14
DÉCIMO QUARTO DIA DIZENDO VERDADES
Entra no carro
Seremos o passageiro
Passearemos pela cidade à noite
Passearemos pelos subúrbios esfarrapados da cidade
Veremos a brilhosa e oca lua
Veremos as estrelas que brilham tão claras
Estrelas feitas para nós essa noite
(The Passenger, Siouxsie and the Banshees)
Já estava amanhecendo. Acordei com uma batida forte na janela da kombi e encarei o meu redor, desnorteado.
Sehun estava do lado de fora, apontando para o pulso como se tivesse um relógio ali. Entendi que o Éden já havia terminado e era a hora de ir para casa. Saí da kombi, esfregando os olhos para espantar qualquer resquício de sono que ainda tivesse. A primeira coisa que pensei foi que Baekhyun não estava ao meu lado e havia uma dúvida cruel que não me deixava acreditar que tudo o que fizemos foi mesmo real.
Quando olhei meus amigos parados na entrada do beco, ele estava lá. Conversava com Jongin com um sorriso pequeno no rosto e parecia perfeitamente normal. O Baekhyun de antes, que jamais chegaria perto de mim.
— Tudo bem? — perguntou Sehun, me despertando de vez.
Com o susto da sua voz, eu assenti várias vezes. Me dei conta de que estava muito tempo ali parado e tentei me mover um pouco. Ajeitei meu cabelo e a jaqueta de volta nos ombros, como se aquilo fosse o que bastasse para meu corpo voltar ao normal. Não precisava ser um gênio para entender que certas coisas deveriam permanecer em segredo. Sendo assim, precisava agir naturalmente, mesmo diante de Sehun, que com certeza tinha percebido tudo.
Ele, por sua vez, sorriu como se tirasse sarro das minhas tentativas.
— Que bom. — Abriu a porta do motorista e entrou. — Vai lá pra rua. Sua irmã estava doida atrás de você.
Minha barriga gelou ao lembrar de Hyo. Fiquei tão ocupado com outras coisas naquela noite que me esqueci completamente dela e do quão bêbada estava na última vez que a vi. Sehun, com certeza, teria me dito se tivesse algo de errado com ela. No entanto, me arrastei para fora do beco com culpa, não conseguindo corresponder nenhum dos sorrisos que recebi.
— Bom dia — disse Kyungsoo, risonho. Ele estava conversando com Kibum e Jinki. Só então percebi que toda a Vacation continuava ali. — Cara, você sumiu da festa. Te procuramos por todo lado, até o Sehun te achar aqui.
Forcei uma risada para acompanhar ele. Ainda sentia a visão embaçada pelos olhos cansados e uma leve dor de cabeça.
— Fiquei com sono depois do show. — Dei de ombros.
Pelo canto dos olhos, vi quando Baekhyun virou em minha direção. Estava com os braços cruzados, ainda conversando com Jongin. Olhei para ele sem saber como reagir. Foram alguns segundos de contato visual enquanto eu buscava o significado para aquilo tudo. A sensação do que aconteceu ainda era fresca na minha pele. Precisei segurar um suspiro só de lembrar a forma como nos beijamos.
Então Baekhyun desviou o olhar e eu fiz o mesmo. Fui procurar minha irmã.
A encontrei sentada na calçada, em frente ao galpão onde aconteceu o Éden. Joy estava ao seu lado, apoiando a cabeça no seu ombro. Ela me dirigiu um sorriso fraco quando abaixei em frente as duas. Hyoyeon ainda demorou um pouco para notar, provavelmente morrendo de tanto sono, mas sorriu para mim quando me reconheceu.
— Finalmente — comemorou com a voz arrastada, enrolando os dois braços no meu pescoço. — Você sumiu, cantor de festa.
Não me aguentei em ficar sério quando a ouvi dizendo aquilo. Abracei de volta, tentando colocá-la de pé devagar. Joy nos acompanhou.
— Foi mal. Depois que desci do palco eu vim para cá morrendo de sono.
Hyo se afastou para me encarar, erguendo uma sobrancelha.
— Entendi. — Ela riu de novo. Ainda estava bêbada, pelo jeito. — Fiquei tão encantada, Chanyeol! Nunca imaginei alguém tão talentoso debaixo do mesmo teto que eu. E se a Tae ouvir isso ela me mata.
