Capítulo 28 - Negando as aparências, disfarçando as evidências
Negando as aparências, disfarçando as evidências
Eduardo
Eu tinha conseguido escapar do karaokê na noite anterior, mas aparentemente Marcele tinha descoberto que outro bar do navio iria fazer aquilo e, dessa vez, Má e eu não tivemos como fugir – nem Patrício, que me convidou quando eu estava levemente bêbado, perdendo lindamente no carteado para Heitor e Seu Nicolau, o avô da Má, e minha mãe me ligou dizendo que estava com saudades, logo, claramente eu estava muito mais suscetível a aceitar um double date musical. Eu nem sabia de onde aquele quepe que estava na minha cabeça tinha saído, logo, a proposta de Pat pareceu absolutamente incrível.
Assim sendo, ali estávamos. Marcele parecia muito animada e Patrício estava totalmente contagiado com a noiva, arrumando seu cabelo e lhe roubando um beijo de um jeito tão romântico que me senti mal quando Má e eu chegamos e acabamos interrompendo o momento.
O bar, diferente do da piscina, era inteiramente coberto e não haviam cadeiras de madeira, mas sofás booth ao redor das mesas e Marcela e eu ocupamos o que estava vazio. O ambiente em si era um pouco menos iluminado, mas agradável aos olhos, e havia um palco - ok, era mais um tablado que ficava uns 30cm acima no nível do chão - onde as pessoas subiam para cantar.
— Agora que seu novo namorado chegou, ele vai me ajudar a te convencer a cantar comigo — Marcele disse, apontando para mim enquanto Patrício negava veementemente com cabeça. — Eduardo!
— Eu não posso obrigá-lo a passar essa vergonha, Marcele, me perdoa — eu disse e ela ergueu as sobrancelhas, me fazendo reparar que, quando fazia isso, ficava incrivelmente parecida com a irmã; não como se fossem gêmeas ou algo assim, mas o cabelo parecia, o formato dos olhos, a cara de brava.
Ela apontou para mim com o dedo em riste.
— Se você tiver dor nas costas um dia, não conte comigo — disse ela. — Eu sou a melhor quiroprata que você conhece!
— Eu não acho que eu conheça outro, mas confio na sua palavra. — Direcionei meu olhar para Patrício e apontei o palco com o queixo. — Vai cantar com ela, eu quero que ela estale as minhas costas!
Marcele deu um sorriso vencedor na direção de Patrício enquanto eu passava o braço por cima dos ombros de Marcela, a puxando para perto do meu tronco. Recentemente, eu tinha descoberto que ela tinha o tamanho perfeito para se encaixar ali e eu não me importava que seu cheiro de Good Girl ficasse preso em mim depois. Bem ao contrário, aliás.
— Traidor — Patrício me acusou e senti Marcela rindo contra as minhas costelas. — Cele, não!
— O que vocês estão bebendo? — Má perguntou, mas Patrício e Marcele estavam ocupados falando com voz de bebê um para o outro para se provocar, então sua pergunta acabou ficando para mim.
— Estou pensando em... Flamejantes. Se você quiser, amor — eu disse e ela apertou as sobrancelhas, mas um sorrisinho divertido apareceu no canto dos seus lábios coberto por um batom vermelho que ela dedicou uns cinco minutos para que ficasse bonito daquele jeito.
— Você não está para brincadeira mesmo — disse e eu ri, ajeitando uma mecha do seu cabelo, que eu nunca tinha certeza se era castanho claro ou loiro escuro, mas que era sempre lindo.
— Eu estou em um karaokê, não tem como ficar aqui sóbrio — expliquei e ela riu.
— Você tem um ponto, amor — concordou, estalando os dedos de uma das mãos tentando se lembrar de algo. — Como é o nome daquele com sagatiba?
Segurei seu queixo com a mão e juntei nossos lábios por um segundo, porque pareceu meio invasivo dar um beijo como os que eu trocava com Marcela na frente da sua irmã.
— Hot kiss — respondi e ela sorriu contra meus lábios enquanto eu me perguntava se ela realmente não se lembrava do nome ou se só sabia que eu não perderia a oportunidade.
— Vou pedir no balcão — disse e se afastou e eu quase não consegui tirar os olhos de sua silhueta dentro daquele vestido preto que só seria básico se não estivesse naquele corpo.
