15
ATENÇÃO: O capítulo a seguir contém descrições sobre alcoolismo. Leia com cuidado!
DÉCIMO QUINTO DIA DE RECOMEÇOS
E vamos mudando nossos caminhos
Pegando estradas diferentes
O amor
O amor irá nos destruir
De novo
(Love will tear us apart, Joy Division)
Verão tinha gosto de mudança, de limonada da senhora Jia, de cerveja e dos lábios de Baekhyun — cigarro e cereja.
Ele roubava os maços de Sehun mais vezes do que o recomendado e eu tinha certeza de que o dono deles reparava. No entanto, não dizia nada. Baekhyun continuava fumando sem parar e disfarçava o hálito com as balas de cereja. Beijá-lo era como uma explosão de sabores, sempre uma nova surpresa. Não era possível adivinhar qual gosto ficaria mais evidente, mas eu fazia daquilo meu pequeno jogo e queria descobrir cada vez mais. Sem parar.
Lidar com ele era sempre uma surpresa, de modo geral, e naquele verão eu tive as doses mais generosas de Baekhyun em toda a minha vida.
Tudo virou de ponta-cabeça. Para dois garotos que não conseguiam ficar no mesmo lugar por mais de dois minutos sem o outro explodir de raiva, dividíamos locais apertados com frequência. Seja no clube, na kombi ao lado do Éden e, até, no banheiro da casa dos Kim durante um almoço qualquer. Era difícil me manter distante dele quando tínhamos a chance de ficar sozinhos.
Não sobrava tempo para discussões quando nossas bocas grudavam uma na outra, cheias de necessidade. Eu conseguia até relevar as pequenas ofensas e provocações no meio da nossa roda de amigos, porque sabia que depois de tudo ele viria até mim. Durava apenas alguns minutos, podíamos repetir se tivéssemos vontade, mas não significava nada além de desejos carnais e necessidade hormonal. Aquele era o acordo proposto.
Se os dois quisessem, aconteceria sem ninguém nunca precisar saber. Era interessante manter um segredo pela primeira vez, ainda mais depois de toda a rua descobrir o que havia de mais escuro na minha família. Baekhyun era meu segredo, ainda que não me importasse em deixar que os outros soubessem, eu gostava de guardá-lo em lugares onde apenas nós dois saberíamos onde encontrar.
E foi assim que, além de um acordo, surgiu algo próximo de uma amizade entre nós dois. Dessa vez uma de verdade. Já dividíamos mais segredos entre os dois do que com qualquer outra pessoa e a intimidade, antes distante, ganhou um novo significado.
Foi durante uma sexta de Éden que eu percebi como tudo estava diferente.
O relógio em seu pulso marcava duas da manhã e eu tinha acabado de descer do palco. As edições semanais me deixavam cansado, mas o dinheiro era tanto que valia a pena. A cada nova edição, o Éden crescia e, por isso, valia a pena.
Eu ficava cansado por vários dias, é claro, mas, depois de ser dominado pela energia que a música me dava, me subia uma energia extra provavelmente fruto da adrenalina. Era com Baekhyun que eu a gastava.
Fugíamos para a kombi assim que eu descia do palco e deixava Seulgi assumir. Nos olhávamos por um breve momento, quando ele ia agradar os caras da banda com cerveja. Era nosso código secreto para saber onde deveríamos estar em alguns minutos. Terminávamos na kombi, exaustos e satisfeitos com a respiração ofegante e bocas dormentes.
Naquele dia, Baekhyun acendeu um cigarro e deixou uma risadinha escapar, me olhando com a cabeça encostada na janela aberta.
— O que foi? — perguntei. Ele deu de ombros, soprando a fumaça para fora.
— Nada demais. — Sua voz saiu num murmúrio lento. Era a única forma de eu saber que seu corpo ainda estava se recuperando. — Você fica bonitinho assim, com a cara toda vermelha e perdida.
Sorri sem perceber, sabendo que se tivéssemos mais luz, ele poderia ver minhas orelhas e pescoço queimando de vergonha pelo elogio inesperado. Foi quando percebi que estava tudo diferente. Que Baekhyun e eu realmente estávamos fazendo aquelas coisas. Nós dois. A dupla mais improvável de toda Hyegung. O pensamento de como a situação era um absurdo me fez rir de repente.
— Isso é engraçado — comentei ainda com o riso na voz. Notei que Baekhyun levantou uma sobrancelha, questionando. — Essa situação. Isso ainda é meio esquisito para mim.
Ele riu soprado, me acompanhando. Mais fumaça escapou da sua boca.
— Você estava com a boca no meu pau ainda agora. — Revirou os olhos. — Achei que já tinha superado essa fase.
Seu comentário fez meu rosto arder mais. Sem me conter, virei para o lado oposto.
— Mesmo assim. Não acha nem um pouco estranho?
Era possível ouvir a voz poderosa de Seulgi vinda do Éden. Era um repertório mais calmo, de baladas para recuperar as energias antes de explodir tudo novamente no último show. Ela estava cantando "Lady Stardust", do David Bowie e eu me lembro de pensar que sua voz era perfeita para aquela trilha sonora.
— Você quer que seja? — Baekhyun perguntou.
Não respondi com a voz. Apenas neguei com a cabeça repetidas vezes, sem pensar muito no assunto. Para mim parecia óbvio que as coisas estavam ótimas daquele jeito. Não nos estressávamos como antes e ainda tínhamos bons momentos compartilhados. Não havia motivo para deixar aquilo desconfortável, se os dois estavam gostando.
— Sendo assim. — Baekhyun se aproximou, apoiando os joelhos ao meu lado e se inclinando para alcançar meu ouvido. — Você podia só ficar quietinho e aproveitar meu momento de caridade.
Eu não conseguia distinguir se ele estava brincando ou não, apesar do sorriso que preencheu seus lábios antes de me beijar. Ele sorria daquela forma maldosa o tempo inteiro, o que tornava um pouco difícil entender o que pretendia. Tentei não me importar e aproveitar o contato, puxando-o pela cintura e ouvindo seu arfar satisfeito contra minha boca.
Eu sabia do que ele gostava porque o próprio me ensinou. Cada momento era como uma aula onde descobria suas sensibilidades e usava para fazê-lo derreter nas minhas mãos. Era o momento em que Baekhyun ficava com os muros mais baixos, antes de erguê-los mais uma vez. Mesmo depois de anos, nunca parou de ser gratificante saber que eu conseguia deixa-lo daquela forma e, mais ainda, saber que ele se empenhava em fazer o mesmo.
