se acabando de rir enquanto Thales ficava roxo e olhava entre o meu rosto e de Isaac.
— Você perdeu o seu casamento? — eu tentei ficar menos impressionada, mas não foi possível, porque... era o Thales! Ele tinha duas agendas para ter certeza de que não iria esquecer um compromisso e te ligava de madrugada dois dias antes para ter certeza de que você não esqueceria também!
— O civil — ele franziu o cenho, concordando — Marcela nunca perdoou o Fernando e fez com que ele pagasse a cerimônia inteira.
— Eu paguei e ainda levei o Carvalhinho pra noitada e eu e a Rê fizemos um... — porém, desta vez, Thales enfiou a garrafa na boca dele com força, derrubando o líquido na sua polo que gritava alfaiataria a distância — ok, nada legal! Nem parece que eu segurei o Júnior enquanto você esquentava o leite dele semana passada!
— Você segurou meu filho pelos braços como se ele fosse o Simba!
— E ele adorou ser o Rei Leão por dois segundos antes de vomitar, ok? Com certeza eu sou o melhor padrinho que ele tem! — Fernando se defendeu, dando um sorriso para Isaac e dando dois tapinhas em seu braço pela resistência.
— Único padrinho, né? — Thales desabotoou o primeiro botão da sua blusa — ok, você está ficando seriamente vermelho e eu não sei se é insolação ou bebida — então ele se voltou para o outro grupinho — Renata! O Fernando está estranho!
— Sua dupla dinâmica! Problema seu! — ela berrou de volta e balançou a sua Eugência no ar.
— Ok, Fefo, vamos pra dentro? Me dá a garrafa — Thales tentou pegar a dita cuja das mãos do arquiteto, porém eles começaram a literalmente, eu juro que sim, brincar de pega pega, porque Fernando corria de Thales, fazendo barulhos de índio e Thales corria atrás dele com pouca vontade, mais rindo do que efetivamente correndo atrás do amigo.
— E quando dizem que ia ser um churrasco com a galera do trabalho, você não imaginou isso, né? — eu ouvi a voz de Eduardo e me virei para a piscina, notando que ele ainda estava ali, mesmo que estivesse apenas flutuando na água de roupa e tudo.
Praticamente um sereio — ou seria tritão? Mas o tritão não era apenas o pai da Ariel? Não sei, tenho que pesquisar depois — por isso eu anotei isso no meu bloco de notas antes de me aproximar da piscina e me ajoelhar perto dele.
— Viu o que você perde por ser antissocial? — ele brincou e apoiou os braços na borda, tão perto de mim que eu senti o frio da água mesmo que ele não me tocasse.
De repente, meu corpo inteiro se arrepiou apenas por pensar no seu corpo precisando de calor embaixo de todas estas camadas de tecido geladas que o cobriam e eu não conseguia deixar de me perguntar se apenas um abraço meu seria suficiente ou será que eu precisaria enchê-lo de beijos para...
Por Deus, Marcela!
— Mea Culpa — eu dei de ombros vendo que tinha uma folha seca no seu cabelo, então me inclinei para mais perto para tirá-la dali no mesmo momento que ele segurou minha mão.
Eu entrei em combustão instantânea.
Antes de congelar por completo, porque Eduardo Senna era um homem morto que me puxou para dentro da piscina!
Acho que eu afundei tão rápido que nem mesmo um grito de surpresa saiu do meu corpo antes de eu emergir já pulando em cima do arquiteto como retaliação.
Sâmia, eu pude ver pela minha visão periférica, estava gravando tudo com o seu celular, algo que eu tinha certeza que viralizaria em poucos segundos se ela mandasse para qualquer pessoa, porém eu apenas avancei na direção de Eduardo e o afundei na água porque ele não conseguia parar de rir da minha cara.
— O anjo vai matar o chefe! — o Golden comentou com o Sandro e estava prestes a tentar salvar o seu ídolo, porém o engenheiro o segurou pela gravata, impedindo-o de sair do lugar, porque eu tenho certeza de que aquela cena era quase tão boa quanto o pega-pega da trindade.
— Marcela, lembra do estádio! — Renata gritou para mim e eu deixei o Eduardo voltar à superfície com a percepção de que a gente realmente precisava dele.
Por enquanto.
— Você é ridículo! — apontei meu dedo na direção dele, estreitando meus olhos e sentindo uma correnteza escorrer do meu cabelo até meu queixo.
— Ridiculamente talentoso e vou construir um estádio com você? Tem razão — ele gracejou e eu tentei avançar na sua direção de novo, porém ele apenas nadou para trás e eu mergulhei na água sem poder esganá-lo da maneira que eu queria.
— Primeiro a gente precisa ganhar a concorrência e a licitação, tá? E você não vai poder fazer isso se morrer — eu me joguei mais uma vez nos ombros de Eduardo para tentar afundá-lo na água, porém ele apenas segurou minha mão e me puxou para baixo, afundando-me antes de me puxar para cima, claramente mostrando quem é que conseguia afogar quem ali — eu vou te matar! Minha maquiagem deve parecer a do coringa!
— Digamos que você está me dando mais medo do que ele, sabe? — o arquiteto gracejou, gargalhando, e eu joguei água na sua direção fazendo-o engolir um pouco e se engasgar.
Quem mandou estar com a bocona aberta?