Naquela mulher, nada seria básico, nunca.
— Quer um babador, cara? — Patrício perguntou e eu senti quando um guardanapo acertou o meu rosto, jogado por Marcele. — A baba está escorrendo aqui no cantinho.
Patrício apontou para o canto da própria boca e eu neguei com a cabeça, mas passei a mão ali porque... Bem, era possível, né? Melhor garantir.
O advogado não estava mais prestando atenção quando eu fiz isso, mas Marcele acompanhou meu movimento e eu não soube definir exatamente o que tinha de diferente no sorriso que ela me deu, mas, com certeza, ele entendia algo que eu não estava entendendo.
Minha engenheira preferida voltou do balcão seguida por um garçom que tinha uma bandeja não com quatro, mas com oito shots pegando fogo e com um olhar que se dividia entre colocar nossa bebida na mesa e encarar o quão bonita ela era. Bom, eu meio que entendia, mas não estava mesmo feliz com o seu olhar, então fiquei satisfeito quando ele voltou para o bar depois que Marcele pediu uma porção de batata frita com bacon e cheddar e outra com maionese de abacate pra mim.
Má empurrou dois copinhos para cada um de nós sobre o tampo da mesa.
— No três! — ela disse e eu a olhei meio em dúvida, mas Patrício e Marcele a seguiram e apagaram as chamas já enfraquecidas com as mãos ao mesmo tempo, então eu apenas dei de ombros e apaguei o meu também. — Um, dois...
Senti o gosto amargo passando pela minha garganta e, depois, o gosto do licor de laranja dominando todo o meu paladar de um jeito estranhamente agradável. E depois Marcele fez a contagem e eu quase engasguei porque engoli rápido demais para acompanhar o ritmo deles.
Eu e as irmãs Noronha parecíamos estar bem, mas Patrício parecia ter sentido mais o álcool do que nós três.
— Tive um caso no escritório mês passado que começou porque estavam bebendo tequila em um bar e um cara esfaqueou o meu cliente — disse e eu comecei a rir junto com as Más.
— Como foi que você chegou nisso, Patrício? — Marcela perguntou e eu passei o braço pelo seu ombro de novo, a puxando para perto. Ela não foi nem um pouco contrária a esse gesto.
— Ai, sei lá, eu lembrei — contou ele e parou por um momento para sorrir para Marcele, que sorriu de volta. — Ele tomou cinquenta e três pontos, mas nenhum órgão foi atingido.
— Que bom? — Marcela perguntou, em um tom levemente de dúvida e com um ar de divertimento que combinava com ela.
— Lembra daquela vez que eu extraí o siso, fiquei como o rosto todo inchado e você não entendia quando eu falava "piso aquecido"? — perguntei para Marcela e ela me olhou de forma culpada, ainda que seu sorrisinho não tenha se escondido nem por um segundo. — O quê?
— Eu entendia o que você estava falando, mas era tão engraçado te ver tentar — contou e logo na sequência fez uma imitação minha dizendo algo como "pisso aquisiduuuuu" que fez Patrício engasgar com o nada para rir.
Marcele bateu com o punho nas costas dele com força e eu fiquei pensando se algum dia queria que ela me tratasse. Quiropratas tinham autorização da medicina alternativa para serem tão brutos?
— Mais um desses e quero ver quem vai conseguir tirar o Pat do palco. — Marcele apontou vagamente para os copos vazios sobre a mesa e, no mesmo momento, Marcela fez sinal para o garçom trazer mais doses.
— Vou filmar e colocar no grupo da família — Marcela disse.
— Eu vou beijar seu namorado e colocar no grupo da família se você fizer isso, Cela — Patrício retrucou, mas aí ergueu as sobrancelhas vendo que o problema disso não seria exatamente para Marcela. — Será que o Marcelo consideraria isso traição?
— Achei que você já tinha superado o medo do Celo, meu bem — Marcele riu e deu um beijo na bochecha dele. — Ele é uma flor.
Patrício devolveu o beijo na bochecha dela, mas de um jeito meio babado, porque ela pegou um guardanapo de papel e secou a bochecha.
