Capítulo 62 - Você me beijou ontem?
Você me beijou ontem?
Eduardo
— Qual a sua Winx preferida? — Leandro perguntou, enquanto rolava os dados em cima de um jogo de tabuleiro que a gente estava jogando há pelo menos vinte minutos e eu ainda não tinha entendido.
Em minha defesa, era sobre um grupo de bruxinhas, mas não as Winx, e era muito complexo. Ele tinha feito toda uma matemática com a quantidade de letras do meu nome completo para chegar no meu número da sorte — oito — e, diferente dos jogos de tabuleiro comuns, não acabava quando você dava a volta completa. Ah, não acabava mesmo, porque eu tentei!
As cartas continham coisas como "conte-nos um segredinho", o que não fazia mesmo o menor sentido, mas foi assim que fiquei sabendo que Leandro separava as meias em três categorias: meias sociais de trabalho, meias de esporte e quentinhas para dormir.
Em certo ponto, eu tive que escolher uma pedra. Uma pedra, dentro das opções que eram quartzo rosa, ametista, topázio, turmalina e ágata. Bom, a ágata (ou a pedra colorida que a representava) Leandro jogou na rua pela sacada que, felizmente, estava aberta ou nós passaríamos aquela noite ouvindo um sermão de Seu Vanderlei por termos quebrado a porta de vidro — nosso síndico com certeza não nos tinha mais no mais alto patamar dos moradores preferidos e nem tentou disfarçar que tinha marcado uma reunião de condomínio para implementar regras mais rígidas na lei do silêncio que a gente tinha desrespeitado. E daquela vez a culpa nem era do secador de Leandro. Era do absinto. E de todas as outras bebidas alcóolicas que a gente tinha em casa.
Acabei ficando com a turmalina depois que Leandro leu o manual do jogo e eu não faço a menor ideia do porquê.
Eu só deixei rolar porque eu sabia que ele estava fazendo aquilo para me distrair, pois eu até podia ter sobrevivido ao primeiro dia depois de tudo o que tinha rolado com Marcela, mas não significa que tenha sido fácil, muitíssimo pelo contrário. Era exatamente como eu tinha dito para Henrique: olhar para ela doía demais, como se alguém estivesse enfiando o dedo dentro de uma ferida aberta sem dar a menor chance para que começasse a se recuperar.
Não olhar para Marcela, por si só, era bem complexo, eis que olhar para ela era meu automático. Quando algo engraçado acontecia, eu olhava em direção à sua mesa esperando pela sua risada; quando alguma coisa caía no chão, eu olhava para lá apenas para ver se estava tudo ok; quando ficava esperando algum arquivo carregar, ao invés de ficar encarando o monitor, eu apenas olhava por cima dele, para vê-la concentrada naquele mundo de engenharia onde ela era a maestrina e ninguém podia questionar sua autoridade.
E, nas raras ocasiões em que eu conseguia não olhar, parecia que a fragrância oficial de todos os lugares da CPN era Good Girl, como se simplesmente não tivesse um jeito de esquecer Marcela Noronha nem por cinco minutos.
Então, sim, eu sobrevivi.
Mas o custo foi alto.
Eu não tinha deixado de amar Marcela, a presença dela ainda fazia meu coração palpitar, meus olhos ainda procuravam por ela em cada canto e, cada vez que a achavam, aquele sentimento no meu peito parecia se expandir, quase como se quisesse ser grande e tátil o suficiente para tocar nela e fazê-la olhar para mim e enxergar que eu... Que eu estava sofrendo pra caralho pela falta dela e não faziam nem 24h.
Só que era hipocrisia, por que fui eu quem coloquei o ponto final, não é?
Na verdade eu nem tinha certeza de quem tinha dito o que.
Aquela briga se passava em flashes estranhos na minha cabeça, quase como a bebedeira da noite anterior. Eu lembrava em partes e não tinha assim tanta certeza que lembrar em detalhes era melhor do que aquela versão distorcida, porque eu não sei se queria realmente lembrar todos os artifícios que eu usei para atacar Marcela ou os que ela tinha usado para me atacar — eu tenho certeza que eu comecei, mas ela não deixou por menos, então eu só fui ficando mais e mais cego de raiva a cada palavra e...
Porém, meu coração não entendia que não dava para amar alguém que só me queria em sigilo, então, continuava amando e eu precisava me lembrar constantemente que não era justo comigo, nem com o que eu sentia, ser o segredo sujo de alguém.
Portanto, não tinha opção senão tentar entender aquele jogo bizarro que Leandro jurava que era de um desenho que passava na TV Globinho, mas eu realmente não fazia ideia de que diabos era W.I.T.C.H. ou sobre porque Leandro tinha aquilo.
