Capítulo 27
♥ Fred ♥
Machista, eu nunca fui, mas não posso negar que entrar em casa, sexta à noite depois do trabalho, e ser recepcionado por um cheirinho delicioso de comida e pela Mariana sorridente saindo da cozinha de avental, deu uma sacudida nos meus genes de homem das cavernas. Ou, pelo menos, nos meus genes de homem do século passado.
Mas caí na real antes de sentir o puxão de orelhas imaginário da minha mãe, que tinha me feito encher cinco folhas de papel com a frase: lugar de mulher é onde ela quiser, no dia que eu não deixei a Bia jogar vídeo game comigo e meus amigos porque corrida de moto não era coisa de menina.
O mais importante naquele cenário não era a comida. Ou o avental que, de boa, eu nem ligava se desaparecesse, de repente, junto do vestido e tudo que ela estivesse usando por baixo. E não, não era machismo porque eu também não me importava de ficar pelado junto com ela, enfim... O principal era o olhar da Mariana se enchendo de calor ao me ver, e saber que aquele era um vislumbre do meu futuro: todas as minhas noites do lado dela.
― Que surpresa gostosa! ― Eu larguei a pasta com o notebook no sofá e fui até onde ela estava. ― Mas a gente não ia sair?
Tinha sido o combinado na nossa troca de mensagens mais cedo.
― Desculpa ter invadido a sua casa e mudado os planos por minha conta. Aliás, você precisa começar a trancar sua porta. É que eu estou um pouco cansada, você se importa?
― De quê? De ficar em casa com você? Só se eu for louco. ― Eu a peguei num abraço, uma mão na base da coluna segurando ela pertinho de mim, a outra, emoldurando o rosto que eu tinha contado horas, minutos e segundos para rever. ― Eu morri de saudades.
Eu baixei a cabeça com toda intenção de manter o beijo suave, mas eu devia saber que aquilo era mais complicado que a colecistectomia que eu tinha feito naquela tarde. Foi uma boca encostar na outra que faíscas começaram a voar. Era como se as minhas baterias se descarregassem na ausência dela e quando eu estava perto, a minha vontade era sugar para dentro de mim todas as coisas Mariana, principalmente as declarações de amor que eu não me cansava ouvir. Incrível como há dois dias eu não sabia que aquele sentimento existia e eu já não podia viver sem ele.
A insanidade parecia recíproca pela maneira que ela me agarrou, rolando a língua com gosto de alho e vinho na minha, deixando aquele barulhinho parecendo uma gatinha miando escapar do fundo da garganta. Nem parecia que a gente tinha se visto na noite anterior, mas quase vinte quatro horas sem a Mariana era o equivalente a vinte e quatro mil anos na minha contagem de tempo.
A tarde e noite depois da audiência, nós passamos na cama, causando um estrago considerável no meu estoque de camisinha. Matando a saudade em beijos e carinhos, conversas e planos. Enchendo os lençóis de farelo de pizza (culpa minha, a Mariana acusou, por ter colocado ideia na cabeça dela). Fazendo tudo o que eu disse que eu ia fazer com ela e um pouco mais.
O dia seguinte trouxe o retorno à realidade na forma de um café da manhã cheio de novidades na casa da Bia, começando com a Alícia super à vontade com o Lourenço feliz da vida, sem se importar por ainda estar sendo chamado de tio pela filha. Grandes mudanças em pequenas doses, a minha irmã explicou. Mesma razão por ela ter esperado as meninas estarem distraídas com o cachorrinho novo antes de contar do pedido de casamento do Lourenço. Eles queriam usar o tempo até o divórcio da Bia sair para deixar a Alícia e a Amanda se acostumarem, aos poucos, com a ideia de outro homem dentro de casa.
E, claro, a lista infinita de perguntas que eles tinham para nós. Que eu e a Mariana respondemos o mais sinceramente possível sem entrar em detalhes, porque não era da conta do Lourenço que eu e a irmã dele tivemos um trato para ter um filho, e a Bia não ia querer saber que o irmão dela era um babaca que negava orgasmos a uma mulher por castigo. (O mais certo era que ela não queria ouvir o meu nome e a palavra orgasmo na mesma frase de jeito nenhum. Amém!)