— Ele é uma flor, meu bem. Só que aquela rafflesia que é a maior do mundo, sabe? A vermelha com umas pintinhas brancas que fede — Patrício disse e Marcele ergueu as sobrancelhas para ele. — Marcelo não fede! Só quis dizer que ele é uma flor bruta, mas uma flor. Você sabe que eu amo o Marcelinho! — Aí ele arrancou o próprio celular do bolso e começou a gravar um áudio, aparentemente, para o Marcelo: — Marcelo, a Cele vai te falar que eu falei mal de você, mas é mentira! Eu te amo!
— Eu nem ia falar nada — Marcele contou para mim e Marcela enquanto Patrício continuava insistindo que ele tinha cheiro de manga selvagem e seu cabelo era lindo. E aí ela tirou o celular da mão do noivo e avisou para Marcelo que ele estava bêbado, como se não tivesse dado para perceber.
O mesmo garçom trouxe mais flamejantes e deixou ali. Acho que ele entendeu que eu não estava curtindo o jeito que ele estava encarando o decote do vestido da Má, então pelo menos tentou disfarçar.
— Vamos tirar uma foto? — Marcele perguntou e todo mundo assentiu, mas aí ela decidiu que queria fazer um boomerang.
A gente se encaixou para caber no quadrinho do Instagram e ela fez a contagem para que a gente se mexesse na hora certa. Marcele ergueu o drink ainda pegando fogo, Patrício fez o sinal de paz e amor, e eu e Marcela demos um selinho — eu nem sei de quem veio a iniciativa. Acho que a gente apenas concordou mutuamente.
Marcele postou a foto e Patrício bebeu os flamejantes dos dois naquele momento de distração. Tomei o meu ao mesmo tempo que Marcela e meu celular vibrou, porque provavelmente eu tinha sido marcado. E depois vibrou de novo. E de novo. E de novo.
— Patrício! — Marcele disse, vendo seu copo vazio e tentando olhar meu concunhado com uma feição brava que se transformou em um sorriso assim que ele fez cara de cão sem dono. Ela se virou para Marcela: — Vamos para o palco? Eu quero muito cantar!
Para minha surpresa, Marcela fez que sim com a cabeça e as duas deram as mãos, caminhando animadas para onde um mediador recolhia os pedidos de música e colocava os cantores amadores em ordem.
— Finalmente um tempo a sós com o meu amorzinho — Patrício disse quando elas ainda estavam relativamente perto e Marcele fez língua para ele. — Ela é linda, não é?
— Vocês são incríveis — eu confessei e Patrício sorriu orgulhoso.
Puxei o celular do bolso e vi a notificação do Instagram e do grupo do apartamento. Achei que fosse Chicão absolutamente emocionado, porque Marcela tinha repostado o story da irmã, mas, para a minha surpresa, quem estava falando era Leandro. Ele tinha tirado um print bem no momento que eu e Marcela estávamos com as bocas juntas.
Leandro: É, cara, vou ter que concordar com o Chico...
— Deusa! — Patrício gritou para Marcele, então eu vi que elas estavam no palco e guardei o celular para não perder nem um segundo daquele momento.
Ela ficou envergonhada porque umas duas pessoas bateram palmas, mas mandou um beijo no ar para Patrício.
— A de preto é minha namorada! — gritei para Marcela e, assim como Marcele, me mandou um beijo no ar; eu meio que senti que se não tivesse tanta gente ali, ela teria me mostrado o dedo e ri sozinho.
As mesmas duas pessoas aplaudiram. Elas pegaram os microfones e eu comecei a rir quando a letra de Evidências apareceu no telão perto delas.
A voz das duas eram parecidas e, embora elas não fossem cantoras profissionais, era gostoso de ouvir e dava para ver que elas estavam realmente bem animadas. Era impossível não acompanhar a letra porque Evidências é tipo o hino nacional não oficial, então, além delas, algumas pessoas nas mesas também cantavam.
E aí veio o refrão. Patrício e eu começamos a cantar com elas e as duas tentavam manter a plenitude e não começar a gargalhar em cima do palco.
— E nessa loucura de dizer que não te quero, vou negando as aparências, disfarçando as evidências... — cantaram as duas e eu senti o olhar de Marcela no meu, que também não conseguia desviar do dela, como se rolasse algum tipo de atração magnética ali.
— Mas pra que viver fingindo, se eu não posso enganar meu coração? — devolvemos eu e Patrício. — Eu sei que te amo!