— Cecília vai virar filha única — eu avancei na sua direção mais uma vez e ele segurou meus pulsos juntos, puxando meu corpo para mais perto do seu.
— Eu já ouvi tantas vezes essa ameaça que ela não me afeta mais — ele comentou aquelas palavras baixinho, soltando minhas mãos aos poucos e limpando minhas bochechas, provavelmente onde meu rímel havia escorrido e me transformava em uma cena digna de filme de terror.
No entanto, eu não conseguia pensar naquilo, na maquiagem, quando minha pele estava queimando pelo contato do seu polegar com minhas bochechas, quando eu sentia que meu corpo inteiro estava vibrando e como se meus pulmões não soubessem ao certo que precisavam de oxigênio dentro deles para funcionarem. Era isso o que ele causava em mim. E era isso o que eu queria sentir todos os dias.
E eu tentei não olhar, eu juro que tentei, mas havia uma gota d'água escorrendo dos seus cabelos até o seu queixo, deslizando pela sua testa até sua maçã do rosto e desenhando o contorno dos seus lábios com tanta precisão que eu fiquei tentada a imitar aquele caminho com o meu indicador. Ou com a língua... espera, quê?
— Acho que eu estou perdendo o jeito. Deve ser o álcool — eu retruquei, afastando-me um pouco para limpar a garganta e tentar me recompor, porém ele segurou o meu pé, impedindo-me de ir longe.
— Ei, espera, tenho uma boa pra você — ele me puxou para mais perto pelo tornozelo da maneira mais Neanderthal possível e eu adorei ser a sua mulher das cavernas.
— O que é? — eu perguntei, usando meus braços para me manter acima da linha d'água já que meu pé estava comprometido.
Então ele me deu um sorriso, daqueles que tinha que ser dividido em partes para ser apreciado da maneira correta, porque eu tinha quase certeza de que apenas vinte por cento dele tinha boas intenções e o restante... bem, eu queria saber ainda o que era, mas eu tinha certeza que tinha um toque de malícia ali.
— Quer me chamar de Bentinho? — Eduardo me perguntou e começou a se mover na água, me levando junto, porque, aparentemente, ele achou super engraçado que ela fazia ondas por onde nós nadássemos.
— Por quê? — eu indaguei, cansada da brincadeira dele, me aproximando e apoiando minha mão em seu ombro, porque ele conseguia ficar de pé na piscina, enquanto me faltavam alguns poucos centímetros para conseguir fazer o mesmo.
Então a minha aproximação foi puramente instinto de sobrevivência, sabe? — deixar minha mão contra Eduardo e passeando pela sua camisa preta e sentindo aqueles músculos que ele escondia todos os dias de mim... hum, era um bônus delicioso.
— Porque eu estou de olho em uma cigana de olhos oblíquos e dissimulados — ele comentou de volta com um sorriso novo, que tinha um jeito de quem não era bom moço com um toque sacana que não estava ali dois segundos atrás.
Eu quase perguntei "está me chamando de Capitu?", mas isso seria o mesmo que dizer que eu estava nos comparando a um dos casais mais controversos da literatura brasileira — o que eu não tinha certeza se eu concordava, porque eu sentia que o que tínhamos era diferente do que Bentinho sentia por Capitu. Acho que o amor que eu sentia por ele era diferente de qualquer outro.
— Então, Eduardo Senna, traiu ou não traiu? — eu perguntei, arrumando o cabelo dele que estava lambido em sua testa para o seu topete de Grease quando molhado.
Minha mão formigou quando eu o toquei e eu mordi meus lábios como reflexo, notando que seus olhos acompanharam meu movimento sem se importarem de serem flagrados naquilo, até que eles voltaram para os meus e eu notei que seu olhar havia escurecido.
Ele não disse nada, não precisou, mas eu sabia que dentro da sua mente ele estava retirando peça por peça do meu corpo, primeiro pela minha blusa, depois pelo meu shorts, deslizando uma alça do sutiã antes da outra para depois descer sua boca e arrancar a calcinha com os...
Ok, definitivamente não dava para ser apenas amiga dele.
— Tudo caraminhola da cabeça daquele maluco — Edu respondeu e eu gargalhei ao seu lado, adorando a definição, porque eu duvido que Machado de Assis tenha pensado em algo tão poético quanto aquilo quando escreveu Bentinho.
— Ele pode ter tido as paranóias, mas isso não responde. Traiu ou não traiu? — eu pressionei e sem querer chutei a sua canela enquanto tentava me manter acima d'água, fazendo-o me olhar feio e passar o braço na minha cintura, equilibrando-me para que eu não precisasse mais nadar.
Quero dizer, era por isso que ele estava me segurando né?
Ou não, porque seu braço me trouxe para ainda mais perto, fazendo com que meu peito tocasse o seu, então eu coloquei minhas mãos no seu peitoral, deslizando-as até os seus ombros, desenhando todos os seus ângulos com meus dedos para sentir que meu corpo se lembrava de todos eles e sentia saudade de cada aresta.
Sua mão deslizou perigosamente entre a barra da minha blusa e o meus shorts, naquela linha tênue entre colocar a mão no meu quadril coberto ou em minhas costas nuas — e eu estava tão concentrada em sua mão, que quase não notei o trote da sétima cavalaria dentro do meu peito, mas, de alguma maneira, o coração de Eduardo estava tão acelerado quanto o meu. Definitivamente na mesma sintonia dessintonizada.
