Capítulo 88 - 10/10
10/10
Eduardo
— E aí eu sugeri que a gente usasse argamassa de argila, porque o isolamento termo acústico e a umidade do ambiente ganham muito com isso e...
Aí eu reparei no que ele estava falando.
Havia algumas coisas muito estranhas ali.
Primeiramente, Sandro não costumava realmente chamar as pessoas da CPN para beber com ele depois de um dia de expediente — com a claríssima exceção de Valter, que era provavelmente seu melhor amigo desde sempre — então, o fato de eu ter recebido um convite já era estranho por si só.
A outra coisa estranha era que Sandro, eu repito, Sandro Ventura, o Engenheiro Tradicional, tinha sugerido para seu arquiteto, Joaquim Gentil, em um projeto da CPN, que eles usassem argamassa de argila, um biomaterial, ao invés da argamassa tradicional de cimento e cal porque via vantagens.
Quase me belisquei. Eu estava sonhando, certo?
Era a única explicação lógica. Porque a outra era acreditar que estar de frente na obra da Horta Verde tinha feito Sandro Ventura (eu já mencionei que ele era o Senhor-Engenheiro-Tradicional-Não-Mexa-No-Meu-Concreto?) começar a gostar um pouco de construções sustentáveis.
Mas, pensando bem, no fundo, ele deveria gostar. Porque ele tinha tantas técnicas e familiaridade com os materiais e procedimentos que eu ficava impressionado, porque ou ele simplesmente era o maior crânio da CPN (depois de Marcela Noronha, é claro) e tinha se escondido atrás de aço e concreto por todo aquele tempo por causa das questões "segurança, orçamento, meu CREA" ou ele estava estudando como um louco para fazer a Horta funcionar.
E, mesmo assim, eu precisei confirmar se meus ouvidos estavam em pleno funcionamento.
— Você o quê? — perguntei e ele ergueu as sobrancelhas, mesmo que seu olhar estivesse mais interessado na reposição de cerveja que ele fazia no meu copo do que em mim, propriamente falando.
Ele não inclinou o copo, então eu acabei tendo que me apressar para engolir o colarinho de espuma, que não parava de subir, antes que virasse uma bagunça no meio do bar.
— Sugeri argamassa de argila — ele disse novamente. — E o Gentil agiu como se eu tivesse batido na mãe dele.
Então isso explicava porque os dois tinham ficado trocando palavras de amor e carinho, só que ao contrário, o dia todo e também porque o Golden tinha quase me implorado para colocar o Breno em uma das vagas que tinham surgido na Construção Sustentável mesmo que Sandrinho Junior não tivesse se candidatado para elas — provavelmente, Lucas acreditava que Breno ali faria Sandro parar de ameaçar as pessoas com andaimes.
E aí ele disse que ia levar chá para Sandro e eu não o vi pelo resto do dia.
Será que eu deveria me preocupar? O Golden!
Apenas ergui as sobrancelhas e assisti enquanto o engenheiro máster matava metade do copo de cerveja em um gole só e desenhei uma forma aleatória no esbranquiçado que a bebida gelada deixou na garrafa.
— É ruim, não é? — perguntei e foi a vez do meu acompanhante erguer as sobrancelhas, me encarando sem entender. — Quando você sugere uma coisinha sustentável e sua dupla ameaça jogar um andaime na sua cabeça porque não vai construir nada com mato. Tenho experiência nesse assunto.
Eu não sei se ele riu ou rosnou, mas julgando pelo seu humor ao longo da tarde...
— Sinceramente, eu sugeri argila e não que alguém tentasse erguer um prédio sobre uma estrutura de bambu. Tem uma diferença bem grande aí, Senna — ele explicou, tombando o copo na minha direção como se fosse uma arma. Na mão dele, tenho certeza que era. — E eu expliquei as vantagens. Quando você conseguir provas de que bambu é melhor do que aço, a gente conversa.
— Bambu é mais resistente que...
Eu estava prestes a dizer que a resistência à tração do aço era de vinte e três mil libras por polegada quadrada e do bambu vinte e oito mil, ou seja, bambu rules!!!, mas Sandro me olhou como se fosse testar a minha resistência à tração se eu continuasse insistindo nisso.
Eu podia ser até um arquiteto deslumbrado que andava olhando para cima — o que se provou verdade quando Isaac teve que me impedir de tropeçar numa pilha de placas de pinus autoclavado que se tornariam a parede da casa sustentável e também quando me deu uma tesoura sem ponta depois que eu me cortei com um estilete e Lucas começou a me abanar para que eu não desmaiasse em cima do meu pobre iPad — mas eu não era idiota ao ponto de provocar Sandro Ventura.
— O caralho que bambu é mais resistente que aço — Sandro vociferou, com toda a sua paciência costumeira e eu comecei a rir, o que só o fez ficar mais bravo ainda, como se eu tivesse em pessoa inventado os tijolos de cogumelo ou o tivesse criado o bambu em laboratório apenas para enfiar firula na construção civil. — Aço é aço. Não é orgânico. É seguro. Não falha.
Eu acho que Valter precisava ministrar umas aulas sobre como acalmar Sandro Ventura, porque eu sentia que ele era o Hulk e Valter era a Viúva Negra tentando trazer o Dr. Banner de volta. Só que só dava certo às vezes, às vezes ele simplesmente queria apenas esmagar e ponto final.