— Eu, sinceramente, não faço a menor ideia — eu respondi, observando Leandro mover a sua pedra pelo tabuleiro.
— Vou adiantar para você, é a Flora — ele disse, da forma mais casual possível, enquanto pegava uma das cartas da pilha que... Sendo honesto, eu não sabia ainda quando a gente deveria usar aquela pilha de cartas. A gente não podia jogar Banco Imobiliário? Ou Detetive? Alguma coisa que fizesse pelo menos um pouco de sentido? — Conte-nos um segredinho, Eduardo.
— Eu não faço ideia de porque nós ainda estamos jogando esse jogo.
— Você chegou do trabalho e se jogou dramaticamente no sofá como se tivesse vivido um dos piores dias da sua vida, então eu tive que usar artilharia pesada. Se eu colocasse um filme da Disney, que normalmente é algo que funciona muito bem, você ficaria olhando para uma parede.
Eu até abri a boca para retrucar, mas ele estava certo. Provavelmente eu ficaria olhando uma parede sem realmente olhá-la, deixando apenas as coisas vagarem pela minha mente e, nas atuais circunstâncias, isso era uma péssima ideia.
Meu estômago se revirava só de pensar em álcool e, se eu ficasse pensando na merda que era ser insuficiente para a pessoa que eu amava, eu ia acabar abraçado com uma garrafa de absinto e depois a privada e depois aquele livro na minha mesa de cabeceira.
Então, ok, jogo esquisito de um desenho que eu não lembrava que existia era a melhor opção naquele momento.
— E por que as máscaras? — apontei para o meu próprio rosto, onde uma máscara de uma espécie de tecido fininho estava presa, desafiando a gravidade por causa do hidratante de pepino que, supostamente, era ótimo para uma noite mal dormida, porque ajudava a desinchar o rosto e deixava a pele viçosa de novo.
Leandro estava usando uma de blueberry e banana, que deixava a pele iluminada.
E aparentemente a gente ia passar ácido mandélico e vitamina C na sequência.
E eu achando que uma pele bonita era só questão de um bom sabonete para o rosto e protetor solar.
— Porque skincare é ótimo para coração partido e não tem nada de errado em ter uma pele fantástica e hidratada com algo além de lágrimas, Edu — ele disse e deu de ombros. — Vai, é sua vez.
Olhei para o tabuleiro. Ok, então eu tinha que...
— Eu ainda não entendi o que eu deveria fazer nesse jogo — confessei, olhando para aquele tabuleiro como se fosse uma integral, até porque eu entendia os dois na mesma proporção: eu não entendia. — Socorro?
Leandro colocou um par de dados na minha mão após ajeitar a máscara facial, que estava descolando bem no nariz. Ele estava parecendo uma versão mais bonita do Jason Voorhees, de Sexta-feira 13, só que eu nem queria rir desse fato porque claramente eu também estava a cara do Jason. E provavelmente ia acabar admitindo que o hidratante de pepino tinha um cheiro ótimo e que eu estava considerando seguir a rotina de skincare do galã.
— Você... Hm... Joga os dados, anda com a turmalina e depois tira uma carta da pilha — disse ele, olhando para o tabuleiro com uma feição... Eu não podia ver, mas tenho certeza que as suas sobrancelhas estavam apertadas por trás da máscara.
Então eu percebi que...
— Você está inventando isso — eu disse, estreitando os olhos na direção dele.
— Até parece que eu faria isso, Eduardo, me respeita — ele disse e incentivou que eu rolasse os dados, mas eu apenas continuei olhando para ele sem acreditar na cara de pau que ele estava escondendo atrás daquela máscara super cheirosa e que provavelmente era ótima, porque ele tinha mesmo uma pele linda. — Ok, mas em minha defesa eu só estou inventando há quatro rodadas!
— De cinco! Eu deveria ter notado que ficou esquisito demais quando você ganhou pontos simplesmente por ser virginiano. Com certeza peixes teria ganhado se você não estivesse criando as regras — eu expliquei e ele apenas deu de ombros, mordendo o lábio inferior como se estivesse tentando esconder uma risada e falhando miseravelmente. — Onde você conseguiu esse jogo?
— Com a Beatriz — ele disse simplesmente, como se não tivesse acabado de falar que estava me enrolando com um jogo confuso sobre bruxas de desenho animado que ele tinha conseguido com a nossa vizinha de baixo, que tinha... Sei lá, uns dezessete anos? — Ela disse que era a sua cara e eu fui obrigado a concordar. — Rolei os olhos, mas nem isso parou Leandro Lamas. — Sabia que ela tem uma queda por você?