— Não traiu. Ela não trairia o Bentinho — ele me respondeu e eu deixei um sorrisinho de canto subir pelos meus lábios, sentindo que sua mão havia decidido pelas costas ao se colocar embaixo da minha blusa, queimando-me quando seus dedos tocaram a minha pele fria, transformando minhas pernas em gelatina — ele que foi panaca e perdeu o amor da vida dele por insegurança.
— Resumiu metade dos términos modernos — eu comentei, buscando voltar a respirar normalmente para tentar acalmar o meu coração.
— Às vezes seria legal se as pessoas apenas falassem "ei, eu gosto pra caralho de você, bora ficarmos juntos?". Imagina se as pessoas perdessem o medo de estragar tudo e fossem sinceras? Acho que essa é uma das coisas que eu mais gostei do Ted Mosby. Ele amava e não tinha medo de dizer que estava amando, mesmo sabendo que... normalmente não daria certo — ele confabulou comigo e eu meneei a cabeça, passando meu braço ao redor do seu pescoço para me apoiar melhor contra o seu corpo.
Contudo eu também o fiz, porque ele tinha cheiro de One Million, cloro e suor, e isso me lembrava tanto o cruzeiro que eu quase inclinei minha boca contra a dele para me lembrar como era aquela sensação de tê-lo. De ser dele.
— Ted daria amor até para a pessoa que vendeu a batata na feira para ele. Não conta — eu retruquei ainda com um sorriso nos lábios, adorando que estávamos flanando entre assuntos daquele jeito e era tão natural que eu não sabia conversar com ele de outra maneira.
— Por que você tem que ser tão anti-romântica? — ele deslizou a mão livre no meu rosto, provavelmente ainda arrumando a bagunça de rímel em meu rosto, mesmo que seus olhos não estivessem em minhas bochechas e sim... em meus lábios — por isso vai levar uma bomba.
Então ele me soltou e arremessou pela piscina e eu não sei se eu efetivamente gritei ou se foi a minha mente, mas eu apenas emergi e voltei a jogar água nele, vendo que ele não conseguia parar de rir de mim, porque meus cabelos estavam na frente do meu rosto como um cachorro molhado nada sensual.
Se eu fosse uma sereia e Eduardo um marinheiro, com certeza eu não conseguiria puxá-lo para dentro das profundezas do oceano com esse visual de sedução marítima após afogamento, então eu apenas inclinei minha cabeça para trás para arrumar meus fios rebeldes e comecei a boiar, deixando de ouvir o burburinho da festa para escutar apenas a água balançando de um lado para o outro.
Eu olhei para o céu depois de flutuar por alguns minutos e percebi que estava começando a escurecer.
Eu sabia disso porque eu virei meu rosto para o lado e notei que o sol estava atrás do corpo do Eduardo e ele havia se tornado apenas uma bela silhueta — isso e, também, que todos os nossos colegas estavam se reunindo embaixo da área da churrasqueira do Gali, então estávamos basicamente sozinhos ali.
Eu e ele.
No fundo do churrasco estava tocando All I Am (que não tinha nada a ver com um churrasco, mas tinha o toque de Andreia Ramos e eu adorava as músicas dela) e eu conseguia ver Renata tentando ensinar Sandro o passo do Morto Muito Louco, mesmo que a música não combinasse e ele estivesse mais a fim de bater cabelo do que acompanhar os movimentos dela.
Ele e eu.
E por estarmos ali, esquecidos, parecia que nós poderíamos continuar na nossa pequena e impenetrável bolha, onde a água era quente, a luz estava baixa e tinha cheiro de Eduardo. Tinha o som de Eduardo. Minha bolha perfeita era Eduardo.
Então eu senti um vento maldoso e gelado congelar até mesmo o meu ventre submerso.
— Eu acho que é melhor entrar — eu murmurei, nadando em direção da borda da piscina e notando a água mais e mais fria cada vez que eu me afastava do arquiteto e do seu calor.
Só que mesmo no frio eu me sentia quente, porque ele topou aquela loucura comigo. E ele sorriu para mim como se eu tivesse dito que a caçada às baleias havia se tornado um crime contra a humanidade e que a partir de hoje não haveriam mais queimadas na Amazônia. E ele me olhou como se eu tivesse lhe oferecido o mundo inteiro em uma bandeja. E eu não conseguia não sorrir e não sentir meu coração a galope sempre que eu me lembrava disso — sempre que eu me lembrava que eu era a responsável por ele estar naquele estado de felicidade pura e serena tão plena e que, talvez, nós dois fôssemos algo certo, porque eu faria de tudo para sempre ser o motivo de todos os seus sorrisos.
Assim que minha mão direita tocou o granito gelado, eu senti a água voltar a ficar quente, como um ofurô, e eu fechei meus olhos porque eu estava tentando ser racional, mas era muito difícil quando eu conseguia sentir a respiração de Eduardo contra o meu ombro e o seu cheiro nublando qualquer noção de bom senso que ainda não havia tomado um shot de corote azul morte.
Eu até tentei respirar fundo para deixar de tremer, porém onde eu buscava ar, só encontrava One Million.
Senti a mão de Eduardo contra o meu ombro, retirando os meus cabelos dali quase em câmera lenta e inclinando minha cabeça levemente para o lado enquanto seus dedos se enrolavam nos meus fios e seus lábios tocavam minha pele no mais leve dos beijos.