Normalmente, eu insistiria no meu ponto, mas eu também só queria relaxar a minha cabeça e estava claramente cansado demais para discutir, ainda que eu tivesse razão.
Ainda bem que eu era arquiteto e não advogado.
— Calma, campeão, não está mais aqui quem falou — eu disse, erguendo minhas mãos em rendição e rindo, assistindo o engenheiro máster tombar a cabeça para mim com um ar que claramente dizia que eu tinha escolhido a opção certa e estava mais perto do Banner do que do Hulk, o que era ótimo para mim, já que ele provavelmente repetiria aquela cena com o Loki se eu dissesse a coisa errada. Aquela do deus fraco, exatamente. — Às vezes eu apenas queria entender como a Cecília conseguiu conquistar esse coração bruto, Sandrinho. Não deve ter sido fácil.
Acho que Valter ficaria orgulhoso de mim, porque Sandro até tentou esconder um sorriso atrás do copo de Eugência ao ouvir o nome da minha irmã, mas eu vi mesmo assim. Um cara apaixonado perdia a sua pose de bandido e Sandro Ventura tinha perdido 100% porque Cecília, levemente embriagada com um vinho branco, tinha soltado que ele gostava de cafuné e de assistir Netflix com os pés entrelaçados e não dava mais para vê-lo da mesma forma depois disso.
Isso tinha acontecido duas noites atrás, quando ela me chamou para ir ao seu apartamento para assistir a Pegando Fogo, aquele filme em que o Bradley Cooper é um chef bonitão e que ela jura que não era seu preferido só por isso. Tudo pela culinária. Sei.
Eu podia ter implicado com Sandro por ser um bobão apaixonado? Claro.
Mas eu tinha consciência de classe e... Bem, nessa, nós dois estávamos juntos, já que eu até podia estar tentando me convencer pela repetição que Marcela e eu éramos apenas amigos. Que não ia mais rolar nada. Que ela estava em um rolo com Gustavo e, portanto, eu deveria manter meus sentimentos para mim, pois, se eu não fizesse isso, havia risco de três pessoas acabarem machucadas e de que nós dois acabássemos nos afastando de novo, porque não dava para eu chegar e falar "opa, linda, eu amo você", ela simplesmente falar "bom, eu estou com outra pessoa" e ficar tudo normal.
Então, amizade. Por mais que eu quisesse cafuné e pés entrelaçados e Netflix com ela.
— Por que você acha que foi ela que me seduziu? — Sandro perguntou um segundo antes de levar o copo de cerveja aos lábios, tomando um gole de forma friamente calculada para o movimento do seu pomo-de-adão estar sincronizado com a sua sobrancelha esquerda se erguendo.
Eu finalmente dei um gole na minha própria cerveja e não na espuma, apreciando o gosto amargo característico misturado com a doçura do mel de laranjeira na medida exata para que nada sobressaísse e o sabor fosse simplesmente impecável. Santo José Eugênio da Silva.
E, como sempre, o Bar dos Ardos nunca deixava a desejar quando o assunto era deixar a bebida sempre na temperatura ideal, trincando de gelada. Mesmo um pouco resignado, eu precisava dar os parabéns a Gustavo por ser um ótimo gerente — eu não podia tirar os méritos dele só porque ele não estava no topo da minha lista de pessoas favoritas naquele exato momento.
Eu sabia que ele era um cara muito bacana. Eu só estava sentindo... Não sei.
Não sei o que eu sentia quando pensava nele.
Claro, ele era uma pessoa 10/10 e eu sabia disso desde o cruzeiro, mas...
— É simplesmente mais fácil, para mim, acreditar que a minha irmã te deu uma chave de pernas — ok, esse relato de Leandro eu queria esquecer — do que pensar que você a seduziu com esse papinho de aço e concreto e vidro. Eu conheço vocês dois, Ventura.
Sandro estava prestes a dizer algo que provavelmente seria um corte que a Tramontina patrocinaria pela precisão quase cirúrgica, mas decidiu por não quando o seu celular vibrou e o rosto da minha irmãzinha apareceu na tela, destruindo de uma vez a sua pose de engenheiro reativo, com a seguinte mensagem:
Ceci <3 : Ursão, você vai passar aqui mais tarde?
Eu quase cuspi a cerveja no balcão com aquelas palavras e pelo rosto do engenheiro ter ficado em tons de vermelho que apenas a pele de pêssego do Valter atingia quando a Marcela o olhava torto, ao perceber que eu tinha visto o conteúdo da mensagem.
Ok.
Sandro Ventura um... Ursão?
Meu Deus, a CPN precisava saber desse novo apelido para ontem!
— Se você falar disso para alguém... — ele começou, porém eu levantei minhas mãos em rendição.
— Calma, calma, quem faz a distribuição de informação é a Marcela, não eu. Eu só estou bebendo uma cerveja com o meu cunhado... ursão. — Eu bebi mais um gole no meio de um sorriso e tentei me controlar, porque a última coisa que eu imaginei fazer na minha vida era usar a expressão Sandro e cunhado na mesma frase.
Ok, a última provavelmente seria voltar a comer carne.
Ou parar de tentar salvar o planeta.
Ou deixar de amar a Marcela...
Mas acho que entrava no top dez.
Possivelmente.
— Vocês dois são uma dupla estranha, Senna, eu juro que não consigo entender essa dinâmica. — Ele meneou a cabeça e apontou para Gustavo trazer mais uma Eugência para nós.