Apesar de adorar aquilo, haviam muitas coisas que me incomodavam e eu precisava descobrir. Por isso o afastei antes que pudesse subir no meu colo, deixando um estalo do nosso beijo ecoar por toda a kombi.
— Baekhyun — chamei. — Queria perguntar uma coisa.
Ele bufou com impaciência em resposta, voltando para o lugar. Se encostou na janela aberta, atirando as pernas cobertas pela calça jeans no meu colo. O cigarro ainda aceso brilhou quando ele tragou mais uma vez e, no seu silêncio, percebi que eu já podia falar.
— Eu só queria saber. — Engoli em seco. — Semana passada, estávamos saindo da casa do Jongin e tipo... sua mãe parecia bem brava contigo. Fiquei meio preocupado, não tô acostumado a ver a senhora Minji com aquela cara.
Tentei rir para trazer um tom descontraído na conversa, mas Baekhyun continuou em silêncio por uns bons segundos. Ele encarava um ponto distante e eu só conseguia pensar que tinha acabado com todo o clima. De qualquer forma, eu meio que precisava de Baekhyun confiando em mim. Desde que ouvi que ele havia mudado sua forma de vestir apenas para irritar a mãe, fiquei preocupado. Eu sabia bem o que tinha visto em Byun Minji naquela noite.
Porém, para minha surpresa, Baekhyun riu baixinho.
— Quer mesmo falar disso? — Assenti, sentindo meu coração acelerar de nervoso. — Certo. Ela estava brava porque, às vezes, ela é uma vaca.
Arregalei os olhos e a saliva agarrou na minha garganta. Foi preciso muito esforço para não tossir ou cair na risada por causa do quão imprevisível Baekhyun conseguia ser. Ele riu da minha reação e atirou o cigarro apagado pela janela, substituindo-o por uma bala de cereja.
— Como você consegue falar assim dela?
Baekhyun deu de ombros, o sorriso convencido continuava estampando seu rosto.
— A sua também é. Às vezes a gente precisa assumir essas coisas.
— Baekhyun! — O repreendi e me ajeitei no banco, tentando recuperar a postura. — São nossas mães. Você não pode ficar falando delas desse jeito.
A risada de Baekhyun sumiu aos poucos e ele também se ajeitou no banco, apesar de continuar com ambas as pernas em cima de mim.
— Ah, cara. Não sabia que ia se importar com isso. — Coçou a cabeça, bagunçando ainda mais o cabelo loiro. — Acontece que, você sabe, meu pai meteu o pé antes de eu nascer e aí minha mãe fica até hoje se achando a Mulher Maravilha só porque me teve sozinha e me registrou com o nome dela, sendo que todo mundo falava pra ela entregar pra adoção e tudo mais.
Ele riu sozinho por um breve momento, mas não havia humor algum. O clima inteiro da kombi pesou em nossa volta.
— E talvez ela seja mesmo. Eu sou muito grato pela força que ela teve naquela época, sabe? Vai saber o que teria acontecido se ela escolhesse fazer alguma coisa diferente. — Eu não o teria conhecido . Foi a primeira coisa que pensei, mas continuei em silêncio. — Só que agora ela usa isso de desculpa pra me fazer viver a vida que ela queria. Ser um médico, casar com uma boa garota, ter uma família completa e feliz para ela ter netinhos correndo pela casa.
— Isso é... nossa, que merda. — Eu não sabia o que dizer, mas a minha sorte foi que minha falta de jeito o fez rir um pouco.
— Pois é. E você consegue imaginar o estrago... — Suspirou triste, fazendo uma pausa. — Odeio suéteres, não quero ser médico e preferia morrer a ter que me casar com uma mulher. Eu sou gay, Chanyeol.
Aquilo me pegou de surpresa. É claro que eu sabia que ele sentia algo por garotos, já que estávamos fazendo todas aquelas coisas durante uns bons dias. No entanto, pensei que ele poderia ser como eu. Baekhyun era gay. Aquilo explicava muito, ao mesmo tempo que me dava mais dúvidas.
— Você sabe disso há muito tempo? — perguntei. Ele fez que sim com a cabeça.
— Sempre soube. Meu primeiro amor foi um menino e tem sido assim desde então.
Aquilo foi ainda mais surpreendente. Baekhyun, realmente, teve uma vida oculta durante todo aquele tempo. Ele se apaixonou, experimentou coisas que gostava e falava tudo com uma confiança que eu não conseguia nem imaginar em ter algum dia. Me senti grato por ele compartilhar tudo comigo. Suas antigas experiências não me incomodaram, apesar de descobrir que outros rapazes do colégio sanavam suas curiosidades da maneira mais imprópria possível nos banheiros.
A vida é bem mais que a rua paraíso , Baekhyun me disse uma vez e eu relembrei naquele momento. Eu sabia que era uma coisa mais comum do que os adultos permitiam que a gente soubesse. Vários cantores famosos eram assim e falavam sobre. Ainda que a mídia e a sociedade dissessem que era algo criminoso e errado, nunca consegui pensar assim. Principalmente depois de entender que me atraía por homens e mulheres, não conseguia me sentir errado com nenhum deles.
Depois de me contar suas histórias, ele sorriu maldoso. Estava de volta, sem demonstrar a melancolia de antes. Aquilo o deixou tão bonito que eu precisei desviar o rosto.
— E você? Pensei que só gostava de meninas e aí, do nada, apareceu querendo me beijar.
Ri um pouco, ainda que sua pergunta tivesse me deixado nervoso.
— Faz um tempo que percebi. Acho que sempre soube, na verdade — respondi, tentando buscar em mim a confiança que ele tinha ao falar. — E, bem, eu nunca tinha ficado com um cara. Quando Sehun falou... eu só... sei lá.
Não consegui mentir, então minha voz foi morrendo no final porque não queria dizer a verdade. Parecia absurdo admitir que todas as mudanças tenham agido como um gatilho para eu pensar nele de forma diferente. Que a senhora Minji, mesmo que indiretamente, tenha provocado uma das maiores reviravoltas dos últimos tempos. Foi de repente, até onde conseguia entender. Foi olhar para ele e perceber que queria conhecer mais do que ele deixava aparecer. Que ia além de desejar sua amizade ou tolerância. Eu queria estar daquela forma com Baekhyun, com sua boca junto na minha e sem que ninguém soubesse. Ponto final.
— Nossos amigos sabem? — perguntei receoso. Não queria ter que lidar com a descoberta de algum deles tratando Baekhyun mal, apesar de confiar que nenhum de nós pensava de forma preconceituosa. — Digo... sobre você.
Fiquei aliviado quando negou.
— Nem mesmo Jongin.
Assenti. Talvez fosse melhor daquele jeito. Então, uma lembrança me atingiu, fazendo-me rir sozinho.
