Capítulo 67 - O pai tá on
O pai tá on
Eduardo
— Então basicamente foi isso, sabe? — eu disse para a ruiva que estava em pé ao meu lado no balcão. Ela levou uma long neck aos lábios e eu encarei seus olhos. Acho que eram verdes. Ou azuis. Bom, poderiam ser até cor-de-rosa, porque não era como se eu fosse registrar esse fato de qualquer maneira. — A gente era incrível juntos, tipo, incrível mesmo. Só que aí eu descobri que eu não valho a pena. Você acha que tem alguma coisa errada comigo, Júlia?
Eu tenho certeza que o nome dela não era Júlia.
E também tenho certeza que eu estava bêbado demais para ter uma conversa com outro ser humano, mas era exatamente esse fato que não me deixava perceber que eu não deveria estar tentando conversar com um ser humano.
Provavelmente eu nem deveria ter saído de casa, muito menos para ir ao Bar dos Ardos, mas Leandro queria vir e Chicão ia sair para jantar com Tiago e eu definitivamente não queria ficar sozinho e lidar com aquela sensação horrível que me ocorria cada vez que eu pensava que Marcela tinha me superado. Com Gustavo, que eu podia ver pela visão periférica, indo e voltando com cervejas e recebendo mais olhares derretidos da população do Bar dos Ardos do que eu podia contar.
Eu não podia ficar sozinho em casa porque eu não queria ser o protagonista na noite da Begônia 2.0, e foi por isso que eu vim com Leandro curtir o show ao vivo que sempre rolava no bar e também por isso que eu não tinha comentado nada sobre estar extremamente machucado com a ideia de que... Era isso.
Oficialmente, Marcela e Eduardo estavam no passado.
Não importava se eu conseguia esquecer ou deixar de amar, não importava que eu continuasse me preocupando, que meu coração batesse mais forte cada vez que eu a via ou o fato de que eu não conseguia apagar nossas fotos juntos do meu celular, porque era como arrancar um pedacinho do meu coração; como apagar algo que foi tão importante para mim.
Não importava, porque ela tinha me superado, mesmo que eu ainda estivesse tentando me apegar aos fragmentos do que tinha sobrado de nós dois. Só que era o mesmo que catar cacos de vidro e esperar que eu fosse conseguir colá-los juntos de volta sem nunca parecer que realmente quebrou e... Eu precisava parar.
Nós dois juntos... Não funcionava. Eu não ia me sujeitar a ser um segredo.
Tomei mais um gole de absinto, porque, novamente, eu não queria ficar lembrando daquilo. Eu ia colocar à prova aquela teoria de que não tem uma resposta no fundo da garrafa.
A talvez-Júlia deu um passo para o lado para desviar de um casal que não conseguia parar de se beijar. Por que eles não iam logo para um quarto? Aquela lambeção estava me dando gatilho porque eu não podia estar na lambeção com quem eu queria estar lambendo!
— Eu acho que não tem nada de errado com você — ela disse e ergueu as sobrancelhas. Por que as sobrancelhas dela eram pretas e o cabelo ruivo? — Mas eu também não te conheço muito bem, então eu não saberia dizer. — Acho que eu a olhei com tristeza, porque ela logo se corrigiu: — Mas eu juro que você parece ótimo!
Eu tomei mais um gole de absinto e vi que Júlia estava me olhando com confusão estampada no olhar.
— Só que eu não sou, porque se eu fosse, eu seria o namorado dela — expliquei e solucei. Eu tenho quase certeza que não tinha fumaça no ambiente, mas eu estava vendo tão embaçado que era como tentar ver o mundo atrás de uma névoa. — E ela estaria aqui. E nós seríamos o casal constrangendo os outros porque eu não ia parar de beijar os lábios dela nem um segundo.
— Ok...
— É sério, Júlia. — Ela disse "meu nome é...", mas meu cérebro automaticamente completou com Júlia de novo. — Você não troca alguém que você ama por outra pessoa, então, será que ela nunca me amou? Porque eu a amo, Júlia, pra caralho. Eu aposto que é assim o sentimento quando jogam um coração em um triturador de carne. Se bem que aí eu já estaria morto mesmo, então não perceberia e... — Neguei com a cabeça e tudo girou e girou e girou. — Você precisa ter foco, Júlia! Por que está falando de trituradores de carne quando eu estou abrindo meu coração para você?
— Eu não disse nada! — ela se defendeu, escondendo uma risada atrás do gargalo da cerveja.