Eu engoli a seco, sentindo meu corpo inteiro entrar em modo perigo, perigo, andaime a vista!!!!!!, porque eu não tinha muita certeza sobre o que o engenheiro estava falando quando mencionou a nossa "dinâmica" e eu tinha a leve impressão que desde o churrasco de 35 anos da empresa, ele estava suspeitando de algo.
Talvez porque eu não conseguia deixar de me sentir um otário quando Marcela entrava em qualquer ambiente, porque não dava para não prestar total atenção em todos os seus movimentos — acho que até cheguei a concordar com uma parede de bambu intertravada outro dia em uma sala comercial, mas eu não conseguia me lembrar qual sala ou de qual cliente, porém eu sabia que Marcela estava usando uma blusa branca e tinha os lábios pintados em vermelho.
Prioridades.
— Dinâmica? Eu e a Marcela? Não está falando da Lavínia? — eu perguntei e quase pedi um óleo de peroba para passar na minha cara de pau, porque a última coisa que eu precisava era ser a parte fraca que deu com a língua nos dentes quando não havia mais nada entre nós dois além de uma linda e grande e bela e firme e consolidada amizade.
E algumas coisas reprimidas que não precisavam ser mencionadas.
— Bem, eu duvido que ela esteja ajudando a Lavínia a construir um restaurante de bambu, sinceramente — Sandro comentou e fechou os olhos imediatamente, abaixando a cabeça como se estivesse remoendo as suas últimas palavras dentro da sua mente.
Mas como...?
Como ele...?
Eu não disse nada!
Será que Ceci falou?
Eu iria matar aquela pirralha linguaruda e olha que eu era contra matar qualquer coisa! Eu pedia licença para os pernilongos antes de abaná-los, pelo amor do bambu tratado!
— Ano passado, pouco antes de você vir falar comigo — ele explicou dando de ombros em um suspiro resignado ao perceber que não tinha como voltar atrás —, ela comentou que você estava com um projeto de um restaurante sustentável, mas que precisava de um engenheiro para tocar a obra. Eu disse que se ela queria o seu bambu, que ela mesma aceitasse, mas você sabe como a Noronha é assustadora quando ela franze a boca, né? Só que aí uma coisa estranha aconteceu. — Ele passou a mão no balcão, limpando a água que havia escorrido da nossa nova garrafa de elixir de cevada — Ela me pediu "por favor". Eu juro que ela realmente disse isso e não foi uma ilusão da minha mente.
Franzi o cenho, encarando o engenheiro como se a explicação para a minha mais recente dúvida estivesse ali, em algum lugar entre suas sobrancelhas grossas e seu nariz aquilino.
Marcela... pediu para o Sandro assumir a obra mesmo depois de brigarmos? Mesmo antes de fazermos as pazes?
Ela pensou em mim mesmo quando a vida dela estava de cabeça para baixo e tudo estava indo de mal a pior?
Mas que caralho, como é que eu conseguiria ser só amigo dela sabendo que... Sabendo disso?
— Não faz essa cara, Senna — ele me recriminou e eu pisquei algumas vezes, plenamente consciente de que eu havia ido para longe e estava olhando para o meu copo, embora não estivesse realmente vendo o copo. — Eu não aceitei só porque ela me pediu. Eu aceitaria a obra mesmo que ela não tivesse pedido, porque... Você sabe.
Só que eu não sabia, não.
Acho que o que eu mais sabia, era que eu não sabia de nada. Quando eu finalmente achei que tinha conseguido entender as coisas e não faltava mais nenhuma peça do quebra-cabeça complexo que aquele pedaço de tempo tinha se tornado, eu achava mais uma escondida embaixo da caixa e precisava entender onde ela se encaixava no panorama geral — o que nem sempre era uma tarefa simples.
— Acho que eu preciso de mais informação para não pensar que ela ameaçou a vida dos seus filhos com um andaime para você aceitar a obra. — Eu dei uma risada e vi que o Breno chegou no bar, cumprimentando uma sequência de pessoas com o seu sorriso de labrador humano.
Sandro bufou, um tanto insatisfeito por ter que colocar em palavras algo que ele achava que eu tinha entendido, mas eu esperei mesmo assim porque... Eu era meio ruim em entender as coisas, claramente.
— Porque mesmo você sendo um pé no saco, você tem uma cabeça fora da curva. Você pensa de uma maneira diferente e ainda está para nascer um projeto ruim que você colocou a mão, então... É, acho que eu aceitei, porque eu queria uma última obra para te ameaçar com andaimes. — Ele deu de ombros como se não tivesse acabado de me fazer um puta elogio que eu nunca, jamais, em todos os meus trinta anos, pensei em receber de Sandro Ventura e arrumou a gola da polo do seu filho quando ele se aproximou para nos cumprimentar. — E se quiser acreditar, Marcela ainda fica me mandando mensagem de madrugada para saber sobre a parede de cortiça, do piso intertravado, da clarabóia tubular... Eu nunca entendi porque ela não voltou para a obra, porque claramente tudo ali tem o selo Marcela Noronha de qualidade.
Quando ele falou isso, a ficha não caiu. A ficha despencou.
Depois de três anos trabalhando com Marcela, eu provavelmente deveria ser capaz de perceber que a forma como as coisas estavam sendo executadas na Horta Verde era a forma como ela fazia aquilo. Claro que a supervisão de Sandro era importante para que tudo ficasse correto e perfeito, mas... Tinha o dedo dela do chão ao teto e eu simplesmente só me dei conta porque Sandro me falou.