— É engraçado pensar que antes eles diziam que tínhamos alguma coisa por causa das brigas — comentei, tendo o prazer de ver sua expressão fechando enquanto rolava os olhos. — Era só zoação, mas acabou que estavam certos.
— Quem diria que a minha vontade de te atirar na rua era apenas tesão reprimido? — Olhei para ele, surpreso. Baekhyun continuava de cara fechada, mas então a expressão se desfez. — Estou brincando. Você ainda me estressa quando não tá de boca fechada e é só por isso que te beijo.
— Só por isso?
— Não vou subir seu ego, idiota. Desiste. — Levantou um dos pés, me empurrando com ele.
Precisei rir do seu comentário enquanto me segurava para não cair, pensando no quão inacreditável e incoerente Byun Baekhyun era. Eu gostava disso nele. Não conseguia prever o que havia dentro da sua cabeça nem mesmo quando ele me deixava saber. Tornava tudo mais interessante e instigante, me fazia querer estar com ele mais vezes apenas para descobrir outras coisas.
Cogitei a pensar que, talvez, esse fosse o motivo pelo qual passei a desejar que tudo mudasse entre nós dois. No entanto, ainda não parecia a resposta certa.
— Acha que eles acreditam nas brincadeiras? — perguntei quando percebi que já estávamos um longo tempo em silêncio.
Baekhyun negou, mas então assentiu.
— Depende. Acho que alguns desconfiam, mas só Sehun sabe a verdade. Espero que continue assim.
Sorri, concordando.
— É uma troca, não é? Guardamos um segredo dele e ele guarda um nosso.
Baekhyun ergueu uma sobrancelha.
— Sou um segredo, então?
— Você mesmo disse que não queria que ninguém soubesse. — Revirei os olhos.
Baekhyun voltou a se aproximar de mim, era a forma de falar que o assunto estava no fim e que queria outras coisas. Não me importava nem um pouco. Acho que não teve nem um momento em que Baekhyun quisesse algo e eu não desse.
— E não quero — sussurrou. — Gosto de ser o segredo do cara mais desejado dessa festa.
Ele sentou no meu colo de vez, a respiração se chocando contra meu rosto. Eu sorria sem perceber.
— Não fica se achando. Ainda tem muitas menininhas me querendo lá dentro, lembra? Posso ficar com qualquer pessoa.
Baekhyun começou a beijar meu pescoço, parecendo não ouvir palavra alguma que saia da minha boca. Ele sabia que aquilo me deixava sensível. Que seus toques indiscretos me tiravam suspiros e me faziam derreter em seus dedos. Ouvi sua risadinha ao me ter suspirando por ele e quis me odiar por ser tão fraco. No entanto, sem sucesso.
— Nenhuma delas sabe do que você gosta — ele disse, seus lábios roçando contra minha pele e causando arrepios. — E nenhuma delas sabe fazer tão bem quanto eu.
Então voltou a me beijar sem que eu tivesse chance de argumentar. O que mais odiei foi que não tinha vontade alguma de impedi-lo. Eu só queria me sentir daquele jeito de novo, enquanto ele ainda quisesse estar ali.
Na semana seguinte, não tivemos Éden.
Um dia, Sehun não apareceu e eu precisei de pelo menos dois dias para entender onde ele estava, além do olhar que Baekhyun trocava comigo todas as vezes que o perguntavam sobre. O julgamento. Foi um choque perceber que o grande dia havia chegado depois de tanto tempo com sua companhia constante. Em certos momentos, até me esquecia sobre tudo o que ele estava sendo acusado.
E, em outros, era consumido pelo medo por estar sendo enganado.
Sehun, por muitos dias, foi o mais perto de um modelo a ser seguido que eu já tive desde meu pai. Minha confiança, na teoria, deveria estar bloqueada depois da decepção, mas ela se entregou com facilidade como se eu simplesmente precisasse de Sehun. Sem sombra de dúvidas, sua presença marcou uma parte importante da minha vida. Talvez a mais importante entre todas.
O que me deixava em dúvida ao lembrar da possibilidade de tudo ser uma mentira. Não saberia o que fazer caso acontecesse mais uma vez e, silenciosamente, eu torcia para que tudo desse certo. A cada vez que tocava uma nova música e lembrava de como ele me incentivou a estar ali, eu torcia por ele.
Eu aprendi a acreditar em destino ao longo da minha vida. Por isso eu sabia que sua passagem pela rua Paraíso não tinha sido em vão. Ele estava lá por um motivo, bagunçando nossas vidas e mudando todos os eixos. Dessa forma, eu o esperei.
Da semana sem o Éden, só me lembro de praticar solos de guitarra e de me encontrar com Baekhyun no clube durante a madrugada.
Ele passava as manhãs na minha casa, estudando com Yoona, mas eu tentava não ficar muito próximo para não atrapalhar. Nossos amigos também seguiram com suas ocupações e eu não consegui evitar a pontada de ciúmes por não saber o que andaram fazendo. Kyungsoo era o que mais se aproximava, já que eram necessários muitos preparativos para sua mudança e ingresso no colégio. Ainda assim, não era o bastante. Ficamos distantes sem o Éden e aquilo me dava medo.
Pensar nisso, apesar de saber que era algo que não podia controlar, me dava a sensação de impotência. Queria poder prender meus amigos ao meu lado para sempre, no entanto, desde aquela época eu já sabia que não seria possível.
2
Sehun voltou na semana seguinte, mas permaneceu em silêncio.
O vi andando pela rua, com Seungmin ao seu lado enquanto os dois entravam em casa. Seus ombros caídos e a cabeça baixa fizeram meu estômago gelar. Mas eu sabia que, se ele estava ali, nada estava perdido. Sehun estava em casa e não em uma prisão, o que provava sua inocência. Respirei aliviado e me permiti passar o resto do dia sem me preocupar.
Ele não saiu de casa pelo resto do dia, mas com suas próprias razões. Havia muito a ser feito do lado de dentro.
— Toma. — Jogou um maço de cigarros em cima de Baekhyun, que levantou assustado da cama.
Estava com fones de ouvidos enquanto lia, então não ouviu os passos ecoando pela escada até pararem na porta do quarto. A presença de Sehun era estranha novamente, depois de tantos dias com ele longe e sem notícias. Baekhyun pensou em perguntar, mas temeu estar se intrometendo demais nos assuntos que não lhe diziam respeito.
Por isso, conteve-se em agradecer, sorrindo sem perceber ao se dar conta de que eram idênticos ao que roubava dos bolsos de Sehun.
— Vê se toma vergonha e começa a comprar os seus — disse, virando as costas para sair do quarto.