Foi como se tivessem aquecido uma faca e tocado minha pele — de repente, eu era feita de manteiga, derretendo contra seus lábios e querendo me perder ali. Nele. Em nós.
Eu fechei meus olhos, soltando minha respiração em um suspiro.
Como eu amava sentir seus lábios em mim.
— Eduardo... — eu sussurrei seu nome bem baixinho em uma respiração entrecortada, sentindo seu braço esquerdo puxar meu corpo contra o seu com menos gentileza e eu não me importei, porque tudo o que eu sentia era ele. Seu peito nas minhas costas. Sua boca contra meu pescoço. Seus dedos na pele sensível do meu ventre em uma tortura deliciosa.
— Se me falar para parar, eu paro — ele segredou contra a minha pele e seus lábios tocaram a curva do meu pescoço depois de uma leve mordida no ombro.
Meu corpo inteiro pulsava, urgente, querendo uma coisa, uma pessoa, e implorando que eu parasse de tentar encontrar uma lógica para algo que não era racional, porque essa era a verdade: quando se tratava de Eduardo Senna, todas as regras se tornavam contornáveis.
Eu me virei para olhá-lo de frente e, imediatamente, uma de suas mãos se enrolou nos meus cabelos, puxando minha cabeça levemente para trás, deslizando seu nariz contra meu pescoço como havia feito antes naquele mesmo dia, porém, desta vez, ele mordiscou o meu lóbulo da orelha e eu senti sua respiração quente, arrepiando-me inteira e eu me contorci, porque eu sabia exatamente onde eu queria sua boca e mãos e...
Eduardo apenas se aproximou ainda mais de mim, encarando meus olhos enquanto seus dedos escorriam por cima do tecido de minha blusa que agora transitava entre um top e uma segunda pele e eu senti as costas de suas mãos contornando os meus seios, fazendo com que eu prendesse a respiração, deixando-me ofegante sem que ele nem ao menos ele tivesse me tocado direito, mas toda vez que sua pele quente encontrava a minha fria, eu sentia uma chama intensa queimando dentro de mim.
Toda santa vez.
E eu queria queimar cada vez mais. Cada vez mais intensamente. Cada vez mais forte. Porque toda vez que eu me acercava dele, eu sentia que o amava mais.
Seus dedos envolveram meu quadril e me puxaram mais para perto dele em um desejo cru, fazendo com que as minhas costas ficassem imprensadas contra a borda da piscina, então eu fiz a única coisa sensata a se fazer: Eu enrolei minhas pernas na sua cintura, sentindo-o contra mim e arrancando um gemido baixo que veio do fundo da sua alma.
Aquele homem estava me levando a loucura e ele nem ao menos havia me beijado. Mal havia me tocado.
Eduardo apertou a minha coxa com força, mas eu não liguei, eu queria que ele me marcasse inteira contanto que suas mãos jamais me deixassem, por isso eu deslizei minha mão pelo seu peito, querendo delinear todas as linhas que eu sentia por cima da sua polo.
Eu me sentia urgente. Pulsando, como se meu corpo inteiro precisasse desesperadamente arrancar todos aqueles pedaços de tecido que estavam nos separando e desenhar a sua samambaia com a língua, ouvindo-o arfar enquanto sussurrava meu nome e clamava cada pedacinho de Marcela para si com a sua boca, suas mãos, seus beijos, seu toque.
Ele grunhiu algo baixinho e ininteligível contra o meu ouvido, e eu fechei meus olhos, deixando minhas unhas arranharem seus braços devagar para que ele ficasse tão arrepiado quanto eu estava, mas aquilo já não era mais suficiente para mim. Nunca era. O quanto mais eu tinha, mais eu queria. O quanto mais eu queria, mais eu precisava. O quanto mais eu precisava... era um ciclo sem fim.
Eu coloquei minha mão embaixo da sua polo, deslizando-a pelo seu abdômen que deveria ter sido esculpido por Michelangelo enquanto elas o sentiam quente e macio contra a minha palma.
Suas mãos começaram a desbravar a pele que estava embaixo da minha blusa como resposta, subindo na mesma proporção que eu subia, até que ele estava tão próximo de... eu arqueei meu corpo querendo que ele se sentisse urgente. Pulsante. Como eu.
Segurei o rosto dele e inclinei sua boca na direção da minha, desesperada para acabar com aquela agonia deliciosa que nos separava, porque nossas bocas estavam apenas alguns milímetros de distância e tudo o que eu mais queria era afundar meus lábios nos seus e sentir o gosto da sua boca contra a minha língua, morrendo de saudade de me derreter e desfazer no seu hálito quente.
Eu entreabri meus lábios, preparando-me para um daqueles nossos beijos que me roubaria o fôlego, a sanidade e até mesmo meu nome, mas que eu não o impediria por nada naquele mundo, porque ele era...
Eu fui parada ao sentir o seu aroma de One Million ser mascarado pelo álcool.
Muito álcool.
Tanto que eu senti que apenas pelo seu hálito, eu estava ficando ainda mais bêbada — e veja bem, eu já não estava lá muito sóbria.
E... não era assim que era para ser.
Nós dois... a gente merecia mais do que isso.
Por isso eu virei meu rosto e sua boca tocou minha bochecha.
— Edu... — eu tentei dizer, mas a minha voz estava rouca e falha e cheia de um desejo desesperado que não se concretizou.