Eu já tinha trabalhado com os dois, então eu deveria ter percebido que a técnica da argamassa não tinha sido a que Ventura costumava usar, mas sim a de Marcela.
Assim como tinha acontecido com a instalação da claraboia tubular.
Com o reforço da parede de cortiça.
Com a escolha das esquadrias.
Com o teto verde.
Era simplesmente... Tinha Marcela demais ali.
Era tão, tão, óbvio que eu deveria me envergonhar por não ter percebido antes.
E será que ela nunca tinha pensado em me contar, mesmo que nós estivéssemos totalmente bem agora?
Por que ela não falou?
— Eu não tenho um engenheiro, mas sim dois? — eu brinquei, porque eu ainda estava sorrindo por ter, talvez, os dois melhores engenheiros do Brasil acreditando no meu potencial e cuidando para que o sonho da minha irmã, e meu também, tomasse forma no estado da arte da engenharia sustentável.
Porra, Marcela ainda estava cuidando de mim e...
— Pai, a Gio disse que vai dormir na mãe hoje, ok? Aí a gente pode terminar de assistir aquele episódio dos Bridgertons hoje ou amanhã, se quiser — Breno sugeriu já do outro lado do bar com um sorriso contido enquanto o Sandro-mor estava se engasgando em outra coisa que possivelmente não esperava compartilhar comigo naquela noite.
Ok, ele estava ficando roxo.
Pelo menos não era verde. Vitória!
Espera, existia uma versão roxa do Hulk, não existia?
Será que eu tinha que tentar bater nas suas costas?
E foi o que eu fiz, mas ele apenas me empurrou para longe enquanto recuperava o fôlego, dando soquinhos no seu peito para que a cerveja fosse para o lado certo.
Que visão.
Que homem minha irmã havia arranjado.
— Ah, os Bridgertons? Conte-me mais sobre isso, Sandrinho — eu pedi para o barman júnior, que deu uma olhada de soslaio para o seu pai que estava meneando a cabeça ainda com o fôlego entrecortado e se inclinou na minha direção.
— Ele adora uma série de época e lê todos os livros da Tessa Dare e Julia Quinn com a Gio — o rapaz comentou e o seu pai quase espumou. Se ele não fosse seu Breninho, com certeza teria ouvido alguma coisa sobre andaimes. — Ok, essa é a minha deixa. Ótimo encontrar com você, Edu. Vê se não morre, pai!
— Se eu sair vivo daqui, não vai ter sido graças a você! — Sandro disse ao mesmo tempo em que eu tentei falar que também tinha sido um prazer encontrar Sandrinho Junior e Breno apenas riu, encarando o pai por cima do próprio ombro enquanto ia para trás do balcão, denunciando que sua diversão particular era fazer Sandro passar vergonha. Talvez eu devesse começar uma amizade sincera e desinteressada com ele? Provavelmente. — Eu sei que você é um fofoqueiro, Eduardo, então lembre-se que tem andaimes pendurados em cima da sua cabeça quase o tempo todo.
— Isso é uma ameaça? — perguntei.
— Eu chamaria de aviso.
— Depois de falar que queria mais um projeto comigo? — Ergui as sobrancelhas e dei de ombros, deixando o sorriso mais debochado da década se espalhar pelos meus lábios. — Não vai colar.
— Eu posso mudar de ideia facilmente — advertiu, pegando o celular sobre a mesa, já que vibrava novamente com o nome de Cecília e, dessa vez, eu tive a decência de não olhar porque não queria descobrir algo pior do que o Ursão. Será que ele a chamava de ursinha? Ou talvez de chef? Não quero pensar nisso! — Seria uma grande perda para a arquitetura contemporânea? Provavelmente. Para mim? Posso superar.
Então um garçom se aproximou com a segunda Eugência que Sandrinho tinha pedido, deixando sobre a mesa após abrir o lacre da garrafa e completar nossos copos pela metade.
Eu aproveitei enquanto Sandro estava com a atenção voltada para o celular e peguei o meu, que tinha ficado vibrando no meu bolso durante aquele tempo, sendo apenas levemente ignorado porque eu não tinha cabeça para pensar nas obras naquele exato minuto, não depois de passar o dia fazendo entrevistas para encontrar candidatos perfeitos para as duas vagas que eu tinha solicitado para a Construção Sustentável — quando elas efetivamente estivessem preenchidas, seria uma mão na roda, mas neste momento em que as partes burocráticas das entrevistas e contratações estavam sendo realizadas, eu apenas me questionava porque não tinha mantido minha maldita boca fechada.
Mas fazia sentido. Crescer. Colocar mais gente. E, no fim das contas, era o trabalho que justificava minha promoção.
Muita gente dizia que "se você trabalhar com uma coisa que você ama, vai descobrir que odeia o que você ama", mas, no meu caso, eu ainda amava a arquitetura. Os projetos. A sustentabilidade. Os desafios. O crescimento. Trabalhar com Golden e Isaac. Os cronogramas. As entrevistas. Tudo.
Tinham onze conversas ativas no meu celular, mas eu pulei todas elas (vergonhosamente) para dar atenção primeiro para a pessoa que provavelmente estava me falando sobre algo que tinha urgência e não tirando fotos de si mesmo besuntado de protetor solar e me chamando para ir para Vitória espalhar.