Eu até pensei em tirar outro dia de folga, mas a Mariana e o Lourenço tinham combinado passar o dia visitando imóveis para o futuro possível barzinho/restaurante/boate que ele estava pensando em abrir, e acatei o chamado da responsabilidade e fui trabalhar. À noite, eu levei todo mundo para jantar, nossa comemoração atrasada pela vitória da Bia, e só não continuei na minha bolha de perfeição porque a Mariana tinha outro longo dia de visitas com o Lourenço e o corretor imobiliário e, ao invés de voltar comigo para casa, preferiu ir com o irmão para Copacabana.
E se ela estava cansada para sair, não tinha problema. Em casa era mais fácil mesmo, mostrar a ela o tamanho da minha saudade. A gente podia jantar, assistir aos cinco primeiros minutos de um filme qualquer e passar o resto do tempo ignorando a televisão ligada.
Mas antes, o aperitivo, porque eu estava faminto.
— Espera, Fred — ela pediu, quando eu a sentei no encosto do sofá e deslizei a mão pela coxa macia, empurrando a saia para cima. Ela precisou respirar várias vezes antes de conseguir continuar. — A gente não pode fazer isso agora. Eu estou com duas panelas no fogo.
— Você não precisava ter cozinhado. Se você está cansada, a gente podia ter pedido comida.
— Não é nada de mais. É só um risoto de abóbora com ricota e uma salada. E eu gosto de cozinhar.
— Só? — eu perguntei junto com o ronco alto e vergonhoso que o meu estômago soltou. — Isso é um banquete. Mas se eu não me engano, a única coisa que eu tinha no armário da cozinha era miojo.
— Que eu joguei fora porque estava vencido. Eu dei uma passada no supermercado e... — Ela levantou a mão cortando o meu protesto por ela estar fazendo compras para a minha casa. — Aproveitei e trouxe tudo o que a gente precisa pra não ir filar o café da manhã na casa da sua irmã, de novo.
— Quer dizer que você vai dormir aqui?
— Se você me quiser? — Ela replicou mordendo o lábio. Eu tinha sérias desconfianças que ela tinha descoberto o meu ponto fraco e estava se aproveitando de mim. No que eu era totalmente a favor, só para constar.
— Mariola, mariola... — Eu apertei as mãos na cintura dela a trazendo para mais perto de mim. — Pra uma mulher tão inteligente, você faz umas perguntas tão bobinhas...
Eu tentei outro beijo, meu prêmio de consolação por ter que colocar meu tesão em pausa, mas ela me impediu, descansando a palma da mão no meu peito.
— Sério, eu preciso voltar pra cozinha ou jantar vai queimar.
— Tudo bem. — Dei um passo atrás e a ajudei a descer do encosto do sofá. — Eu vou tomar um banho rápido, pode ser?
— Pode — ela respondeu e quando eu me inclinei para pegar meu notebook, ela colocou a mão por cima da frente da minha calça estufada. — Mas nem pensa em cuidar disso aqui no chuveiro, entendeu? Essa é a minha sobremesa.
— Eu vou ter que tomar banho frio e eu odeio água fria... Aaah... — Eu perdi o rumo com o leve apertão da mão dela. — Fica tranquila, eu vou me guardar pra você.
Ela foi para cozinha, rindo, e eu voei pela escada. A visão de uma bolsa de viagem pequena em cima da cama, me fez soltar uma gargalhada por nada. Eu não estava sendo otimista ao estimar que lá dentro tinha roupa para a Mariana passar mais que uma noite. Uma das nossas conversas, entre uma e outra sessão do melhor sexo da minha vida, foi sobre como a nossa intenção de adiar a chegada do Fred júnior por alguns meses não significava que ela queria esperar para voltar a morar no Rio, mas ela ia ter que voltar à Porto Alegre antes da mudança em definitivo, e eu queria todo o tempo possível com ela.
Eu não tomei banho frio, mas também não bati uma, ainda que ela nunca fosse saber. Pau duro era meu estado normal perto da Mariana, mas eu gostava da antecipação, de saber que o orgasmo seria melhor porque seria com ela.
