⇝ CAPÍTULO 07: Histórias competitivas
Após mas uma estimada aula sobre Criaturas Mágicas, o simpático Furmalor não indicou exercícios para serem feitos em casa, como havia prometido. Mais relaxado que o de costume, Oliver havia obtido êxito médio no ensino da matéria, o que já o deixava em uma situação tranquila no geral.
Entretanto, os dias e tornavam cada vez mais chatos. Tudo bem, havia ocorrido uma humilde melhora em seu quadro emocional, mas não grande coisa. Afinal, sua mãe e seu animal de estimação - se assim posso chamá-lo, estavam desaparecidos e o próprio pouco conversava com seu pai.
Aventuras, nada. Eram apenas aulas, estudos, trabalhos e em breve, o bicho-papão: provas. Era tudo muito insosso. Por vezes, sentiu saudade do tempo em que saiu em busca do Mago Azul e todas aquelas situações inusitadas.
Agora, além de tudo isso, havia um Torneio se aproximando. É verdade que ele não participaria, mas isso não o impossibilitava de ficar curioso a respeito, e a sua última conversa com Mya havia sido interrompida, e ele claramente queria saber mais sobre a tal celebração.
Ao término da aula com o professor Furmalor, Oliver correu ao encontro de sua amiga, afim de retomar o diálogo do dia passado.
— Animada para o Torneio? - disse tentando puxar assunto.
— Nem sabemos se poderemos acompanhar. Vamos esperar para ver a organização final.
O pátio central estava praticamente vazio, havia alguns poucos alunos de turmas desconhecidas jogando conversa fora antes de partirem para suas casas.
— E as arenas? Vamos continuar a conversa de ontem.
— Se está tão curioso, me encontre no portão sul da Academia as sete horas.
— Quer que eu a invada? Mas e os guardas? Você sabe que eles estão fazendo a ronda nesse horário, não sabe?
— Ainda é possível entrar na Academia nesse horário, tolo! - resmungou.
Oliver não entendeu muito bem, mas deu sinal positivo para a companheira.
Daquele horário em diante, tudo foi mais intragável. A hora parecia não passar, mas ela finalmente chegou.
Estava escuro quando Oliver se despediu rigidamente de seu pai, que dialogava ao lado de fora da casa com dois soldados da Água.
Depois disso, rumou para a Academia, mas fez outro trajeto, pegando uma curva lateral a esquerda. Ao passar pelas casas mais humildes e sem chamar a atenção de moradores que conduziam pacotes, caixas e sacos de alimento - e também claro, dos trabalhadores que retornavam as suas casas. Alcançou a parte traseira do destino e Mya o esperava de pé, acima de uma quebradiça calçada e colada a lateral de uma residência com as janelas tortas. Vestia uma calça justa e acinzentada, e uma camisa longa e azul, que passava da pela cintura mas não alcançava o joelho. Uma touca branca cobria sua cabeça, deixando seu cabelo negro escorrer por ambos os lados. Dava a ela um visual diferente de basicamente todas as garotas do reino.
— Que demora, aparvalhado! – reclamou de imediato.
— Eu nunca fiz esse trajeto. A culpa não é minha.
Ele sequer havia se arrumado. Estava de sandálias, calça de couro rasgada e uma camisa de manga longa e negra. Então, claro, ele não demorou por estar procurando a melhor roupa, ele só não sabia o caminho, realmente.
Ambos estavam sem seus bastões, já que não eram necessários. Da lateral, a Academia parecia maior, e a grande parte murada que a cercava mais intimidadora ainda.
— Quer invadir a Academia? Esse é o plano?
— Sim. Alguma ideia melhor?
— Você é realmente doida.
— Ser normal não me parece o melhor dos adjetivos. Então não posso reclamar.
Os dois viraram de frente para a construção, mas uma voz soou por de trás.
— Que bonito. – uma desconhecida voz surgiu. Era fria e calma, muito pacífica. Talvez fosse Virgo, mas não era. Quandos ambos viraram, encontraram Hazael, com sua feição branca e seus olhos cansados. O cachecol circulando quase a metade de seu rosto era peça garantida. Juntava-se a um casaco grosso e negro.