Chicão ficou possesso e ficou mais ou menos três minutos sem falar comigo quando descobriu, uma semana antes, que eu trocava "nudes" de protetor solar com Patrício, mas até ele teve que admitir que o advogado era uma bela visão. E, pela cara da Loira Odonto, ele finalmente tinha entendido como meu pretinho se sentia por causa de Leandro dando em cima dele a cada cinco segundos.
Aí Henrique Francisco e Tiago tiveram uma conversa muito estranha sobre pudins sendo comidos por pessoas diferentes e eu tenho quase certeza que pudim não era pudim de verdade.
Gisele: Oi, Edu! Pode me ajudar?
Eduardo: Rainha do RH e do meu coração, eu sempre posso te ajudar
Gisele: Não é nada sobre trabalho
Gisele: Você gosta do Vegetarious, né? O restaurante?
Eduardo: Gostar é pouco para meus sentimentos por aquele lugar
Gisele: Você sabe se eles servem pratos sem lactose?
Eduardo: Servem sim! Inclusive, a quiche deles é maravilhosa
Gisele: Obrigada, Edu! E vê se descansa, viu? Você não é uma máquina
Gisele: Se você der defeito, quero ver quem faz o Fernando parar de chorar no banho
Gisele: Tenho certeza que a bucha cai no meu colo, mas eu não tenho protocolo para tirar o chefe do chuveiro de cinco mil reais dele
Eduardo: Ele gastou 5 mil dilmas em um chuveiro?
Eduardo: (figurinha)
Eduardo: Fernando tem outros arquitetos para pedir alterações de última hora nos projetos
Gisele: Mas nenhum é você, bobo
Gisele: DESCANSA
Gisele: E sim, ele gastou e eu precisava compartilhar isso com alguém
Gisele: (figurinha)
Enquanto eu procurava a figurinha perfeita para manifestar minha falsa (ou nem tanto assim) indignação com o consumismo do meu chefe, senti que Sandro estava olhando pra mim como se fosse me queimar com a visão de raio laser que felizmente ele não possuía, ou seria meu fim.
— Por que sua irmã está falando sobre um espelho d'água nessa fase da obra? — questionou, mas acho que na verdade era uma pergunta retórica porque ele sabia que Ceci, que não conseguia escolher as cores da Horta Verde, não ia inventar algo assim.
— Por que tem uma chance enorme de você não ameaçá-la com um andaime? — arrisquei e Sandro apenas estreitou os olhos para mim.
Ok, voltamos à fase Hulk Esmaga. Especificamente, esmaga um arquiteto sustentável. Talvez eu merecesse? Talvez. Acho que ele estava meio resignado comigo desde que descobriu que eu talvez, supostamente falando, num boato nada confirmado, me identificasse um pouco com o Mestre dos Oceanos. Sabe, o vilão do Aquaman?
Eu não sei porque as pessoas ainda se impressionavam.
Um cara que queria descer o sarrafo em quem suja os oceanos? Não era tipo uma personificação violenta de tudo que eu defendia?
— Você está se aproveitando só porque sabe que eu não falaria não para ela? — ele perguntou, acho que apenas se dando conta de quão apaixonada sua frase tinha soado depois que ela tinha sido posta para fora.
— Eu nunca pensei que veria você desse jeito, Sandro Ventura — eu disse e ele apenas arqueou as sobrancelhas enquanto eu sorria, como se não entendesse do que eu estava falando: — Todo derretido pela Ceci. A Cecília!
— Também achei que não, mas aí eu vi ele chorando por causa da Daphne Bridgerton e do Simon Basset claramente apaixonados e entendi que era uma causa perdida. — Breno apareceu para pegar o casco vazio da primeira Eugência, para o total desespero de Sandro que só não começou a gritar sobre andaimes porque era sua prole preciosa. — Meu pai, não a sua irmã, ela é muito massa. Mas esse aí? Apaixonado desde quando ela apareceu na obra e começou a debater com ele sobre ervas aromáticas ou suculentas no telhado verde.
— Filho... — Sandro disse, num claro "pelo amor de deus fica quieto" para quem sabia que ele queria manter sua fama de durão-reativo-não-mexam-comigo.
— Tá tudo bem ser soft, pai — Breno disse e, daquela vez, foi ele quem arrumou a gola de Sandro, que se derreteu mais ainda. Eu era emocionado, eu não conseguia ser imune a esse tipo de coisa. Tão Dr. Banner apaixonadinho pela Viúva Negra, ai, ai. — Não vejo você assim desde a mãe e você merece alguém que te dê tanto amor quanto você dá para todo mundo. Se ela sabe preparar peixinho-da-horta e fazer ficar delicioso, é uma vantagem.
Pisciano do caralho, segura!
Não pode chorar!
Seria vergonhoso, esquisito e não daria para explicar!
O olhar deles estava dizendo "te amo" um pro outro! Não tenho provas, mas tenho convicção!
Eu parei de olhar porque senti que estava sobrando muito naquela cena, então me dei conta de que, pela primeira vez, eu estava no Bar dos Ardos e a trilha sonora não era Melophobia ou Arctic Monkeys. Na verdade, era Capital Inicial. E tinha cheiro de cerveja no ambiente.
Ela dormiu no calor dos meus braços e eu acordei sem saber se era um sonho...
Será que eu deveria mandar uma mensagem para Marcela e agradecer por ter envolvido Sandro na Horta Verde? Ou talvez eu devesse mandar flores? O apartamento dela sempre ficava mais alegre com flores, contrastando com as cores quase 100% neutras que haviam ali, com a exceção do laranja terroso com o qual a gente tinha pintado a parede da sala, e Tiago tinha comprado um buquê de girassóis para Henrique Francisco que provavelmente ficaria muito bem na sala dela e eu podia comprar um igual e...
