⇝ CAPÍTULO 09: O garoto do cachecol
O jovem estava no cômodo mais alto de umaconstrução relativamente humilde ao norte do Reino da Água. Era Hazael, noOrfanato Peixe Cantante. Era o oitavo andar do edifício, que ficava a alguns metros de diversas praças e becos estreitos.
Foi construído cerca de trinta anos atrás, sob o período do Rei Cruco, o Gordo. Diz-se que o sujeito resolveu realizar a construção após presenciar um órfão sendo espancado por covardes próximo ao Templo da Água. Foi seu melhor ato enquanto Rei, já que afundou o Reino em crise econômica depois disso e foi deposto imediatamente.
Hazael vestia um moletom negro, com o capuz de pele de algum animal no qual nem ele mesmo sabia, na cor branca. O resto das vestes sempre se alinhavam a cor da peça superior.
O quarto estava vazio. Apenas três beliches e dois armários o compunham. Um urso de pelúcia estava jogado ao canto da parede esquerda, esta, pintada de azul bebê e deveras rachada.
A porta, sem maçaneta e com um rombo, se abriu, rangendo. Três crianças entraram. Dois garotos e uma garota.
A menina, aparentemente menor que outros, tinha cachos louros e a pele branca como a neve, enquanto os rapazes esbanjavam a mesma cor no cabelo, mas mais curtos.
— Hazael! – gritaram em conjunto. O elementalista olhou com um breve sorriso.
Em seguida, as lamparinas no teto – havia três, piscaram, e Virgo apareceu frente a porta, o que fez com que as crianças se assustassem.
— O que quer aqui? – perguntou o aluno, e Virgo respirou aliviado.
— Notei sua ausência na Academia. Temi pelo pior.
— Eu estou bem. Você pode ir.
— Quem é ele? – indagou a pequena, agarrando-se à perna de Hazael.
— É um dos meus professores. Não há problema. – disse com um curto sorriso no rosto, acalmando-a. Os dois meninos fizeram cara feia para o desconhecido.
— Não posso ir sem uma explicação ou justificativa.
— Podemos conversar na área externa. –respondeu. — Me acompanhe, por favor.
Virgo se virou, e Hazael deu dois passos, até que menina o puxou novamente. Dessa vez com o aval dos outros dois.
— Não vamos deixar você ficar com ele sozinho! – bradaram em fúria.
— Venham conosco, então. - colocando um sorriso carinhoso em seu rosto.
O quinteto desceu todas as escadarias. Passando por uma cozinha modesta, onde quatro senhoras com aventais trabalhavam em grandes panelas. As escadas, claro, gastas pelo tempo e uso, e as paredes, que em cada cômodo levava uma cor, descascadas.
Quando enfim desceram, passaram por uma porta ao fundo de um corredor de pedras, e chegaram à pequeno espaço pertencente ao Orfanato, onde as crianças brincavam em período livre. Havia bancos brancos acima de um gramado bem cortado e um jardim a alguns metros.
— E então, o que quer? Eu estou bem... E como meencontrou?
— Perguntei a alguns moradores que estavam por perto. Disseram-me que o rapaz de roupa preta e cachecol havia entrado aqui.
— Entendo, mas ainda não me respondeu completamente.
— Você não mora aqui, não é?
— É claro que não... Morei até os quinze anos, conceberam minha liberação aos dezesseis. Vivo na propriedade que meus pais deixaram.
— Sai tão depressa da Academia para passar por aqui, então?
— Em muitas ocasiões. As vezes faço uma visita ao fim da tarde, como hoje.
— E quem são as crianças? Não vejo semelhanças com você. Arriscaria que não são seus parentes.
— Wendy, a menina. Michael e J... - Virgo o interrompeu antes do terceiro nome.
— Entendo. São seus únicos laços?
— Eles estavam chegando quando eu estava para ser liberado. Sobre a segunda pergunta... Eu não sei a definição exata para laços. – respondeu seriamente, ajeitando o cachecol no rosto. — Se tornaram meus companheiros na minha última semana. Prometi a eles que nunca os deixaria e no futuro, daria uma vida digna a todos os órfãos daqui. Agora, espero que o interrogatório tenha chegado ao fim. Não sei o seu interesse em mim.
— Você é meu aluno... É melhor que os outros, não possui amigos, falta a uma aula recente, que por sinal nem pertencia a mim, mas me interessa a postura.