Eu ri também, mas, sinceramente, não sei porque.
— O fato é, Júlia — Por que eu não parava de repetir esse nome, caralho? E, espera, as sobrancelhas dela eram ruivas também. Eu estava muito confuso. — Que eu sinto falta até do irmão dela e eu tenho certeza que ele planejou meu assassinato no cruzeiro. Será que eu morri e estou vivendo ciclos no inferno? — perguntei para o universo, quase esperando por uma voz aleatória que viria do teto junto com uma luz e uma música épica para sanar minhas dúvidas. — E sinto falta do cunhado dela, ninguém tem uma mão tão leve para espalhar protetor solar. E a irmã dela é quiroprata, sabia? Eu acho muito legal isso. Eles moram numa ilha e ela é quiroprata. E também tem a Marcela, nossa, ela é linda. E é engenheira, sabe? Cálculos e concreto e pranchetas. E pernas. Lindas. E eles todos são profissionais com cartas. Só que eu odeio cartas. Mas amo quando eles jogam e...
Senti um braço no meu ombro e então dei de cara com Leandro pendurado em mim.
Não.
Acho que eu estava pendurado nele e não fazia muito tempo. Onde é que ele esteve aquele tempo todo?
— Ele te assustou, Malu? — Leandro perguntou e a Julia riu. Quem caralhos era Malu? E aí um cara chegou e abraçou a Julia pela cintura e deu um beijo no rosto dela. Espera. Esse cara era Felipe Galhardo, o amigo do Leandro, o filósofo, sócio da VixSão, a revista onde ele trabalhava. — Espero que ele não tenha de te dado trabalho, eu realmente precisava fazer xixi.
Meu Deus ele estava traindo a Malu com a Júlia?
Não se faz isso!
A Malu! Eu não conheço a Malu, a namorada dele, mas Leandro jura que ela é incrível! E eu tenho certeza que ela não merece... Os óculos dele sempre foram redondos?
A banda estava tocando Meophobia? Inferno com certeza. Purgatório no mínimo. Tinha gente demais ali, dançando e com cheiro de bebida, então acho que não tinha sobrado muita gente boa no mundo, realmente. Tenho certeza que Felipe só estava ali porque estava traindo a Malu. E Leandro eu não sei.
O que será que a Júlia tinha feito?
O negócio do triturador!
— A gente só teve uma conversa muito esclarecedora sobre superação de alguém que te superou, aparentemente. E algo sobre uma ilha — Júlia disse e Felipe deu um beijo na testa depois de soltar uma gargalhada.
Com carinho, exatamente como eu fazia com a Marcela. Que tinha me superado. Com o Gustavo. Que era tão ridiculamente bonito que estava me deixando puto.
— É por isso, Júlia, que eu vim aqui. Porque o pai tá on — eu disse e Julia e Felipe riram. Eu não sei porque. Eu precisava superar, não era isso? — Nossa, se tem uma coisa que o pai tá hoje, essa coisa é on!
E aí Leandro começou a rir e pegou a minha garrafa de absinto para dar um gole.
— Ok, pai, vem dançar comigo e deixa a Malu e o Fê aproveitarem a noite deles. — A Malu estava ali? O Felipe fazia essas coisas na frente dela? — Você sabe que violou a regra número um do Chicão, né? E a dois também, então se ele te deixar morrer de ressaca, a culpa é sua. Mesmo que ele provavelmente vai achar um jeito de fazer ser minha também.
É claro que naquele momento, eu não realmente me lembrava de nenhuma regra de Chicão. Bom, talvez um leve vislumbre de ele falando alguma coisa. Contudo, fato é que ele só me deixou sair para farrear com o Leandro porque ele tinha um encontro com o Tiago (algo sério o suficiente para ele estar usando um terno) e porque eu prometi que seguiria algumas regras que ele tinha listado com um canetão no espelho:
1 - Não falar sobre a pessoa, porque só se supera uma pessoa não falando da pessoa;
2 - Não beber absinto;
3 - Nada de ilícitos (nessa hora ele olhou para Leandro, mas ele disse que tinha passado dessa fase).
Aí ele fez Leandro prometer que tomaria conta de mim e ele disse que não me deixaria fazer nada que ele não faria. Eu tenho a impressão que isso não foi um argumento que foi para a lista de prós de Henrique Francisco, mas mesmo assim, eu estava ali.