Neguei com a cabeça e a guiei até que estivéssemos na entrada do beco, onde Sehun já deveria ter aparecido com a kombi. Olhei para Joy, que nos seguia com a cabeça baixa e a cutuquei para chamar sua atenção. Hyoyeon abraçava minha cintura e descansava a cabeça no meu ombro, mas dei um jeito de me virar e puxar Joy para perto também.
— Está tudo bem? — perguntei baixinho, ela assentiu.
Continuei olhando-a, deixando claro que não acreditava. Todo o brilho característico do seu olhar havia sumido.
— Para com isso — reclamou. — Só estou cansada, igual a você.
Me dei por vencido, porque sabia que não iria conseguir descobrir nada naquele momento. Estava cansado demais para conversas mais sérias e, naquele tempo, eu já sentia que deveria me meter menos na vida pessoal dos meus amigos. De qualquer forma, deixei um beijinho no topo da sua cabeça para tentar suavizar o clima.
— Te amo, sabia?
Ela riu abafado contra minha camiseta.
— Você é muito sensível, Chanyeol.
Eu só a abracei com mais força. Gostava do som da sua risada, ainda que estivesse mais fraca. O momento, no entanto, foi interrompido pelas reclamações de Baekhyun.
— Por que ele tá demorando tanto?
Comecei a prestar atenção na conversa que se desenrolava ali na frente. Baekhyun estava certo. Sehun já estava há um bom tempo dentro da kombi sem que ela saísse do lugar. Deixei Hyo com Joy e me aproximei para ver o que acontecia. Vi a silhueta de Sehun bater com força no volante e arregalei os olhos, preocupado.
— Ei! — o chamei. Sehun olhou pela janela, a expressão completamente fechada. — Tá tudo bem?
Fui chegando mais perto, junto dos rapazes e Seulgi. Sehun saiu da kombi e bateu a porta com força. Andou em passos firmes ao nosso encontro e jogou a chave em cima de mim. Me assustei com a ação repentina, mas consegui segurar antes que caísse no chão. Com um suspiro alto, puxou um cigarro do maço que tinha no bolso e o acendeu num movimento rápido.
— Essa merda não funciona. — Apontou para a kombi. — Não liga de jeito nenhum.
Meu olhar intercalou entre a kombi parada e Sehun, que fumava irritado como se a nicotina não fizesse efeito algum.
A pintura branca na kombi descascava e ela parecia bem velha. Fazia um bom tempo que Seungmin a mantinha guardada na garagem, sem uso algum. Costumavam usá-la bastante no início da loja, para transportar mercadoria. Tempos depois, já não era mais necessário porque a loja cresceu bem e precisavam de carros maiores para levar tudo. Usamos a kombi sem parar nos últimos meses, sem pensar que um dia o motor finalmente iria pedir um descanso depois de tanto tempo desacostumado com a atividade.
— O que vamos fazer? — perguntei.
Sehun riu.
— Boa sorte pra ligar ela.
Sentou na calçada, desistindo completamente. Seulgi estalou a língua, negando desacreditada para o que ele dizia.
— Você é um folgado, não é?
Ela pegou as chaves da minha mão e caminhou em direção a kombi. Fui atrás, mesmo sem saber como poderia ajudar. Ela sentou no banco do motorista e eu a observei pela janela do passageiro. De primeira, não tentou colocar a chave na ignição. Observou todo o painel com cuidado e embaixo do volante.
— Merda — murmurou. — Não consigo me lembrar de nada. Achei que ia conseguir, mas já faz muito tempo.
Franzi o cenho.
— Do que está falando?
Seulgi olhou para mim um pouco perdida, mas sacudiu a cabeça e voltou ao normal.
— Nada. Só queria confirmar uma coisa. — Riu. — A bichinha é velha mesmo. Acho que não vai ligar. Conseguem chamar um táxi?
— Acho que sim. — Parei para pensar um pouco, então uma ideia me veio em mente. — E se a gente empurrar? Acha que pode ajudar?
Ela me encarou por um tempo, sem esboçar reação, então deu um sorrisinho fraco.
— Acho que sim... — Ia dizer mais alguma coisa, mas fomos interrompidos.
— Desiste disso! — gritou Sehun da rua. — Não vai ligar.
— Talvez dê para empurrar — gritei de volta. — Venham ajudar!
Sehun sacudiu a cabeça e jogou o cigarro longe. Empurrou alguns dos rapazes que estavam ao seu alcance para que se aproximassem junto dele. Os outros vieram por vontade própria e apenas Joy ficou por lá, servindo de apoio para uma Hyo sonolenta.