— Não tenho idade para isso! — Baekhyun respondeu rápido, fazendo Sehun se virar para encará-lo. Ele também sorria. — E é bem feio você entregar um maço assim para um menor de idade.
Sehun entrou de vez no quarto, fechando a porta nas suas costas para que ninguém espiasse a conversa. O clima naquela casa não era dos melhores há algum tempo. Sehun não gostaria de piorar mais do que já havia feito. Ficou ali encostado contra a madeira, encarando Baekhyun com uma sobrancelha erguida.
— E a idade já foi capaz de impedir vocês? Prefiro vocês fazendo besteira na minha frente, do que arrumando confusão na rua.
Baekhyun desviou o olhar, sentindo as bochechas corarem. Por muitos anos, seguiu todas as regras impostas e se diminuiu para caber dentro dos padrões que esperavam dele. Acreditou fielmente que não podia fazer nada a respeito para mudar, mas então provou do sabor doce da liberdade e percebeu que estava errado. Querendo ou não, havia uma influência de Sehun ali na sua nova versão. Sentiu-se grato por isso e estranhamente feliz por encontrá-lo em casa, sabendo que era capaz de nunca mais vê-lo novamente.
Por isso, resolveu que precisava comemorar.
— Quer um? — ofereceu a caixa ainda fechada, se esticando para abrir a janela e não deixar a fumaça se acumular no quarto.
Sehun aceitou sem precisar dizer nada, sentando-se na cama. Os dois estavam separados apenas pela abertura da janela e encaravam o lado oposto do quarto. Baekhyun mantinha uma caixa de fósforos escondida embaixo da cama e usou dois de uma vez para acender os cigarros já postos entre os dedos de Sehun.
Não disseram nada de início, deixando o silêncio tomar conta do quarto enquanto tragavam seus cigarros e sopravam a fumaça na janela aberta. Baekhyun a segurava por mais tempo que o indicado, o que não passou despercebido para Sehun que, preocupado, resolveu quebrar aquela barreira invisível.
— Quer saber como foi lá? — perguntou. Baekhyun o olhou sem conseguir conter que, sim, queria muito saber. — Enfim, posso te garantir que fui inocentado. Vencemos o processo.
Ele sorriu ao falar, ainda que não fosse um sorriso muito grande ou aparente. Baekhyun observou aquilo com o peito aquecido. Estava aliviado em saber, no final das contas.
— Como aconteceu? Ouvi Seungmin dizer que os donos da loja estavam fazendo de tudo para te prender.
Sehun demorou um pouco para responder, não tendo pressa alguma ao fumar sem se importar em dizer qualquer coisa. Baekhyun quis bater nele com o travesseiro, mas não o fez com medo de sujar com as cinzas.
— Eles estavam firmes, mas não estavam certos. — Mais uma pausa. — O advogado novo e caro que meu pai contratou conseguiu acesso nas câmeras do bairro. Uma delas mostrou a minha versão dos fatos, e aí não tiveram muito o que fazer.
Baekhyun jogava as cinzas do lado de fora, totalmente vidrado na história e sem querer perder nenhum detalhe sobre o que era dito.
— Foi mesmo uma arma?
Sehun assentiu.
— Eles saíram da loja com a arma apontada para mim e me forçaram a dirigir. Era aquilo ou cair morto, não tive muita escolha.
— Caramba... — Baekhyun suspirou, arrepiando-se só de imaginar estar naquela situação. — Mas que bom que deu tudo certo. As edições do Éden desse mês foram a ajuda que você precisava para pagar a defesa, não é?
— Eles estavam pressionando demais e o advogado antigo dizia que não tinha conseguido provas o suficiente — desdenhou, estalando a língua em seguida. — Certeza que o filho da puta estava sendo comprado por aqueles velhos. Foi uma sorte me livrar dele a tempo.
Baekhyun concordou. Era mesmo uma sorte. Não conseguia imaginar o que aconteceria com nosso grupo caso Sehun se fosse. Teria que lidar com as surpresas e as possíveis discussões por ter guardado o segredo por tanto tempo. Além de precisar cancelar o Éden porque parecia impossível ter Éden sem ter o Sehun para administrar e dizer como deveríamos fazer tudo.
Na terceira edição, uma briga aconteceu na fila, o que fez Sehun contratar seguranças para o próximo. Então, reclamaram que as bebidas estavam horríveis e ele precisou desembolsar uma grana para comprar um refrigerador pequeno, só para o gelo durar mais. Eram pequenos detalhes que não daríamos conta. Não sabíamos onde procurar um refrigerador para comprar ou onde conseguir dois seguranças enormes que aceitassem dinheiro e guardassem segredo sobre tudo o que acontecia dentro do galpão.
Sehun era o pilar que sustentava toda nossa nova realidade e Baekhyun se sentiu aliviado por tê-lo de volta.
— Queria te perguntar uma coisa também, Baekhyun. — O tom de voz de Sehun mudou e toda sua postura assumiu um ar sério que deixou Baekhyun nervoso.
Mesmo assim, não deixou transparecer e aprumou a postura para ouvir.
— Eu tenho ouvido a Minji falar umas coisas — contou, assumindo o gesto de Baekhyun como um passe livre para falar. — Umas coisas bem feias sobre você e eu queria saber como que você tá, sabe? Porque isso tudo meio que foi minha culpa também.
Baekhyun sabia. Ele sentia as palavras de sua mãe cortando a pele como se fossem lâminas afiadas. Ela era um doce, na maior parte do tempo, mas não suportava os pequenos deslizes de Baekhyun. Dizia que ele precisava ser sempre melhor e estar sempre acima de todos, para obter sucesso na vida. Baekhyun, por muito tempo, concordou. Ele assumiu a pose que ela queria e fez tudo conforme foi obrigado.
Era o preço a se pagar pela gratidão.
Porque Minji insistiu em criá-lo sozinha, depois de ter sido abandonada durante a gravidez. Porque ela o registrou com o nome de sua família e assumiu todas as dores de ser uma mãe solteira naquele país, até seus caminhos cruzarem com o de Seungmin. Minji exigia que Baekhyun se tornasse o exemplo perfeito para que tivesse a prova viva do trabalho bem feito que realizou durante todos aqueles dezessete anos.
Baekhyun, por muito tempo, achou que ela estava certa e seguiu dentro dos seus padrões. Obedeceu às regras, chamou a atenção dos amigos todas as vezes que faziam algo errado, tirou boas notas e por muitos semestres foi o primeiro na lista de melhores alunos. Queria que ela o aceitasse num mundo onde todos pareciam preferir os errados. Não se importava com o que diziam sobre ele. Sobre estar sempre na linha e se orgulhando por se achar melhor que os outros. Por muito tempo, Baekhyun acreditou que era.
