17
DÉCIMO SÉTIMO DIA DE OPORTUNIDADES.
Ohhh, você é um suicida do rock 'n' roll
Você é muito velho para perder, muito novo para escolher
E o relógio espera tão pacientemente em sua música
Você passa por um café, mas não se come quando viveu muito tempo
(Rock 'n' roll suicide, David Bowie)
ATENÇÃO!!
O capítulo a seguir contém uma cena sensível de homofobia, onde é abordada uma descrição de violência contra um dos personagens. Estarei separando a cena com "**" e resumindo o acontecimento nas notas finais para quem não se sentir bem para ler. Lembre-se de que seu bem-estar é o que mais importa e não se force!
A vida te ensina que nada é de graça.
Pessoas não são boas por natureza e todas querem algo em troca. Dinheiro, poder, satisfação pessoal, bem-estar. Não importa. Tudo tem um preço e todos querem que o valor seja devolvido de forma que possa se beneficiar no final. É a lei da vida e, uma hora ou outra, a gente sente na pele que é a verdade.
Só nos resta torcer para entender isso sendo o beneficiado e não o que paga o preço alto pela bondade dos outros. É assim que se sobrevive, afinal.
Meu pai comprou a casa do senhor Choi, o dono do clube. Fazia meio ano que ele desejava sair de vez de Hyegung — sorte a dele —, por isso anunciou que iria vender suas propriedades para recomeçar a vida na capital. Meu pai negociou pela casa, pagando prestações durante vários meses, até que o valor fosse quitado e a escritura passasse para seu nome.
Não conheço seus planos, nunca cheguei a saber. Porém, ao invés de assinar os papéis se pondo como proprietário da casa, ele pôs tudo no nome de sua esposa. Ainda eram casados porque a lei não reconhecia abandonos físicos, apenas o que constava em documentos.
Nunca soube suas intenções, mas era incapaz de confiar nelas. Nos mudamos rapidamente, no domingo, com a ajuda da vizinhança. Precisamos de uns dias para empacotar tudo e cuidar da documentação assinada, além do Éden que aconteceu na sexta-feira. Mamãe não quis aceitar de início, mas percebeu que era uma loucura. Foi assim que conseguimos uma casa de verdade. Mesmo do lado de dentro, com minhas coisas num quarto que seria só meu, não conseguia acreditar que algo tão bom fosse capaz de vir tão fácil.
Uma hora, éramos uma família quebrada no interior de um porão mofado e escuro. Na outra, tínhamos uma casa de dois andares, três quartos, dois banheiros, cozinha, sala, varanda e móveis de verdade. Senhor Choi vendeu até seus malditos móveis e eles estavam ali. Uma cama, um armário, uma escrivaninha e prateleiras que pertenciam ao seu filho mais velho, Haesung.
Eu não tinha nada, então desempacotar tudo foi fácil. O espaço era tanto que, mesmo cheio, o quarto continuou vazio. Tentei imaginar como ficaria se eu o decorasse, como desejava fazer no antigo, mas não tive coragem de insistir naquela fantasia. Ainda não conseguia acreditar que a casa pudesse nos pertencer e, se continuasse sem respostas, jamais acreditaria.
— Toc, toc. — Me virei em direção a porta, sorrindo ao ver que se tratava de Joy, junto dos caras.
Joy, Jongin, Kyungsoo, Baekhyun e Sehun entraram, respectivamente, no quarto. Eles observavam tudo ao redor e eu me senti tímido por um momento. Era o único que não tinha uma casa de verdade antes e era preciso muito esforço para não deixar isso me atingir, fazendo com que eu me sentisse inferior a eles de alguma forma.
Joy assobiou baixo.
— Você tem uma janela agora! — Apontou para as cortinas fechadas atrás de mim, com um sorriso.
— Na verdade... — Torci o lábio, indo até as cortinas e as puxando para o lado, revelando a porta de madeira veneziana, fechada. — É uma varanda.
Eles se aproximaram com animação, abrindo a porta para observar a visão do lado de fora. Dava para ver algumas ruas além da Paraíso, com o céu azul-claro caindo no horizonte. O sol nascia naquela direção, então daria para ver dali de cima. Me permiti ficar um pouco mais animado vendo como eles estavam genuinamente felizes por aquela conquista da minha família e me juntei a eles na varanda. Ela era compartilhada com a do quarto da mamãe, ocupando toda a frente da casa no andar de cima. Se parecia bastante com uma casa de praia, cheia de madeira e decorações que lembravam o mar, e parecia um bom lugar para ter boas experiências.
Nossa família precisava delas, urgentemente.
— Agora você mora pertinho de mim. — Joy me abraçou assim que parei do seu lado. — Vou viver na sua casa, sabe disso, não sabe?
Era estranho poder convidá-los a ficar ali sem problema nenhum. Algo em mim ainda estava acostumado com o porão onde mal cabiam eu e minhas irmãs. Sem me dar conta, sorri com aquela ideia.
— Pois é — concordei, a abraçando com força.
— Olhem só! Ele já me esqueceu — dramatizou Kyungsoo, se apoiando no ombro de Baekhyun. — Pensei que seria para sempre seu vizinho favorito, traíra. Vou proibir Gato de vir até aqui para te visitar.