O cabelo escorrido não estava, e sim tombado para o lado direito, quase tampando um de seus olhos por completo.
— Ufa. - respirou forte. — Achei que fosse algum professor. - disse Mya, voltando a olhar para Oliver.
— Então... Vão invadir a Academia? - repetiu exatamente a mesma pergunta, e Mya já estava cansada de ter que ouvir esse questionamento.
— É o que parece. – intrometeu Oliver. — E você, o que faz aqui a essa hora?
— Meu corpo trabalha melhor a noite. - respondeu secamente. — Se me permite a pergunta, vão usar o velho armazém, não é?
Mya adotou cautela, mas curiosa.
— Como sabe?
— Já entrei na Academia à noite. Recorri a passagem.
Depois de alguns minutos jogando conversa fora, Hazael se juntou a dupla, e ambos espreitaram a movimentação de seis guardas. As caras feias vigiavam milimetricamente o recinto, onde havia um pequeno casebre próximo aos muros da Academia. A janela, rachada, e a porta quase pela metade. Quando passaram, havia aquele típico cheiro de coisa velha. Guarda-chuvas, móveis quebrados e diversos armários empoeirados compunham o local. Eles caminharam lentamente, sem tocar em nada.
— No quartinho ao fundo. - disse Hazael.
Mya, corajosa, foi a frente, cuidadosamente.
— Sem guardas por perto?
Oliver virou o pescoço, tentando olhar pela janela.
— Estão trocando de posição. Rápido, adiante. Adiante.
Havia uma espécie de lenço na porta, e ao passarem, se encontraram num outro cômodo. Que curiosamente parecia não existir visto de fora. Era tão sujo quanto, mas vazio de móveis. Ao fundo, um guarda-roupa enorme, coberto por uma manta e teias de aranha. Só havia uma grande porta ao seu centro.
— Basta entrar. É como dizem! - disse Mya, felicíssima.
— Eu não me arrisco a colocar sequer uma mão nessa joça. - reclamou Oliver, e Hazael bufou, descontente. Provavelmente já havia se arrependido de estar junto dos dois, mas agora era tarde demais para voltar.
Como sempre, Mya se arriscou, puxou a manta e abriu a entrada. Colocou o pé direito, e em seguida entrou. Oliver, ressabiado, acabou indo após ver Hazael entrar. Era um guarda-roupa normal, mas nada se enxergava na parte interna. No máximo, um forte cheiro de amônia.
Eles permaneceram na caminhada, que estranhamente demorou entre cinco e dez minutos, até que Mya observou um ponto de luz ao fundo. Era algo similar a uma maçaneta, e a garota puxou sem medo algum. Algo se abriu, e quando o trio botou os pés para o lado de fora, estavam dentro de uma sala.
— Onde estamos? - perguntou Oliver, sem entender absolutamente nada.
— É a estufa de herbologia. - respondeu Hazael.
— Não sabia que existia essa matéria.
— Apenas no ano que vem, tonto. - explicou a amiga, que foi a primeira a entrar.
Era enorme, e ficava sob o gramado da Academia e relativamente distante do restante do local. Estava escuro, obviamente, e pouco se enxergava. Havia um forte cheiro de plantas e ervas. Provavelmente também tinham fungos por ali. A melhor visão enxergaria no máximo detalhes das grandes mesas que ficavam distribuidas e do teto supostamente triangular.
O trio andou um pequeno espaço, e a luz da lua agora iluminava um pouco mais. Acácia, Alagasiana e Beladona foram detectadas por Hazael, mas os jovens não tinham mais tempo a perder. Levantaram a espécie de cortina que fazia o papel de porta e se despediram da estufa.
Agora, restava um enorme campo aberto, próximo a área de muretas onde estudavam Criaturas Mágicas com Furmalor. Estavam tão anestesiados que sequer conferiram a parte traseira por onde entraram. Se havia uma porta, um portal ou outro tipo de passagem.
Correram um longo caminho à noite, até finalmente chegarem a uma das possíveis entradas. Mya tocou a porta de madeira e ela se abriu.
— Como eu disse!