Até fraquejar pela primeira vez e beijar um garoto. Aquilo era inadmissível. O maior dos pecados que estragaria para sempre seu futuro perfeito em busca de uma boa esposa e uma família. Sua mãe nunca soube, mas a mancha da vergonha se expandiu aos poucos dentro dele, até que ficasse impossível segurar.
Sehun entendeu. Ele também era assim e foi graças a pressão que resolveu agir da forma que bem entendia durante a adolescência. Rebelou-se contra seus pais até colocá-los no limite, até acabar acusado de ser cúmplice de um assalto a mão armada. Foi tão reprimido que se expandiu até perder a noção dos seus limites.
Baekhyun ainda tinha esperança e estava feliz com o progresso, apesar de ter medo de onde poderiam chegar.
Foi doloroso deixar as domas de proteção de uma vez. Minji reclamou tanto do cabelo pintado e das roupas diferentes que Baekhyun dormiu chorando, com medo e amaldiçoando o nome de Sehun por tê-lo convencido a fazer o que tinha vontade. Porém, ao acordar no dia seguinte e encarar o próprio reflexo, Baekhyun gostou do que viu por trás de todas as marcas de lágrimas. Gostou de olhar no espelho e encontrar a pessoa que sempre procurou nele mesmo.
No final dos longos minutos em que Sehun esperou uma resposta, Baekhyun suspirou. Apagou o cigarro na janela e o atirou para o lado de fora.
— Ela está uma fera porque eu decidi prestar vestibular pra outra coisa — contou com uma risada presa na garganta. Era engraçado ver Minji vermelha da cabeça aos pés, reclamando de algo tão bobo quanto a desistência do filho naquela loucura de virar um doutor.
Sehun se aproximou mais, também terminando o seu cigarro para dar atenção naquela conversa.
— Pedagogia?
— Pedagogia. — Confirmou, dando de ombros. — Quero ser professor ou pedagogo, mas de crianças. De preferência.
Sehun não conseguiu disfarçar a surpresa, franzindo o cenho e deixando uma risada escapar.
— Acho que nunca imaginei você assim. Tipo, eu tava lá quando você comentou com ela, mas não pensei que fosse pra isso.
— Você não me conhece tanto quanto acha!
— Ouch! Ok, você venceu. — Riram juntos. — Mas é uma profissão muito digna, Baekhyun. Uma hora ela vai entender.
Baekhyun apoiou a cabeça contra a parede, encarando o teto. Havia pensado naquilo por muito tempo antes de tomar a decisão. Era algo dele que simplesmente não sabia como abandonar. Pensava nos prós e contras repetidas vezes tentando ignorar a ansiedade que consumia seu corpo quando o assunto vinha à tona. Por dezessete anos, aceitou a ideia de se tornar um médico na capital. Então, de repente, percebeu que seu lugar era outro. Minji precisaria aceitar, porque ele não suportaria mais viver a vida fingindo ser outra pessoa.
— É para fazer o que temos vontade, não é? Tomar as rédeas da nossa própria vida. — Virou a cabeça para encontrar Sehun, sorrindo orgulhoso para ele. — Mesmo que ela não aceite, é o que eu vou fazer e ponto.
O clima pesou entre os dois depois daquilo. Era um assunto emocional demais, do tipo que não estavam acostumados. Geralmente, Baekhyun ficaria com raiva por Sehun ser tão intrometido. Então, ele o xingaria e o afastaria o máximo que pudesse, tentando manter seus muros em pé para que ninguém ultrapassasse.
Foi quando Baekhyun percebeu que não havia necessidade de agir daquela forma, porque Sehun invadiria de qualquer jeito. Foi quando ele percebeu que estava tudo bem em ter um amigo na própria casa. Finalmente, os dois estavam bem.
— Então, se estamos falando sobre vontades... — Sehun começou a falar com a voz arrastada. Baekhyun não precisava se esforçar muito para entender que seria alguma besteira. — Você já realizou todas as suas vontades com o Chanyeol?
Baekhyun ficou vermelho e não pensou duas vezes antes de atirar o travesseiro com toda a força no rosto de Sehun. Ele só riu da reação, tentando se proteger com os braços, mas sem muito sucesso.
— É uma pergunta séria! Acha que não vejo vocês dois saindo escondidos o tempo todo?
— Além de idiota, também é enxerido! — Baekhyun elevou a voz, parando de bater em Sehun quando achou que era o suficiente. — Esse assunto não te interessa!
Ele não conseguiu segurar a risada ao ver Sehun todo bagunçado, com os cabelos arrepiados e a roupa amassada depois de levar uma surra. Baekhyun sentou sobre as panturrilhas e esperou até Sehun se recompor, os dois rindo como duas crianças.
— Então, não posso perguntar sobre o Chanyeol?
Baekhyun mordeu o lábio inferior para controlar suas risadas. Respirou fundo, de forma audível e acalmou o corpo antes de negar com a cabeça.
— Assunto proibido.
Ele continuou sorrindo, mas não era mais por achar graça da situação. Baekhyun sorria por estar contente com seu segredo. Algo que nem mesmo Sehun podia ler em seus olhos, apesar de ele saber que as coisas iam bem só pela forma como Baekhyun reagiu. Ele não sabia de tudo e continuaria sem saber.
— Então tá bom. — Sehun desviou o olhar, se segurando para não rir de como Baekhyun era óbvio demais. — Não vamos mais falar sobre o Chanyeol.
3
Foi preciso reunir muita coragem até que Joy finalmente voltasse até um dos locais que mais marcou seus meses: a casa de Yerim.
Tentou ligar do telefone público, mas sua namorada desligava sempre que ouvia sua voz. A partir da terceira tentativa, Yerim já nem atendia mais. Era agonizante saber que havia feito algo de errado, sem ter a noção do que poderia ter sido. Joy se lembrava de muito pouco da noite da festa. Era como se todas as lembranças se dissolvessem em um borrão escuro e irreconhecível.
Então, vieram novas edições sem que a Yerim aparecesse com suas amigas. Seungwan e Joohyun pareciam ter se escondido junto dela, tornando impossível qualquer aproximação, mesmo indireta. Joy tentou não pensar muito. Se concentrou no Éden para se distrair, ainda que a festa não parecesse atrativa. Não tinha motivos para dançar como louca, mas tinha muitos para beber. Joy não saía do bar, aprendendo com Kyungsoo como agradar os clientes e bebendo junto com eles.