Tirei minha jaqueta para não atrapalhar no momento e a joguei em algum dos bancos pela janela. A kombi estava virada para a rua, o que facilitaria um pouco nosso trabalho. Sehun ainda olhava para Seulgi com uma ironia explícita. Aos poucos parecia voltar a ser o Sehun que esteve presente na última semana, alguém ácido e irônico, sem o bom humor causado pelo sucesso da festa.
Pensei, então, que se ele transformasse pelo menos um por cento daquela raiva em energia para ajudar a empurrar, estava bom.
Seulgi soltou o freio de mão e nos posicionamos cada um em um lugar para começar a empurrar. Ouvi a risada de Joy ao ver a cena e quis me esconder de vergonha porque, provavelmente, estava ridículo. Demorou um pouco até a kombi se mover com facilidade, saindo do beco e entrando de vez na rua. Seulgi guiou com cuidado e ela também ria.
Sehun gritou alguma coisa com ela, que gritou de volta. Eu nem consegui prestar atenção porque concentrava toda a minha força ali. Era uma sorte que a rua estivesse vazia naquela hora. Foi mais fácil de empurrar depois dela pegar o embalo, então Seulgi tentou ligar.
Foram duas tentativas até ouvirmos o ronco do motor e seu grito animado, comemorando. Ela buzinou, avisando que tinha dado certo e o rádio ligou, começando a tocar uma das mixtapes dentro dele. Sehun não esperou dois minutos a mais para abrir a porta da frente e entrar, seguido de Jongin. Baekhyun, que estava perto da porta de trás, a abriu e pulou para dentro, ajudando os outros que tentavam fazer o mesmo. Ainda estava devagar, então dava para correr e entrar sem muitos problemas.
Joy e Hyo já corriam para nos acompanhar e eu consegui ajudar as duas a subirem enquanto Jonghyun as puxava. No final, só eu sobrei. A kombi pegava velocidade e eu precisava correr mais rápido para alcançar. A rua chegava ao fim e Seulgi precisaria fazer uma curva, o que iria me atrapalhar caso deixasse para subir depois.
— Vamos, Chanyeol! — incentivou Joy.
Meus amigos já me olhavam pelas janelas, tentando fazer com que eu fosse mais rápido. Jonghyun estava com parte do corpo para fora, esticando a mão na minha direção. Tentei alcança-lo, mas Seulgi desviou de um buraco na rua e Jonghyun precisou se segurar com força para não cair de lá de cima, o que nos atrapalhou.
— Desculpa! — gritou ao ver o que tinha acontecido.
Sem pensar muito, reuni um pouco de coragem e aumentei a velocidade dos meus pés, dando um impulso. Jonghyun agarrou meu braço e meu pé quase pisou fora da kombi, mas conseguiram me puxar a tempo da curva ser feita, fechando a porta depois.
Caí exausto num banco, sem nem notar qual era. Então, começamos a rir, ainda sem acreditar no que tínhamos feito.
— Você quase me matou de susto! — Hyoyeon pulou para o banco ao meu lado e deu um tapa no meu ombro. Tentei me proteger, mas foi em vão.
Seulgi se virou para trás rapidamente, apenas para garantir se estava tudo bem. Kyungsoo, Jinki e Kibum estavam no primeiro. Parecia que realmente tinham se dado bem, já que brincavam como se fossem amigos há anos. Jonghyun se sentou ao lado de Joy e Taemin no banco atrás do meu e, quando percebi isso, virei lentamente a cabeça para o lado.
Apenas uma pessoa sobrou.
E eu sorri com a coincidência ao ver Baekhyun se espremendo de forma sutil contra a janela, como se quisesse manter distância. Ele percebeu, é claro, já que me olhou com a expressão fechada antes de revirar os olhos.
— Quer saber de uma coisa? — perguntou Seulgi. — Não vamos para casa agora.
Sehun franziu o cenho, virando para olhá-la.
— O que você tá falando?
— Vamos para um lugar mais legal.
Ela apenas afirmou e, na posição de motorista, não havia espaço para ser discordada. Aumentou o volume do rádio, deixando a música "The Passenger", do Siouxsie and the Banshees ecoar por toda a kombi. Começou a cantar junto da vocalista, com todo seu vocal incrível. Não demorou muito para que déssemos como convencidos, cantando junto com ela.