Rimos juntos e voltamos para dentro do quarto, onde cada um se acomodou em um canto. Joy ainda estava agarrada com meu braço e parecia um pouco lenta conforme andava caindo levemente em cima de mim. Ignorei de início, achando que era apenas carência, mas senti o cheiro forte do seu hálito assim que voltou a sorrir na minha direção.
Não tive tempo de questioná-la, entretanto. Não queria fazer isso na frente dos outros e teria que esperar até um momento que ficássemos a sós.
Jongin foi até a porta do quarto e voltou com um rolo grande de papel, sorrindo de orelha a orelha ao me mostrar o que era.
— Sabia que eles vendem pôsteres velhos no cinema? — perguntou, desenrolando e revelando os três. — Não sabia de quais filmes você gostava, então trouxe os que eu gostei. Acho que vai ficar legal na parede.
Impressionado, peguei os pôsteres para olhar com cuidado. O primeiro era de Crocodilo Dundee 2, que estava em cartaz uns meses antes; o segundo era de Dirty Dancing, do ano anterior, mas não me impressionava que Jongin o tivesse escolhido. O terceiro, no entanto, quase me fez largar os dois de tão surpreso que fiquei. Era de Labirinto, um filme musical estrelado pelo Bowie, que praticamente implorei para todos assistirem comigo quando lançou.
— Tá brincando? — Sorri para Jongin, enrolando os pôsteres com cuidado para não rasgar.
— Esse foi um pouco mais difícil, mas fiz um esforcinho porque pensei que você ia gostar de ter algo dele por aqui.
Sem me conter, levantei num pulo e abracei Jongin. Não éramos muito acostumados com contato físico, mas ele devolveu meu abraço com força e sorriu para mim quando nos afastamos. Me senti grato pelos amigos que eu tinha, finalmente me animando com a oportunidade de decorar um lugar que poderia ser só meu. Nada mais de passar as noites me escondendo no clube ou no telhado dos Do. Eu podia, simplesmente, levar minhas coisas ali e ficar no meu quarto sem que ninguém me incomodasse.
— Vou botar eles na parede agora mesmo!
Tinha um rolo de fita adesiva em uma das minhas caixas. Eu sabia disso porque a encontrei por acaso enquanto arrumava meus poucos materiais de estudo na escrivaninha. Meus amigos me ajudaram, discutindo uns com os outros até decidir o melhor lugar para que os pôsteres estivessem presos. No final, acabamos por escolher a parede onde minha cama estava encostada. Os três ficaram enfileirados, lado a lado, com o de Labirinto no meio dos dois para que eu pudesse olhar para ele todos os dias.
Fiquei satisfeito com o resultado e, ainda que não conseguisse relaxar completamente naquele lugar estranho, me senti um pouco mais em casa depois de estar cercado das pessoas que mais amava no mundo inteiro.
Quando a tarde caiu no céu, eles foram para casa. Aos poucos iam se dispersando, voltando para suas obrigações até que o quarto estivesse vazio. Sehun foi um dos últimos, fechando a porta ao deixar o quarto e se despedindo com um sorriso, insistindo que não precisava levá-lo até a porta.
No entanto, eu ainda não estava completamente sozinho.
Não me assustei com a silhueta parada na minha varanda, apoiando-se no batente com um cigarro entre os dedos enquanto olhava para a rua.
— Estava pensando aqui — começou a dizer assim que me aproximei. O cheiro do seu cabelo era inebriante, bem na altura do meu nariz, mas fiz o possível para me manter numa distância segura. — Será que consigo escalar até aqui? É mais alta que a de Jongin.
Ergui uma sobrancelha e Baekhyun sorriu para mim, apagando o cigarro e jogando-o longe.
— Para que você iria querer subir aqui? — perguntei.
Baekhyun me olhou esquisito, com um certo humor implícito no seu olhar. Sem responder nada com palavras, se esticou em minha direção, deixando um beijo rápido nos meus lábios. Meus olhos estavam arregalados quando ele se afastou e o sorriso em seu rosto ficou cada vez mais evidente.
— Talvez tenha algo aqui em cima que me interesse.
Ele entrou no quarto, me deixando sozinho na varanda. Eu sabia que deveria ir atrás dele, mas fiquei alguns segundos atordoado até finalmente colocar meus pés para funcionar. Tomei o cuidado de fechar a porta da varanda atrás de mim, porque Baekhyun era sempre imprevisível demais e não podíamos correr o risco de sermos flagrados.
Porém, quando o encontrei, estava sentado na minha cama com os pés balançando no ar, só de meias. Me sentei ao seu lado, sem saber exatamente o que fazer. Iria esperar que ele tomasse a iniciativa e mostrasse suas intenções, apenas para não parecer um bobo que entende tudo errado.
— O que você tá achando disso tudo? — ele perguntou depois de um tempo. Demorei a entender que estava se referindo à mudança.
— Ah, qualquer coisa é melhor que aquele porão. Né?
Forcei uma risada, mas não pareci convincente. Baekhyun me encarou com a sobrancelha erguida.
— Então é verdade? Sobre... quem deu essa casa. — Ele não estava sendo indelicado, pelo contrário. Estava se esforçando para soar gentil, dentro do seu limite sem ser inconveniente.
Suspirei alto, concordando com a cabeça.
— Ele apareceu do nada com uma carta e a escritura da casa. Foi uma surpresa.
— Posso imaginar. Também ficaria surpreso.