Cantamos juntos até o fim, embora eu só conseguisse realmente prestar atenção em Marcela em cima daquele palco, cantando e se divertindo com um sorriso no rosto que eu não queria nunca que saísse de lá. Nós dois aplaudimos e assobiamos enquanto elas desciam do palco, embora ninguém mais estivesse realmente prestando atenção.
Assim que Marcele se sentou ao lado de Patrício, ele segurou seu rosto e a beijou e eu aproveitei para fazer a mesma coisa com Marcela, colando minha boca na dela e, daquela vez, deixando o beijo se transformar no hot kiss que eu tinha ficado devendo mais cedo enquanto segurava a sua nuca.
Só me afastei porque Patrício me chamou e me arrastou pela mão para o palco e eu, fraco que sou, não consegui falar não para sua carinha de cão sem dono do mesmo jeito que Marcele.
— O que a gente vai cantar? — perguntei. — Elas já cantaram o hino atemporal do karaokê!
— Eu tenho uma ótima segunda opção! — ele disse e falou um número para o moço da música, que rolou os olhos e assentiu.
Então a gente subiu no palco e eu percebi que tinha sido um erro confiar em Patrício, porque começou a tocar Evidências de novo.
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Acho que fazia tempo que eu não bebia tanto ou me divertia tanto em um double date, ou em um encontro em um geral, porque sentia minha barriga doer de tanto rir das histórias absurdas dos casos de Patrício e dos comentários ácidos e espertos das irmãs Noronha.
No fim da noite, eu já tinha perdido a conta dos shots de flamejante, das horas e da quantidade de sardas que Marcela tinha no rosto (porque sim, em algum ponto eu comecei a contar), até que Patrício derrubou minha maionese de abacate na blusa de Marcele e tentou lamber ao invés de usar um guardanapo e ela percebeu que a questão de conviver em sociedade estava ficando um pouco complicada para ele, então apenas pagamos a conta e encerramos a noite.
Bom, Marcele e Patrício, porque eu e Marcela estávamos de mãos dadas andando pelo navio levemente sem rumo enquanto apenas explorávamos cada canto, extasiados demais para ir para a cabine. Além disso, era uma bela noite, quente e com uma lua absolutamente divina, e nós já tínhamos passado uma noite rolando na cama sem aproveitar o lugar onde estávamos — mas aproveitando mesmo assim porque a companhia de Marcela era sempre incrível, mesmo quando a gente estava nos nossos debates rotineiros sobre planeta x segurança e orçamento.
— Ok, você não quer usar bambu na estrutura, mas e se a gente usasse como revestimento? — perguntei para Marcela e ela levantou o rosto para olhar para mim. Suas bochechas estavam coradas de álcool ou de calor, eu não sabia dizer.
— Lembra aquela vez que eu disse não quando você me perguntou sobre bambu? — ela questionou e eu apenas ergui as sobrancelhas, pensando se ela estava falando no geral ou de alguma ocasião específica. — Estou tendo um dejavu.
Eu ri, soltando a sua mão apenas porque queria abraçar seu ombro para que a gente ficasse mais perto. Ela envolveu seu braço na minha cintura e eu beijei sua testa.
— Piso de bambu prensado? — perguntei apenas para implicar e ela rolou os olhos.
— Vou deixar você achar que eu estou considerando antes de falar não, aí talvez você pare de falar de trabalho comigo quando eu visivelmente não estou no auge da minha cognição e vou acabar falando sim para algo absurdo que você vai jogar na minha cara pelos próximos três anos. — Ela olhou para mim e eu apenas abri um centímetro da minha boca para falar uma coisa, mas ela não deixou. — Se você falar de revestimento de garrafa PET eu vou te jogar no mar, Eduardo.
Eu ri e neguei com a cabeça, finalmente me dando conta de onde nós estávamos. Bem na proa do navio, na parte imediatamente acima do convés. Não havia ninguém ali exceto nós dois e não era tão iluminado assim, porque tecnicamente as pessoas não ficavam ali - eu tinha certeza que o cassino era o lugar mais lotado do navio todas as noites e tinha muita gente que deveria me dar graças por manter Marcela Noronha ocupada, porque ela já teria mais alguns dígitos na conta bancária e provavelmente teria sido presa porque ninguém acreditaria que ela jogava blackjack com a perícia que ela jogava sem roubar.