Se bem que nosso lance eram begônias.
Quer dizer, não tinha mais "nosso lance". Mas eu podia mandar flores de forma completamente amigável, certo? Mesmo que flores não fossem o suficiente para agradecer por ela, machucada, ter pensado em mim, mesmo eu tendo sido um grande idiota com ela.
Acho que meu coração não errou uma batida. Ele praticamente parecia estar rolando de um desfiladeiro.
Porra, Marcela. Porra.
Eu ia acabar infartando de tanto reprimir o quanto amava essa mulher.
— Então, você sabe outro segredo meu agora — Sandro disse, me tirando do transe e só então eu me dei conta de que estava olhando para uma parede sem realmente olhá-la e nem tinha visto quando Breninho se afastou. — A gente nunca conversou sobre isso porque... Sei lá, eu sou um cara de quarenta e cinco anos com dois filhos e que sabe o que quer, mas, você acha estranho? — Ergui uma sobrancelha, sem entender do que ele estava falando. Ele explicou: — Cecília e eu.
Pisquei algumas vezes e dei um gole na Eugência numa tentativa de acalmar meus pensamentos, que estavam a mil por hora naquele momento.
— Claro que não! Eu amo a Ceci e, pelo visto você também, e é isso que conta pra mim. Você é um engenheiro incrível, Ventura, e uma pessoa melhor ainda. Mas, acho importante dizer que eu também sei como derrubar um andaime e fazer parecer um acidente — eu disse e sorri, porque nem eu estava me levando a sério. Dessa vez, Sandro não tentou esconder a risada atrás do copo e eu acho que foi o jeito dele de falar que era recíproco. Ou que ele não tinha medo de mim. — Então, eu estou feliz tendo você como cunhado. Acho que eu só... Sempre supus que você não fosse solteiro?
Sandro colocou o copo sobre o tampo de madeira, mantendo os dedos pressionando o vidro e ergueu os olhos castanhos para os meus.
— Divorciado. Eu fui casado por um tempo, mas terminou bem antes de você entrar na CPN — ele explicou, dando de ombros. — Quando eu tinha vinte anos e a Monique engravidou do Breninho, fazia sentido, sabe, casar. Nós namorávamos, eu quase enlouqueci quando ela contou sobre o teste de gravidez positivo e, depois de um breve período pensando na merda que eu tinha feito e tentando achar um jeito de reverter o irreversível, eu vi meu filho e ele era a coisa mais preciosa que eu possuía na minha vida inteira, então eu quis os dois comigo e aí a gente casou. Três anos depois, veio a Gio. Monique e eu nos separamos quando ela fez quatro anos.
— Sinto muito — eu disse, mas Sandro deu de ombros.
— Faz tempo, Edu — ele disse e deu um gole na Eugência, dispensando meu comentário porque aquilo não o machucava mais. — Mas a gente se dá super bem, então não precisa se preocupar com a possibilidade de eu estar enfiando a sua irmã no meio de um drama familiar, porque não estou. Tudo na minha vida está muito pacífico desde que Breno nasceu e eu me endireitei.
Eu fiquei feliz. Porque Cecília claramente estava muito apaixonada por Sandro e ela merecia um amor leve e descomplicado — e, aparentemente, tinha achado algo assim. Como irmão, eu estava feliz por isso e por ter sido com Sandro Ventura, que era uma pessoa incrível. Bruta? Bruta. Mas incrível.
— Antes disso...? — perguntei, apenas porque era curioso demais para não fazer isso.
— Eu dava uns tapinhas e tinha uma banda de heavy metal? — ele afirmou como se fosse uma pergunta e eu comecei a rir.
— Eu não consigo nem imaginar você cantando, sei lá, Iron Maiden — eu disse, sendo totalmente sincero porque Sandro Ventura tinha menos perfil para isso do que... Não sei. Cecília? E minha irmã simplesmente era maluca por blues.
— Eu era baterista e a gente curtia mais Judas Priest. Felizmente, não existia YouTube na época, então você nunca vai poder provar que isso é verdade e eu vou negar se você contar para alguém. Vou começar a falar que você está delirando e calar a boca do Valter com uma mordaça — gracejou e, novamente, eu dei risada da ideia de Sandro Ventura, o Sandrinho, o Ursão, numa banda. — Eu não fui sempre um engenheiro linha dura, Edu.
— Foi nessa época que você colocou o piercing? — perguntei antes que pudesse refrear a minha língua gigantesca, mas, felizmente, acho que Sandro estava de bom humor e apenas riu, meneando positivamente a cabeça em um gesto quase imperceptível. — E por que nunca tirou?
Aí ele riu mais ainda.
— Essa eu vou deixar para a sua imaginação — respondeu.
Eu ergui as sobrancelhas.
E aí eu entendi.
As mulheres gostavam.
Cecília gostava.
Como faz para voltar no tempo e nunca perguntar sobre isso? Eu nunca mais vou conseguir apagar as imagens que meu cérebro me mostrou!
Apaga!
Apaga!
Apaga!
— E você, Eduardo? — ele perguntou e, de novo, seu celular começou a vibrar sobre a mesa. Eu desviei os olhos porque ele já tinha profanado demais a minha cabeça e eu não queria ver outra mensagem assustadora de Cecília. Eu era tão feliz só pensando em cafuné e pés enroscados! — Tem algum segredo que queira dividir com o seu cunhado?