Ele apoiou sua testa contra a minha, suas mãos hesitantes em se desprenderam de mim, suavizando o toque a cada segundo que nossos corações martelavam em sincronia, tão forte que estavam fazendo a água vibrar.
— Eu... desculpa. Eu entendi errado e... — ele começou a falar, fechando seus olhos, seu nariz roçando contra o meu com um tom de culpa que não lhe pertencia.
— Não é isso, Edu. Não é — eu segurei seu rosto com mais firmeza e ele voltou a abrir os olhos apenas para me encarar — não é isso, é só que...
Eu fiz o erro de olhá-lo, porque uma vez que eu mergulhava naquele seu azul, eu me sentia tentada a ficar ali até conseguir capturar todas as suas gotas douradas, nadando mais e mais fundo para dentro do seu azul, até que ele ficava levemente esverdeado onde encontrava com o dourado, até, finalmente, eu me encontrar naquele âmbar líquido.
E eu fiquei ali, completamente hipnotizada, querendo que ele jamais me puxasse de volta para a superfície.
— Nosso primeiro beijo teve gosto de tinto. O segundo, de tequila. E... acho que eu queria que quando a gente se beijasse de novo, tivesse gosto de Eduardo e Marcela, e não de algo rosa desconhecido — eu tentei sorrir, tocando seu nariz com o meu, mas ele continuou me olhando confuso, como se sua mente não conseguisse assimilar as minhas palavras em uma frase coerente.
Então um sorriso discretamente tolo subiu no canto dos seus lábios.
— Quando? — ele ecoou a palavra.
Quando
Eu disse "quando" e não "se", porque fazia tanto sentido estar com ele que eu não sabia mais como justificar não estar.
— Quando — eu concordei, afagando sua bochecha com o meu polegar ao apreciar o sorriso que ele me deu.
E eu repliquei, óbvio, porque eu acho que era natural isso. Quando ele sorria, eu sorria. E vice-versa, eu acho.
— Nogueiraaaaaaaaaaaaaa! — eu escutei uma voz ecoar na escuridão e um vulto surgiu em cima de nós dois, espalhando água para todos os lados quando se chocou contra a água, fazendo com que Eduardo e eu nos separássemos pelo susto.
Fernando Nogueira ressurgiu da água e abraçou Eduardo pelo pescoço, finalmente afogando-o da maneira que eu queria ter tido força para fazer quando ele me puxou para dentro d'água.
— Fefo! O relógio! — Alice gritou à distância com um copinho de gelatina que não tinha cara de ser apenas gelatina.
— Pela grana que eu gastei nesse Rolex, ele tem que ser um morfador e me transformar no Ben10 subaquático — ele bateu no vidro quando deixou o arquiteto voltar a respirar — Você é o cara, Senna!
— Eu vou adorar ser o cara. Com a cabeça fora d'água — Edu comentou e me olhou, pedindo socorro, porém eu apenas apoiei minhas mãos na borda e saí da piscina antes que eu desistisse de tentar ser uma boa pessoa com um Eduardo muito-muito bêbado.
— Há há, bela tentativa — e Fernando o afundou de novo.
⟰
— Vodca.
— Cachaça.
— Vodca, porque ninguém suporta o cheiro da cachaça — Andreia retrucou, com a garrafa de Smirnoff na mão e a tangerina com pimenta já dentro da coqueteleira.
— A original é cachaça — eu cruzei meus braços e estreitei meus olhos na sua direção.
Nós duas nos olhamos e eu franzi meu cenho quando ela apoiou uma mão na cintura, ambas completamente irredutíveis.
Era quase uma batalha de gigantes, porque ninguém ousava ditar para Deia como ela deveria conduzir seus drinks, porém já que eu era a segunda pessoa que beberia suas misturas, então claramente eu tinha direito de poder dar a minha opinião.
E a minha opinião era cachaça.
E obviamente eu estava correta.
— Acho que não tem jeito, Rê, vamos ter que intervir — Gisele se levantou do banco em que estava e arrumou a sua calça jeans na cintura, como se estivesse se preparando para um duelo de faroeste de filme americano de qualidade duvidosa.
— Gi, eu acho que elas vão conseguir resolver esse embate por conta própria — Renata comentou com o sorriso leve, apoiada contra Márcio como se eles tivessem se encaixado na melhor posição de todas e a coluna dos dois não imitasse um S.
Eu sabia que eles ainda tinham que voltar para São Paulo hoje (na verdade, pelo que eu havia entendido, eles deveriam ter ido junto com Thales, que havia ido fazia meia-hora, porque o seu Vale-Night se esgotaria em uma hora), algo relacionado a um jantar de inauguração do Petshop — fontes quentes diziam o lugar nem havia aberto as portas e o Golden já tinha uma tosa marcada para quarta.
— Renata Pinheiro, essa é a decisão mais importante da noite e você quer deixar na mão dessas duas que estão quase pegando o espetinho de carne para duelar? — a rainha do RH estalou seus dedos em sequência com olhos ainda sérios mesmo que seus óculos fossem de gatinho rosa choque.
A engenheira mais poderosa da empresa respirou fundo e me olhou, analisando minhas intenções, minha alma, a quantidade de álcool no meu sangue e as chances de eu realmente atacar Andreia com um espetinho, antes de anunciar:
— Escolhe ímpar, Má — e piscou para mim ao entregar cinco reais para Gisele, porque, aparentemente, havia uma aposta principal que seria decidida no par ou ímpar e uma secundária que era qual de nós tinha mais sorte.