Baekhyun estava inquieto, balançando os pés no ar. De repente me lembrei que as coisas não eram diferentes para ele. Entre todos nós, é o único que nunca conheceu seu pai verdadeiro. Ele também abandonou sua mãe, ainda durante a gravidez, deixando para trás apenas a casa em que viveriam juntos e sumindo do mapa. Baekhyun não sentia falta. Gostava de ser um Byun, de viver com Seungmin e de não precisar saber o nome do homem que engravidou sua mãe. Tudo o que tinha dele era uma casa e bastava. Era mais uma coisa que passávamos a ter em comum, além dos segredos que compartilhávamos.
— Mas sabe de uma coisa? — falou de repente, já com a voz mudada e com certa animação na entonação. — Eu tô feliz que aquela velha ridícula saiu daqui.
Arregalei os olhos. Ainda não estava acostumado com a nova postura de Baekhyun, que falava mal dos adultos sóbrio e não sentia nem um pouco de remorso por aquilo.
— Aqueles assuntos dela, sobre irmos para o inferno, aquilo me dava nos nervos, sabia? — justificou, encostando a cabeça na parede. — Era o que mais me irritava, porque não passava de uma merda.
Ouvi com atenção tudo o que ele dizia, mas não conseguia entender onde queria chegar. Ele percebeu, é claro, e se ajeitou na cama para me olhar de frente.
— Você sabe o que é o inferno, Chanyeol?
Acenei com a cabeça.
— Sempre achei que fosse aqui — arrisquei uma piada. — O que é irônico porque o nome da rua é Paraíso.
Baekhyun me deu um sorrisinho.
— Realmente. Mas o inferno é muito mais forte que isso sabe? O inferno é um lugar para onde as pessoas ruins vão. É para onde todos dizem que nós vamos, pessoas como eu e você — ele explicou. Eu não levava muita fé naquelas ameaças, mas ele parecia triste então me mantive quieto, apenas ouvindo. — Só porque gostamos... das coisas que gostamos. Não faz o menor sentido, sabe? Ir para o inferno só por isso.
— É verdade, não faz. Mas não é verdade, né? É só uma crença.
Baekhyun deu de ombros.
— Uma crença bem filha da puta, mas que eu acredito de vez em quando. — Suspirou. — Não quero ir para o inferno, sabe? Mas não quero mudar quem eu sou só para ser aceito no paraíso.
— Isso parece ser bem importante para você. Eu não fazia ideia.
Baekhyun sorriu em minha direção. Não mostrava os dentes e parecia esconder um pouco de tristeza ali dentro.
— É só um medo bobo. Agora aquela senhora não tá mais aqui e não tem ninguém para me encher o saco... bom, quase ninguém. — Riu sozinho, esfregando as mãos no rosto.
Eu senti que precisava animar ele, então disse a primeira coisa legal que me veio à cabeça:
— Já temos o Éden! Quem precisa de outro paraíso?
Baekhyun riu, a primeira risada verdadeira desde que aquela conversa se iniciou. Sorri orgulhoso de mim mesmo, observando como seus olhos se fechavam como duas meias-luas e em como seu nariz redondo franzia. Ele tinha um dos sorrisos mais bonitos que eu já tinha visto e percebi, com um choque, que eu realmente gostava de vê-lo em seu rosto.
— Você está certo — disse quando se acalmou. — Já temos nosso paraíso.
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, Baekhyun teve mais um dos seus episódios de imprevisibilidade e tomou impulso para me beijar. Segurei na sua cintura, demorando um pouco para entender o que estava acontecendo, mas correspondi o beijo da melhor forma que pude. Não demorou muito para que ele estivesse no meu colo, fazendo toda a temperatura do quarto aumentar.
— Vou vir aqui mais vezes — anunciou, separando nossas bocas com um estalo. — Vou arrumar uma forma de subir pela varanda e vamos nos encontrar aqui, ok? O clube é muito arriscado.
Concordei, voltando a beijá-lo sem nem prestar atenção em muita coisa que era dita. Baekhyun era como uma substância viciante. Uma vez que minha boca estivesse próxima dele, eu era envenenado para querer provar cada vez mais do seu sabor. Ele mordia meu lábio inferior, chupava minha língua e eu ia nas alturas com cada um dos seus movimentos; com a fricção gostosa causada pelos nossos corpos juntos.
Ele me deitou na cama, ficando por cima. Eu sabia bem onde aquilo iria dar e já me sentia salivando só de pensar no que fazíamos todas as vezes em que ficávamos sozinhos. Minhas mãos traçavam todo o caminho pelo seu corpo, da cintura até as coxas, sentindo cada uma das curvas sutis. Ele tinha um corpo bonito, mesmo que eu ainda não o tivesse visto por inteiro. Os jeans apertados deixavam pouco para imaginação.
Apertei sua bunda com força, gostando de ouvir o som satisfeito que saiu da sua boca. Por isso, fiz de novo, apertando cada centímetro acima dos seus joelhos, puxando-o para perto e sentindo meu corpo se acender em um misto de animação e nervosismo. Eram sensações únicas que apenas Baekhyun conseguia causar. Algo que nem mesmo Joohyun conseguia, de tão inexplicável que era. Como se tudo se encaixasse perfeitamente, desde suas coxas ao redor do meu quadril até sua boca se movendo contra a minha, numa dança que nenhum dos dois errava o passo.