Ele estava falando no geral ou tinha alguma coisa muito específica que ele queria saber?
Porque parecia que havia. Como se ele estivesse esperando minha confissão para algo sobre...
Ele tinha visto a Marcela e eu no churrasco. Foi ele quem interrompeu o beijo antes que ele acontecesse — o que era péssimo para o meu coração que queria ter beijado Marcela Noronha e ter um comeback no banheiro, mas talvez tenha sido ótimo, já que ela estava com Gustavo...
E também pediu "por favor". Por mim.
E acho que estava meio que na minha cara que eu praticamente ficava em estado líquido cada vez que estava na presença dela.
Será que era isso que ele estava esperando que eu dissesse?
Ou ele estava esperando uma confissão tipo "nossa, eu também detesto bambu, vamos por favor queimar um poço de pretróleo"?
Ou outra coisa que eu não estava entendendo e...
Acho que ele percebeu que eu tinha dado tela azul com aquela pergunta, então apenas riu e negou com a cabeça.
— Vou ter que ir socorrer a Gio com o óleo do carro — ele disse, em um tom risonho que eu quase nunca tinha visto nele, enquanto bloqueava a tela do celular e colocava o aparelho no bolso. — Você foi salvo pelo gongo, Eduardo. Mas só esta cara que você fez...
Aí eu vi que Sandro estava procurando a carteira no bolso enquanto eu continuava tentando entender qual das verdades ele queria que eu confessasse, mesmo sabendo que só havia uma.
— Deixa a conta comigo, Sandrinho — eu disse e assenti quando ele perguntou se eu tinha certeza. — Vai socorrer a Sandrinha.
Então, com um aceno de despedida após conversar brevemente com Breninho, meu cunhado sumiu por entre as pessoas do bar, em direção à saída. Eu peguei meu copo de cerveja e bebi mais um pouco porque eu amava aquele elixir do famigerado Bruxão.
E aí meu celular começou a vibrar de novo.
Lucas: EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ SAIU COM O SANDRO SEM MIM
Lucas: Que punhalada eu tomei nas costas!!!!!!!!
Lucas: Do chefe! Meu ídolo!
Lucas: (figurinha)
Lucas: E não adianta vir dar a desculpinha que eu estava na pousada de Ubatuba com o Isaac
Lucas: Porque daria tempo de chegar se ele percebesse que está dirigindo um carro e não uma lhama
Lucas: Porque eu jamais deixaria ele maltratar um animal dessa forma
Eduardo: Me fala o petisco que você gosta para eu poder comprar para você e te pedir desculpas
Eduardo: Petitos? Purina? Pedigree?
Lucas: A gente pode negociar com eugências
Lucas: Mas eu não me vendo fácil, já vou avisando
Eduardo: Nem se eu te comprar uma gravatinha?
Lucas: Chefe!
Lucas: Eu vou ficar tão lindo!
Lucas: (figurinha)
Lucas começou a me mandar um milhão de figurinhas de goldens retrievers que não eram meramente ilustrativas no caso dele, quando mais uma conversa apareceu no meu celular. Deixei que ele terminasse seu flood enquanto fui dar atenção para Valter — impressão minha ou eu estava muito requisitado na CPN?
Valter: Coração
Valter: O que você me fala sobre a quiche do Vegetarious?
Eu ergui as sobrancelhas. Por que duas pessoas tinham me perguntado sobre o Vegetarious no mesmo dia?
...
Não!
Não!
Eu não acredito!
Eduardo: Deliciosa, amorzinho
Eduardo: Ótima para um encontro que não é comigo
Valter: Coração?
Valter: Tá sabendo de algo que não deveria?
Eduardo: Sobre Conan o Bárbaro? Faz tempo
Valter: Como todo mundo ficou sabendo disso?
Valter: Foi a Noronha?
Valter: Ela já espalhou sobre o piercing do Sandro
Valter: Quer dizer, que supostamente ele tem
Valter: Eu nunca confirmei
Valter: E nem te mandei uma foto que comprova
Eduardo: (digitando...)
Valter: (imagem)
Não deu tempo de pedir para Valter não mandar.
Ok, agora mesmo que eu nunca mais ia conseguir apagar a imagem de Cecília, Sandro e aquele piercing da minha cabeça. Nunca mais.
Mas eu tinha material muito valioso em mãos.
Meu cunhadão estava perdido. Ou estaria quando eu conseguisse não fazer a matemática com a minha irmã envolvida.
E aí eu olhei para o balcão e Gustavo sinalizou pra mim, perguntando se eu estava satisfeito de um jeito tão amigável que eu quase me senti mal por não estar tomando sua Mautava por pura birra. Eu tinha cinco anos? Aparentemente sim.
Eu apenas sinalizei que tinha encerrado e estava prestes a pedir a conta quando uma aproximação chamou minha atenção e eu desviei meu olhar do bartender mais bonito de São Paulo para a figura que estava perto de mim. Havia uma mulher parada ao lado da cadeira que Sandro tinha desocupado alguns minutos antes e, assim que eu ergui os olhos, ela sorriu.
— Está ocupada? — ela perguntou, apontando vagamente para a cadeira e tombando a cabeça.
— Não! E eu já estou desocupando a mesa também, então se você quiser pode ficar aqui e...