Eu me distraí no chuveiro fazendo planos. Eu ia arrumar um tempinho no fim de semana para ir com ela em uma loja de móveis. Comprar uma mesa de jantar nova. Se ela gostava de cozinhar, o mínimo que eu podia fazer era providenciar um ambiente melhor que o aperto da mesa da cozinha para nossas refeições. Comprar uma cama nova. A suíte principal era mais espaçosa, tinha um banheiro maior e melhor, e um closet enorme onde ela ia poder deixar algumas coisas, para não precisar ficar trazendo bolsa quando quisesse passar a noite. Ou o fim de semana. Ou o resto da vida.
Apesar de ser um jantar em casa, a Mariana tinha se arrumado para mim, e fiz o mesmo por ela. Vesti uma calça jeans preta, uma camisa social estampada de azul-claro e escuro e calcei um mocassim de couro que, por incrível que pareça, eu podia usar sem meia e não ficava com chulé. Porque todo mundo sabe que chulé só é aceitável depois do terceiro mês de namoro, logo depois de fazer xixi com a porta do banheiro aberta e bem antes do famoso peido "acidental".
Desci as escadas, indo ao encontro da Mariana, rindo das minhas idiotices, ou só rindo porque eu estava indo ao encontro da Mariana.
O primeiro sinal que a noite estava prestes a sair do rumo me veio quando eu entrei na cozinha e encontrei a Mariana parada, encarando o ar na frente dela, como se estivesse resolvendo uma equação complicada de cabeça e mordendo o lábio de uma maneira que, com certeza, não era para me provocar.
— Que foi?
Ela balançou a cabeça antes de me olhar.
— Eu fiz uma coisa que eu não sei se eu devia ter feito? — Ela balançou a cabeça outra vez e pôs a mão no decote do vestido, brincando com a costura. — O interfone tocou e eu atendi.
— Claro que você devia ter atendido o interfone. — Eu me aproximei começando a ficar preocupado de verdade. Pela reação da Mariana, vinha bomba. — Quem era?
— Não. Eu sei que eu podia ter atendido o interfone, não é isso. Mas o porteiro falou que é a Naiara e eu deixei ela entrar?
Bum! Estilhaços, fumaça e sangue pra todo lado.
Que porra a Naiara queria comigo que não podia esperar até segunda-feira? Desde a véspera do Natal, quando eu devolvi os documentos para ela, a gente não tinha trocado mais que algumas palavras rápidas e inofensivas. Talvez, fosse problema com o namorado? Verdade que eu tinha oferecido meu ombro amigo se ela precisasse conversar, mas daí a tomar a liberdade de vir na minha casa?
— Ela costuma vir aqui? — a Mariana perguntou, a voz pequena e trêmula.
— Não! — Segurei as duas mãos dela entre as minhas. — Ela só veio aqui uma vez, quando ela me deu carona depois da festa na Lapa. E ela nunca entrou nessa casa.
A minha consciência não ficou à vontade com a omissão distorcida, mas aquela não era a hora de confessar que eu tinha transado com a Naiara dentro do carro.
— Escuta. — Abracei a Mariana. Ela não me empurrou, mas não me abraçou de volta. — Eu juro que eu não tenho a menor ideia do que a Naiara pode estar querendo comigo. Ela não foi trabalhar hoje, e eu só sei porque eu escutei alguém comentar que ela tinha ido ao médico, não porque eu senti falta dela na clínica. Talvez, ela esteja doente, precisando da minha ajuda com alguma coisa?
Lembrar daquele detalhe me acalmou. Não tinha outra explicação. Aquilo pareceu relaxar a Mariana também, que saiu do meu abraço, mas não estava mais com cara de quem tinha visto assombração.
— Sem problema. Eu vou subir e deixar vocês à vontade.
— Não, você fica comigo. Eu não tenho nada pra esconder de você!
Era verdade. Eu não achava que a Naiara tinha ido ali para falar sobre a nossa transa, e mesmo que falasse, eu me virava. Não era como se eu tivesse feito nada errado, eu não tinha nada sério com a Mariana quando aquilo aconteceu. E o que importava ali, era mostrar à mulher insegura e desconfiada na minha frente que ela era mais importante que qualquer assunto com a Naiara.
