Capítulo 5
♥ Mariana ♥
A Mariana pegou seu celular da mão do Fred pela pontinha, com cuidado para não encostar nos dedos dele.
— Obrigada — ela agradeceu também sem fazer contato visual.
Desde a noite anterior, os dois estava se evitando, trocando cumprimentos e gentilezas só quando a boa educação exigia. Como naquele momento, quando ele tinha feito o favor de tirar várias fotos suas com o Lourenço, a Biatriz e as meninas em frente à árvore de Natal que eles tinham acabado de enfeitar.
Não que ela estivesse reclamando. Era daquele jeito que precisava ser para não causar complicações desnecessárias na vida de ninguém. Ela só não tinha achado que seria tão difícil ignorá-lo. E não era só porque a atração física a fazia ficar consciente da presença dele o tempo todo, como se ele fosse o astro principal de uma peça e sua atenção fosse o holofote que seguia cuidadosamente todos os movimentos dele pelo palco.
Ele era inteligente, bem-humorado e cheiroso, qualidades fundamentais num homem. As brincadeiras do Fred com o Lourenço enquanto eles enfeitavam a árvore revelaram o humor inteligente e de língua afiada de uma pessoa que sabia tanto como implicar quanto aceitar ser implicado de volta. E sabe como algumas mulheres se derretem por homens fortes ou morenos ou loiros? Para ela o que tornava um homem irresistível era vê-lo com uma criança nos braços. Cada vez que o Fred pegava uma das sobrinhas no colo, seus ovários explodiam, inundando sua cabeça de imagens dele segurando um bebê, que ela não queria admitir para si mesma, mas era bem parecido com ela.
Nada daquilo tinha importância. Apesar de a sua força de vontade nunca ter sido das mais fortes, com o Fred demonstrando tão pouco interesse em passar além de dois segundos perto dela, não seria muito difícil continuar a brincar de esconde-esconde com ele.
— Eu tenho que ir. Eu tenho um encontro marcado com um monte de notas fiscais e um livro caixa que eu não posso perder. — O Fred estendeu os braços por cima da cabeça, se alongando.
A camiseta dele subiu com o movimento, revelando uma faixa de pele que atraiu o olhar da Mariana. Ela nunca foi exigente com a aparência física de um homem, o que ela procurava num relacionamento era a sensação de segurança que o parceiro era capaz de lhe passar (muitas vezes falsa, mas aquilo não vinha ao caso). Ela já tinha tido namorados altos e baixos, gordos e magros, musculosos e barrigudos, mas nunca tinha tido tanta vontade de beijar um pedacinho de pele como teve naquele minuto, ao ver os cinco centímetros de barriga do Fred e a suave trilha de pelos que desaparecia pelo cós da calça branca.
Para se distrair da tentação, ela se concentrou no celular e mandou um monte de fotos para a Alexa, ouvindo a continuação da conversa, de longe.
— Se você quiser, a Mariana pode te ajudar. — O oferecimento do Lourenço a fez levantar a cabeça, surpresa com a iniciativa dele de oferecer sua ajuda sem perguntar a ela primeiro. Ela encontrou os olhares dos três adultos grudados nela. O irmão pareceu não perceber seu desconforto com a saia justa em que ele a tinha colocado e continuou. — É ela que cuida da minha contabilidade e eu nunca vi olho melhor pra pegar qualquer errinho.
Não que ela se importaria de ajudar o Fred, sua atenção detalhista era o que fazia dela uma ótima contadora, mas... e sua intenção de ficar afastada dele?
O Fred pareceu perceber sua hesitação e a pontinha de esperança que tinha brilhado nos olhos castanhos por alguns breves segundos, se apagou.
— Claro que não. Eu não vou fazer você trabalhar nas suas férias — ele lhe deu uma saída fácil, tirando das suas mãos a delicada tarefa de precisar se negar.
Foi o que fez com que ela se decidisse. Se mesmo com toda a distância que ele estava impondo aos dois, ele tinha considerado receber sua ajuda, era porque ele estava precisando. E ele a tinha acusado de falta de generosidade, ali estava a chance de provar que ele tinha se precipitado ao formar uma imagem negativa dela sem conhecê-la direito. Respirando fundo, sem acreditar no que ela ia dizer, a Mariana deu sua resposta:
— Muita gente acha que eu estou sendo irônica quando eu digo isso, mas é verdade, uma auditoria fiscal, por menor que seja, é o mais perto do paraíso que eu posso chegar.