Leandro abriu um sorrisinho maroto demais para o meu gosto.
— Ela tem tipo metade da minha idade — eu expliquei e Leandro negou.
— Ela tem vinte anos e estava super preocupada porque você parecia triste hoje de manhã. — Leandro cruzou os braços sobre o peito, porque mesmo assim ela era muito nova. Eu acho até que ela estava no ensino médio ainda. Ou talvez começando a faculdade. Sei lá. Na minha cabeça ela sempre teria a idade que ela tinha quando Chicão e eu nos mudamos para o prédio e ela ainda andava de all star, uniforme escolar e aquela mochila de couro falso da Company. — Qual é, Edu, ela é uma fofa. E tem uma paixonite platônica por você.
A música que a gente estava ouvindo mudou para Start Me Up, The Rolling Stones.
Leandro não precisava ter me contado que a Bia gostava de mim, agora eu ia ficar todo quadrado perto dela no elevador porque esse é o tipo de otário que eu sou e... Suspirei.
— Pelo menos alguém gosta de... — mim, eu ia completar, mas Leandro foi mais rápido e me interrompeu.
— Era exatamente por isso que eu estava te obrigando a jogar comigo — Lê disse, após um suspiro resignado, enquanto juntava as cartas do jogo e as organizava em uma pilha perfeita e a prendia com um elástico amarelo daqueles de juntar dinheiro. — Você não deveria ficar pensando nisso.
— Não? — Ele negou veementemente com a cabeça e eu ergui as sobrancelhas, observando suas mãos catando as pedras do jogo de Bia e as colocando dentro das partes certas da divisória de plástico que ficava dentro da caixa.
Ele ergueu os olhos do que estava fazendo para mim. Porcaria de olhos castanhos, Leandro. Por que ele me olhava exatamente daquele jeito que me lembrava tanto...
— Se for para pensar da forma como você está pensando na situação atualmente, é melhor não pensar em nada e jogar um jogo completamente sem sentido comigo — foi o que ele disse, por fim.
Eu apenas franzi os lábios, sem entender muito bem do que ele estava falando. Eu estava... pensando errado? Como diabos isso era possível?
Novamente, fiquei observando enquanto Leandro dobrava o tabuleiro e colocava por cima de todas as peças guardadas.
Ele fechou a tampa e colocou a caixa do jogo na mesinha de centro enquanto eu esticava as pernas, claramente formigando pela falta de circulação depois de passar tanto tempo em posição de índio no tapete da sala.
Leandro continuava mexendo em coisas aleatórias, como o controle da TV e o relógio no pulso, mas eu podia ver que, eventualmente, ele erguia os olhos para mim, como se estivesse fazendo uma análise ou medindo as palavras que podia usar para me dizer alguma coisa. Então eu esperei até ele esticar as pernas, apoiar as costas no sofá que estava atrás dele e tombar o rosto da minha direção.
You Give Love A Bad Name, do Bon Jovi, começou a tocar.
— Eu acho que você precisa pensar nisso de forma mais objetiva, Edu, é só isso. Acho que, desde o começo, você acabou enxergando a coisa toda com muito subjetivismo e, tudo bem, é fácil falar quando eu estou de fora, mas... — Eu juro que Leandro, o Leandro Lamas, mesma pessoa que me perguntou se podia me beijar enquanto eu estava abraçado com um vaso de begônias (que coincidentemente estava esparramado na calçada em frente ao prédio e Henrique Francisco jura que não teve nada a ver com isso), hesitou. Eu literalmente tive que fazer um gesto com a cabeça para ele continuar, como se estivesse dando permissão para ele me dar um soco ou algo assim. — É só que... Você percebe que tem algo errado nessa história? Pode ser impressão minha, mas eu vi você e Marcela juntos, Eduardo, e por mais que seja difícil para você acreditar nisso agora, vocês estavam apaixonados. Os dois. Pra caralho mesmo. Então... Se existe alguma chance de você ter entendido errado, ou de ter simplesmente rolado um mal entendido, você só vai perceber isso se olhar sem se deixar envolver por esses sentimentos que surgem quando você acha que já entendeu tudo, sabe? Faz uma análise objetiva. Você ama a Marcela, Edu, e eu tenho quase certeza que ela também...
Dessa vez, fui eu quem interrompi Leandro. Porque eu simplesmente não ia... Não ia conseguir ouvir que ele achava que Marcela também me amava, porque eu ia me apegar aquilo como verdade porque eu queria que fosse verdade. Só que... Colocar essa esperança no meu coração era como eu mesmo enfiar o dedo na minha ferida aberta — e masoquismo não era exatamente a minha praia.