Minha declaração veemente me fez ganhar um ensaio de sorriso.
— Se for problema de saúde, ela não vai querer falar na minha frente.
— Justo. Você fica comigo até a gente descobrir o que ela quer. Se ela não quiser falar na sua frente, você sobe.
Eu tinha meus motivos para insistir. Na pequena e louca chance da Naiara estar vindo me procurar para um replay, ver a Mariana do meu lado ia resolver logo a parada, e se a Naiara ficasse constrangida, problema. Eu nunca disse que ela podia me procurar em casa.
— Tudo bem — a Mariana aceitou junto com o som da campainha ecoando pela casa. — Eu vou desligar o fogo e você vai abrindo a porta.
Minha cabeça estava a mil enquanto eu atravessava a sala, mas controlei o instinto de pular com os dois pés na pior hipótese. Surpresas nem sempre eram ruins. A Mariana mesmo, não estava me fazendo uma, bem legal, cozinhando nosso jantar?
Eu abri a porta e encontrei a Naiara de costas, como se estivesse prestes a ir embora.
— Naiara? — eu chamei e ela deu meia volta com o que eu achava que era para ser um sorriso, mas os músculos do rosto dela pareciam paralisados e saiu falso e distorcido e um pouquinho assustador.
— Eu não devia ter vindo. — Ela deu um passo à frente, mudou de ideia e deu um passo para trás. — Eu devia ter esperado até segunda, mas...
— Você já está aqui — eu incentivei quando ela não continuou. A Naiara era uma moça sensata, eu lembrei a mim mesmo, ela não estaria ali se não tivesse um motivo válido.
— Desculpa ter vindo sem avisar, mas eu precisava conversar com alguém... eu não sabia aonde ir... eu...
— Tudo bem, Naiara. Não tem problema. Por que você não entra?
O meu convite fez os ombros dela caírem de alívio e ela aceitou, assentindo com movimentos rápidos e curtos.
— Obrigada.
Eu fechei a porta depois que ela passou e fui atrás, mas assim que percebeu a Mariana parada atrás do sofá, os pés da Naiara grudaram no chão.
— Naiara, você lembra da Mariana? Da festa de Natal? — eu perguntei, mesmo tendo certeza que ela lembrava. Não tinha tanto tempo.
— Droga! — A Naiara ignorou as minhas perguntas e massageou a testa. — Eu estou atrapalhando a noite de vocês. Me desculpa, de novo, doutor Fred. Se não fosse importante...
A Naiara empalideceu e balançou igual a um joão bobo, parecendo prestes a desmaiar. Estendi a mão para segurar o braço dela, mas ela não deixou.
— Está tudo bem. Posso só sentar um pouco?
— Claro. — Eu fiz sinal mostrando o sofá. — Você quer alguma coisa? Um copo de água?
— Eu aceito, obrigada — ela desabou nas almofadas.
— Eu pego — a Mariana se ofereceu.
— O que aconteceu, Naiara? — Eu sentei do lado dela. — Você não está nada bem.
— Acho que a minha pressão caiu.
— Eu fiquei sabendo que você foi ao médico hoje — eu disse, sem conseguir não buscar o pulso dela. Ela estava com a mão fria e os batimentos acelerados, o que confirmava a suposição da pressão baixa. — Você está doente? É grave?
— Não é grave, mas é por isso mesmo que eu vim.
— Aqui. — A Mariana voltou com o copo de água e entregou para a Naiara.
— Obrigada — ela agradeceu, envergonhada, o que, pelo menos, fez um pouco de sangue voltar ao rosto dela. Ela tomou um gole da água e segurou o copo com as duas mãos. — Eu sei que é uma tremenda falta de educação, mas o assunto é pessoal e...
A Naiara terminou com uma olhadinha para a Mariana, que respondeu com um sorriso compreensivo.
— Eu vou deixar vocês sozinhos. — Ela colocou a mão no meu ombro e coloquei a minha por cima até ela andar, puxar a mão e eu ficar segurando meu próprio ombro.
Enquanto o som dos passos da Mariana subindo a escada martelavam o silêncio na sala, a Naiara terminou a água e colocou o copo na mesinha, antes de se virar para mim e respirar fundo.