Baekhyun se afastou, encostando a testa na minha e deixando a respiração ofegante chicotear contra meu rosto.
— Eu... eu quero você, Chanyeol — disse num sussurro. Não entendi de primeira, mas ele continuou a falar. — Não quero só mãos e boca, quero fazer aquilo de verdade. Agora.
De repente, como se uma mísera frase fosse feita para estragar o momento, tudo se apagou. Meu corpo congelou no lugar e o ar faltou nos meus pulmões. O empurrei com cuidado, levantando da cama sem conseguir olhar em seus olhos. Não sabia o que tinha dado em mim, mas não conseguiria voltar para a cama de novo. Sabia que Baekhyun não estava entendendo nada, seu olhar queimava nas minhas costas, mas haviam coisas que eu não estava preparado.
— Eu... desculpa — tentei dizer, mas as frases saíam quebradas e sem sentido. — Eu não sei se quero isso... digo... argh!
Escondi o rosto nas mãos e Baekhyun se levantou da cama, ajeitando suas roupas e o cabelo. Não consegui decifrar sua expressão, mas senti que tinha estragado tudo.
— Não se preocupa. Foi uma ideia ridícula, de qualquer forma. — Coçou a cabeça, olhando em volta e evitando me encarar. Seu rosto estava vermelho e tudo o que eu queria dizer era que não era sua culpa, mas eu não consegui. — Eu vou indo.
Seu olhar caiu no meu como se guardasse um único fio de esperança. Eu devia ter insistido para ele ficar, assim poderíamos conversar mais ou fazer as coisas de sempre, mas não consegui. Apenas assenti com a cabeça, vendo sua expressão esvaziar por completo.
— Beleza. Nos vemos depois.
Então, tão rápido quanto um relâmpago cortando o céu, Baekhyun se foi.
2
No final daquela tarde, Joy ainda estava na casa de Yerim.
Voltaram a se encontrar constantemente, ainda em segredo. Joy conseguiu se manter longe do pó e da bebida por um tempo, mas sempre se entregava demais quando estava com a namorada, se afogando em todas aquelas coisas até que esquecesse do próprio nome. Era bom, mesmo sendo passageiro, e ela sempre voltava e buscava por mais.
— O Sol já foi embora — comentou Yerim. Estavam deitadas juntas na cama, olhando o dia pela janela. — Queria que você pudesse ficar mais.
Joy murmurou que também queria. Estava cansada e atordoada pela bebida. Estava bebendo desde o momento em que entrou na casa de Yerim. Nunca se sentiu tão feliz e completa. Não precisava furtar para se sentir viva, estava com tudo o que precisava bem ali na ponta dos dedos. Toda a euforia e adrenalina. Era mágico, ao seu ver, o efeito que o amor podia causar no seu coração.
— Não quero ir. Podia dizer pros seus pais que sou uma amiga que veio passar a noite.
Yerim riu, beijando o topo da sua cabeça.
— Eles não são assim. Nem Joohyun pode vir aqui para dormir e olha que eles amam aquela garota.
As duas riram juntas e Yerim se levantou da cama, começando a vestir a roupa de volta. Joy ficou por um tempo ali, apenas admirando. Estava tão apaixonada que doía. Tão feliz e completa que nada no mundo conseguiria lhe atingir. Era o que acontecia quando se experienciava um amor tão puro e grande como aquele.
— Eu amo você — externou seus pensamentos, recebendo um sorriso doce como resposta.
— Também amo você. — Yerim jogou um ursinho de pelúcia nela. — Agora vai se vestir. Vou preparar algo para comer antes de você ir embora.
Joy pegou o ursinho no ar e concordou, entre risadas. Esperou Yerim deixar o quarto para se levantar e procurar suas roupas espalhadas pelo quarto. Durante aquele tempo, começou a pensar sobre suas intenções com aquele namoro. Sehun era o único que sabia, mas queria compartilhar com os outros amigos também. Talvez nem precisasse expor Yerim naquele processo. Poderia apenas contar que tinha uma namorada, que a amava e que estava feliz com ela. Tinha a certeza de que ficariam felizes em saber.
Depois de vestida, foi atrás de Yerim na cozinha. Queria falar com ela sobre o assunto para saber o que achava. Sabia que estava proibida de dar qualquer dica sobre a identidade da namorada, mas queria compartilhar um pouco mais da sua realidade com as pessoas que se importavam com ela.
— E aí? — Yerim fazia sanduíches no balcão quando Joy se aproximou para beijar seu ombro. — Você não se cansa, não é?
Joy riu, apertando-a num abraço.
— De você? Nunca.
As duas riram daquela brincadeira melosa e Yerim se virou, deixando que Joy a cercasse com os dois braços, mantendo-as juntas escoradas no balcão.
— Queria falar contigo. Perguntar uma coisa — começou a dizer, tentando ignorar todo seu nervosismo. — Sobre meus amigos.
Yerim ficou séria. De alguma forma, sabia que não ia gostar do que estava prestes a ouvir e Joy percebeu isso, recuando um pouco. Suas mãos ainda estavam na altura da cintura de Yerim, apesar disso. Não queria ficar longe e estragar de vez o clima bom em que estavam.
— Te conheço, Sooyoung. Nem precisa fazer essa cara. — Joy suspirou. Ouvir aquele nome machucava e odiava que Yerim ainda insistisse. Apesar disso, não era o momento de corrigi-la. Precisava continuar.