— Renata! Como assim você está do lado da Má? E o dia que a gente foi comprar película para o celular, só que só tinha uma e eu deixei você ficar com ela? — Andreia colocou a mão no peito em um ultraje completo.
— Marcela tem o meu coração todinho desde que ela me apresentou o Aerogel — nossa chefe deu um suspiro apaixonado e eu quase saí do banco para abraçá-la, porque tenho certeza que ela quentinha e macia, mas eu fui parada quando duas patas de urso me seguraram no lugar que eu estava.
Sandro começou a fazer massagem nos meus ombros enquanto Renata me dava um breve coach de técnicas infalíveis para se ganhar no par ou ímpar (aparentemente por eu ter "escolhido" ímpar, eu teria a tendência a colocar um número ímpar, o que poderia levar Andreia a colocar mais um ímpar apenas para dar par, mas ela também poderia jogar um par pensando que eu iria de par por pensar que ela iria de ímpar e... eu estava definitivamente confusa com tudo aquilo, mas eu gostava de pensar em colocar o número três no jogo).
— Vai na jugular, Noronha, não hesita, a Andreia pode sentir o cheiro de medo a distância — Sandro comentou comigo e eu encarei Deia, tentando ver aquele animal carnívoro e assustador que ele estava tanto descrevendo, porém era quase fato de que não era o caso.
Galileu estava enfiando o seu cotovelo nos ombros de Andreia em algo que, pela sua careta de dor aguda, não era uma massagem agradável como as patas de Sandro nos meus nós de tensão — Ceci tinha uma baita sorte, que massagem boa! —, porém Gisele estava ao seu lado em sussurros, provavelmente passando as mesmas dicas que eu havia acabado de receber.
— Golden, para de tremer o rabo! — Alice deu um pescotapa nele que apenas lhe deu uma bundada, lançando-a contra Sâmia que começou a rir farofa por todos os cantos.
— Eu tô ansioso! E nem vou beber a caipirinha! — ele confessou, olhando entre nós duas com ansiedade.
Eu não fazia ideia de que jogar um par ou ímpar era tão intenso.
— Certo... um, dois, três... já! — Lavínia anunciou, sendo a mediadora das apostas quando eu e Andreia soltamos nossos números.
De última hora eu decidi pelo número dois. Dois patinhos na lagoa soavam melhor do que três, né?
Só que a Andreia apontou para mim.
Não, espera...
Ela colocou o número um?
Um mais dois... ÍMPAR!
— Cachaça! — eu comemorei e recebi um beijo na testa de Renata, o que eu posso dizer com absoluta certeza de que foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida.
Quero dizer... Renata Pinheiro beijou minha testa!
Eu poderia morrer totalmente em paz!
Será que eu deveria lavar depois daquele momento? Porque eu queria guardar aquele beijinho pra sempre comigo.
Quem diria que ganhar um par ou ímpar seria assim? Eu tinha que apresentar essa técnica de resolução de conflito para minha família!
— Se você não fosse incrivelmente maravilhosa, eu estaria revoltada — Andreia abriu a cachaça em questão e a virou sem usar o copinho de medida no nosso próximo drink, o que me fez olhar para o pão de alho na mesa com mais desejo do que antes, ouvindo um trovão ecoar do meu estômago afogado em caipirinha.
Foi assim que eu enfiei um pão de alho frio na boca e ouvi o "croc" dele quase quebrando meus dentes, mas era a única opção viável para tentar controlar o Godzilla que eu estava abrigando sem querer dentro do ventre — quero dizer, era isso ou a linguicinha, mas ela estava com cara de quem havia caído no carvão e eu tinha certeza de que não era assim que a pasta de dente de carvão ativado funcionava.
— Eu não acho justo que o aniversário não seja meu, e eu acabei sendo o mais alcoolizado no rolê — Eduardo apareceu com uma polo verde-musgo e uma bermuda azul do Galileu, já que a sua roupa estava completamente encharcada, assim como a minha.
No caso, Deia tinha um vestidinho soltinho na casa de Gali — alô, alô, isso era assumir que eles estavam super sérios!!!!! — que me emprestou depois que Isaac informou que eu teria uma hipotermia se continuasse naquelas roupas.
— Se está notando que tá bêbado, então não está bêbado o suficiente — Valter passou o braço ao redor do pescoço de Eduardo e pegou uma das gelatinas atômicas de Alice, empurrando contra as mãos do arquiteto, que nem tentou se defender, apenas comendo aquele álcool em forma amorfa.
Definitivamente a Andreia tinha razão sobre as cores das roupas do Gali, elas eram mesmo estranhas e pareciam ter saído de um guarda-roupa de filme dos anos 50 — até mesmo em Eduardo, que era um praticamente um modelo da Hugo Boss perdido no Brasil. Mesmo que tudo nele ficasse bonito. Irritantemente lindo. Praticamente perfeito por existir.
Como uma obra de arte greco-romana e... hm, seria ótimo se ele fosse mesmo uma escultura greco-romana, porque normalmente nelas os homens ficavam completa e totalmente...
— Aqui, a caipirinha pra te manter fofinha e o guardanapo pra babinha que está escorrendo — Deia se sentou ao meu lado e empurrou meu ombro com um gracejo gentil enquanto enfiava o canudo da caipirinha na minha boca.
