11| VOU TE ENCONTRAR
— Ei! Acordem.
Uma voz invadiu os ouvidos de Nina Maldonado, despertando-a de seu sono profundo. Abriu os olhos e enxergou, na claridade da manhã, o menino que encontraram no dia anterior. Estava na mesma posição que quando ela adormecera, os cabelos loiros grudados na testa com o suor e o rosto avermelhado com a veia saltando no pescoço. Ele se remexia na esperança de soltar as cordas que prendiam seus braços mas desistia quando percebia que a força era em vão, suspirando fortemente. Eric estava certo. O nó era realmente firme. Desviando o olhar, enxergou-o deitado no chão, adormecido e aparentemente longe de acordar. De costas para ele, escorada na parede, estava Rebecca com os olhos fechados e com seus cabelos ruivos caindo como uma cascata sobre os ombros até o peito coberto pela camiseta suja de sangue.
Sua mente vagou por um instante, caminhando por entre suas memórias. Lembrava-se de rir com sua irmã quando enquanto corriam pelo quintal e respiravam o ar fresco quando brincavam. Eram crianças e adoravam se divertir. Lembrava-se dos gritos da mãe, furiosa, quando não entravam em casa quando chovia e elas insistiam para continuar brincando. Lembrava-se de estar sentada ao lado de sua irmã na cama durante a noite enquanto a mãe dormia. Conversavam sobre o futuro, sobre como iriam se casar quando achassem o amor verdadeiro, de como iriam ter filhos e de como uma iria cuidar do filho da outra como se fosse seu.
Desde a morte do pai, que adoecera e partira antes mesmo do nascimento das duas, Cassandra, a mãe, sustentava a casa trabalhando em dois empregos. Deixava as crianças aos cuidados da avó enquanto enfrentava o mundo em busca de uma vida melhor. Quando Cassandra perdeu a mãe, as meninas já tinham idade o suficiente para tomarem conta de si mesmas.
As lembranças de Emily foram o impediu Nina de enlouquecer neste lugar. Elas só tinham uma a outra depois que a radiação levara a mãe. Quando chegaram à este lugar, os guardas as separaram e depois disso Nina nunca mais viu a irmã. Ela teve de se manter forte e lutar para acha-la, mesmo sem saber o que encontraria no fim dessa jornada. Em seu coração, ela sabia que Emily estava viva e em algum lugar suplicava ajuda. Vou te encontrar, Em. Juro que vou, pensara na noite passada antes de adormecer.
— Ei — a voz do garoto a retirou de seus devaneios. — Será que você pode me soltar? Não gosto de ser amarrado.
Ela respirou fundo, engoliu fundo e se levantou.
— Não até sabermos quem você é.
— Admiro a tentativa que vocês têm de tentar me conhecer, mas acredito que vocês fazem isso da forma errada.
— E eu acredito que você não está no direito de reclamar de nada. Pegamos leve com você.
— O que quer dizer com isso?
— Não viu o que fazemos com as pessoas que resolvem cruzar nosso caminho? — gesticulou girando a ponta do dedo, indicando os corpos.
Aquilo pareceu perturbar ainda mais o menino. Ficou pálido como uma folha de papel e arregalou os olhos fixados em um corpo deitado no chão sobre uma poça de sangue.
Nina também não sabia quanto tempo mais aguentaria ali com todo aquele sangue e toda aquela gente morta. Não suportava estar perto de sangue. Não importava a quantidade. Lembrou-se de uma vez, quando crianças, em que Emily caiu e ralou seu joelho. O sangue fez Nina congelar enquanto a irmã gritava clamando pela mãe. Irônico, visto que ela assassinara pelo menos uma dúzia de guardas e nem ao menos sentia remorso por isso.
— Vocês vão me matar? Por quê? O que eu fiz? Sou muito jovem para morrer.
— Cale a boca — Nina caminhou até o corpo dormente de Eric e o cutucou até o menino acordar. Seus olhos se abriram e se desviaram para o menino amarrado.
Ele se levantou em um pulo e correu até Rebecca. Ela teve a mesma reação e um segundo depois, todos olhavam para o menino amarrado.
— Ora, ora. A Bela Adormecida acordou — murmurou Eric, caminhando até o garoto.
— Por que nos seguiu, Oliver? — perguntou Eric, pelo que Nina calculava ser a décima oitava vez.
— Eu já lhe disse — respondeu o menino. — Eu me perdi nos corredores e quando cheguei aqui encontrei tudo isso.
— Não parece conveniente? — perguntou Rebecca — Você resolver aparecer exatamente quando White desaparece?
— Eu não sei de nada. Eu juro. Não trabalho para White. Eu só... me perdi.
— E você espera que acreditamos nisso? — retrucou Nina.
— Eu juro que foi isso que aconteceu.
Os olhos de Oliver, então recaíram sobre Eric. Ele pareceu confuso por um segundo enquanto as sobrancelhas se franziam e a boca se abria num formato de "O". Quando pareceu ter ligado os pontos, murmurou:
— Essa roupa. O guarda usava essa roupa.
— O quê? — a pergunta veio dos três em um coro que ecoou pelo refeitório.
— O guarda estava usando essa mesma farda. Eu me lembro.
— Pensei que não conseguia raciocinar direito quando estava perto de sangue — disse Rebecca.
— Não consigo. Mas minha memória é excelente. Me lembro exatamente de como era o uniforme do guarda quando ele me chamou no dormitório. Ele era meio tom mais escuro do que os outros.