Deixei Leandro me arrastar para onde as pessoas estavam dançando e, quando eu me dei conta, eu estava dançando abraçado com ele e tenho certeza que os pingos na minha camisa não eram de suor, porque dançar com uma garrafa aberta não era assim uma ideia muito inteligente, mesmo que só eventualmente a garrafa ficasse comigo, já que eu estava dividindo com Leandro e outros completos desconhecidos que eram meus melhores amigos naquele momento.
Eu não sei quanto tempo fiquei ali, mas quando me dei conta, Leandro estava levemente afastado beijando uma loira que ele segurava pela cintura e parecia estar gostando disso. Isso me deu uma leve esperança, porque se ele tinha superado Cecília (que era linda e incrível), então eu superaria Marcela (que também era linda e incrível). Certo...?
Tinha que ser! Eu não podia ser a primeira pessoa da história a ter um caso fatal de amor!
E foi aí que eu esbarrei em alguém. Ou alguém esbarrou em mim, eu jamais saberia dizer, e eu notei que havia bebida na altura do meu cotovelo, indicando que eu tinha trombado com alguém com um copo nas mãos.
Aí eu me virei sob os calcanhares, dando de cara com uma mulher que estava rindo e lambendo os dedos molhados pela gin tônica que havia nas suas mãos. Foi difícil não reparar na habilidade de sua língua capturando cada gotinha antes que elas se perdessem ao caírem no chão.
— Desculpa — pedi, colocando gentilmente a mão no seu ombro esquerdo e a fazendo erguer os olhos para mim e parar o que estava fazendo, deixando sua mão cair ao lado do corpo. — Eu te pago outra bebida.
— Eu quem deveria pedir desculpas, fui eu que esbarrei em você, então desculpa — ela disse com um sorriso crescendo gradativamente nos lábios, enquanto tombava a cabeça de lado e deixava os olhos castanhos me olharem de cima a baixo, sem ser discreta sobre o assunto. Acho que ela gostou do que viu, porque logo deu um gole generoso na bebida enquanto seu olhar fazia o caminho inverso, parando no meu de novo. — Oi, olhos azuis.
— Olhos azuis? Nunca me chamaram assim antes — eu disse, dando um passinho para o lado para que duas moças passassem por mim. — Eu gosto, mas você pode me chamar de Eduardo, se quiser.
Ela sorriu.
— Eu sou a Maria Eduarda, mas todo mundo me chama de Duda — disse ela, dando um passo para frente, o que significava para mais perto, quando alguém esbarrou nas suas costas. — Reparou que nossos nomes combinam? Imagina o número dos nossos celulares, então.
Duda piscou um olho só para mim, dando um sorriso de canto que eu bem conhecia.
Ela estava... Dando em cima de mim?
Quero dizer, não é que isso nunca tivesse acontecido antes, mas desde o momento em que eu comecei a me envolver com Marcela eu meio que tinha... Parado de prestar atenção nisso? Porque parecia que não acontecia há um milhão de anos, como se eu estivesse com um carimbo na testa que dizia "apaixonado demais para dar certo, nem perca seu tempo", que só não era visível para...
Eu não queria pensar nela.
Eu precisava parar de pensar nela.
Mas a porra do meu coração não entendia que não havia ponto em continuar sendo um grandessissimo otário sobre o assunto.
Era passado.
Passado.
E eu tinha acabado de perceber que... Talvez Marcela não me quisesse, mas outras pessoas podiam, certo?
Eu ergui minhas sobrancelhas para ela, deixando o meu olhar passear pelo seu conjunto de saia e cropped rosa flamingo, que brilhava de acordo com seus movimentos sob a luz amarelada do bar e deixavam visíveis apenas uma pequena linha de sua pele negra entre o cós da saia e a barra da blusa; seu rosto era altivo com maçãs altas, os olhos escuros e os lábios grossos e pintados de vermelho que ela estava mordendo naquele exato segundo.
Do mesmo jeito que...
Porra, Eduardo. Para de pensar nela!
Até me questionei por um segundo se eu deveria retribuir e cheguei a conclusão que... Foda-se. Eu só queria esquecer!
— Eu aposto que até rimam — eu disse, oferecendo (ou tentando) a versão alcoolizada e na merda do meu sorriso não-tão-bom-moço-assim, mas eu tenho certeza que tudo o que eu consegui fazer foi uma versão ainda mais esquisita do sorriso cheio de gengiva do Leandro, porém bem menos bonito e eficaz.