— Se você não se importar mesmo? — O Fred inclinou a cabeça de lado, a sombra de um sorriso querendo escapar. — Porque eu só estava sendo educado antes. Eu estou aceitando qualquer ajuda. Menos a da Bia. — Ele se virou para a irmã. — Não me leva a mal.
— Eu realmente não me importo — a Mariana confirmou enquanto a Biatriz revirava os olhos.
— Então, senhorita. — O Fred fez um gesto com os braços para ela passar na frente. — O caminho do seu paraíso é por aqui.
Um calafrio desceu pela sua coluna quando ela passou por ele. A vontade de olhar por cima do ombro e ver se ele estava olhando seu traseiro de novo, era enorme, mas ela resistiu. Aquilo, nada mais era que um trabalho, e ela ia encarar com profissionalismo.
— A gente vai pra sua casa? — ela perguntou mesmo achando que sabia a resposta.
Ele a alcançou e a olhou com a testa franzida.
— A gente pode ficar aqui, se você preferir, mas eu acho que lá em casa ia ser mais tranquilo.
Como se para provar o argumento dele, as risadas altas das Amanda e da Alícia encheram o ar. As duas estavam com a corda toda e não pareciam que iam dormir nas próximas vinte e cinco horas.
— Não, por mim, tudo bem. — Ela esperou ele levantar do chão as duas caixas de papelão que o funcionário da clínica tinha deixado lá mais cedo, e abriu a porta para ele passar.
— Obrigado — ele disse depois que ela começou a andar do lado dele. — Por me ajudar também. Eu tento não deixar pra última hora, mas todo mês é mesma luta. Se eu quisesse trabalhar com números, eu tinha estudado matemática, não medicina.
Ela quase continuou andando quando ele abriu a porta de um carro preto e colocou as caixas no banco de trás.
— Você veio de carro? — ela não conseguiu deixar a surpresa de fora da voz. A Bia tinha apontado a casa dele mais cedo, e não ficava a mais de cinco minutos de caminhada.
— Eu sei que eu sou forte. — O Fred levantou o braço direito com o cotovelo dobrado e bateu no bíceps esticando a manga da camiseta. — E normalmente eu venho andando, mas você viu as duas caixas que eu precisei trazer?
Verdade. Eles tinham decorado a árvore de Natal com os enfeites que eram da mãe dele, que ele tinha trazido de casa dentro de duas caixas plásticas enormes.
— Você não se importou da Bia usar os enfeites todos? E a sua árvore de Natal?
— Eu não montei árvore na minha casa. — Ele bateu a porta e andou para o lado do motorista. A Mariana fez o mesmo em direção à porta do carona. Depois que ela e o Fred entraram, ele continuou falando. — Eu vou lá só pra tomar banho e dormir. O resto do tempo, ou eu estou trabalhando, ou na casa da Bia. Pra que perder tempo com decoração?
Eles fizeram os dois minutos do caminho em silêncio. Depois que o Fred voltou a pegar as caixas, a Mariana o seguiu até a porta de entrada da casa dele.
— Abre pra mim, por favor? Está destrancada. — Ele riu da cara de espanto que ela fez. — Parece loucura, né? Porta destrancada em pleno Rio de Janeiro, mas aqui no condomínio não tem perigo nenhum. É quase uma cidade do interior.
A Mariana entrou depois que o Fred acionou o interruptor de luz com o cotovelo e o seguiu, fazendo o favor de também fechar a porta para ele. Pelo que ele disse sobre só ir em casa tomar banho e dormir, ela imaginou um ambiente típico de homem solteiro, ou no caso, divorciado. Roupa suja espalhada pelo chão e copos usados pelos móveis, mas a casa do Fred não era bagunçada, pelo contrário, ela era... vazia. Como se ele tivesse se mudado há pouco tempo e ainda não tivesse acabado de mobiliar. O que não fazia sentido. Pelo que a Bia tinha falado, ele morava ali há, mais ou menos, dois anos.
Ele levou as caixas até a mesinha de vidro que ficava em frente a dois sofás dispostos em forma de L.
— Nós vamos ter que trabalhar aqui. Desculpa a falta de jeito, mas... — Ele olhou em volta, coçando a barba, sem graça.
— Não tem problema. Aí, está ótimo.
— Eu não sei se você sabe, mas essa era a casa dos meus pais.
— A Bia comentou hoje, na hora que a gente passou aqui na frente, indo pra praia. Ela disse que você se mudou pra cá com a sua esposa depois do acidente.
— A gente nem pensou em vender, não só pelo valor sentimental, mas como eu acabei de dizer, aqui é super seguro e tranquilo. — O Fred começou a tirar os poucos enfeites da mesinha, abrindo espaço.