O sol nascia, iluminando o céu de Hyegung. Estávamos nos aproximando do centro e eu percebi isso ao notar a praia atrás de algumas construções. O sol nascia naquela direção e não resisti em me inclinar mais em direção à janela para ver melhor. Era tão bonito quanto o pôr do sol e eu só tive mais certeza de que nenhum céu poderia ser comparado com o da ilha.
Cantei a música baixinho e só me dei conta do quão próximo eu estava quando Baekhyun beliscou minha cintura.
— Fica no seu espaço, idiota! — Ele agia de forma dura, mas sua expressão não correspondia o que suas palavras tentavam passar.
Sorri para ele e voltei lentamente, sem quebrar o contato entre nossos olhares. Baekhyun também não fez esforço algum para aquilo e foi o suficiente para uma sensação esquisita subir pelo meu estômago. Quase me esqueci de onde estávamos e quase tentei tocar seu rosto. Baekhyun voltou a olhar para a paisagem no momento em que a vocalista cantou " Ele vê as costas rasgadas da cidade... ele vê a movimentação do oceano sinuoso" e nada poderia se encaixar mais naquele momento. O observei com cuidado e cantarolei baixinho. Todos tão imersos que jamais poderiam notar o que acontecia.
O coro no carro ficou mais alto no refrão e cantamos todos os la-la la-la sem nos importar com mais nada.
2
Hyoyeon se negou a sair do carro.
Havia areia para todos os lados, mesmo na calçada. O vento do litoral não ajudava em manter as ruas limpas e todas as dunas de Golae mudavam de lugar com o passar das temporadas, criando novas formas na areia e ultrapassando o limite da estrada. Nunca estive tão próximo das praias isoladas da área nobre de Hyegung, mas Seulgi insistiu que deveríamos conhecer o lugar onde ela cresceu.
Aquilo foi um choque. Apenas pessoas endinheiradas de verdade conseguiam uma casa em Golae. Geralmente comerciantes grandes ou donos de hotéis. Era uma zona paradisíaca, com a água tão cristalina que era difícil de acreditar que ficava na mesma cidade que as docas sujas do nosso bairro. Haviam dunas de areia brancas por toda a extensão da estrada que separava Golae do resto da cidade, então as casas começavam a surgir cada vez maiores.
Algumas eram hanok, de modelo tradicional e cerejeiras plantadas nos quintais. Outras eram simplesmente grandes, seguindo o estilo praiano, com madeiras e janelas de vidro. Não havia um calçadão, igual ao centro. O quintal das casas simplesmente terminava onde havia areia e todos os moradores podiam aproveitar seu pequeno pedaço de paraíso com apenas alguns passos de casa. No pontal, bem onde acabava a ilha, haviam morros e colinas de trilhas, onde os mais corajosos podiam caminhar e encontrar piscinas naturais escondidas no centro deles.
Já ouvi dizer que a visão do topo deles é tão azul que se torna impossível distinguir onde há céu e onde há mar.
A maior atração da praia, no entanto, são suas ondas. O mar é agitado nesse ponto, tão próximo do oceano, e as ondas chegam em até dois metros de altura nos melhores dias. É para onde todos os surfistas da região iam.
Ver tudo aquilo pessoalmente, com o Sol nascendo atrás do mar, me senti tão sortudo que era como se anjos tivessem abençoado o poder da minha visão. Não queria nem piscar para não correr o risco de perder alguma coisa. Era um absurdo que Hyoyeon não quisesse descer do carro e ir conosco.
— Você tem certeza? — puxei seu pé. Ela estava deitada no banco, com um dos braços cobrindo os olhos.
— Se fizer isso de novo, vou vomitar em você — resmungou. — Só vai logo, Chanyeol. Seus amigos tão te esperando e eu preciso dormir.
Ainda estava um pouco incerto de deixa-la lá, mas não quis insistir. Coloquei minha jaqueta para ela usar de travesseiro e fechei a porta quando ela adormeceu mais uma vez. Todos os outros estavam esperando na calçada. Maquiagens borradas, cabelos despenteados. Parecíamos astros do rock depois de um show e uma noite de bebedeiras, o que não era muito diferente da nossa situação.
Ainda haviam roupas brilhantes e justas, de qualquer forma.
Me aproximei deles, ainda desacreditado com Seulgi.
— Não me olha assim. — Cruzou os braços, como se adivinhasse o que eu estava pensando. — Meu tio mora aqui. Ele é o dono da loja onde eu trabalho.