Aparentemente, foi o suficiente, já que ela jogou o cabelo cacheado e comprido sobre os ombros, deixando visível a alça de sua blusa e a pele muito lisa de seu pescoço.
— Você vem sempre aqui? — perguntou, erguendo as sobrancelhas.
— Essa não é tipo a pior cantada que existe? — repliquei, me lembrando de uma conversa nos corredores da CPN onde... Eu disse que só era ruim se não funcionasse. Para Marcela.
— Provavelmente, mas eu estava perguntando de verdade. — Ela riu, mexendo nos cordões dourados com a mão livre. — Eu estou tentando um emprego aqui, tenho curso de bartender, sabe? Aqueles que jogam os coquetéis para cima enquanto preparam? — Fiz que sim com a cabeça, pensando no quanto eu não queria conversar com ela, mesmo que sua boca se movendo fosse bonito de ver. — Mas se funcionou como cantada, eu não estou aqui para reclamar.
Novamente, esbarraram nela e ela acabou andando para frente, mas se chocou comigo dessa vez — eu tenho certeza que ela tinha dado uma ajuda para que o "empurrão" fosse tão efetivo, mas realmente não me importei.
Eu não ia me lembrar dela no dia seguinte, nem sobre seu nome, nem sobre ela jogar coquetéis para cima em uma arte performática que merecia mais reconhecimento. Eu só queria parar de pensar, porque quanto mais eu pensava, mais eu me machucava, mais eu sentia que nunca ia conseguir me recuperar daquele machucado que amar Marcela tinha feito em mim, mais eu sentia que... Que nunca haveria outra pessoa para mim, porque eu estava fadado a amar alguém que não me amava de volta.
Acho que um bom começo para esquecer era...
— Funcionou — eu disse, após me inclinar para perto do ouvido de Maria Eduarda, afastando seu cabelo com uma das mãos e o colocando atrás da orelha, ciente de que minha respiração estava batendo no seu rosto pela proximidade.
Ela sorriu e jogou os braços ao redor do meu pescoço, de um modo que a base do seu copo estava tocando as minhas costas; eu segurei a cintura dela, sentindo o tecido macio e quente nos meus dedos — aliás, ela inteira emanava calor e eu senti a sensação quente vindo dela para mim quando seu tronco encostou no meu e nós começamos a nos mover juntos em um ritmo que eu tenho certeza que não era o da música que estava tocando no bar naquele minuto.
Se eu não estivesse bêbado demais para definir, eu diria que a banda estava fazendo um cover de With or Without You que quase machucava tanto quanto a versão do U2, mas não chegava nem perto do quanto machucava...
— Eu... — ela começou, com uma voz baixa e arrastada, mas se calou quando eu arrastei meu nariz pelo seu pescoço, de baixo para cima, e deixei meus lábios resvalarem bem de leve em alguns pontos da sua pele, que se arrepiaram com o toque.
— Você quer mesmo conversar? — perguntei baixinho, porque eu definitivamente não queria, dando um beijo no ponto abaixo do lóbulo da orelha dela, sentindo que ela tinha cheiro de álcool e... Good Girl. — Eu amo esse perfume.
Então ela enroscou o dedo nos cabelos da minha nuca, me fazendo tombar a cabeça quando replicou os movimentos no meu pescoço e eu fechei os olhos, deixando acontecer porque... Qualquer coisa que fizesse carinho nos cacos que eram meu coração estava valendo.
Eu só queria esquecer.
E se aqueles lábios não fizessem isso por mim...
— Você tem um cheiro muito bom, sabia?
Eu acho que eu sorri, porque Marcela adorava meu perfume...
Mas aquela não era Marcela. Era a Duda. Nossos nomes combinavam e nossos celulares rimavam.
Eu inverti nossa posição de novo, deixando meus lábios no seu pescoço e ouvindo sua risada satisfeita, totalmente em transe pelo cheiro de Marcela, que era tão gostoso e eu... Eu queria poder viver numa bolha com aquele cheiro.
Mas aí vinha Gustavo com uma agulha e estourava a bolha. O caralho da bolha inexistente, embora isso nem fizesse realmente sentido.
Beijei o ponto entre o maxilar e o pescoço dela e senti aquela mão no meu cabelo me guiando, fazendo com que eu tombasse minha cabeça em um ângulo que facilitou que ela colasse a boca na minha, e foi o que ela fez.