Bom, depois de uma tarde de carteado com seu pai e seu avô, eu sabia de onde aquilo tinha vindo. E pensar que do meu pai eu tinha herdado o cabelo e os olhos e da minha mãe o talento de colocar coisas para cozinhar e só lembrar delas quando estavam carbonizadas ou quando Henrique Francisco se assustava com a fumaça. Bom, eu também sabia jogar tênis e nadar, que eram coisas que meu pai fazia.
— Você está pensando no que eu estou pensando? — perguntei para Marcela, a puxando animadamente mais para a ponta do navio. Ela parou de olhar para as estrelas para me encarar e eu sabia que eu estava meio bêbado porque, normalmente, eu teria vergonha de fazer o que eu estava prestes a fazer.
— Com certeza não — ela respondeu, com uma feição confusa, apenas me deixando guiá-la pelo piso de madeira. Eu nunca tinha escutado o mar com tanta força em outro lugar do navio e senti um arrepio correndo pela minha espinha. — Eduardo!
— Má, a gente está na proa do navio! — Ela subiu as sobrancelhas, sem entender. — Que nem Jack e Rose!
Ela riu e deu um tapa na própria testa.
— Não, Edu, não! — Normalmente eu não insistiria, mas ela estava rindo e não tinha uma prancheta na mão que pudesse usar como arma, então eu apenas continuei.
— Por favor! Eu cantei Evidências para você!
— Foi para o Patrício e você sabe! — alegou e eu apenas neguei com a cabeça, porque não tinha sido. Ela ergueu uma sobrancelha e depois a outra, bem reptiliana.
— Por favor? — pedi e tentei usar a mesma cara de cão sem dono que Patrício tinha feito com Marcele, mas plenamente consciente de que Marcela ia precisar de muito mais que um biquinho e olhos caídos para se convencer.
Ela cruzou os braços e trocou o peso do corpo de perna. Depois, mordeu o lábio inferior devagar e maneou a cabeça de um jeito que fez toda a minha embriaguez só pensar em beijá-la.
— Eu devo estar muito bêbada — sussurrou mais para si mesma do que para mim e eu sorri, porque ela claramente tinha aceitado algo que eu sugeri, o que era algo muito raro. Vi seus lábios se curvando em um sorriso quase imediatamente.
Segurei sua mão e fomos até mais perto do guarda-corpo, que era a barreira de segurança entre nós e o mar. Eu sabia que nós dois estávamos bêbados e não éramos Leo DiCaprio e Kate Winslet com uma equipe de segurança, então não chegamos tão perto assim da borda.
Parei Marcela em cima de uma parte mais alta do piso, provavelmente uma porta ou algo para o patamar inferior, e fiquei atrás dela. O barulho da água contra o casco do navio era altíssimo e delicioso de ouvir e o vento era forte, embora eu não achasse que um navio cruzeiro daquele tamanho conseguisse muita velocidade e aquilo fosse obra pura da maresia.
O cabelo dela voava contra o meu rosto quando eu segurei sua cintura e deixei meu rosto ao lado do dela, imitando a cena clássica do jeito que minha mente etílica conseguia se lembrar dela. Má tinha cheiro de Good Girl e licor de laranja e sua risada era tão gostosa que eu nem me importei que ela não fosse a Rose perfeita, porque ela era a Marcela perfeita.
— Me dê a sua mão e feche os seus olhos — eu disse, mesmo que eu estivesse falando algo que não condizia com o que eu estava fazendo, já que eu estava literalmente estendendo os braços dela.
— Quê? — ela perguntou.
— É a fala do filme! — expliquei e ela começou a rir, apenas me deixando guiar seus braços e os mantendo abertos quando eu voltei a segurar a sua cintura. — Vou pular algumas falas porque não faz sentido se você não vai subir na grade.
— Eu não vou mesmo subir na grade — retrucou.
— Agora é a hora que começa a tocar My Heart Will Go On — disse no ouvido dela.
— Ninguém deveria ser tão viciado assim em Titanic, Eduardo — ela replicou e senti seu corpo tremendo, provavelmente porque ela estava rindo da minha cara e tentando esconder.
Bom, ela estava encenando Titanic comigo, era uma vergonha para nós dois, embora só um de nós soubesse todas as falas de cabeça.