— Andreia! — eu comecei a rir, empurrando-a devagar, porque ela nunca havia me perguntado diretamente sobre qual era o meu lance com Eduardo, mas, com certeza, ela sabia que existia um.
Estava lá para quem quisesse notar os nossos olhares ou sorrisos ou...
— Precisa de babador, Marcela? — ela me empurrou de novo, porque, pelo jeito, meus olhos eram duas bússolas sempre buscando o meu norte. Quem era eu para reclamar que ele era Eduardo Senna? — vai, bebe logo essa caipirinha que foi feita para você.
— Eu estava muito bem com a Eugência de mel de laranjeira — eu levantei uma sobrancelha para ela, porém abocanhei o canudo e tomei um gole.
Picante. Doce. Cítrico.
José Eugênio poderia ser o bruxão do lúpulo, mas Andreia Ramos era a feiticeira dos drinks.
— Gali que se cuide, senão eu realmente te roubo pra mim — eu apoiei minha cabeça em seu ombro, sentindo quando ela bagunçou meus cabelos como uma resposta mais do que positiva para minha sugestão de estelionato, então eu soube que nem seria um roubo, porque ela viria por livre e espontânea vontade.
— Não dá pra roubar o que já é seu, Má — Gali se enfiou no nosso meio, com as bochechas vermelhas e uma Eugência em mãos, virando-a no gargalo e colocando um prato de pão de alho com linguicinha recém-saídos da churrasqueira na minha frente — mas a gente tinha combinado que você ia me dar a mozi de presente.
— Meu Deus, Gali, agora é você quem eu quero roubar — eu olhei para Andreia que deu de ombros e mordeu a bochecha de Galileu com carinho, pegando um queijo coalho escondido no meu prato — meu deus eu estava morrendo de fome.
— Eu sei, eu ouvi — o churrasqueiro-aniversariante brincou comigo, porém eu decidi ignorá-lo.
— Isso se chama álcool — Eduardo apareceu atrás de mim e pegou um pão de alho, apoiando seu cotovelo na minha cabeça.
— Eu tenho cara de apoio de braço, Eduardo? — eu afastei minha cabeça dele e ele apenas riu, sentando do meu lado, de frente para mim, enquanto eu arrumava um pãozinho com linguincinha, sentindo minha boca salivar — o que foi? — eu perguntei antes de enfiar minha combinação divina na boca, sentindo os sabores em completa harmonia.
Explosão gastronômica!
— Você engoliu a linguiça como se sua vida dependesse disso — ele apontou com o queixo para a outra que estava na minha mão e eu mastiguei rápido para tentar me defender.
— Fome é fome. A culpa não é minha que você é veggie-chato e não sabe o que está perdendo com esse pedaço de mal caminho — eu abanei a linguicinha na sua frente e comi, fechando meus olhos em êxtase.
— Já ouvi falar que eu era o mal caminho inteirinho — ele apontou para si mesmo, pegando um pão de alho e o comendo primeiro pelas bordinhas e depois o miolo.
E era uma visão incrivelmente sedutora ver Eduardo lambendo os dedos e sua língua trabalhando em não desperdiçar nenhuma gota do tempero sagrado da Gisele, mas eu engasguei com a carne processada que eu estava comendo, porque, bem...
— Segurando vela, Noronha? — Sandro passou atrás de mim e deu dois tapas nas minhas costas para me desengasgar, ainda bem que eu ainda tinha aquele álibi para alegar que eu estava vermelha por ter engasgado e não por conta do comentário indiscreto da pessoa a minha frente.
— Se você está se referindo ao casal à minha esquerda — eu apontei para Galeia depois de ter me recuperado de um possível engasgamento enquanto Eduardo apenas ria da minha cara por ter quase me explanado assim na frente da empresa. Teria troco, ele que me aguardasse — eu acho que quem está segurando vela mesmo é o Gali, mas oficialmente acho que estou — eu tombei meu rosto na minha mão e tomei um gole da minha caipirinha, impedindo o Edu de pegar mais um pão de alho — se estiver falando do casal Edu-pão-de-alho à minha direita, eu acho que o Eduardo que está de vela, porque tem um clima incrível entre eu e essa beldade aqui — aí eu comi mais um pão, quase dançando de felicidade.
— Eu amo como a Má nunca está errada — Sâmia apareceu também com uma Eugência e a abriu com o braço, fazendo Eduardo ficar indignado por ainda não ter conseguido aperfeiçoar aquela técnica.
— Obrigada, eu digo isso todo dia, mas as pessoas insistem em me contrariar — eu coloquei um queijo coalho na mão do Edu, porque eu sabia que ele gostava daquilo e eu não fazia muita questão para beber mais um gole.
Meu deus que delícia.
Eu estava no paraíso.
— Deixa eu experimentar isso daí — o engenheiro-mor arrancou o drink das minhas mãos e tomou uns dois bons goles, arregalando os olhos e tomando mais um.
— Mais um discípulo convertido com sucesso — eu dei um high five em Andreia que empurrou a coqueteleira com um refil de caipirinha e eu preenchi o copo, porque Sandro teve a indecência de beber muito mais do que "experimentar" permitia.