— Eu só quero contar para eles quem eu sou.
— E, de tabela, vai me entregar junto. — Yerim cruzou os braços.
— Claro que não! Ninguém vai saber sobre você, amor, eu juro.
Aquilo não a convenceu. Yerim permanecia com a expressão endurecida, cheia de uma raiva indistinguível que deixava Joy com medo. Não queria mais falar sobre aquilo, não insistiria mais. Apenas queria que Yerim sorrisse para si mais uma vez, da forma como estava fazendo antes.
Se aproximou devagar, beijando seu rosto.
— Desculpa. Desculpa, não sei porque sugeri isso!
Yerim suspirou e a abraçou de volta.
— Você é inocente demais, Joy. Tem que entender que o mundo não vai ser bom com pessoas que nem a gente.
Como se um peso fosse tirado do seu corpo, Joy sorriu. Yerim a havia chamado pelo apelido e era a segunda pessoa que mais amava no mundo inteiro fazendo isso. A primeira era seu pai, a pessoa que o inventou. Joy sentia falta dele todos os dias em que precisava viver com sua avó. Ouvir Yerim chamá-la daquela forma foi como experienciar um pouquinho do paraíso. Era onde sempre quis estar.
Sem se dar conta de mais nada, a beijou. Foi um beijo intenso e forte, que a prensou contra o balcão até que suas coxas se separassem para que Joy pudesse estar no meio delas. Pareceram ficar décadas ali, até que tudo desmoronou mais uma vez com uma única voz estridente vinda da entrada da cozinha.
**
— Kim Yerim!
Joy foi empurrada com força, até atingir a parede oposta. Demorou até entender o que estava acontecendo e arregalou os olhos, variando entre a mãe de Yerim e a própria. Ela já estava com lágrimas nos olhos.
— Mamãe! — Correu até abraçar a senhora, escondendo o rosto no seu pescoço. — Graças a Deus! E-eu estava com tanto medo.
Joy não conseguia entender. Estava atordoada pelo momento anterior, perdida enquanto ouvia sua namorada ser amparada pelos braços da mãe como se estivesse em perigo. Então, num estalo, entendeu: ela era o perigo.
— O que isso significa, Yerim? — perguntou a mãe.
Então, toda a sua vida de contos de fada foi retirada à força, como um band-aid. Tudo ficou turvo ao redor enquanto Yerim descrevia com perfeição como estava apenas fazendo um lanche para sua colega de estudos, antes de ser agarrada à força. Ela estava acusando Joy de tentar algo contra sua vontade, apenas para se proteger dos pais.
Joy não conseguiu acreditar. Achou que estava num pesadelo, até ter seu cabelo puxado com força até a entrada da casa.
— Sua imunda, como faz uma coisa dessas? — A mãe de Yerim a empurrou contra a porta fechada. Joy sentia as lágrimas quentes descerem, mas sua voz sumiu enquanto os soluços desesperados de Yerim soavam no fundo. — Minha menininha!
Sentiu o gosto metálico do sangue e o coração apertado, partido em mil pedaços. A porta foi aberta e ela foi jogada para fora, com a dor física e emocional dilacerando-a por inteiro.
— Yerim... — tentou chamar para, ao menos, entender onde aquilo chegaria. Porém, ao encontrar os olhos da namorada parada ao lado da mãe, encontrou apenas ódio direcionado a si.
— Nunca mais volte. Nunca mais pense em dizer o nome dela, sua nojenta!
Alguns vizinhos se aglomeravam em suas portas, parando para observar a cena. Joy nunca achou que poderia se sentir tão exposta e humilhada daquela forma, querendo apenas desaparecer do mundo inteiro. Há poucos minutos, estava feliz e com vontade de compartilhar sua felicidade com o mundo. Então, sentiu a maldade dele na pele. Cenas como aquelas seriam comuns caso decidisse se libertar. Poderia ver sua avó estampada na face da senhora Kim, xingando e batendo em seu rosto para que deixasse toda a promiscuidade para trás.
**
Levantou com os olhos ardendo, ainda sob os xingamentos altos e os soluços de Yerim. Todos que a olhavam viam uma delinquente que invadiu uma casa para desonrar uma filha de família boa. Sentiu raiva, de repente, a vontade de abrir a boca e dizer onde Yerim escondia suas drogas. Porém, não fez nada. Engoliu o resto de orgulho que ainda restava, ajeitou a boina no topo da cabeça e deu as costas, caminhando para longe.
Antes de chegar em casa, entrou num depósito de bebidas. Era um lugar sujo e velho, com homens que a olhavam da forma mais grotesca e nojenta. Joy ignorou a todos e colocou uma garrafa de vodka embaixo da blusa. Saiu sem se importar com os olhares desconfiados e com a voz que a chamava. Começou a correr quando foi seguida, desaparecendo entre os becos do bairro até que desistissem.
Seu coração acelerou no caminho, único sinal que tinha de que ainda estava viva.
3
Então, era agosto.
O último mês de férias veio rápido, como sempre, mas desde que as festas se tornaram intensas e tudo virou de ponta-cabeça, parecia que a mágica do verão estava prestes a ter seu fim.
Era o dia do Éden no lugar novo, a festa que todos estavam esperando. As pessoas pareceram gostar da mudança anunciada uma semana antes. Vendemos todos os ingressos para a área VIP, mesmo sendo mais caros, e investimos pesado nas bebidas e comidas para que sustentassem toda a noite. Os banheiros estavam limpos, o aparelho de som estava instalado e funcionando, nada parecia fora do lugar.