A bebida acalmava seu corpo, assim como a adrenalina de furtar lojas. Joy se pegou indo atrás de bijuterias baratas durante a semana, enquanto acabava com copos e mais copos de bebida nas sextas. Apesar disso, não chegou perto da cocaína. De alguma forma, sabia que a cocaína havia estragado tudo.
Ela escondia garrafas de vodka atrás do armário. Pegava algumas do clube, sem se importar se estavam sendo guardadas para o Éden. Pensava que, se deixasse as cheias e pegasse as que estavam quase no fim, ninguém iria se importar. Ela começava o dia misturando a bebida no suco de laranja e terminava na própria cama, virando a garrafa pura. Era a sua forma de deixar o corpo dormente até apagar e esquecer de toda a culpa que estava sentindo.
Numa tarde, sua vodka acabou mais cedo e Joy não tinha sono. Começou a se sentir corajosa de repente. Ela já ligava para Yerim pelo telefone de casa, sem se importar se sua vó reclamaria da conta alta depois. Estava sozinha, com a garrafa escorregando pelas mãos suadas. Quando não foi atendida daquela vez, percebeu que insistir era inútil. Precisava tomar uma atitude de verdade se quisesse ter Yerim de volta.
Embalou algumas pulseiras furtadas num pacote de papel e cambaleou para fora de casa, jogando a garrafa vazia na primeira lixeira que encontrou.
Na rua, precisou se esforçar muito para se manter firme no caminho certo, sem deixar as pernas fraquejarem. O sol ainda estava meio alto no céu e, na cabeça de Joy, significava que os pais de Yerim ainda iriam demorar para chegar em casa. Ela estaria sozinha, como nas outras tardes em que foi visitá-la.
Parada em frente ao portão da entrada, Joy começou a sentir sua coragem indo embora. A garganta secou e subiu a necessidade de mais uma dose de vodka para conseguir ir adiante. Lembrou de todas as vezes em que Yerim negou suas ligações e em como se sentiu sozinha e rejeitada nos dias anteriores. Se ela fizesse pessoalmente o que fazia pelas ligações, não saberia como reagir.
Pensou em dar a volta. Seus pés fizeram o caminho do meio-círculo que a levaria de volta para a rua e ela poderia seguir o caminho. No entanto, passos vindos de dentro do jardim chamaram sua atenção.
— Sooyoung?
Aquela voz, que tanto desejou ouvir nos últimos dias, estava lá. Soando tão suave, ainda que a chamasse daquela forma. Joy sentiu todo seu estômago revirar de ansiedade, pensando em como poderia disfarçar sua presença e correr para longe. No entanto, era preciso relembrar o motivo de estar ali. Era preciso ter coragem e arriscar uma última vez.
Virou-se num pé só e esticou o corpo, arrumando a postura para encarar Yerim com confiança.
— Oi.
Yerim desceu os degraus que cruzavam o jardim em direção ao portão e saiu ao seu encontro. Olhar em seus olhos foi como partir seu coração mais uma vez. Toda a dor que acumulou durante os dias em que esteve presa na incerteza veio à tona ao ver Yerim de perto. Havia um misto de mágoa e assuntos inacabados no ar, o que fez com que Joy quisesse correr para os braços da namorada e nunca mais sair.
Tentou abrir a boca para dizer algo, mas foi impedida.
— Entra. Vamos conversar.
Ela abriu a passagem para que Joy a acompanhasse e assim foi feito. Durante o pequeno percurso até a sala de estar. Em silêncio, Joy tentava se lembrar do que queria dizer. O nervosismo a deixou quase sóbria, muito consciente de tudo o que acontecia a sua volta, apesar de ainda estar um pouco tonta. Yerim percebeu pela forma que ela se movia e pelo cheiro que emanava do seu corpo. No entanto, não disse nada a respeito. Ela aguardou todos os minutos necessários até que Joy resolvesse falar.
— Trouxe isso para você — disse, erguendo o pacote de papel sob a pressão do olhar de Yerim.
A princípio, ela encarou o embrulho com certa dúvida, mas o aceitou. Desenrolou a abertura e espiou dentro, puxando o conjunto de pulseiras.
— Ah, valeu — agradeceu com um sorriso forçado. — Era isso?
Domada pelo desespero, Joy assentiu.
— Sim!-. Quer dizer, não! Não é só isso, eu...
Suas pernas finalmente fraquejaram e ela foi de encontro ao chão, como se derretesse na sala de estar. Tapou os olhos com as mãos, tentando colocar os pensamentos no lugar, mas sem muito sucesso. Sua cabeça rodava entre as milhares de desculpas que queria dar, mesmo sem saber o certo onde havia errado. Joy desejou não ter esquecido de nada. Ou, então, de voltar ao passado e evitar tudo o que pudesse ter feito Yerim odiá-la.
Mas as palavras pareciam evitar sua boca. Elas se escondiam dentro da sua cabeça e se recusavam a sair para o mundo externo. Joy estava perdida. Yerim percebeu, para seu alívio, e abaixou ao seu lado, decidida a tirar aquela história a limpo de vez.
— Sooyoung, escuta — chamou sua atenção, fazendo-a levantar a cabeça. — Eu sei, ok? E tá tudo bem. Só estava esperando você tomar coragem e vir falar comigo de verdade.
— Como assim? Eu... eu não lembro de nada, Yerim, eu juro. Queria lembrar, mas não lembro de nada! — Não percebeu quando começou a chorar. As lágrimas descendo quentes e dolorosas no seu rosto.
Yerim secou todas, abraçando-a com força e deixando um beijo no topo da sua cabeça. Permaneceram daquela forma até que Joy acalmasse seus soluços. Seu coração chorava de dor e alívio pelo carinho que recebia. Sentiu tanta falta dos toques gentis e amorosos que pensou que poderia derreter nas mãos de Yerim, ou se fundir a ela como uma só.
— Está melhor? — perguntou quando já não podia mais ouvir o barulho do choro. Joy assentiu.
— Me perdoa. Eu não sei o que fiz, mas por favor me perdoa! Eu prometo que vou ser boa para você agora, Yerim, prometo que vou cuidar de nós duas.
Joy suplicava com a voz fraca, quase se desfazendo no ar. Yerim a manteve por perto durante todo o tempo, beijando suas bochechas quando julgou apropriado.
— Está tudo bem, querida, está tudo bem. — Acariciou seus cabelos. — O que aconteceu foi que tive medo. Quase fomos descobertas por sua causa, mas já está tudo bem. Eu te amo demais, Sooyoung, demais. Tudo o que fiz foi para proteger nosso amor.