Eu acho que eu não deveria ter dito para Leandro e Chicão o que de verdade eu sentia por ela, porque tinha tomado outra dimensão depois que eu tirei as palavras do meu coração — tanto que Leandro estava tentando ser totalmente racional e eu tinha que torcer para Henrique Francisco não encontrar com ela na rua, porque eu tenho certeza que ele ia parar para tirar satisfações pelo meu coração partido.
— Eu só sei o meu lado da história, Lê. Só sei o que eu sinto. Porque se ela... — hesitei, procurando palavras cheias de eufemismo para não realmente dizer o que eu queria dizer. — Se ela realmente se sente assim também, então ela não me afastaria. E não estaria com ele naquela noite.
Leandro mordeu a unha do polegar e subiu as sobrancelhas enquanto me encarava e eu, de repente, fiquei muito interessado em encarar as fibras do tapete como se elas fossem a coisa mais incrivelmente intrigante que eu tinha visto em muito tempo.
— O que você realmente viu? — À míngua da minha resposta, ele continuou explicando: — No dia que você viu a Má com o... Alecrim dourado?
Alecrim dourado era uma definição bem precisa para o Pirulito Louro enquanto ele enfiava peixe cru na boca, dando risada junto com Marcela, olhando com carinho para o rosto lindo que ela tinha e passando os dedos pelo cabelo loiro e...
O próprio alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado.
Ao passo que eu era apenas uma rosa, murcha e triste, quase morrendo.
Então eu expliquei para Leandro exatamente o que eu tinha visto. Um jantar. Risadas. Carinho. No meio da CPN.
Ele apenas ouviu, pacientemente, esperando pelo momento do plot twist que nunca veio. Era uma história bem linear se eu contasse apenas até eu sair da CPN — porque o que veio depois no portão dela é que era o ponto alto da narrativa, não é? Pelo menos para quem não tinha estado envolvido na cena.
Pra mim era só... O pior momento. E eu não queria pensar no olhar desapontado de Marcela Noronha nem mais um minuto. Como um aviso, meu estômago se revolveu em algo que significava "nem pensa em absinto, parceiro" e, surpreendentemente, eu entendi.
— Eu preciso perguntar: você realmente acha que ela estava com o Alecrim? — Lê perguntou. — Romanticamente, quero dizer.
Senti meu pescoço estalar e desviei o olhar do de Leandro, mesmo que ainda pudesse sentir aqueles olhos castanhos queimando meu perfil.
Era uma pergunta... Complexa?
Acho que, a princípio, quando eu entrei na CPN pronto para entregar meu coração de bandeja para Marcela e bati os olhos no Pirulito Louro e aquela confusão de sentimentos começou — a raiva, a decepção, a sensação de insuficiência, o ciúme, tudo de uma vez e de forma devastadora — eu considerei que sim, havia a possibilidade de Marcela estar com ele.
Só que quando a poeira baixou e eu fui ficando mais apático com relação àqueles sentimentos em ebulição, colocando cada coisa no seu lugar e compartimentalizando aquilo tudo (bom, na medida do possível), eu percebi que... Não.
Marcela não estava tendo um sórdido caso de amor com o Pirulito Louro. E eu acreditava nisso porque eu a conhecia o suficiente para saber que ela não faria algo tão pífio e que ela não me deixaria achar que eu era o único se eu, de fato, não fosse.
Então, a esse ponto, eu sabia a verdade sobre isso.
Só que havia o outro lado da moeda. Aquele lado feio onde nosso relacionamento ficava escondido. Onde eu ficava escondido e onde eu não queria ficar, não quando aquilo significava ter que encolher e apertar e dobrar e tentar diminuir meu sentimento por ela até que ele coubesse no micro-espaço que Marcela tinha para ele em sua vida.
Porque não cabia. Simplesmente o que eu sentia por ela era grande demais.
Suspirei de novo, olhando para as minhas mãos, depois para os meus pés e só então para meu amigo.
— Não, eu não acho — respondi ao mesmo tempo que movi a cabeça para reforçar a negativa.
— Então o que está impedindo vocês dois de estarem juntos nesse momento, Edu? — quis saber.
Eu não queria falar de novo.