Murmurei a música no seu ouvido e ela não conseguiu segurar a risada. Eu beijei seu pescoço e vi sua nuca se arrepiar inteira.
— Sua fala, Rose — eu disse.
— Hm — murmurou, tomando um minuto para si mesma, provavelmente tentando se lembrar o que Rose falava naquele momento específico, mantendo os braços abertos e estendidos no ar. — Eu sou o rei do mundo?
Eu ri contra o seu pescoço e ela colocou as mãos sobre as minhas, que estavam envolvidas em sua cintura fina em um abraço muito mais apertado do que Jack e Rose fizeram em qualquer cena do meu filme favorito.
— Cena errada, mas eu vou aceitar mesmo assim — eu disse com um sorriso que não saía do meu rosto e aproveitei nosso momento por um minuto, apenas ouvindo as ondas, o vento gelado e salgado no rosto e Marcela Noronha entre meus braços.
Depois, virei a belíssima dama de preto para mim e deixei minhas mãos deslizarem dos seus ombros até os cotovelos para, só então, colocar meus lábios nos dela em um beijo com gosto de flamejante de laranja. Seus lábios, macios contra os meus, estavam quentes como sua língua, que se envolveu com a minha e deixou o roteiro de Titanic no chinelo.
Talvez aquela versão adaptada fosse melhor do que a original? Talvez.
— Satisfeito, Eduardo? — ela perguntou com a boca colada na minha e nós sorrimos juntos. Eu me afastei apenas um pouco, porque segurei sua mão e envolvi meus dedos nos dela.
— Sabendo que você vai ter para sempre registrado na sua memória que eu sou sua versão paulista do Leonardo DiCaprio? Posso lidar com isso — eu disse e nós começamos a caminhar juntos de volta à parte coberta do navio.
— Nunca mais me peça nada depois disso, porque a resposta vai ser não — brincou e eu ri, dando um beijo no dorso de sua mão.
Nós caminhamos juntos até o elevador, em silêncio. Normalmente, esse tipo de situação era incômoda, porque depois de alguns minutos silenciosos começa a vir o constrangimento e é aí que as pessoas começam a fazer comentários genéricos sobre o clima ou começam a mexer no celular apenas para fingir que estão ocupadas, porém eu não me senti assim. Era estranhamente confortável aproveitar o silêncio com a Má, então não precisei invocar meu "então, parece que vai chover" clássico, mesmo quando a música ambiente do elevador pareceu quase incompleta sem aquela frase.
Chegamos ao nosso andar e eu peguei os cartões do quarto que estavam no meu bolso, entregando o de Marcela para ela, que se adiantou para abrir a porta.
Meu celular começou a vibrar insistentemente no meu bolso enquanto a gente entrava no quarto e eu já comecei a listar mentalmente quem podia ter morrido, porque eu estava em um cruzeiro no meio da madrugada e não havia outra justificativa para alguém estar me ligando.
Só que não era alguém ligando. Eu tinha sido adicionado ao grupo "Família Noronha" por Patrício bêbado e estava recebendo um turbilhão de mensagens de bem-vindo misturados a pedidos para que Patrício parasse de mandar áudios cantando.
Cristiano: Bem-vindo, Eduardo! Você gosta de inhame na churrasqueira
Acho que era uma pergunta para ele saber o que fazer para mim no próximo churrasco de família.
Patrício: Áudio de 34s
Patrício: Áudio de 47s
Patrício: Áudio de 10s
Samantha: Nunca quis tanto dar voz de prisão para alguém
Marcelo: hm
Bruna: Bem vindo Eduuuuuu
Enzo: Patrício, vai dormir!
Valentina: Nunca achei que ia concordar com o Enzo na minha vida inteira, mas meu momento chegou
Marília: Valentina, você deveria estar dor de dente
Marília: dormindo***
— Me adicionaram no grupo de WhatsApp da sua família — contei para Marcela, que tinha acendido a luz e estava sentada na cama tirando as sandálias dos pés.
— Bem-vindo aos Noronha, amor, aproveita e silencia o grupo — ela respondeu e eu ri, enquanto eu agradecia a todos e dizia para tio Cristiano que eu ficava inteiramente feliz com vinagrete e pão de alho, porque eles falavam rápido demais para que eu acompanhasse todas as mensagens.