Primeiro, houve a pressão dos lábios contra os meus e, então, sua língua pediu espaço para adentrar minha boca e eu cedi, sentindo o gosto de Gin Tônica se misturar com o absinto que já estava no meu paladar ao mesmo tempo em que sua língua passeava pela minha, em um toque diferente, mas, mesmo assim, bom.
Inesperadamente bom.
Eu movi a minha cabeça para o lado e senti que ela se moveu também, encaixando nosso beijo com precisão naquele novo ângulo, como se soubesse o que eu estava fazendo e esperasse que eu fizesse, já preparada para reagir. Seus braços estreitaram ao redor do meu pescoço e eu apertei sua cintura, a puxando para mais perto e mais para cima, porque ela era mais baixa que eu.
Quando o fôlego acabou, nós afastamos as bocas levemente após eu morder seu lábio inferior com delicadeza, mantendo-o preso entre meus dentes por um segundo. E ela começou a distribuir beijos pelo meu pescoço, de baixo para cima, até a minha orelha, exatamente como Marcela fazia, porque ela adorava ter acesso irrestrito ao meu pescoço e eu nunca, jamais, reclamaria disso.
E aí tinha o cheiro de Good Girl.
Os lábios pressionando meu pescoço.
Eu amava o cheiro.
Eu amava os lábios de Marcela me beijando, onde ela quisesse beijar, mas naquele ponto em específico...
Eu fechei os olhos e deixei que acontecesse, porque, de alguma forma, Marcela e eu estávamos juntos. Não sei quando nossa briga acabou, não sei quando a gente pediu desculpas, não sei quando foi que a gente começou a se pegar no bar, não sei.
Mas não importava. Para o caralho qualquer explicação.
Porque Marcela estava ali.
Eu achei que nós dois nunca mais...
Eu amava Marcela.
Aí a boca dela colou na minha de novo e eu deixei minhas mãos descerem pelas suas costas, passando pela cintura, pelo seu bumbum redondo e firme, até parar na sua coxa, que eu apertei porque estava desesperado por qualquer pedaço de pele que eu pudesse tocar, porque eu queria Marcela tão intensamente... Tão desesperadamente... E eu enrolei minha língua na dela, a inclinando levemente para trás e segurando sua nuca com a mão livre.
Eu estava completamente ciente dos seios tocando o meu tronco. Do calor que a gente trocava, porque eu a puxava para mim do mesmo jeito que ela me puxava na direção dela, colidindo cada centímetro nosso que pudesse se encostar na posição em que estávamos.
Soube que estava perdido quando ela grunhiu contra os meus lábios, sentindo meu corpo queimar e queimar e queimar como se eu fosse a porra de um incêndio. Eu queria tanto Marcela, tanto, que todo o meu corpo estava entendendo e reagindo e tudo o que eu podia pensar era em colocá-la em cima daquele balcão e arrancar suas roupas com os dentes, no sexo mais cheio de saudade que eu faria na vida, porque eu sentia falta dela. Da voz. Do sorriso. Do jeito que ela me olhava. Do jeito que ela falava. Das suas manias estranhas. Das to do lists que ela fazia. Do seu corpo sobre o meu. Do jeito que nós dois nos entendíamos em tudo — nos projetos, nas conversas, nos olhares e até na cama, naquela sinergia bizarra que eu tenho certeza que era só nossa.
Ah, se aquele bar estivesse vazio...
Então eu pressionei mais nossos corpos e apertei com menos gentileza aquela perna belíssima. A oitava ou a nona maravilha do mundo moderno? Não sei. E não importava.
Então eu me afastei de leve, parando para buscar ar de novo, mas nossas bocas continuavam encostadas e havia um sorriso ali, que eu não conseguia determinar se era meu ou dela, porque a gente parecia fazer parte de uma coisa só; eu não sabia mais onde eu terminava e onde ela começava e eu simplesmente não me importava em saber.
Porque Marcela era... Marcela.
Então eu beijei sua boca. E o cantinho. E a bochecha. E fui indo e indo e indo... Até chegar no ouvido.
E aí eu decidi que Marcela precisava saber. Tudo.
— Eu amo você, Marcela — eu sussurrei, pertinho do seu ouvido.
Só que ao invés de me dar outro beijo apaixonado que roubaria meu fôlego, eu senti seu corpo ficando tenso no meu abraço e ela só não se afastou completamente porque o jeito como eu a estava abraçando não permitiu — pelo menos não a princípio, mas quando eu percebi que ela estava toda quadrada entre os meus braços, eu os abri.
E aí eu abri os olhos também, tentando entender o que eu tinha dito de errado e...