Também como o esperado, ainda haviam funcionários na Academia. Poucos, é verdade, mas havia. A maioria empregados, vestindo trajes brancos e beges, caminhando com toalhas e bacias de água ou panelas.
O trio detectou pelo menos quatro salas com luzes acesas, incluso a da direção, que eles não ousaram passar nem perto.
Mya debandou para a ala norte da Academia. Hazael e Oliver acompanharam-na. Primeiro, se esconderam atrás de uma pilastra, deixando que uma senhora bem magra passasse sem que os visse. Segundo, aceleraram o passo para uma sala vazia. Esperaram um rapaz de manto azul passar, e logo saíram novamente.
Os corredores possuíam pouca estética e muitos quadros, e também é bom mencionar algumas estátuas curiosas que tomavam conta dos locais.
Subiram dois lances de escada até chegarem defnitivamente ao segundo andar, e aqui tudo era mais escuro. Por três vezes Oliver tropeçou e quase foi ao chão, o que deixou Mya a ponto de pular em seu pescoço e esganá-lo, enquanto Hazael se mantinha em silêncio e repetia os passos dos outros dois.
— Por aqui! – disse contente a garota. — A sala de troféus.
— Invadiram a Academia para ver troféus velhos e empoeirados? – indignou-se Hazael, mas Mya o puxou para dentro.
— Está aberta.
— E agora, o que faremos? – perguntou Oliver.
— Você não queria saber sobre o Torneio? Bem, você tem todo um acervo a sua disposição agora.
A sala era realmente grande. Havia pilhas e pilhas de objetos conquistados, além de mesas, gavetas e pacotes, mas o principal mesmo estava nas paredes revestidas e nas inúmeras estantes. Era como uma galeria, com quadros e imagens históricas. Acima, três troféus, lado a lado. O primeiro, mas antigo e velho, claramente visível.
— Incrível. Aqui tem muita coisa. – exaltou Oliver, agora mais animado, visivelmente.
Havia uma armadura enorme, medindo quase dois metros ao lado de algumas prateleiras. Era prateada, com uma serpente azul no peito esquerdo. Hazael observou-a, como se a conhecesse.
— Assim foram disputados os primeiros. - disse em voz baixa, mas ninguém o deu atenção.
Oliver se esticou para puxar o primeiro troféu das estantes. Ao lado esquerdo dele, uma enorme bandeira azul e branca estava esticada.
O objeto dourado estava dentro de uma caixa resistente. Mas dava para ver como o troféu em questão era fino, bem mais que os outros. Se assemelhava a um caneco. Oliver só pôde lê-lo, e Mya e Hazael se aproximaram. Havia uma inscrição.
"Edição 1: aos campeões – Lucius Core & Kascila Esaka"
— São os primeiros campeões. Deve ser o item mais valioso de todos aqui. Tem anos e anos esse troféu. – comentou Mya, ainda sem tirar os olhos.
Hazael logo caminhou para o outro lado, onde havia uma lista de nomes. Provavelmente candidatos a alguma edição, mas ele ignorou por completo. Partiu para a esquerda da sala, onde havia duas espadas velhas e deterioradas encostas na parede junto a uma estátua religiosa.
Se interessou por um manto branco que cobria um colar prateado.
"Em memória de Marjorie Padoh. Falecida na sétima edição do Torneio de Yngvarr."
Oliver se arrepiou. Afinal, alguém havia morrido em disputa. O garoto logo retornou para a posição anterior, e devolveu o troféu a seu lugar de origem.
Haviam muitas medalhas penduradas em armários com camadas distintas. Muitas empoeiradas e outras cobertas por teias. Logo, preferiram não tocar.
Eles permaneceram por mais meia hora, lendo e observando toda a história guardada.
— A Sala de Troféus é realmente fascinante. – disse Mya, efusiva enquanto passava os olhos por todos aqueles objetos épicos.
Mas o mais curioso e o que havia colocado um enorme ponto de interrogação em Oliver era a presença de apenas três daqueles troféis belíssimos e doruados. O restante, era mais humilde e modesto, como se pertencesse a outra categoria, ou nível, mas logo Mya e Hazael comentaram a respeito deste fato quando Oliver questionou.