Ela riu, apoiando uma mão na cintura fina e eu notei suas unhas longas pintadas de vermelho.
— Mas não faz sentido eu ficar com a mesa se eu vim aqui para me sentar com você, Eduardo — ela explicou e eu meio que travei.
Como assim ela sabia meu nome e eu não fazia ideia de quem ela era?
Aí eu olhei para o seu rosto, tentando encontrar alguma familiaridade. Ela tinha um rosto anguloso, cabelos pretos que escorriam até os quadris, se misturando com a blusa preta que ela estava usando, olhos grandes e castanhos e uma boca pintada com um batom nude que era apenas um pouquinho mais corado que sua pele clara, que tinha tatuagens que escapavam pelo decote, ombros e pelas mangas da blusa, indicando que haviam muitas mais sob o tecido.
Eu não a reconheci.
Eu sabia que tinha dado uns beijos em alguém no meio do Bar dos Ardos quando estava na fossa e tão bêbado de absinto que achei que a pobre mulher era Marcela, mas eu acho que não foi essa mulher, em específico, quem descobriu que eu amava Marcela Noronha enquanto ficava comigo — meu deus, às vezes eu simplesmente era um babaca completo.
Eu me lembrava da talvez-Duda diferente. Mais baixa. Cabelo cacheado. Negra. Sem tatuagens visíveis. Igualmente linda, mas por motivos diferentes.
— Desculpa, eu não me lembro de você — eu disse, estreitando os olhos para ela enquanto jurava que nunca mais ia ter blackout de absinto, mesmo sabendo que era uma promessa que só valeria até a próxima vez que eu ficasse triste o suficiente para cair nos encantos da fada verde.
Estava prestes a começar a pedir desculpas sobre qualquer porcaria que eu tivesse feito, mas ela apenas deu risada da minha falha de memória, jogando os longos cabelos para trás e revelando mais tatuagens sobre os ombros.
— Eu sou a Nathália e, acredite, não me surpreende que você não se lembre de mim, você estava bem bêbado na única ocasião em que me viu — ela gracejou e passou a língua devagar pelos lábios enquanto eu me perguntava porque eu simplesmente não ficava bêbado dentro de casa onde eu não podia fazer nada realmente estúpido, mesmo sem saber o que eu tinha feito com ela. — Eu posso sentar? Daí eu posso te ajudar a se lembrar.
Ok, eu estava indo embora, mas fui vencido pela curiosidade.
Eu sou curioso.
E precisava saber o que eu fiz!
— Claro — eu disse e ela puxou a cadeira, se sentando na minha frente. O movimento do seu cabelo trouxe para mim um cheiro de La Vie Est Belle, o mesmo perfume que Cecília usava.
Certo, eu tinha quase certeza de que havia beijado uma mulher com cheiro de Good Girl e não beijaria alguém com cheiro da minha irmã no meio do meu delírio alcoólico, então acho que era seguro concluir que eu não tinha dado uns amassos em Nathália. Então...?
— Ei, Gus! — ela chamou, fazendo-o olhar para ela. Gustavo sorriu ao vê-la e ela apontou para a garrafa sobre a mesa e fez o número um com o dedo. O barman fez um gesto positivo para ela e se virou para o freezer no momento exato em que os olhos castanhos e amendoados de Nathália se voltaram para os meus. — A de mel de laranjeira é ótima, mas você já experimentou a Mautava? É deliciosa. E tem café, o que é um grande plus.
Só que quem veio trazer a cerveja não foi Gustavo; na verdade, quem colocou a garrafa e o copo extra sobre a mesa foi Breno, que sorriu pra Nathália como se também a conhecesse. Eu quase o chamei discretamente para perguntar "pelo amor do bioconcreto quem é ela e por que ela me conhece?", mas fui distraído pela voz do próprio boss do Bar dos Ardos, que berrou de trás do balcão em direção à porta.
— Pelúcia! — ele disse, com um sorriso enorme aparecendo no rosto gradativamente.
E aí eu olhei para onde ele estava olhando, para a porta do bar, especificamente, e dei de cara com Marcela entrando ali, com Getúlio e Romeu em seu encalço.
Ela sorriu de volta para Gustavo.
E o motivo de eu estar sendo birrento com uma cerveja e uma pessoa 10/10, Mautava e Gustavo respectivamente, queimou no meu peito.
Eu estava morrendo de ciúmes dele com Marcela.
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Como promessa é dívida e ontem a gente recebeu amor de vocês e rasteira do Wattpad, a MARATONA CONTINUA!
Quem está ainda mais apaixonada pelo Sandro Ursão Ventura? Libriela vi começar o fã clube do nosso leitor de romances de época para enaltecer esse é personagem maravilhoso! Quem entra nesse clube?
E aí... Guscela Guscela, ainda vão deixar o Eduardo doidooo de ciúmes!
Mas aí... OPA OPA OPA NATHALIA, tire as mãos desse Cristal que ele tem dona! Seria hoje o dia que o Edu vai se declarar pra Marcela errada 2.0?
Eugência Mautava x Eugência Original, qual a preferida de vocês? Edu ta de greve, mas a gente sabe a preferência real hehehe
Esperamos que estejam curtindo!! O que acham que vai acontecer no próximo capítulo? Será que a Má vai ver Edutália? Olha...
Não esqueçam da estrelinha e do surto!!! Quem ta animado pra ver o cap de amanhã? A gente ta surtando querendo o desenrolar da noiteee!!
Beijinhos,
Libriela <3
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