Puta. Que. Pariu.
Aquela definitivamente não era Marcela Noronha e eu... Por que eu tinha certeza que era? Como meu cérebro me traiu dessa forma e me fez acreditar que estava tudo certo e que não havia mais briga e que nós dois estávamos juntos de novo?
E por que estava doendo tanto descobrir que tinha sido só uma peça pregada pelo absinto? Por que doeu como se eu a tivesse perdido de novo mesmo que eu não a tivesse tido nem da primeira vez?
Caralho, Eduardo Senna. Às vezes não tem como te defender.
— Quem é Marcela? — ela perguntou, me olhando com cara de poucos amigos ao dar um passo para trás. Suas sobrancelhas estavam arqueadas e seus lábios eram uma linha fina, pressionados com força um contra o outro. Tenho a sensação de que abri a boca para responder, mas antes que eu pudesse fazer isso, senti a bebida do copo dela parando no meu peito; se tinha um lado bom, era que estava bem perto do fim e o estrago não foi tão grande. — Você tem namorada? Eu não acredito!
— Não...! — eu tentei completar aquela frase com o nome dela, mas eu provavelmente falaria algum outro nome e ela acharia que eu era o pior espécime de humano que já passou pela Terra. E acho que ela estaria certa, porque não consegui pensar em nenhum argumento para me defender. — Ela não é minha namorada, eu só... — a amo e estou desesperadamente procurando um escape para isso porque acho que nós dois nunca mais vamos ficar juntos de novo e isso está me matando? Com certeza era uma péssima resposta. — Isso foi um erro, eu sinto muito mesmo.
— Pelo menos nisso você está certo, Eduardo — ela disse.
A mulher apenas girou sob os calcanhares e saiu de perto, fazendo com que as pessoas que estavam olhando o pequeno atrito entre nós dois voltassem a dançar e beber e jogar sinuca, ignorando completamente o cara bêbado e molhado de gin que provavelmente tinha feito alguma filha-da-putagem com a moça.
Então era isso? Eu nunca mais ia conseguir beijar outra boca, ou tocar outro corpo, ou sentir a droga de um perfume sem que isso me remetesse a Marcela Noronha? Quando nós estávamos juntos isso não pareceu um problema, mas agora... Agora eu queria parar.
De sentir. De amar. Eu queria só ser a porra de um bêbado inconsequente e beijar várias bocas e fazer sexo casual até que Marcela fosse gradativamente sumindo dos meus pensamentos, exatamente como eu tinha feito com Ágata, a esquecendo mais um pouquinho cada vez que eu beijava outra pessoa, cada vez que eu transava com alguém cujo nome desaparecia na minha cabeça na manhã seguinte e...
Só que naquele breve segundo, eu percebi que não dava.
Eu simplesmente não conseguia.
Eu não queria beijar outra pessoa.
Tocar outra pessoa.
Eu não queria mascarar a memória dos lábios de Marcela nos meus com outros lábios.
Nem nada dela. Eu não queria... Substituir.
Porque ficar com outra pessoa... Não fazia sentido. Podia rolar tesão, qualquer coisa, mas nada era...
Só fez sentido quando, na minha cabeça, eu achei que era Marcela. Foi quando tudo ebuliu e eu me senti... Porra, eu me senti nas nuvens.
Não importava se Marcela tinha me superado, ou se ela tinha acabado de cravar a adaga no meu coração quando se envolveu com Gustavo.
Só não fazia sentido se não fosse ela.
O pai estava ridiculamente off.
Eu procurei novamente Leandro com o olhar e, ao notar que ele não estava em nenhum lugar que eu pudesse ver, comecei a passar por entre as pessoas tentando achá-lo. Era um bar, não podia ser tão difícil assim!
Só que eu não o encontrei. O que eu vi, na verdade, foi o Golden dando uns amassos muito fortes em uma garota que ele imprensou contra uma parede. Eu até estreitei os olhos para ver se era ele mesmo, mas, aparentemente, era sim. Eu não sei que merda ele estava fazendo com a língua no pescoço dela, mas o sorriso da garota entregou que ela estava gostando.
Foi quando eu comecei a pensar que o Golden tinha um quê de cachorrão que eu percebi que precisava calar meu cérebro e fui até o balcão buscar outra garrafa de absinto. Breno me olhou desconfiado, como se estivesse pensando se ele seria o responsável pelo meu possível coma alcoólico se me vendesse aquilo, mas eu prometi para ele que não tinha bebido a garrafa anterior sozinho — o que era verdade, já que eu tinha dividido com Leandro e os meus cinco novos melhores amigos que eu tinha conhecido há, sei lá, uma hora — então ele me entregou.