Eu estava de saco cheio de ter que lembrar pra mim mesmo e para os outros que Marcela me achava um merda. Mas talvez... Talvez Leandro pudesse ajudar a tirar esse peso dos meus ombros e a dor do meu peito, então eu inspirei uma lufada de ar e deixei aquilo sair da minha boca mais uma vez:
— O problema não é esse, Leandro. O problema é... — Estalei todos os dedos da mão esquerda pressionando-os com a palma da direita. Chicão provavelmente teria feito um sermão de dez minutos sobre porque eu não deveria fazer isso, mas ele não tinha chegado em casa ainda. — É que tudo bem ser ele, mas tudo errado se for eu perto demais. É sobre... Quando ela foge do meu carro para que ninguém a veja ali. É como eu não posso chamá-la de amor ou como não posso comentar que ela é a engenheira no restaurante da Ceci... Ou era, pelo menos. É quando tudo bem a gente pedir delivery e rolar na cama juntos, mas, quando a gente saiu para jantar juntos, ter que conseguir uma reserva em um restaurante longe para garantir que a gente vai poder comemorar sem fingir que somos... éramos apenas amigos. — Eu neguei com a cabeça, porque não queria continuar e porque acho que ele tinha entendido o meu ponto. Era a vergonha de mim. Era isso o que acabava comigo. — Eu não espero que você entenda como é, porque você é um galã lindo e qualquer um teria um tremendo orgulho em ser a sua pessoa.
Eu só senti o tapa na nuca que eu tomei, porque estava olhando dramaticamente para meus próprios pés quando aconteceu.
— E você é o quê, Eduardo? O próprio cristalzinho sustentável, então cala a boca e pensa direito — ele disse, um pouquinho mais sério. Leandro sério era uma faceta nova pra mim. — Eu sinto muito que você se sinta assim, porque, no meu ponto de vista, você é uma pessoa incrível e eu... Eu sei que a Marcela sabe disso. Eu não acho que ela teria vergonha do cara que apresentou para a família dela como namorado. E nem tem porque ter vergonha, ela nunca te viu chorando abraçado com um vaso de flores nem nada.
Joguei uma almofada nele sem nem um pouco de amor.
Ok, com um pouco de amor porque ele era um ridículo, mas ainda era o meu Leandro.
— Não dá, Lê. Eu mal consigo olhar para Marcela agora porque eu quero estar com ela em cada minuto do meu dia, mas não do jeito que ela quer. Não tendo que ficar nesse recôndito que ela quer que eu fique quando tudo o que eu quero é...
Ela. Tudo o que eu queria era ela.
— Toma seu tempo para entender as coisas, Edu. Eu posso estar errado também, só que isso é muito improvável porque eu sou eu — eu rolei os olhos e ele sorriu, batendo seu ombro com o meu. — Só dá uma chance de entender direito as coisas com a mulher que você ama.
Ele apoiou a cabeça no meu ombro e eu senti sua máscara colando na minha blusa, mas não me importei e tombei meu rosto sobre o dele; ele não se importou que minha máscara estivesse colando no seu cabelo.
Leandro tinha um cabelo muito macio. E cheiro de 212 Men.
Ter Leandro tão perto me fez ter um flash da noite anterior, dele segurando minha mão enquanto me girava ao som de uma música que eu não fazia ideia de qual era e depois me tombando para trás em um passo de tango sensual em que ele deveria me segurar e eu erguer a perna, mas que de verdade acabou com nós dois caindo no sofá. E aí a gente riu e se olhou e eu não sei o que veio depois.
— Eu não consigo lembrar, Lê, então vou perguntar: você me beijou ontem? — eu perguntei e senti Leandro rindo com a bochecha vibrando no meu ombro.
— Se eu tivesse te beijado, Eduardo, você não ia ter essa dúvida. Meu beijo é inesquecível — Leandro falou isso em uma voz sensual e eu ri no exato momento em que a porta da frente foi aberta pelo terceiro mosqueteiro.
— Cheguei com os refri, rapaziada! — anunciou Chicão, parafraseando o famoso pensador Neymar Junior enquanto colocava as sacolas do Bar dos Ardos na mesinha de centro. — E com bolinho de grão de bico, empanadas de azeitona e champignon e polenta frita crocante com queijo canastra porque eu sou mineiro, uai. Deixei umas Eugências estralando no freezer e disse para o Ti ficar em casa porque hoje eu sou todo do meu Edu e do meu galã e... — Aí ele olhou para nós dois naquela pose em que minha bochecha estava no cabelo de Leandro e ergueu o dedo para silenciar o galã quando ele abriu a boca para falar: — Só me arrumem uma máscara e um ombro do Eduardo, não quero explicações.
E foi dito e feito. Leandro colocou uma máscara de aloe vera no rosto de Henrique e cada um colocou a cabeça em um dos meus ombros. Tombei o rosto na cabeça do oftalmologista, pegando um dos bolinhos de grão de bico e sentindo o gosto forte do za'atar preenchendo todo o meu paladar de um modo muito satisfatório.