Joy ouviu tudo com atenção. Aos poucos, tudo fez sentido. Era verdade que não conseguia se segurar ao lado de Yerim e que precisavam tomar cuidado redobrado por serem duas meninas numa sociedade tão ignorante quanto a que viviam. Se quisessem permanecer juntas, era preciso insistir na cautela e se encontrar apenas em locais apropriados.
Nada de cantos escuros do Éden, nada de bebedeiras em locais públicos, nada de beijos onde poderiam ser vistas.
— Tudo bem — concordou. — Tudo bem, me perdoe. Vamos tomar cuidado agora, não é?
Yerim beijou seus lábios com cuidado.
— Vamos sim, querida. Vamos tomar todo o cuidado.
Era o suficiente.
Se beijaram novamente, até estarem deitadas no chão frio da sala de estar, se embolando em cabelos, braços e risadas. Estava aquecida por dentro, satisfeita como nunca antes. Tinha sua Yerim de volta e ela realmente a aceitou, apesar de ter feito coisas que poderiam prejudicar as duas. Estava tudo bem e não precisava mais se preocupar.
Yerim foi parar no seu colo, beijando seu pescoço, acendendo todo seu corpo. Só então percebeu o quanto que sentiu falta. Queria tê-la por inteiro e naquele momento mesmo. No entanto, Yerim se afastou.
— Estava indo fazer um sea breeze . Você quer?
A única coisa que Joy queria era sentir o sabor de seus lábios novamente. Porém, ao imaginar a combinação de vodka com suco de toranja e groselha, sua boca salivou. Precisavam comemorar aquele retorno. Estavam juntas mais uma vez e para durar o quanto fosse possível.
Por isso aceitou.
Yerim a guiou pela mão até que estivessem na cozinha, onde os ingredientes já estavam dispostos na bancada. Joy se sentou em cima dela, esperando. Yerim começou a preparar a bebida, dando beijos esporádicos na sua boca e acariciando sua coxa amostra.
Beberam e brindaram os sea breezes, comemorando aquele recomeço que tinha de tudo para prosperar.
E não fazia mal beber mais um pouco, até que estivessem emboladas novamente nos beijos afobados, cambaleando em direção ao quarto de Yerim.
Estavam juntas novamente e nada mais era capaz de incomodar a mente de Joy.
Pelo menos por enquanto.
4
Gato ronronava no colo de Kyungsoo.
Sentado no meio-fio, naquela noite úmida de verão, pensou em como o animal nunca tinha dado liberdade o suficiente para que ficassem daquele jeito. Kyungsoo, geralmente, andava ocupado demais para acariciar e mimar seu gato. Isso, querendo ou não, o preocupava. Há quanto tempo estava tão imerso em si mesmo, ao ponto de esquecer outras coisas importantes do mundo?
A visita do seu irmão mais velho já tinha chegado ao fim. Ele partiu de volta naquela manhã, mas deixou pela casa todo o rastro daquilo que Kyungsoo jamais conseguiria ser. No entanto, precisava.
O sorriso de sua mãe ao falar sobre o colégio preparatório do continente o deixava sem forças. Do Minyeong só sabia falar sobre como estava feliz pelos seus dois filhos seguirem caminhos parecidos em direção ao sucesso. Era um orgulho para uma mãe de cidade pequena, onde nada acontecia. Ela poderia dizer que foi capaz de criar doutores e era tudo o que precisava para confortar seu coração com a sensação de dever cumprido.
Kyungsoo preferia morrer do que partir o coração dela.
Por isso aceitou o Éden.
Imaginou que, se ajudasse com o dinheiro, a viagem e o ano escolar seriam parte dele também; a sua conquista. Ele queria ir, tinha certeza. Queria viver coisas novas e ter histórias além de uma rua sem saída escondida numa ilha. O ano preparatório e a faculdade lhe trariam isso de forma rápida sem que prestasse tanto esforço. Uma vez fora de Hyegung, o mundo estaria ao alcance de seus dedos. Ele mal podia esperar.
Ele mal conseguia.
O medo dividia o espaço com a excitação e seu coração partia em dois ao se lembrar de tudo o que aquele ano de 88 fez com a gente. Não queria ir embora na melhor parte, mas precisava. Não sabia como contar para o resto do grupo, apesar de ter treinado ao compartilhar comigo, mas precisava. Não sabia como abordaria Jongin e pediria desculpas por tudo o que causou aos dois, mas precisava.
Lembrava das noites que passaram juntos como se tivessem acontecido naquela semana. Lembrava dos beijos carinhosos de Jongin, dos gritos do andar de baixo, da preocupação e da névoa que os assolava uma vez que estivessem entregues um ao outro. Mal conseguia se lembrar de como aconteceu pela primeira vez, mas logo estava repetindo e adorando repetir. No fundo, Jongin nunca foi seu amigo da mesma forma que os outros e, talvez, nunca poderia ser.
Respeitar a decisão dele não era sinônimo de esquecer a saudade. Tudo o que Kyungsoo precisava era de sua presença uma última vez. Apenas mais uma, para conseguir ter coragem e deixar a rua Paraíso sabendo que foi feliz até o último fio de cabelo, pronto para experienciar novas coisas da vida.
O estalo do trinco de ferro o trouxe de volta para a Terra.
Acampar do lado de fora da casa dele, esperando o momento em que conseguiria pará-lo sozinho para conversar, não era o indicado. Foi tudo o que conseguiu fazer, porém. Jongin o ignorava em todos os outros lugares, mesmo quando tentava ir atrás dele durante as festas e reuniões do clube. Ele estava fugindo e a culpa era de Kyungsoo. Em outros tempos, ele teria aceitado a derrota e seguido com a vida fingindo que nada daquilo importava. Mas Kyungsoo estava cansado de deixar o mundo tomar as rédeas por ele.
Esperou todas as noites na calçada como se fosse um grande esforço. Para ele poderia ser. Ele não tomava atitudes, o mundo que vinha na sua direção com os obstáculos prontos, dando-lhe a escolha de aceitar o desafio ou desistir. Ele desistiu. Inúmeras vezes ao longo de seus dezessete anos, não soube fazer nada além de desistir de tudo o que parecia difícil demais. Só que, uma hora, se cansou ao perceber que não estava tendo o que queria.
Ele queria Jongin.
Então, da sua forma, tomou a atitude para tê-lo de volta.
— O que é isso? — A voz que tanto conhecia o chamou quando o portão foi aberto.
Ainda de costas, Kyungsoo suspirou aliviado. Era mesmo ele.