Demorei um segundo para notar que Marcela não estava mais tão feliz quanto antes. Ergui as sobrancelhas e me sentei ao lado dela na cama, observando enquanto ela mexia os dedos dos pés finalmente livres da tira da sandália.
— Má? — perguntei.
Ela não disse nada a princípio, então larguei o celular sobre o colchão e esperei.
— É só que... — ela começou e negou com a cabeça, desviando o olhar do meu. Franzi o cenho. — Eu sei que fui eu que comecei essa história de nós dois juntos, mas... Eu estou mentindo para eles. Para todos eles. — Havia um leve vislumbre de culpa no seu olhar que eu não gostei de ver ali. — Eles realmente acham que nós estamos namorando.
Ergui a mão para ajeitar uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e, mesmo que meus pensamentos estivessem levemente confusos pelo álcool, eu percebi que Marcela triste era uma das coisas que eu menos gostava de ver. Era como ver uma tartaruga presa no plástico que jogaram no mar e com medo de aceitar que os humanos a ajudassem a ficar livre.
Eu não sei porque estava pensando nisso.
Segurei a mão de Marcela entre as minhas. Não era exatamente confortável, pra mim, enganar sua família agora que eles tinham nomes e rostos e eu sabia que eram pessoas ótimas. Contudo, até que ponto aquilo era fingimento?
— Bom — eu comecei e umedeci os lábios com a língua. — Acho que a única parte que realmente é mentira é que a gente está namorando, porque todo o resto... Bem, eu estou aqui com você, né? Eu não estaria se não gostasse de você o quanto eles vêem que eu gosto. Nem tudo é falso pra mim.
— Nem para mim — ela replicou enquanto eu desenhava formas aleatórias na sua mão com o polegar.
Ela maneou a cabeça, tombando-a de lado e me olhando como se buscasse o exato significado das minhas palavras.
Eu gostava dela. Pra caralho.
— Você é incrível — completei, apenas porque achei que ela deveria saber.
— Você também, Edu.
— Eu sei — brinquei e ela sorriu, fazendo me sentir como se algo pesado tivesse saído dos meus ombros. — Você não faria a cena do Titanic com mais ninguém.
— Ninguém mais iria me pedir para fazer isso, mas você tem razão. — Ela mordeu os lábios no meio da risada mole e levemente alcoolizada.
Me aproximei dela e beijei seu pescoço, fazendo um caminho de beijinhos até a sua orelha. Marcela virou o rosto e tomou minha boca para si, me envolvendo naquela dança lenta com a sua língua enquanto eu segurava suas bochechas.
— Quer tomar um banho? — perguntou contra a minha boca e envolveu seus dedos no cabelo da minha nuca.
Movi a cabeça positivamente.
— Faz um tempo que eu estou pensando em ficar pelado e falar para você me desenhar como uma das suas francesas — soltei mais uma referência a Titanic e Marcela riu.
— Ok, agora você é a Rose? — questionou e eu apenas beijei o seu queixo e apoiei uma mão na sua perna linda. — Esse Jack só sabe fazer desenho técnico — contou e eu mordi o seu ombro com delicadeza.
— A gente adapta a cena e, ao invés de me desenhar, você me esculpe com as suas mãos capazes — ela riu enquanto eu aproximava meus lábios da sua orelha. — E com a sua boca, se você estiver a fim.
Marcela sorriu e desceu o zíper do vestido preto.
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Oiee, tudo bem, pessoal?
Hoje nós temos uma aniversariante entre as nossas leitoras, por isso decidimos postar este capítulo mega amor como comemoração.
Temos todo o karaokê com Evidências e depois a cena do Titanic... não sei vocês, mas essa história me faz sorrir e ficar toda emocionada durante todos os capítulos.
Se alguém disser que não ama o Patrício, eu vou desconfiar muito da sua índole, porque não tem como não amar esse personagem.
E agora que Mardo está percebendo que nem tudo é mentira, será que eles vão considerar levar esse rolo de volta para a vida real?
Para quem ainda não está sabendo da novidade, temos testes do Buzzfeed!! Se vocês quiserem, o link está na minha bio hehe depois compartilhem os resultados conosco!!
Obrigada por lerem e por todo o carinho! Não se esqueçam da estrelinha e de dizer o que estão achando!
Beijinhos
Libriela <3
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