Apontou com o polegar para uma casa atrás dela. Era uma hanok não muito grande, com um quintal de tamanho médio e três construções. Descemos um pedaço íngreme de terra para chegar até a calçada das casas e ela nos guiou para dentro, permitindo que todos entrássemos pelo pequeno portão lateral da cerca de madeira. Era um quintal pouco espaçoso, com heras crescendo pelas laterais e um canteiro bonito na entrada da construção principal. O chão inteiro era de pequenas pedras brancas e haviam passarelas de madeira que conectavam todos os caminhos.
— Ele não vai se importar com tanta gente aqui? — perguntou Joy.
Seulgi sorriu para ela de um jeito esquisito, separando os lábios como se estivesse surpresa.
— Nem um pouco. — Fechou o portão depois de ela passar, já que era a última. — Não vamos ficar aqui. Estou só pegando um atalho, mas eu acho que vocês vão querer deixar os sapatos aqui dentro.
Caminhou na frente e fomos atrás, seguindo uma fila pelo quintal. Todas as luzes da casa estavam apagadas. Era cedo demais para alguém estar acordado e o céu nem tinha clareado completamente. Seulgi tirou as próprias botas e passou os pés por uma abertura na sola da meia-calça, dobrando-a até os tornozelos.
Sorriu por cima do ombro, com as mãos segurando um portão de madeira.
— Rua paraíso — anunciou, forçando uma voz polida. — Bem-vindos ao verdadeiro paraíso.
Então, ela abriu o portão com um impulso, liberando a visão da paisagem mais incrível que já havíamos visto em toda nossa vida.
Duas palmeiras curvavam-se formando um arco alto acima das nossas cabeças e deixando uma sombra no chão. Na base delas, haviam dois canteiros floridos com algumas plantas tropicais, que com certeza custaram muito dinheiro para existir ali de uma forma tão harmônica e bonita. Pedras lisas formavam uma pequena trilha pela areia até desaparecer completamente. Então, o mar. Toda a imensidão azul-turquesa com as ondas fortes, se chocando contra a areia tão branca que se parecia com neve.
— Eu sei — disse Seulgi, vendo nossas expressões. — É lindo.
Sem esperar muito, nos livramos dos sapatos de qualquer jeito e corremos pela areia, apostando corrida até o mar. Estava gelada demais para entrar e não era seguro enfrentar a correnteza com ondas tão fortes, mas molhamos nossos pés na beirada e atiramos água uns nos outros.
Os rapazes da Vacation, Sehun e Seulgi ficaram para trás. Estavam acostumados com aquilo, pelo jeito, já que só se sentaram na areia e ficaram rindo de toda a graça que fazíamos. A melhor parte é que não nos importávamos de parecer infantis, brincando na praia e apostando quem era o último a se manter de pé.
Joy foi a primeira a cair, molhando todo o seu vestido e sua jaqueta jeans. Jongin, que foi o responsável por ela perder o equilíbrio, recebeu um jato certeiro no rosto como vingança. Eu ri tanto que minha barriga doeu. Foi o suficiente para Kyungsoo tentar a sorte, mas consegui desviar. Joguei água nele, que jogou em mim de volta e ficamos assim por um tempo até eu me lembrar de alguém que continuava seco, apenas brincando com a ponta do dedo na água.
Ao ver que eu o encarava, Baekhyun ficou vermelho.
— Não! Nada disso, Chanyeol. — Comecei a correr atrás dele, que saiu desesperado pela areia molhada. — Você vai deixar meu cabelo verde!
Eu não me importava. Continuei correndo, rindo como se voltássemos a ser crianças. Baekhyun tentou fugir, mas consegui alcança-lo com facilidade. O suspendi levemente no ar, com os braços ao redor da sua cintura. O mar estava próximo e a ideia era só virá-lo na direção certa, mas ele se debateu tanto que perdi o equilíbrio e fomos os dois ao chão.
Fiz o possível para não cair em cima dele, já prevendo que iria me bater. No entanto, Baekhyun sorria, mesmo todo sujo com a areia pegajosa e com as roupas molhadas. Não deixou a cabeça encostar por inteiro no chão e correr o risco de molhar o cabelo também. Apesar de gastar boa parte da sua força com as risadas, se manteve firme.
Sorria como se estivesse no auge da felicidade, o que me fez reparar que fazia um bom tempo que não o via daquele jeito. Seus olhos estavam fechados, a bochecha vermelha, o cabelo espalhado por toda a areia deixando sua testa amostra. Não resisti em tocar levemente a ponta do meu indicador na sua bochecha, conforme seu riso foi se acalmando.