— Eu estou grávida — ela disse de uma vez.
Eu processei a informação por alguns segundos, sem saber o que dizer, sem entender por que ela tinha vindo na minha casa me dar a notícia.
— E tem algum problema com a gravidez? — eu perguntei e ela negou com a cabeça. — O problema é com o Cléber, então? Vocês brigaram de novo?
— Não. Eu e o Cléber nunca estivemos tão bem e é justo isso... — Ela riu e enxugou uma lágrima. — Eu não tenho certeza se o filho é dele...
Eu sei que sou lento para umas coisas e, naquele caso, a ficha demorou mais a cair porque era impossível, mas o jeito que ela me olhava, meio desesperada...
— Não pode ser, Naiara! Eu lembro de usar camisinha!
Fechei os olhos e, na minha cabeça, revivi a imagem nítida da hora que eu tinha tirado a camisinha da carteira e, depois, das minhas próprias mãos desenrolando o preservativo em mim. Ele não tinha estourado. Não aconteceu nada que não devia ter acontecido.
— Você usou! — Ela soluçou e eu abri os olhos. — Mas eu só... tive relações com dois caras, você e o Cléber. E eu usei camisinha todas as vezes.
— Você tem certeza? Tem hora que passa batido.
— Eu nunca deixo de usar camisinha com ele. A gente termina e volta muito, e eu sei lá o que ele faz por aí. Eu também não entendi como pode ter acontecido, mas a minha médica disse que a camisinha não é completamente confiável e...
— Eu sei, Naiara!De 97 a 98% de eficácia! — eu falei com tanta raiva que ela se encolheu, e eu respirei fundo. Se a camisinha tinha falhado, não era culpa dela. — Desculpa. É que é difícil acreditar que essa porra deu merda logo na única vez que a gente transou. Quer dizer, você deve ter ficado com o seu namorado mais vezes, a chance maior é de ser dele?
— Eu sei. Mas você conheceu o Cléber no ano novo, você viu que ele é negro. Se eu não falar nada e o neném nascer branquinho, ele vai saber que ele não é o pai, mas se eu falar que tem a chance de não ser dele, ele não vai aceitar. Ele é ciumento e possessivo e a gente está numa fase tão boa...
O choro veio com tudo e cheguei mais perto dela no sofá, a puxando para os meus braços. Ela se agarrou na frente da minha camisa, o corpo balançando com os soluços. Por mais que eu estivesse querendo arrancar minha própria pele com a pequena chance de uma transa casual virar a maior responsabilidade da minha vida, era muito pior para ela, com a certeza absoluta que ia ser mãe. Era óbvio que ela estava precisando de alguém em quem se apoiar e, pelo jeito, aquele alguém era eu.
— Calma. Eu vou te ajudar. Se você quiser, eu vou com você falar com ele?
— Não! — ela quase gritou de pânico. — Eu saí da consulta e dei uma volta e pensei muito. Eu preciso da sua ajuda sim, Fred, mas não é pra contar pro Cléber.
Eu coloquei as mãos nos ombros dela e a afastei de mim.
— Se você está falando de aborto, não conta comigo. Esse nenenzinho aí na sua barriga não tem culpa de nada.
— Não é isso. — Ela limpou as lágrimas do rosto horrorizado. — Eu queria te pedir um exame de DNA. Se o filho for seu, tudo bem, não tem jeito e eu conto pro Cléber. Mas se for dele, ele não precisa saber do que aconteceu entre a gente.
— Naiara, pensa direitinho. Se você e o cara têm esse tipo de relacionamento, sem confiança, sem cumplicidade, talvez, seja melhor mesmo vocês terminarem.
— Falou o homem da história! — Ela cuspiu as palavras. — Pra vocês é muito fácil. Faz o filho, paga uma pensão, vê uma vez por mês e a mulher é que fica com a carga maior de responsabilidade.
— Só pra você saber, se o filho for meu, eu não vou só pagar uma pensão e visitar uma vez por mês! Eu vou te apoiar em tudo e vou participar da vida dele o máximo que eu puder. — Eu cuspi de volta. — E eu faço o DNA quando você quiser.
— Eu li na internet que existe um teste que precisa só de um exame de sangue meu e seu, mas é claro que você sabe disso, você é médico.