Ainda assim, um pressentimento estranho me seguia. Algo estava errado, sem sombra de dúvidas.
Baekhyun havia voltado a me ignorar, a partida de Kyungsoo estava cada vez mais próxima, Minho não chegava e o horário para abrir as portas estava próximo. Uma fila se formava a partir da bilheteria, com pessoas ansiosas sendo contidas pelos novos seguranças. Era muito dinheiro investido em cada parte, mas muito dinheiro lucrado de volta. Então tudo precisava estar perfeito, o que, claramente, não estava.
— Ele não atende — disse Seulgi, retornando do escritório onde havia um telefone.
Estava vestida como sempre, com todas as suas camadas e acessórios que gritavam a estrela do rock que era. No entanto, o cabelo não tinha mais as mechas verdes. Estava castanho claro, quase alaranjado, depois de uma descoloração bem sucedida.
— Tentou os pais dele? — sugeriu Jonghyun. — Vai ver aconteceu alguma coisa.
— O Minho é assim mesmo. Ele já se atrasou várias vezes, mas sempre está quando a gente precisa — disse Taemin, arrumando os fios do seu aparelho de DJ. — Ele já vai chegar.
— E quando chegar, vou moer aquela cara feiosa no soco — ameaçou Seulgi, que saiu batendo os pés até o bar.
Estávamos todos à flor da pele de tão nervosos. Eu mesmo estava com a mania esquisita de ajeitar a gola da jaqueta a cada segundo. Minhas irmãs também estariam ali naquela noite, me vendo tocar pela primeira vez e para uma plateia consideravelmente grande. Tentei convencê-las do contrário, mas estavam tão felizes e dispostas desde que nos mudamos, que pareceu maldade impedi-las de estarem na festa em que Hyoyeon já havia sido convidada.
Me sentei na escada da pista de dança e fiquei encarando Baekhyun, arrumando os copos do bar. Ele havia retocado a raiz do cabelo em casa e estava brilhando ainda mais em dourado. Parecia fugir do meu olhar de propósito e eu lembrei de quando comecei a me sentir atraído por ele, de quando ele começou a mostrar mais quem era e eu percebi que gostava daquilo mais do que deveria.
Queria me sentir assustado e negar aquilo até o fim, mas não conseguia. Era bom demais ficar com ele quando não tinha ninguém olhando. Até as brigas eram divertidas e eu tinha um estranho apreço por cada um dos seus xingamentos. De uma forma meio louca, senti sua falta. O que me deu a necessidade absurda de entender o motivo pelo qual eu recuei naquela tarde no meu quarto, sendo que queria a mesma coisa que ele.
Resolvi que iria até ele até o final daquela noite, acabar de vez com a distância imposta naqueles últimos dias.
No entanto, a porta da frente soou alta, fazendo todos olharem em sua direção.
Minho entrou, vestido como sempre e pronto para a festa. No entanto, algo em seu braço chamou minha atenção. A mão direita estava enfaixada e ela a usou para acenar.
— Oi, gente. — Sorriu sem graça.
— Que merda é essa? — Seulgi avançou na frente de todos, se aproximando dele. — O que aconteceu com a sua mão?
Seu sorriso aumentou, fechando os olhos e escondendo a mão machucada atrás do corpo.
— Preocupada, querida? — arriscou brincar, mas desistiu ao ver o olhar ameaçador que Seulgi dirigiu a ele. — É, eu... Machuquei socando a cara de um maluco qualquer num bar. O babaca estourou a garrafa de soju nos meus dedos e, enfim...
Foram precisos dois membros do Vacation para afastar Seulgi, que gritou desesperada para que a soltassem e deixassem ela terminar o estrago feito. Nunca tinha a visto tão nervosa, xingando Minho e o chamando de imbecil por se meter em brigas antes de um evento importante. Eu não fazia ideia de que o Éden já significava tanto para eles, ainda mais quando lembrava de como Seulgi nem queria participar no início.
Porém, senti um pouco de empatia por ela. Minho era guitarrista base. Indispensável para as apresentações e não podia aparecer em cima da hora dizendo que não poderia tocar.
— Ei, para com isso — interveio Sehun depois de longos minutos. — Gritar não adianta nada, vamos ser racionais aqui.
Todos pararam para ouvi-lo, como se ele fosse detentor de toda a sabedoria do universo.
— Chanyeol toca a base da Vacation hoje. Sabe como o pessoal têm desejado ouvir vocês dois juntos no palco. — Apontou para mim e para Seulgi.
— Eu não sei de nada. — Ela cruzou os braços, estalando a língua. — Não canto duetos.
— Hoje você canta. — Sehun forçou um sorriso e apontou para o palco. — Querendo ou não, tô pagando vocês para isso então só façam o que eu digo e parem com essa bagunça.
Ouvi a risada que Baekhyun tentou abafar sem muito sucesso. Ele trocou um olhar debochado com Sehun, numa comunicação interna que apenas os dois entendiam. Senti um pouco de inveja e tive vontade de descobrir do que se tratava, mas fiquei em silêncio.
Precisava focar em outra coisa, ainda que pensar em Baekhyun fosse uma atividade frequente do meu cérebro. Precisava mudar meu foco para como subir num palco ao lado de Kang Seulgi.