— Você não precisa me explicar. — A Mariana sentou na pontinha do sofá. — O nosso apartamento de Copacabana? A gente também não vendeu, pelos mesmos motivos. Não que lá seja seguro e tranquilo, mas foi o lugar que nós três crescemos e se a gente vender, nunca mais consegue comprar nada parecido. Até os móveis ainda são do tempo dos meus pais.
— A Camila, minha ex, quis mudar algumas coisas, o que eu achei justo. Por exemplo, a mesa de jantar. — Ele apontou um enorme vazio num canto da sala. — Ela quis trazer a que era da nossa casa, e a Bia acabou ficando com a que estava aqui. Quando a Camila foi embora, ela levou a mesa, e até hoje eu não comprei outra. Isso e um monte de outras coisas. Como eu disse, eu praticamente moro na casa da Bia.
O coração da Mariana se apertou com o tom de voz desolado. Devia ser bem triste e solitário morar sozinho naquela casa enorme e cheia de lembranças, dos pais e da ex-esposa. Ainda que ele passasse quase que o tempo todo livre com a irmã e as sobrinhas, era na hora de dormir, no escuro da noite, que a solidão costumava bater com mais força. Ela sabia, porque acontecia com ela.
— Há quanto tempo você está separado? — Só depois que perguntou, a Mariana percebeu como tinha sido inconveniente e intrometida. Aquele não era o tipo de pergunta que se fazia para uma pessoa que você mal conhecia. — Desculpa. Não precisa responder.
— Eu não me importo. Oito meses, oficialmente, mas a gente estava tendo problemas há mais tempo.
Ele se ajoelhou no chão e abriu uma das caixas, tirando uma pilha de papéis de dentro, e a Mariana entendeu que, mesmo que ele não tivesse se incomodado em responder, era o fim do assunto. Ela o imitou, se ajoelhando do outro lado da mesa.
— O que é que a gente tem que fazer?
— Essas são as notas fiscais de compra. Peraí. A gente vai precisar do meu notebook. — Ele largou o bolo de papéis e levantou.
A Mariana pegou a primeira folha, uma nota fiscal, que pelos nomes parecendo palavrões, devia ser de remédios. O Fred voltou, colocou o computador em cima da mesa, levantou a tela e espetou um pen drive do lado.
Ele demorou alguns minutos explicando como eles precisavam comparar as compras feitas, com a quantidade de material usado, que precisava bater com o número de procedimentos executados na clínica. O que tornava a tarefa complicada era que eles tinham três tipos de compras, de material cirúrgico e farmacêutico, alimentos para a cozinha, e de limpeza e escritório.
— Deu pra entender? — ele perguntou com a expressão de quem tinha acabado de ser centrifugado na máquina de lavar.
— Entendi. — A Mariana assentiu. — Basicamente, você quer saber se não tem ninguém desperdiçando, ou levando, nada pra casa.
— E se está tudo funcionando como deveria. Eu sei que parece falta de confiança nos funcionários, mas...
— Não é questão de confiar ou não — a Mariana o interrompeu. — Mas se você não tiver um certo controle, alguém pode sim se aproveitar. O Lourenço já pegou vários funcionários achando que não tem problema levar só uma garrafa de uísque importado pra casa, já que a gente tem tantas.
— Eu imagino que a cobiça por bebida alcoólica é maior que a de imunossupressor. — O Fred riu da sua cara de confusão, apontando para o primeiro item da nota que ela ainda segurava. — É um medicamento pra diminuir o risco de rejeição num transplante de fígado, por exemplo. Se bem que se você considerar que uma das maiores causas das doenças hepáticas é o excesso de bebida, daqui a alguns dias a demanda vai estar igual, mas me desculpa. Eu arrumo qualquer pretexto pra enrolar e fugir desses relatórios, e falar de medicina é o meu preferido. Voltando ao trabalho, tudo isso que eu expliquei, tem que conferir com as planilhas.
— As planilhas, claro. — Ela não conseguiu evitar que a sua voz saísse como a de uma criança na porta da sorveteria ao acompanhar o Fred abrindo vários arquivos no computador. — E como é que você quer fazer?
O Fred a olhou com um meio sorriso como se estivesse tentando decidir se ela estava realmente entusiasmada ou era louca. No caso, as duas opções se aplicavam e ela sentiu as bochechas queimando de vergonha. Só uma pessoa muito patética se animava daquela maneira por causa de um monte de números numa planilha, mas era fácil gostar de matemática. Era uma ciência exata onde dois mais dois era sempre quatro e não como alguns homens que fingiam ser honestos e solteiros quando, na verdade, tinham mulher e filho em casa.