Então começou a tocar um Falamansa gostosinho e o Golden quase fez xixi de felicidade, puxando Gisele imediatamente para dançar coladinho. Então, as duplas começaram a se formar dos lugares mais inusitados de todos: Sandro e Sâmia, Andreia e Galileu, Renata e Márcio, Fernando e a vodca rosa, Alice e Isaac e...
— Agora vamos ver se você faz de tudo mesmo! — Valter pegou a minha mão e me tirou da inércia do meu banquinho de madeira, começando a me girar para lá e para cá, em um passo forte e outro fraco enquanto a gente transferia o peso da perna para começar a girar no ritmo.
Valter era mais de vinte centímetros mais alto que eu, o que deixava seus passos pequenos e os meus muito largos, mas a gente acabou encontrando um meio do caminho muito bom mesmo que meu nariz às vezes batesse nas suas costelas e ele começasse a rir.
— A gente consegue enfeitar mais a dança, Má? — ele me perguntou, já começando a caminhada, aonde ele ia para frente e eu para trás, invertendo a cada dois tempos.
— Valter Rodolfo, eu fiz forró avançado na faculdade, sabia? Me mostra seu talento! — eu revelei enquanto acompanhava seus movimentos quando ele me deu um giro simples incompleto, me fazendo voltar até onde estávamos antes.
E não é que ele dançava bonitinho? Meio-giro para um lado, frente e trás, gira duas vezes, direita-esquerda, dobradiça, caminhada, giro do cavalheiro e...
— Espera, amor, eu preciso testar uma coisa! — Eduardo colocou a mão no ombro de Valter e eu logo comecei a me preparar para deixar que o casal da CPN tivesse um forrozinho em paz e querendo desesperadamente filmar aquilo pra Sâmia colocar no portal corporativo na segunda sem falta!
No entanto, o arquiteto envolveu os seus dedos nos meus e enrolou meu quadril com o seu braço, trazendo meu corpo para perto do seu e colocando uma de suas pernas entre as minhas, começando a nos mover antes que eu me lembrasse que tinha que trocar do peso de pé para, efetivamente, dançar.
Próximo demais para um forró de trabalho.
Seu corpo encaixava demais para ser profissionalmente aceitável.
Mas a pele dele era quente e minha carne era fraca por ele.
— Tá pronta? — ele me perguntou contra minha bochecha e eu não tenho certeza se eu entendi o que ele quis dizer, porque eu estava apenas me deixando levar, gostando de como seu corpo moldava o meu, como seu ritmo fluia dentro de mim e como tudo o que eu mais queria era... até que ele me deu impulso ao levantar meus braços e eu reconhecer o movimento, buscando equilíbrio nas pernas para não autossabotar o momento.
Gira-gira-gira-tomba.
Ele apoiou uma de suas mãos na base do meu quadril e a outra segurou a minha perna, bem como Romeu havia ensinado no ano novo, conseguindo nos manter de pé mesmo que eu tivesse um leve vislumbre dele tropeçando no último giro antes do tombo.
Aquilo foi muito mais sensual do que abrir uma garrafa com o braço e não havia uma alma que conseguisse me provar o contrário.
— Agora voltando devagar — ele comentou, abaixando minha perna aos poucos, porém seus dedos se demorando em minha pele em um rastro elétrico que acendia onde quer que ele tocasse, porque eu era etanol puro e ele a fagulha que faltava para eu queimar. Contudo meu pé tocou o chão e eu não senti mais seus dedos em mim, abraçando-me de frio quase de imediato — eu treinei muito com o Leandro para fazer isso ficar decente.
— Você tem que mostrar isso pro Romeu. Ele vai pirar! — eu dei um abraço no Edu, mas aí eu lembrei que estávamos no meio do churrasco do Gali e notei que Gisele e o Golden estavam nos olhando com muita curiosidade.
— Eu também quero aprender isso daí, anjo — o Golden segurou minha mão com muita convicção e me olhou com determinação, pousando a sua outra mão em minha cintura em um movimento quase mecânico — começa com a direita ou a esquerda?
— Com o coração, Golden — Eduardo me separou do pet-arquiteto e começou a dançar com ele, fazendo Valter babar de ciúmes do seu "coração" estar nas mãos de outro.
— Chefe, que lindo! — o rapaz se animou, começando a dar pequenas requebradinhas para acompanhar o seu tutor que era quase um pé de valsa comparado com os dois pés esquerdos de um garoto muito descoordenado pelo álcool.
E eu continuei sorrindo para aquela cena mesmo quando recebi meu copo de caipirinha das mãos de Andreia Ramos, que estava apenas rindo de mim e perguntando se eu tinha tido um derrame, porque, aparentemente, eu estava sorrindo demais.
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Feliz dia dos namorados, Mardoooooooo <3
A gente sabe que metade de vocês estava esperando um beijo e a outra metade estava no aguardo da pena, poréeeeeeeeeeeem o que Libriela entregou para vocês foi um "quando".
E olha, estamos construindo isso tijolinho por tijolinho... quando esse momento chegar... coloquem seus coletes a prova de bala!
E depois de uma cena bem amor caliente de Mardo na piscina, tivemos uma parte da comemoração de aniversário do Gali!!! Se a CPN não é a melhor empresa de todas, não sei qual éeeeeee <3
Esperamos que estejam gostando! Não se esqueçam de nos contar as teorias, de contar o que estão pensando e até um pensamento aleatório que vocês queriam compartilhar!! E não esqueçam da estrelinha também hihihi
Beijinhos,
Libriela <3
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