4
Ela não estava contando, mas apostava que já tinha bebido muitas doses de soju. Mais do que deveria.
Joy não se importava. Bebia porque era a única coisa que conseguia fazer, depois de tudo o que aconteceu. A bebida a animava e entorpecia seus sentidos. Sua única preocupação era não vomitar nos próprios sapatos e era mil vezes melhor do que lembrar de Yerim e do que ela fez. Lembrar da dor era a última coisa que precisava, porque tomou uma decisão que apenas Yerim impedia de se concretizar:
Joy iria fugir de casa.
Ainda não sabia como nem quando, mas ia. Estava juntando suas economias do Éden sem ter uma meta ou limite estabelecido. Talvez precisasse sair do país, talvez precisasse mudar seu nome e documentos. Ainda estava decidindo os detalhes, mas estava cansada de ser quem era. Não queria ser neta de Park Sooyoung, não queria ser a filha de dois pais mortos. Joy queria apenas ser ela mesma, ainda que não soubesse quem era. Poderia descobrir.
Seulgi a alcançou no bar logo depois de finalizar a garrafa. Ela estava mais calma depois de gritar com Minho e seu cabelo castanho-alaranjado voltou a ficar perfeitamente penteado, dividido de lado, com uma onda na franja. Joy a invejava em silêncio. Era a única menina além dela ali e sabia como lidar com todos melhor do que um dia Joy conseguiu fazer. Estava acostumada em ser uma menina que fazia os meninos aceitarem suas vontades, mas Seulgi era uma mulher que não precisava impor nada. Sua postura e sua fala eram o suficiente.
Tinham apenas dois anos de diferença, mas pareciam décadas.
— Joy, Joy — cantarolou Seulgi, surpreendendo-a. — Para alguém com esse nome, você parece bem triste.
Ela riu. Não porque realmente achou graça, mas porque era ridículo demais para reagir de outra forma.
— Não é a primeira vez que eu ouço isso. — Revirou os olhos.
— Eu sei que não, mas eu tô me segurando com essa piada desde o dia que te conheci.
Seulgi pulou o balcão, parando do lado de dentro do bar e caminhando em direção ao freezer dos fundos. Observando-a, Joy chegou à conclusão que não se lembrava do momento. Sabia que foi na noite em que estragou tudo com Yerim, mas não conseguia capturar os detalhes da conversa. Quis perguntar como foi, o que se passou na cabeça de Seulgi, mas preferiu ficar em silêncio. Não queria pensar naquela noite de forma alguma.
Seulgi tirou uma pequena caixa de isopor do freezer, que soltou vapor gelado quando foi aberta. Joy observou com atenção, alarmada ao ver Seulgi pegar uma pequena seringa e injetar no próprio braço.
— Está se drogando? — Não se segurou ao perguntar. Não era uma santa, sabia que não. Já havia fumado maconha e cheirado cocaína até o nariz sangrar. Mas heroína era coisa séria. Para chegar ao ponto de injetar, é porque a pessoa estava perdida. Era o que ela acreditava, pelo menos.
Seulgi olhou para a seringa e para Joy, mas acabou rindo ao entender o que se passava na cabeça dela.
— Não é heroína, garota. — Tapou a agulha e jogou no lixo, guardando o isopor de volta. — É insulina. Sou diabética.
Joy relaxou de volta no banco. O susto a deixou tonta por alguns segundos, mas então quis rir de si mesma. Aquilo fazia sentido, se pensasse bem. Seulgi nunca comia fora de casa, ou bebia ou fumava com eles. Era a que mais tomava cuidado com a saúde e era engraçado porque ninguém mais que ela conhecia recusava um gole de refrigerante, por exemplo.
— Entendi. — Assentiu, ainda constrangida.
Seulgi se aproximou do balcão, apoiando os braços na madeira polida e inclinando o corpo na direção de Joy. Ela tinha um sorriso bonito nos lábios, do tipo que espremia seus olhos. Apoiou todo o peso no balcão, até tirar os pés do chão. Então grunhiu. Seu sorriso desmanchou e suas botas bateram no piso encerado.
— Desculpa. Tô tentando ficar calma sabendo que vou ter que dividir meu microfone a noite toda.
Joy riu. Seria engraçado ver Seulgi e Chanyeol juntos, justo os dois que não eram adeptos aos duetos.
— Uma merda isso do Minho, mas eu tô ansiosa pro show de hoje. Vai me animar um pouco — provocou, recebendo um revirar de olhos em resposta.
— Sei que ele é seu amigo, mas se ele roubar minhas linhas, vou enfiar o microfone na bunda dele.
Aquilo fez com que ela risse mais, precisando se segurar no balcão para não perder o equilíbrio no banco. Seulgi sorriu junto.
— Eu acho que ele tem medo de você. Pode ficar de boa que se meter nas suas linhas é a última coisa que Chanyeol vai fazer.
— Que assim seja. Porque ele já estava lá querendo mudar a lista de músicas.
As duas riram juntas, mas então Joy viu a forma orgulhosa como Seulgi olhava para seu sorriso. Ela havia conseguido o que queria, arrancar um sorriso da minha melhor amiga depois de ela passar tantos dias triste. Internamente, se sentiu agradecida por aquilo, mas não conseguiu ficar nervosa por receber cuidado de uma quase-desconhecida.