Chicão tinha trazido uma cerveja para mim, mas eu não queria arriscar álcool ainda e fiquei um pouco reticente, ainda que os outros dois estivessem bebendo como se a gente não tivesse passado o dia na base de Engov.
Acabei bebendo um gole enquanto a gente assistia a reprise da terceira temporada de Masterchef no Prime Vídeo, porque eu não era de ferro para resistir a uma Eugência de mel de laranjeira, porque ela tinha um gosto que... Que eu gostava de lembrar, porque me lembrava os beijos dela. E era só a isso que eu podia me apegar.
— Ele é a cara do Rodolfo! — Chicão disse, apontando para o Fogaça de perfil que ele jurava que era exatamente uma cópia do Dr. Rodolfo, o oftalmo-pediatra da clínica.
— Eu quero beijar uma argentina que fale com esse sotaque no meu ouvido — completou Leandro, enquanto Paola avaliava o prato de um dos participantes com aquela maestria de chef foda que ela era. Um mulherão tão poderoso quanto a engenheira mais foda da CPN. — Pode ser a própria Paola, ela é linda.
— E casada, seu talarico — Chicão lembrou e jogou a tampa da garrafa nele. Ou tentou, mas acabou pegando no meu queixo.
Depois de um dia inteiro tentando evitar pensar na pessoa em que eu mais pensava, tentando evitar olhar na direção de Marcela, que atraía meus olhos quase de forma magnética, tentando explicar pra mim mesmo que não havia mais Marcela e Eduardo como casal e me sentindo péssimo cada vez que lembrava desse fato, era bom estar no meio de uma conversa normal com duas das minhas pessoas favoritas no mundo inteiro.
Só que Leandro, no meio daquilo, olhou para mim e eu entendi o que ele quis me dizer.
E eu fiquei me perguntando se ele tinha razão sobre Marcela e eu.
⟰
— Shot through the heart and you're to blame, you give love a bad name — eu cantarolei, enquanto ajustava a velocidade da esteira no doze para começar meus cinco minutos de aquecimento. — I play my part and you play your game... You give love a bad name.
A academia, às 5h30 da manhã, era um local bem movimentado, porque era o horário que todo mundo tinha para malhar antes de ir trabalhar — até porque malhar à noite era um verdadeiro inferno e você praticamente tropeçava nas pessoas que estavam fazendo exercícios nos colchonetes e tinha que revezar em todas as máquinas, fazendo um treino de cinquenta minutos levar duas horas sem nem perceber.
Na noite anterior, eu tinha recebido uma mensagem de Vinícius avisando que tinha vagado esse horário na sua agenda e perguntando se eu o queria, já que eu furei o treino do dia anterior porque estava praticamente vegetando de ressaca — de álcool, moral e de amor.
Só que, para estar ali às cinco e meia com alguma disposição, eu precisei tomar uma cápsula de suplemento de cafeína que Chicão me mataria se me visse tomando — porque misturava cafeína e taurina e podia causar taquicardia, mesmo que fosse natural. Mas era um estimulante e eu precisava de alguma ajuda para estar ali depois de dormir horrivelmente mal sem uma segunda pessoa na minha cama.
Não sem uma, como um artigo indefinido. Sem a segunda pessoa na minha cama.
Nem mesmo o livro de Marcela pressionado contra o meu peito me ajudou exatamente e, durante aquela madrugada insone eu acabei respondendo mensagens de Vinícius, confirmando a minha presença no churrasco obrigatório de aniversário da CPN (não fazia sentido confirmar presença em um churrasco obrigatório, eu sei, mas era assim que funcionava) que Gisele tinha enviado naquela tarde, lendo os e-mails de Fernando Nogueira sobre a análise do projeto para a construção da primeira pousada verde em Ubatuba, informando-o que Isaac ia analisar a possibilidade por causa do terreno à beira-mar e avisando a Isaac que aquilo era prioridade absoluta, então ele podia agendar a visita in loco para ontem (que era mais ou menos como os prazos de Fernando sempre eram).
Era estranhamente prazeroso ter o poder de gerir.
E eu tinha oficialmente me tornado Thales Carvalho mandando e-mails para as pessoas às quatro da manhã.
Eu adoraria poder gerir meu sono também, mas nada tinha conseguido me derrubar e eu quase me arrependi de ter rejeitado o clonazepam que Chicão tinha me oferecido, porque eu passei uma madrugada inteira vivendo o ditado "mente vazia é oficina do diabo", o que era mais ou menos como dizer que eu fiquei uma noite inteira pensando se havia alguma chance de eu ter entendido tudo errado com Marcela, mas sem realmente querer me apegar à ideia de que talvez as coisas não fossem daquele jeito porque... Porque se eu me apegasse a um fio de esperança, eu estava ferrado.
