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Trilhamento

O palácio roxo estava tipicamente vazio. No reino cinzento de Danagor, não era muito comum a perambulação de magos da aristocracia no palácio. A mando de Morgiana, que odiava os velhos olhando-na.

Dominick lia um livro na biblioteca, sozinha, suas únicas companhias eram o silêncio, uma xícara de chá, e uma gata que dormia na mesa. Ela forçava seu pescoço para baixo, aproximando ao máximo das letras miúdas daquele calhamaço E-e-eu... N-nã-não sei a-a-am-amar o-ou-tra pes-pessoa! Ao concluir a frase em voz baixa, a comandante sorriu, feliz consigo mesma.

— Não sabia que você não sabe ler... — Uma voz medonha e arranhada a chamou.

Dominick olhou para a escuridão ao redor em busca de quem poderia ser, até que na sua frente, olhos vermelhos surgiram. Com mandíbulas expostas e dentes extremamente afiados como pontas de facas.

— Skraz... — Dominick o nomeou, a gata olhou o cão e pulou rapidamente para o colo dela. — Pensei que estivesse em Desanth.

O felino assustado, só acalmou com as carícias da dona.

— Sou um cão das sombras se esqueceu? Posso ir para qualquer canto que possua uma.

— Olha, se veio falar com Morgiana creio que já saiba, ela está tentando satisfazer seus prazeres...

— Ela não desiste desse vício por sexualidade e carnificina... — O cão caminhou para cima da mesa, deitando-se sobre os livros. — Mas falar contigo, ou com ela não fará diferença. Inclusive — Skraz a encarou com aquele olhar fulminante que o gato detestava — Creio que seja um assunto que lhe interesse mais.

— É sobre seu garoto? Como ele está indo? — Dominick fechou o livro, afastando da soltura de pelos do cão.

— Leonis aceitou.

A resposta paralisou o olhar de Dominick por um mero segundo, algo fluiu por seu corpo. — Magia? Ki? Fluxos? — Skraz via apenas um poderoso instinto assassino subindo da ponta daqueles pés até os seus fios loiros, o felino recostado em seu colo não sabia mais de quem tinha que possuir medo, então fugiu rapidamente do local.

— E eu pensando que ele nunca sairia de Desanth... — A amazona soltou uma risada.

— Ele me disse que a promessa que havia feito consigo está por chegar ao fim. Que não havia mais nada que o prende-se.

— Então falta apenas uma peça... — Morgiana recitou na entrada, vestida apenas com um tecido de seda roxo que não escondia seu corpo. Ela caminhou lentamente sobre o tapete marrom enquanto seus subordinados a vislumbravam. Ela foi até uma égide de pedra exposto, com uma peça faltando. — Está na hora de tomarmos nosso próximo movimento Dominick... Skraz — O olhar da rainha era destrutivo, o cachorro se recusou a encará-la — Volte a Desanth, certifique-se de trazer os dois garotos até mim.

— Como quiseeeer... Morgiaanaaaa... — O cão sumiu na escuridão.

— Dominick... — Morgiana se virou para ela, caminhando para se sentar numa cadeira vazia. — Você está lendo! É louvável! Pensei que não pudesse ter mais admiração por ti do que já sentia!

A rainha esboçou um sorriso largo olhando sua protetora. Dominick ficou sem falas, aparentemente desacostumada a elogios.

O rosto da soldada corou, evitando olhar para soberana, deixou que as madeixas loiras caíssem sobre sua feição tímida.

— Senhora... Está segura de tudo isso?

Morgiana se recostou, pegando a xícara de sua amiga e tomando um largo gole.

— Eu e meu melhor amigo, Rex, nascemos aqui em Danagor. Ambos nas ruas, mesmo que só tenhamos nos conhecido na guerra. — Ela começou a estalar os dedos — Nunca lhe disse, pois, é algo meio dolorido em mim, mas o que temos em comum é a compreensão de que o mundo pode ser cruel conosco... mulheres... E com homens como ele... homens que amam outros homens. Desde que me tornei rainha aprendi duas coisas simples: dar crianças de rua um lar é algo maravilhosamente reconfortante.

Morgiana deu uma pausa durante sua fala, dando uma boa respirada.

— Minha ama? E a outra?

— A outra... Que nem tudo pode ser feito com amor... — Morgiana se curvou diante a mesa, levantando com a ponta dos dedos levemente o queixo de sua amazona — Às vezes só se combate ódio... Com ódio...

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