O gramado baixo do local se moveu a uma ventania, e os dois trocaram olhares destemidos, enquanto as crianças brincavam próximo a alguns bancos de madeira e um canteiro de flores coloridas, bem distante.
— Eu posso encarar metade da sua fala como elogio. E a respeito da minha postura, não lhe devo satisfações. Ainda mais fora do ambiente estudantil. Creio que me julgue como arrogante, mas não vejo como essa característica se encaixa em mim. Aliás, não me preocupo com suas dúvidas sobre a minha pessoa. É preferível ficar de olho no protegido que a direção fez o favor de colocar ao meu lado.
— Então você não gosta dele?
— Não me importo... Nós apenas somos pessoas distintas. Um exemplo, eu não tenho privilégios. – seu olhar era mais pesado que o de costume, e sua postura irredutível, tomada por ira.
— Então... Saímos da vaidade e soberba para a inveja.
Hazael cerrou os punhos.
— Você já está me cansando.
— Havia notado um aspecto diferente em você logo na primeira aula, mas acreditei ser apenas um dia ruim. Como todos nós temos.
— Isso não faz diferença para mim.
— Um dia ruim, uma decisão errada... Coisas assim colocam um homem a beira da loucura. Eu não gostaria que um aluno meu se tornasse um lunático, por exemplo.
— Está anoitecendo. É melhor você ir para a casa, professor. – virou os olhos, lentamente, com desdém.
— O cachecol. Você não o tira para que as pessoas não entendam quem você realmente é, não é isso?
Hazael mudou a postura, ficou receoso, cerrou os dentes e esperou alguns segundos até responder Virgo.
— O que quer dizer com isso?
— Deixe-me ver a sua marca.
— Que ingenuidade a sua, professor.
— Você é um dos herdeiros. – respondeu. — Digo, o único da sua família. Você tem um dever com esse Reino. Eu agora entendo sua preocupação com as crianças, os órfãos, o lado misterioso.
— Você fala demais.
Virgo observou as crianças novamente, franziu a testa.
— Vocês formam um trio absolutamente intrigante. Vai ser uma honra acompanhá-los. - comentou em referência ao time formado dias atrás.
— Por que insiste e teima em minha relação com os outros alunos?
— Porque antes a mesquinhez do que a arrogância. – respondeu, uma clara alusão a frase utilizada contra Oliver em dias anteriores. Hazael, obviamente não entendeu, mas não compartilhou da mesma opinião. — O fato de se fazer de duro, de fingir não ter um coração e de não estreitar laços com os outros é grandiosamente patético. Você é um homem, forjado por erros e defeitos, como todos nós. – complementou.
— Suas analises são simplesmente equivocadas, recheadas de erro, e de uma arrogância que você julga a minha pessoa de ter.
— Você se entrega quando sorri para aquelas crianças. Quando visita diariamente os órfãos e quando afirma em todas as letras querer dar um futuro digno para elas. Tire a capa negra que o cobre. Você é uma jóia rara, que facilmente pode cair em mãos erradas.
Hazael suspirou. Olhou rapidamente para os órfãos que corriam de um lado para o outro e voltou seu olhar ao professor.
— Algumas palavras de compaixão, usadas em determinados momentos, podem definitivamente piorar as coisas. A minha vida, o meu passado, a minha mágoa colabora com um lado sombrio, um lado maldito que todos nós temos, mas eu não escondo-o, como os falsos moralistas gostam de fazer. Se julgam perfeitos, apontam os dedos para os outros e se colocam como pilar da verdade. Eu vou dar um basta nisso.
— Ser diferente não lhe torna melhor que ninguém. Só o torna... Diferente. Sua mágoa e seu passado não fazem diferença nisso. Eu também tenho meus problemas. Tenho a minha própria mágoa, o meu sofrimento interno, talvez, seja maior que o seu. Mas isso não me torna uma pessoa melhor que você. Embora você não aceite, as coisas são assim.
Hazael se sentiu derrotado, frustrado. Fechou os olhos por um breve instante, e quando abriu, seu professor estava ao seu lado alguns passos atrás e de costas. Ele se arrepiou, mas logo sorriu maquiavelicamente.
— Uma vida sem propósito... Não é realmente uma vida, não é?
— É uma boa pergunta. Curiosa, eu diria.
— Porque eu serei Rei um dia.
A lua finalmente se ergueu naquele dia, e uma suave brisa noturna também se fez presente. Virgo havia ido embora.
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