Sacudi minha garrafa com Whey Protein e bebi, fazendo uma careta, porque não importava quanto tentassem mascarar aquela proteína com sabor artificial de coco, ainda tinha gosto de chulé.
— Bom dia, Eduardo — Vinícius apareceu, dando um tapa no painel da esteira que me assustaria se eu não tivesse o visto chegando pelos espelhos que ocupavam todas as paredes da academia, com seu familiar uniforme de personal, uma prancheta e seu cronômetro em mãos. — Você sabe que vai pagar nas máquinas por ter me feito vir aqui às cinco e meia ontem à toa, não sabe?
— Você sabe que eu te pago pra isso e preciso trabalhar, né? Eu faço plantas com as mãos e os braços — expliquei, porque sabia que era o dia de treinar ombros, peito e tríceps e eu sempre saía totalmente dolorido, mesmo quando ele não estava deliberadamente me avisando que ia arrancar meu couro.
— Isso tem cara de problema seu, meu consagrado — Vinícius gracejou e sua risada ecoou pela academia, chamando a atenção das pessoas mais próximas e quase sobressaindo a música eletrônica que estava tocando ali. — Crucifixo inclinado na polia, Edu. Três séries, doze repetições, intervalos de sessenta segundos.
Enquanto eu desliguei a esteira, ele encaixou os puxadores nos mosquetões da máquina e ajustou a carga. Me sentei no banco inclinado a 45º e fiz o primeiro movimento de crucifixo. Acho que era crucifixo porque você via Deus, já que na terceira série eu estava sentindo meu peito queimando e tremendo de fadiga porque ele tinha aumentado a carga para me fazer pagar todos os meus pecados.
Eu mal tinha me recuperado quando ele disse:
— Desenvolvimento com halter. Três séries, dez repetições, noventa segundos.
Eu ajeitei o banco em 90º e Vini trouxe dois halteres para mim. Ele contou as repetições e cronometrou cada intervalo, corrigindo quando eu passava o ângulo dos movimentos e, novamente, eu senti meus ombros queimando com o exercício.
Então fomos para o tríceps corda em bi-set com rosca francesa. Em um dos intervalos de noventa segundos de descanso, eu vi que @viniciusdelucapersonal tinha me mencionado em um story que dizia "Se for pra sofrer, que seja na academia, onde a dor tem resultado! Primeiro do dia com @eduardo.senna #nopainnogain #esmagaquecresce.".
A foto tinha ficado ótima e meus braços, já fatigados e inchados pelo treino, tinham ficado mesmo muito bem. Eu hesitei um segundo para repostar a foto porque... O que Romeu e Getúlio iam pensar daquilo?
Até que eu lembrei que eu não tinha que me preocupar com o que eles pensavam mais, porque eles provavelmente não se importavam agora que eu não era mais um pretendente para a Princelinha deles. Então eu repostei a foto.
Só que, como se pensar em Retúlio e, por consequência, em Marcela, tivesse ativado um gatilho do destino, eu vi. Ela estava ali. Usando uma legging preta e um cropped branco, os cabelos castanhos claros presos em um rabo-de-cavalo que ia até o meio das suas costas e...
E meu coração acelerou como se toda a cafeína e taurina que eu tinha consumido para estar ali tivessem feio efeito naquele exato segundo, me dando uma taquicardia que fez minhas mãos tremerem. Eu as fechei em punho, apenas para que Marcela não visse meus dedos tremendo tanto, totalmente sem reação para o momento em que ela se virasse e me visse ali.
Minha boca ficou seca enquanto eu pensava no que Leandro tinha dito na noite anterior. Será que eu deveria falar com ela?
Emocionalmente, meu coração acelerado dizia que sim. Racionalmente, meu cérebro que sabia o quanto aquilo podia me machucar me mandava ficar afastado e eu queria muito, muito, muito ser racional.
Só que isso não combinava com todas as sensações que ebuliam em mim pela simples perspectiva de ver Marcela e... Então ela se virou e não era aquele rosto que eu queria ver, porque não era o rosto da engenheira.
O que fazia sentido, já que ela não teria vindo até o Itaim malhar. Porque ela com certeza não era uma pessoa de academia.
Eu só vi o que eu quis ver.
E o que eu quis ver era Marcela Noronha.
— É a personal nova da academia, Giulia — Vinícius disse, parando ao meu lado e sorrindo um sorriso totalmente mole para ela enquanto descia os olhos pelas pernas da mulher, que não eram tão belas quanto... Bem. — Eu te apresentaria, mas não quero concorrência, especialmente de alguém que eu fiz ficar bonito e que veio de fábrica com olhos azuis.