Desrosqueei a tampa e coloquei a boca no bico da garrafa, sentindo o líquido escorrendo pelo meu queixo enquanto queimava minha garganta e meu esôfago como se eu estivesse engolindo uma chama. Quando eu abri os olhos, a névoa que deixava minha visão turva parecia ainda mais espessa e o que tinha acabado de acontecer era só uma coisa distante no torpor da minha mente, que estava mais focada em... Do I Wanna Know?, do Arctic Monkeys.
Purgatório, eu tenho certeza.
E aí eu senti uma mão no meu braço, que automaticamente associei a Leandro. Só que quando eu olhei, não era Leandro.
Era o próprio Satanás de saia, o que só comprovava minha tese de que... Eu estava no inferno, não estava? Isso é tudo parte de uma tortura porque aparentemente eu fiz algo muito ruim em vida.
Eu só percebi que tinha falado isso quando Ágata ergueu as sobrancelhas para mim e me olhou de um jeito que dizia que eu tinha feito algo ruim. Não que eu exatamente me importasse. Eu já estava no inferno mesmo...
— É tão ruim assim me ver? — ela perguntou e jogou os cabelos loiros por cima dos ombros e sorriu mesmo assim, enquanto eu tomava outro gole generoso de bebida. — Ok, você só bebe absinto quando está muito mal. — Eu ergui as sobrancelhas, me perguntando como é que ela sabia daquilo, porque quando nós namoramos eu ainda não tinha descoberto o poder da fada verde. — Você me encontrou um dia com o Aristeu depois que a gente terminou com uma garrafa de absinto embaixo do braço e lágrimas. Claro que você não se lembra, porque você estava tão bêbado que vomitou em mim.
Ela franziu a testa e cruzou os braços.
O quê...?
— Você está esperando um pedido de desculpas? — perguntei, meio rindo, me arrependendo de negar com a cabeça quando tudo girou como se eu estivesse na centrífuga. Só que eu estava bêbado e queria lavar a alma do jeito que eu deveria ter feito desde o começo, porque eu não tinha nada a perder, então eu apenas prossegui: — Você me traiu, caralho. E quando me pediu desculpas tentou transar comigo, mesmo que eu estivesse namorando! Puta que pariu, Ágata. Eu não sou só um pênis que por acaso vem com um ser humano acoplado, eu tenho sentimentos! Você me machucou pra caralho duas vezes. Se eu vomitei em você eu literalmente não sinto muito.
— Ok, você está muito bêbado — ela disse e tentou tirar minha garrafa de mim, mas eu apenas bebi mais antes de tirá-la do alcance de suas mãos por um triz quando notei suas intenções. Ela suspirou, levemente irritada. — Eu só vim dizer oi e desculpa. De uma forma civilizada porque eu aprendi a minha lição, ok?
— Eu não acredito em você — eu disse, sendo muito mais honesto do que teria sido se não estivesse bêbado, porque com certeza minha cabeça sóbria tentaria ponderar e achar uma razão para acreditar naquilo.
— Bom, é verdade, mas eu nem vou tentar ter essa conversa com você agora — ela disse, desistindo de pegar a minha garrafa. E talvez de argumentar também. — Você entregaria isso para a sua namorada? Você precisa parar de beber. Onde está a Marcela?
Ágata começou a olhar em volta, como se esperasse encontrar a engenheira em busca de um Eduardo bêbado e perdido. Bom, éramos dois que gostaríamos disso e dois que seríamos fatalmente frustrados.
— Marcela não é minha namorada — eu disse para Ágata e aproveitei para me lembrar desse fato também.
Ágata subiu as sobrancelhas de novo e cruzou os braços, me olhando com curiosidade estampada nos olhos azuis, que me analisaram como se estivessem finalmente entendido alguma coisa que não estava tão clara assim antes. Ela mordeu os lábios e tombou a cabeça.
— Então é por isso que você está assim? Por causa da Marcela? — quis saber, com aquela coisinha autoritária que ela tinha na voz e que era absolutamente irritante, agora que eu não estava apaixonado por ela. Eu não quis falar para Ágata Moura sobre Marcela, só que eu acho que ficar em silêncio também foi um jeito de responder sim à sua pergunta — E pensar que ela me disse para te deixar ser feliz, como se ela estivesse fazendo um trabalho melhor do que o meu. Olha para você...