Todos encararam o menino confusos.
— Gosto de desenhar, mas isso não importa. É esse uniforme, não é? Você nocauteou o guarda, não?
Eric assentiu e um sorriso se formou no rosto de Oliver, como se ele estivesse feliz por estar certo. O sorriso se transformou numa risada histérica, alta e assustadora. Foi interrompida, então, por soluços e Nina franziu as sobrancelhas, forçando a visão para enxergar se ele estava fazendo o que ela pensou que estava. Então, perguntou:
— Você está chorando?
Ele levantou os olhos e a encarou com um olhar que a invadiu a alma. Ele estava pálido como um pedaço limpo de uma folha de papel e Nina percebeu que ele tremia.
— Sim, já disse que não me dou bem sob pressão e com sangue. Muito menos quando há cadáveres ao meu redor e eu estou amarrado e sendo interrogado por adolescentes que eu nem sequer conheço.
Nina continuou presa no olhar dele por vários instantes até desviar os olhos para os outros. Eric encarava o menino com um desdém estampado na face e Rebecca parecia em dúvida, como se uma parte dela quisesse acreditar no menino e outra parte de sua mente se recusasse. Mas Nina conseguia perceber. Oliver falava a verdade, e tinha algo nele que a fazia acreditar. Ela mesma já passara mal por ter fobia de sangue e ela reconhecia os sinais como ninguém.
Ela caminhou até os dois adolescentes em silêncio enquanto Oliver chorava mais e mais.
— Gente... — ela chamou o mais baixo que conseguiu. Eles se viraram para ela e a encararam. — Podemos conversar?
— Não acho que esta é uma boa hora agora, Nina — disse Rebecca. — Temos que decidir o que fazer com Oliver agora.
— É exatamente sobre isso que quero falar com vocês. Acho que ele está falando a verdade.
Os dois a encararam com os olhos cheios de suspeitas. Eric andou até o fundo da sala, chamando as duas meninas para irem de encontro a ele. Quando chegaram lá, ele se virou diretamente para Nina e disse, num tom muito baixo:
— Sei que quer confiar nele. Eu também quero. Mas acredite quando eu digo que não se pode depositar confiança em todas as pessoas que entram em seu caminho, Nina.
— Eu sei disso, e entendo sua preocupação. Mas, Eric, eu tenho fobia de sangue. Eu já cheguei passar mal daquela forma por simplesmente cortar o dedo quando Emily e eu cozinhávamos. Eu fiquei — então ela virou a cabeça para olhar para Oliver, que respirava fundo e tentava se manter calmo — desse jeito.
— Nina, ele pode muito bem estar fingindo para ganhar nossos corações. Para nos fazer sentir pena dele e para nos apunhalar pelas costas quando menos esperarmos — disse Rebecca.
— Ele não está fingindo, Rebecca. Eu conheço os sinais. Olhe para ele.
Ela olhou e o que aparentava ser dúvida voltou com tudo, calando-a imediatamente.
— Eu não confio nele. Ele aparenta ser um bom mentiroso, mas não me convence — disse Eric.
— Eu reconheço e entendo tudo o que passou até agora, Eric. Sei que deve ser difícil para você confiar em alguém novo. Mas eu estou te pedindo para que confie em mim. Pode fazer isso?
— Eu confio em você, Nina. Só não consigo cofiar nele.
— Eric...
— Nina, não dá. Olhe para ele, parece um lunático.
— Eu também parecia uma lunática! — Nina retrucou, irritando-se. — E não diga que não pensou isso de mim. Não se atreva a negar que não quis confiar na garota que procurava pela irmã desaparecida e provavelmente morta. Mas eu salvei sua vida, Eric. Sua confiança é apenas depositada nas pessoas que salvam sua vida?
Ele empalideceu, claramente não esperava aquela resposta dela. Ela não quis dizer aquilo. As palavras simplesmente saíram de sua boca, sem que ela tivesse controle. Se repreendeu imediatamente pro sequer cogitar que a irmã estivesse morta.
— Nina... eu não quis dizer que...
— Sei que não. E tudo bem se quisesse. Mas Eric por favor...
— Eric — interrompeu Rebecca colocando a mão em seu ombro, o que ganhou sua atenção imediatamente — solte ele.
— Mas... — ele começou, mas o olhar dela secou totalmente qualquer palavra que fosse sair de sua boca. — Espero que vocês estejam certas — e virou as costas andando até o menino, parando apenas para agarrar um pedaço de caco de vidro grande do chão.
O menino arregalou os olhos quando Eric se aproximou dele com a objeto cortante em mãos, mas o pânico foi embora quando as cordas que o prendiam se soltaram assim que o vidro as cortou. Ele se levantou e Nina se surpreendeu ao perceber que o menino era um pouco mais alto do que Eric, embora este fosse mais forte.
— O-obrigado — disse Oliver, quase sem voz.
— Como sabia que ele não estava mentindo? — perguntou Nina à Rebecca.
— Não sabia. Aliás, não confio nele.
— Mas então... por que mandou Eric soltá-lo?
— Porque confio em você.
Nina sentiu um sorriso se formando em seu rosto e assistiu a mesma coisa acontecer com Rebecca.
— Desculpe atrapalhar o momento de garotas entre vocês, mas precisamos decidir para onde vamos agora. Não podemos ficara aqui para sempre.
Nina olhou de Eric para Oliver e depois para Rebecca. Por fim, disse:
— Eu vou encontrar minha irmã.
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