Só então eu me dei conta do que ele estava falando.
— Eu só achei que fosse outra pessoa. — Dei de ombros, mesmo vendo que Giulia demorou um pouquinho a mais olhando para Vinícius do que pra mim, mesmo que tivesse cumprimentado nós dois, o que deixava muito claro que eu não seria concorrência para ele nem se eu realmente quisesse ser. — Eu não estou... Nessa vibe.
Vinícius ergueu as sobrancelhas grossas e cruzou os braços sobre o peito, deixando um sorriso torto tomar o canto dos seus lábios.
— Quem te viu quem te vê, Eduardo Senna — ele disse e um assobio baixo escapou de sua boca enquanto eu apenas... Eu tinha visto Marcela. Eu tive certeza que era Marcela. E meu coração ainda batia tão forte que eu o sentia bombeando na minha garganta. — Quem é ela?
— Quem? — perguntei, quando notei que eu precisava responder alguma coisa ao invés de olhar para o lugar onde Giulia nem estava mais como um perfeito idiota.
— A garota que tirou Eduzinho da vibe.
Cocei a nuca e puxei a prancheta de sua mão para olhar qual o próximo exercício, só que foi um erro. Porque era supino reto com barra, o exercício que usava o banco exatamente igual ao que eu e Marcela tínhamos usado de apoio para transar na academia do cruzeiro.
Eu olhei para frente, para onde eu sabia que o banco estava, tentando manter meus pensamentos no exercício e não nela.
Quando me sentei no banco e Vini começou a colocar as anilhas na barra, meu pensamento vagou para alguns meses atrás, quando Marcela estava sentada no meu colo, sussurrando meu nome no meu ouvido, com seu ventre comprimido ao meu redor e tudo o que eu sentia, tudo o que eu queria sentir e tudo o que importava era ela.
Para cima e para baixo, com minhas mãos na sua pele quente que estava começando a suar.
Suspirando um Eduardo após o outro.
E então sua boca na minha, roubando meu fôlego e minha sanidade.
E a minha boca contornando sua tatuagem.
E seu cheiro.
E sua voz.
E seu cabelo nos meus dedos.
E tudo.
Cada coisinha que fazia dela Marcela Noronha.
Eu sentia falta de cada uma delas.
O que era um masoquismo do caralho comigo mesmo, porque Marcela não me queria do jeito que eu a queria então eu precisava parar de pensar nela dessa forma. Eu precisava superar aquele calor no meu peito que surgia cada vez que eu pensava nela, e que queimava como uma labareda quando ela estava perto, me incendiando completamente.
Só que eu não conseguia ficar bravo com ela, eu só...
— Eduardo, caralho! — Vinícius esbravejou, já com a barra com a carga apoiada no suporte atrás de mim, para que eu alcançasse quando estivesse deitado no banco. — Para de olhar para o nada, você está perdendo o tempo da série!
Eu suspirei, me deitando no banco e segurando a barra pesada, subindo e baixando até meus cotovelos estarem paralelos ao tronco e sentindo o esforço todo nos músculos do peito.
— Você não faz ideia, Vinícius, do que eu realmente perdi — eu disse entredentes, fazendo força para levantar a barra enquanto ele contava "dois".
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Eu ouvi quintou com Libriela?
Ledu jogando Winx / Witch é tudo o que a gente não fazia ideia que precisava! Quem assistia / lia os quadrinhos? Quem assistiu a série do Netflix??
E, como pedido da nação, Leandro começou a plantar a sementinha da dúvida na cabeça do nosso arquiteto. Esperamos que ela floresça logo em uma bela rosa para se unir à sua amada begônia!
Quem diria, né? De galã talarico que ficava sorrindo estranho para Marcela diretamente para galã sensato que tá conseguindo enxergar o panorama muito melhor que o Edu! Felipe, nosso filósofo, com certeza está super orgulhoso do Lê nesse momento!
E a gente fica como? Torcendo para ele se juntar com o Tutti e amar o plano mais mirabolante de todos, porque Chicão e Romeu... Bom, eles amam os melhores amigos, né? Difícil olhar a situação de forma objetiva quando o Cristal e Princelinha estão tão machucados...
E para quem achava que o Edu estava superando a Má... depois dessa cena na academia a gente tem certeza de que isso não deve acontecer tão cedo...
Não esqueçam de nos contar todas as suas teorias e das estrelinhas para aquecer nosso coraçãozinho!!!
Beijinhos,
Libriela <3 (a gente vai usar o coração juntinho pq esse cap foi amor!!!!!!!!!!)
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