— Mas o Minho tá bem? — perguntou Joy, mudando de assunto. — Parecia sério o que aconteceu com ele.
Seulgi bufou.
— Aquele imprestável só sabe ficar se metendo em problemas. Já está acostumado a sair todo fodido dos bares.
Joy arregalou os olhos pela forma como ela falou.
— Pensei que vocês se gostavam. Ele gosta de você, pelo menos.
Seulgi grunhiu de novo, rindo do quão idiota era aquela situação.
— Eu sou lésbica. Ele tá é gostando sozinho, porque não me atraio por homens.
Joy absorveu aquilo, em choque. Seulgi era a primeira pessoa que via usando a palavra "lésbica" sem ser de forma pejorativa. Ela mesma nunca havia usado para referir a própria sexualidade. Quando contou a Sehun, apenas revelou que gostava de meninas. Era o bastante. Seulgi era a primeira pessoa como ela que admitia sem medo de quem era. Aquilo a fez admirá-la mais e um frio estranho subir pela sua espinha. Precisava de outra bebida, sua boca ficou seca por mais.
— Entendi. — Quis cortar o assunto, mas sentia que precisava oferecer mais do que uma despedida simples e virar as costas em silêncio estava fora de cogitação. Então, em um lapso de coragem, ela soube o que dizer. — Eu também sou lésbica.
Dizer aquilo fez um peso sair das suas costas, mas ela não ficou o suficiente para ver o sorriso que Seulgi deu.
5
Nos encontramos atrás das cortinas.
Ninguém te conta o quão legal é ter cortinas e um backstage, até que você suba num palco de verdade pela primeira vez. É um dos pequenos momentos em que a certeza de ter escolhido a música vem com mais força, é quando você percebe que vai valer a pena se arriscar e tentar.
Acima de tudo, a história da rua paraíso é uma história sobre música e de como a música mudou toda a minha vida.
Ouvir os gritos da multidão ansiosa, o som das checagens finais, sentir a textura das cordas da minha guitarra favorita. Aquilo era sentir que valia a pena, mesmo sabendo que estava disposto a arriscar tudo pelo meu sonho. Eu tinha certeza de que daria certo.
— Se você roubar minhas linhas, Park... — ameaçou Seulgi, mas estávamos sorrindo um para o outro.
Os acordes iniciais de "Centerfold", do The J. Geils Band começaram a tocar e as cortinas se abriram. Seulgi acompanhou as palmas com sua pandeireta e eu não consegui disfarçar a emoção de ver todo o Éden de cima do palco, cheio até nos camarotes. O show havia começado e a surpresa de ter as duas atrações principais dividindo o palco foi muito bem recebida pelas pessoas, que dançaram e cantaram animadas até perderem o fôlego.
Era divertido para nós também, que trocávamos caretas e insultos mudos o tempo inteiro, até fingir que estávamos prestes a nos beijar. Eram coisas ridículas que o público amava, então fazíamos sem nem contestar. Apesar de tantas diferenças, eu e Seulgi tínhamos aquilo em comum. Estávamos dispostos a arriscar tudo.
E escolhemos a noite perfeita para aquilo. Porque por detrás de toda a multidão, uma presença nova chegou no Éden. Nós mudamos um pouco quando Sehun chegou e a festa passou a existir, mas apenas aquela pessoa foi capaz de mudar as nossas vidas.
E eu não tinha ideia da sua presença. Tudo o que eu sabia fazer era cantar e tocar como se a minha vida dependesse daquilo.
#MyDearHeaven
"É uma música que fala sobre fragilidade depois do excesso, quando você está de ressaca, falido, perdido e se perguntando por que faz isso e se tudo vale a pena." Foram estas palavras que li uma vez em um blog que me fizeram escolher Rock 'n' roll suicide como trilha sonora para esse capítulo. É, sem dúvidas, um dos capítulos mais pesados até aqui e eu não me via usando nenhum outro cantor no início dele. Vocês já conhecem o Bowie e já sabem a influência que ele tem aqui, numa história profunda de adolescentes tentando sobreviver nessa realidade difícil, com toda a negligência parental e a homofobia no início das suas descobertas. Anos 80 não é um conto de fadas. Eu, honestamente, nunca gostaria de ter nascido numa sociedade que me destruiria num piscar de olhos.
Crônicas é sobre fragilidade depois do excesso. Sobre pisar fundo em algo que parece bom enquanto tenta fugir de tudo que quer te destruir. É pesada, profunda e nem um pouco bonita, mas me orgulho em resgatar um pouco da realidade com ela porque escrever ela é sempre um desabafo - ou, como gosto de dizer: uma carta de amor para mandar o mundo ir se foder.
Novamente, quero deixar um agradecimento especial para minha Lilu @yxinsg pela betagem!
CENA SENSÍVEL: Mostra a mãe de Yerim chegando em casa e encontrando ela e a Joy. Então, a Yerim diz que Joy estava tentando abusar dela numa tentativa de escapar da bronca da mãe. Assim, a mulher agride e expulsa Joy de sua casa.
Opa, voltei! Tô melancólica com esse capítulo, então peço desculpas desde já. Parece que dá tudo errado, né? Eu sei, também dói em mim, mas algumas coisas mudam para melhor. Não fiquem tristes, ok? Tem muito chão pra correr ainda.
Até o próximo cap!
Com amor, Sandman <3
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