— É porque a Água só conseguiu...
— Ganhar o Torneio em três ocasiões. – completou Hazael à fala de Mya.
— Exato. – sussurrou a garota.
— O restante são vices. Ou prêmios por participação ou consolo. Ferramentas históricas que marcaram a competição, lembranças a respeito de participantes e coisas do tipo. Mas a verdade é que ninguém liga para os derrotados. - Hazael deu as costas, lentamente. Parecia não querer estar mais ali e de saco cheio da presença dos dois os quais ele julgava como insuportáveis.
— Já são três edições sem ganhar. Bem, olhando recentemente, acho que a Terra anda pior do que nós. Não vencem nada tem quase dez edições. - Mya se pôs de frente.
— E o Fogo? E o Ar?
Mya ajustou a touca, como se estivesse coçando. Estava cansada de ter que explicar tudo, é verdade.
— O Fogo já levou o primeiro lugar em nove ocasiões. Assim como nós, o Ar conquistou o Torneio três vezes. A Terra, quatro.
— Mas qual a forma de disputa?
— Depende. – Mya devolveu uma pequena placa de madeira que havia achado a uma mesa. — Pode ser um torneio de sobrevivência... Apenas estratégia, ou um jogo de sorte. Mas o mais temeroso é quando são batalhas.
— Sobrevivência parece o mais interessante.
— Essa será a vigésima edição. E o Fogo como anfitrião... Com certeza será um registro enorme para os livros de história.
O trio deixou a sala algumas horas depois. Taças, ou troféus... Lembretes históricos, memórias, tradição e objetos icônicos como uma adaga encontrada por Mya, que carregara o nome nome "Calisto" foram obviamente deixados para trás. Ninguém em sã consciência furtaria aquele local. Saíram rapidamente, mas para a infelicidade de ambos, após passarem por tantas salas, notaram a uma longa distância uma movimentação na estufa. Pelo menos quatro guardas e alguns outros funcionários estavam por lá, o que impossibilitou a saída pelo local de entrada.
Eles correram como loucos pela Academia, fazendo até mesmo barulho, até que pararam frente a um desconhecido. Um senhor esguio e muito magro. Possuía um rosto ossudo e poucos cabelos na cabeça. Usava um roupão roxo e gasto, além de uma espécie de bengala bem torta.
— O que fazem aqui neste horário, crianças? - indagou chacoalhando o seu suporte. Antes que os garotos respondessem, o decrépito se pôs a continuar. — Saiam daqui, rápido. Não me interessa como entraram, apenas dêem o fora.
— Mas senhor... Estão vigiando nossa única saída. - Mya foi a única a respondê-lo.
— Senhor, não! Me chamo Adolf. Adolf Esaka, minha jovem senhorita. Andem, criancinhas. Batam o pé para fora e eu não farei fofocas a respeito.
— Como!? Não há saída para nós. - reclamou Oliver.
— Eu vou dar um jeito. Só andem, só andem. Chispem! - gritou como se os jovens fossem cachorros inoportunos.
Hazael, Mya e Oliver fizeram um trajeto por escadas, salas e cômodos, alguns sinuosos e tortos, além de lugares desconhecidos por eles. Quando chegaram a lateral da Academia, só restava pular o muro.
Incrivelmente não havia guardas ali. Sabe-se lá o que o velho Adolf fez, mas funcionou. Eles não tinham como reclamar.
Mya, mais ágil que todos, saltou para fora como um gato. Hazael foi em seguida e Oliver por último. O segundo, deu a ir embora sem sequer se despedir, e Oliver e Mya ainda estavam assustados. Sim, eles perceberam que o sobrenome do senhor era o mesmo que o da participante vencedora da primeira edição do Torneio de Yngvarr.
— Curioso, não...
— Sim... Uma loucura. - respondeu Oliver. — Eu preciso ir embora, já está tarde.
Mya concordou calmamente com a cabeça, e os dois puseram a dar o fora dali.
A lua já prenchia o céu, e a imensidão da noite era total. Foi um dia de descobertas, curiosidades e muita história.
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