— É o teste não invasivo — eu confirmei. — E eu posso estar errado, porque não é a minha especialidade, mas acho que só dá pra fazer depois da décima semana. Com quantas semanas você está?
— Cinco ou seis. E no site do laboratório que eu pesquisei está escrito que já dá pra fazer a partir da oitava. Daqui a duas semanas.
— Tudo bem, então, Naiara. Deixa comigo. Eu vou procurar saber melhor sobre esse detalhe das semanas e a gente faz o teste.
— Que eu faço questão de pagar — ela disse, seca e ríspida.
— Isso é o de menos. Não se preocupa, é do meu interesse esclarecer tudo também, o quanto antes.
— Obrigada. — Ela se levantou. — Eu já vou indo. Eu não quero mais tomar o seu tempo.
Ela parecia tão pequena e frágil, ali parada, olhando o chão, que meu coração se apertou. E como eu tinha me prometido nunca mais ser um babaca com uma mulher, eu não podia deixar ela ir embora daquele jeito.
— Naiara — eu chamei e também fiquei de pé. Ela não se opôs quando eu a puxei pela mão e dei outro abraço nela. — Desculpa o mau jeito, mas foi um choque. Escuta, se você precisar de qualquer coisa, você me procura, entendeu? Você não está sozinha nessa.
— Você não imagina como é bom escutar isso. Eu não sei se eu estou pronta pra ser mãe. É assustador pra caramba.
— Imagino. Pega o seu celular. Eu vou te dar meu número.
Ela olhou em volta da sala, perdida por alguns segundos.
— Eu acho que eu deixei a bolsa no carro?
— Tranquilo. — Eu tirei meu telefone do bolso. — Me dá o seu número.
Depois que ela me repetiu o telefone dela, eu apertei o botão verde, esperei chamar uma vez e desliguei.
— Pronto. Se você quiser, você me liga.
— Eu nem sei como agradecer, Fred. Você é realmente especial. — Ela virou na direção da porta. Eu fui andando do lado dela.
— Eu sei que não é da minha conta, mas pensa direitinho sobre contar pro seu namorado. Ele pode te surpreender.
— Você vai contar pra Mariana? — A pergunta me jogou no chão.
A surpresa de saber que eu podia ser pai foi tão devastadora que o Tico tinha matado o Teco e se suicidado, e eu não conseguia pensar em como aquilo ia afetar o meu namoro de dois dias. A Naiara abriu a porta ela mesma, porque eu tinha esquecido como me mexer.
— Você também pode esperar. — Ela tocou meu braço. — Se você não for o pai, ela não precisa ficar sabendo da minha gravidez.
— Não. O meu lance com a Mariana não é assim. Ela vai entender.
Ele me deu outra sombra de sorriso e foi embora. Eu fechei a porta com o eco das minhas próprias palavras no ouvido. A Mariana ia entender. Ela tinha que entender!
— Puta merda! — Eu apertei os punhos e encostei a testa na madeira na minha frente.
Cara, eu tive muitas mulheres na vida. Não um número exagerado, mas o suficiente para me fazer parar e pensar em por que aquilo não aconteceu em qualquer outra época da minha vida. Por que logo naquele momento, em que o meu relacionamento com a Mariana ainda era uma casinha de papelão, pronta para desabar com o menor dos ventinhos? E vinha logo uma tempestade daquelas!
Eu não estava ficando louco. Eu realmente escutei o destino rindo da minha cara, me apontando o dedo e dizendo: cuidado com o que deseja... você não queria um filho?
— Com a Mariana, seu filho da puta! — eu resmunguei baixinho, com um nó na garganta. — Com a Mariana!
A sugestão da Naiara era tentadora. Eu podia inventar uma desculpa qualquer para justificar a visita dela. A Mariana não tinha motivos para duvidar de mim. As chances do Cléber ser o papai do ano eram muito maiores que a minha e, em todo caso, eu ganhava duas semanas para tentar fortalecer o nosso namoro e pensar num jeito de não deixar aquilo me afastar da Mariana outra vez.
Eu virei para a sala e encarei a escada.
E agora?
Contar ou não contar, eis a questão?
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