— Já que você parece gostar tanto das planilhas, que tal se a gente fizesse assim: você vai lendo as notas fiscais e conferindo as entradas no computador, e eu comparo com os relatórios de uso e procedimentos, porque é mais fácil pra mim, enxergar se alguma coisa está fora do normal.
Eles gastaram quinze minutos para conferir a primeira nota fiscal, o que fez a Mariana achar que eles iam levar o resto do ano para chegar ao fim da pilha, mas, depois, encontraram um ritmo e o trabalho fluiu fácil.
As planilhas não eram muito diferentes das que ela estava acostumada a usar, e ela precisava admitir, o departamento de contabilidade da clínica era nota dez. Eles tinham feito de tudo para facilitar a conferência, inclusive com um sistema de cores que agrupava as compras, já que, às vezes, um mesmo material vinha de fornecedores diferentes. O Fred riu quando ela mencionou aquilo, dizendo que nunca tinha entendido o porquê dos pontinhos coloridos nos cantos dos papeis. E ele tinha coragem de dizer que fazia aquilo todo mês, ela mordeu a língua para não soltar a recriminação em voz alta.
A Mariana tinha muita facilidade em se concentrar no que estava fazendo e desligar o resto do mundo, o que podia tanto ser considerado com um defeito, como uma qualidade. Só quando o Fred bocejou e se alongou, foi que ela pensou em conferir a hora no relógio do cantinho da tela do computador.
— Nossa! São mais de meia-noite. Você deve estar exausto. — Ela correu os olhos pela camisa branca que ele usava, lembrando que ele tinha ido direto do trabalho para a casa da Bia.
— A gente não precisa terminar hoje. — Ele abaixou os braços antes que ela pudesse admirar a barriga dele novamente. — Eu preciso de tudo pronto só na segunda. E eu tirei o dia de folga amanhã pra trabalhar nisso. Se você não se importa, eu estou um pouco exausto.
— Claro! — Ela olhou para os montes de papeis na mesinha entre eles. — E como é que a gente faz?
— Deixa aí. Vantagens de se morar sozinho. Ninguém vai mexer.
Ele riu e se levantou. A Mariana o imitou, passando as mãos pela parte de trás do short, para limpar a poeira do tapete.
— Eu vou andando, então.
— Eu vou te levar — ele se ofereceu.
— Não precisa. Você mesmo disse que o condomínio é seguro.
— Eu faço questão, mas antes, eu queria trocar uma ideia com você, se você puder?
Seu coração deu um pulo, mas eles tinham acabado de passar mais de duas horas juntos e, nem uma vez, ele olhou para ela, ou falou nada que demonstrasse que ele não estava tratando sua ajuda com os mesmos profissionalismo e distância que ela. Devia ser sobre a Biatriz e a Alícia, e ela se acalmou.
— Tudo bem? — Ela odiou a insegurança que sua aceitação em forma de pergunta demonstrou.
— Você quer beber alguma coisa? Eu não te ofereci nada antes, desculpa. — Ele coçou a barba. — Eu só não tenho muita opção. Eu tenho água...
— Ou água? — ela brincou quando os segundos se esticaram com ele tentando lembrar o que tinha para oferecer. — Eu aceito água, por favor.
— Eu já volto — ele prometeu, com um sorriso agradecido.
Mesmo com a afirmação do Fred de que ninguém ia mexer em nada, a Mariana pegou os enfeites que ele tinha tirado da mesinha mais cedo, e os colocou em cima das pilhas de papel. Uma rajada de vento e eles perderiam muito tempo para colocar tudo em ordem, outra vez.
Ela estava esperando no sofá, quando ele voltou com o seu copo de água numa das mãos, e duas taças e uma garrafa de vinho branco na outra.
— Eu achei esse vinho esquecido na geladeira. — Ele estendeu a água para ela e sentou a uma almofada de distância. — Você aceita? Eu preciso de um pouco de álcool pra apagar esse monte de números da minha cabeça antes de conseguir dormir.
Enquanto ele derramava o líquido amarelado numa das taças, ela bebeu um gole de água bem devagar. Aquela não era uma boa ideia. Seus problemas com o Eduardo tinham começado com uma inocente taça de vinho.
Todos os seus sentidos mandaram avisar que era para ela agradecer, recusar e ir embora, mas ela já tinha mencionado como sua força de vontade nunca tinha sido muito forte?
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