Virou-se depressa, olhando-o por cima do ombro e prendendo a respiração com o que viu. Jongin estava vestido como no Éden, com suas mangas cortadas e calças apertadas, mas estava diferente. Uma jaqueta vermelha estava amarrada na sua cintura, coturnos brutos tomavam conta dos seus pés. Havia um brinco em uma das orelhas — em que momento ele o pôs? —, haviam colares ao redor do pescoço. Seu cabelo escuro estava penteado com mousse ajudando a dar o formato desejado. Tão lindo que fez seu coração doer, principalmente ao se dar conta de que Jongin estava saindo e aquela beleza toda não foi feita para atrair seus olhos. Não mais.
— Oi. — Reuniu coragem para dizer algo, ainda embasbacado com a visão. — Estava esperando você.
Se Jongin ficou feliz com aquilo, não demonstrou. Seu rosto continuou impassível com os braços cruzados no peito.
— Ah, é?
— É. — Suas mãos mexeram nervosas no pelo de Gato, que acabou se incomodando e pulou para fora.
Os dois observaram ele se esconder atrás de algum carro, como se fosse a coisa mais interessante presente naquele momento.
— Por quê?
Foi o primeiro sinal de que Jongin, quem sabe, gostaria de ouvi-lo. Ficou nervoso de repente, sem saber como reagir. Esperava por aquilo, mas ainda era uma surpresa. Ele torcia todos os dias pelo momento em que teria chance de expor o que sentia, mas tudo o que sentiu foi nervoso quando a hora chegou. Jongin continuou esperando, quase pacientemente, enquanto Kyungsoo se levantava e limpava a poeira das calças. Arrumava tempo para formar as frases de volta na sua cabeça.
— Queria me desculpar — começou. Desculpas eram bons começos. — Por... por tudo. Nunca quis te deixar mal e, enfim, nunca quis.
— Você não precisa... — tentou dizer, mas Kyungsoo o interrompeu com a mão erguida.
— Quero me desculpar porque sei que ficou triste e eu odeio essa situação. Odeio que estamos assim, distantes mesmo dividindo todo lugar o tempo todo. Eu me arrependo muito, sabe? De como deixei você triste e pode não parecer, mas também fiquei triste. Você não merece nada disso, Jongin. Você merece tudo de melhor que uma pessoa pode receber, todos os sorrisos e o carinho e o cuidado porque você é uma pessoa especial. — Os olhos de Jongin brilharam sob a luz amarelada dos postes enquanto ouvia. Mesmo que com linhas tortas, Kyungsoo estava expondo as coisas que sentia. Não conseguiu segurar as batidas fortes do seu coração e praticamente prendeu a respiração quando ele voltou a falar. — Você é especial e eu gosto muito, muito de você. É um dos meus melhores amigos!
O final o fez murchar. O próprio Kyungsoo não conseguiu acreditar no que tinha dito, fugindo completamente do que planejava. Jongin continuou ali, observando-o com o rosto sério, sem nem demonstrar se estava procurando algo para dizer. Kyungsoo voltou a ficar nervoso, já pensando no que poderia fazer para contornar a situação. Passou a vida evitando falar porque sempre teve medo de dizer o que não deveria. Aquele era um momento em que falou demais e tudo o que desejava era se manter em silêncio para o resto da vida. Assim não estragaria mais nada.
— Não posso ser seu amigo — disse Jongin, tão baixo que Kyungsoo achou que estava delirando. — Não posso fazer isso comigo mesmo, porque sou louco por você.
A respiração de Kyungsoo ficou presa na garganta. Queria poder dizer o mesmo, mas seus olhos arderam com as lágrimas que tentava segurar. As palavras cresceram como um bolo, machucando-o de dentro para fora. Quis correr até Jongin, beijá-lo por inteiro e tirar toda aquela roupa bonita que ele vestia. Quis dizer que também era louco por ele, que só pensava nele o tempo inteiro, que se arrependia de ter negado tudo entre eles porque não conseguia mais fingir que não havia sentimento nenhum gritando dentro dele.
Então lembrou-se que, se quisesse seguir os passos do seu irmão, teria que fazer tudo a risca. Não havia espaço para Jongin e o esforço de manter as lágrimas no lugar era tremendo.
— E, pois é, Kyungsoo. — Jongin se encostou no muro, desviando o olhar para cima enquanto voltava a falar. — Eu sou gay. Muito gay. E um gay absolutamente apaixonado por você, que já deixou claro que não pode corresponder meus sentimentos no mesmo nível. Por isso não posso ser seu amigo. Não posso ficar perto de você e te encarar todos os dias sentindo o que eu sinto. Não posso viver fingindo quando tudo o que eu queria era estar do seu lado. Eu respeito sua decisão, é por isso que prefiro ficar sozinho.
Kyungsoo continuou em silêncio. Ele nem piscava. Tinha medo de piscar e estragar tudo com suas lágrimas rolando pelo seu rosto. Jongin teve esperanças, por alguns segundos. Aguardou a resposta enquanto aproveitava a sensação do peso deixando seus ombros. Aos poucos deixava todos saberem sobre quem ele era e a sensação vinha num misto de alívio e receio.
Naquele momento, havia apenas o alívio. Kyungsoo tinha de saber a verdade para que ele pudesse seguir em paz, sabendo que nenhum segredo os entrelaçava mais. Era gay e estava apaixonado por um dos melhores amigos. Terrivelmente apaixonado. De forma dolorida e profunda, como nunca se apaixonou por nada antes.
No silêncio dos dois, foi possível ouvir as vozes altas da sala de estar. Kyungsoo olhou assustado, Jongin olhou com indiferença. Era tão alto que não perceberam sua ausência, tão alto que ficar jogando videogame ou dançando com fones de ouvido não era suficiente para abafar.
Por isso, ele saiu.
Iria sair, para um lugar distante e um lugar livre. Buscaria seu próprio paraíso no meio de todo aquele inferno e seria feliz com ele.
No silêncio dos dois, Jongin seguiu seu caminho. Kyungsoo desabou na calçada. Seu choro era baixo, com soluços abafados pela própria mão. Observou todo o caminho que Jongin fez descendo a rua e imaginou que o havia perdido para sempre.
#MyDearHeaven
Love will tear us apart é uma das músicas mais importantes da fanfic. Ela foi posta nesse capítulo numa forma de representar, principalmente, a cena final dos Kaisoo. No entanto, pode ser usada com a Joy e a Yerim e, até, com os Chanbaek (dependendo da situação).
Mas não se preocupem muito com isso agora. O futuro vai tomar conta de cada um deles...
Você pode encontrar essa e outras músicas na playlist! Link na bio <3
Obrigada minha Lilu @yxinsg pela betagem! Eu não seria nadinha sem você <3
Obrigada por ler até aqui!! Os dramas estão voltando, mas eu prometo que o verão ainda pode ser lindo, ok? Fiquem bem e se cuidem <3
Com amor, Sandman :)
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