Ágata continuou falando, mas meu cérebro parou de ouvi-la. Marcela o quê?
— O que você disse? — perguntei, de supetão. Ela começou a falar sobre alguma coisa e eu apenas a cortei, novamente: — Não. Sobre Marcela. O que ela disse? Quando?
A loira cruzou os braços e só então eu notei que ela estava de branco. Sempre pronta para o ano novo.
— No cruzeiro. Aparentemente você estava triste depois do nosso drink e ela me disse algo sobre você ser uma pessoa maravilhosa que merece ser feliz e eu não estar deixando — ela explicou, após alguns segundos buscando a informação na memória.
Eu meio que apaguei Ágata da minha cabeça naquele minuto e tenho certeza que a deixei falando sozinha quando comecei a andar, porque eu comecei a me sentir estranhamente claustrofóbico naquele ambiente apinhado de gente feliz e com música alta, e só fui andando rumo à saída, bebendo quantidades absurdas de álcool sem parar para respirar, mesmo que sentisse o líquido escorrendo pelo meu queixo e pescoço e molhando a minha camisa.
Tudo o que eu queria era não pensar.
Por que... Por que Marcela faria aquilo para depois me manter como um segredo? Por que ela se importaria se eu estava feliz se eu não significava mais do que aqueles encontros bizarros que ela tinha arranjado no Tinder? Por que ela se importava comigo a ponto de... Interferir quando algo ou alguém estava me machucando?
Ela faria isso se não... Se não gostasse de mim de volta.
E por que ela se envolveria com o Gustavo se gostava de mim?
Eu senti meus olhos marejando, porque eu quis tanto acreditar que... Que tinha jeito. Que tinha alguma forma de recuperar o que a gente tinha. De não sentir dor ao pensar nela e sim aquela coisa boa, cálida, quente...
Então eu saí do bar e o ar de São Paulo me atingiu; eu senti minha cabeça girando naquele torpor bêbado e confuso que me fez ficar meio desnorteado sobre em que eu estava pensando. Só que aí eu esbarrei com Gustavo, que estava com o celular na mão como se tivesse saído para atender uma ligação.
Ele me olhou com curiosidade, registrando o meu rosto e a garrafa e que eu estava molhado de absinto e gin.
— Edu... Não é melhor ir com calma?
Eu só notei que ele estava me segurando um minuto depois, provavelmente achando que eu iria cair sem ajuda. E eu meio que ri para ele.
— Você é sempre tão bonito assim, cara?
Gustavo riu enquanto eu me equilibrava nas minhas próprias pernas. E aí ele soltou o meu braço, já que supostamente eu não ia mais cair de cara no chão.
— Sim, mas você está bem bêbado, então não sei se está vendo a versão certa — ele sorriu aquele sorriso galanteador e eu... Será que foi assim que ele conquistou Marcela?
Eu considerei que deveria estar bravo com ele, mas mesmo naquele torpor ébrio, eu soube que não podia culpá-lo por querer Marcela. Porque... Bom, eu também queria, só que só um de nós dois ainda tinha essa chance.
— Cuida bem dela, Gustavo. Cuida bem pra caralho dela, porque ela é a melhor coisa que vai acontecer na sua vida — foi o que eu disse antes de me afastar dele.
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A VOZ DO POVO É A VOZ DE DEUS!
VOCÊS PEDIRAM POST DOBRADO E A GENTE ENTREGOU!
Agora sente essa fossa que o Eduardo se enfiou que consiste em:
1) Uma conversa sobre triturador de carne com a maravilhosa da Malu (saudades aeeeeeer);
2) Pra quem acreditou que o Cristal não conseguiria beijar outra boca...
3) Não só beijou como soltou um grande EU TE AMOOOOOOO (pra pessoa errada, Eduardo Senna!!!!!!!!!!!!)
4) Jogar umas verdades na cara da Ágata;
5) Descobrir que a Má estava cuidando dele no cruzeiro... mas oé, ele não era só um segredo sujo dela?
O SURTO É REAL E ELE TA ENTRE NÓS!
A noite do Cristal ainda não acabou... seria isso um spoiler?
O que vocês acham que vai acontecer daqui pra frente? Não esqueçam da estrelinha e do amor e da bauduco <3 Vocês são maravilhosas e escrever CEM não seria tão incrível se a gente não tivesse vocês conosco <3
Beijinhos,
Libriela <3
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