A vontade de beijá-lo mais uma vez me atingiu como uma daquelas ondas fortes. Eu sabia que estavam olhando e que não era apropriado, mas era muito mais forte que eu.
Baekhyun olhou nos meus olhos e arqueou uma sobrancelha, ainda com o sorriso.
— Idiota — sussurrou antes de me empurrar com força, me fazendo rolar em direção ao mar bem na hora em que uma onda chegou na areia.
Ele me molhou inteiro e se levantou com a vitória estampada no rosto, toda sua pose superior de sempre o acompanhando.
Ele andava como se o mundo fosse dele e escapava das minhas mãos como o vento . Virou de costas para nossos amigos apenas para sorrir para mim como quem diz "eu venci". Não podia me importar menos.
Me levantei antes que outra onda viesse e fui até a roda que já se formava na areia, com todos os meus amigos reunidos. Ainda com os cabelos molhados, balancei-os com as mãos em cima de Sehun, que obviamente me xingou.
— Só porque não foi também — respondi, mostrando a língua.
Meu rosto ainda doía pelas risadas quando me joguei ao lado de Joy. A camisa molhada grudava em mim de uma forma desconfortável, então a tirei sem nem pensar duas vezes, torcendo-a e deixando no meu ombro. Joy fez uma cara feia, fazendo questão que eu visse sua expressão ao me cutucar nas costelas amostras.
— O que foi, hein? — Segurei seu dedo, fingindo levar na boca para morder.
Ela puxou a mão com força, rindo comigo.
— Está precisando comer. Com o dinheiro que ganhamos hoje, vou te levar para jantar. — Mexeu nos cabelos, brincando.
— Ah, então é um encontro? — Forcei uma expressão sugestiva. Joy não aguentou a brincadeira e riu.
Eu sabia que estava emagrecendo ainda mais nas últimas semanas e a razão daquilo era porque a comida em casa estava cada vez mais escassa, conforme o dinheiro diminuía. Não era sempre que mamãe conseguia roupas para lavar e ela cismava em fingir que o dinheiro que entreguei a ela não existia. O mantinha guardado numa lata atrás de todas as suas roupas no armário. Não o usava para nada e não fazia ideia de para que ela o mantinha lá.
Enquanto isso, só tínhamos dinheiro para arroz e algumas verduras. Carne apenas uma vez na semana, mas estava tudo bem. Era melhor do que não ter nada e, se o Éden arrecadasse tanto dinheiro como esperávamos, poderia viver como um rei durante boas semanas.
Ouvi o barulho do isqueiro e me virei para Sehun, que acendia um baseado. Ele conquistou a atenção de toda a roda e, mesmo em silêncio, ele sabia que todos queriam um pouco. Com um riso nasalado, tirou outros baseados prontos do bolso e distribuiu.
— Não tem pra todo mundo, então podem ir dividindo.
Eu tentei não sorrir ao receber das mãos dele, mas não consegui evitar. Era só um costume de festa, todo mundo fazia aquilo naquela época então parecia que não tinha problema nenhum. Eu, Sehun e Joy dividimos entre nós três e, como da outra vez, ficamos completamente chapados em alguns minutos.
Naquela época, eu tirei duas conclusões sobre fumar maconha depois de uma festa:
A primeira é que você nunca deve subestimar a capacidade de dormir um dia inteiro. Principalmente depois de passar a noite acordado enchendo a cara e cantando;
A segunda é que você deve se preparar para a fome. Porque ela vem de uma forma que você nunca sentiu antes, como se pudesse rasgar seu corpo de dentro para fora.
Ainda assim, continuava divertido e passamos a repetir depois de quase todas as festas.
Um tempo passou até que uma música baixinha começou a soar. Seulgi e Taemin apareceram com o rádio a pilha que deixamos na kombi e ligaram em uma das mixtapes da Joy. Foram os únicos que não fumaram. Seulgi, aparentemente não queria e Taemin era novo demais. Ela o mantinha sentado na sua frente como uma mãe protetora, sem deixar nenhum baseado passar por ele.
— Espero que não se importem — disse, esticando as pernas e apoiando-se nas mãos atrás do corpo. — Esse silêncio estava me matando.
Ri, sem ao menos saber do que estava rindo, e fui acompanhado por alguns dos meus amigos.
— Pula para All the Young Dudes ! — pediu Joy, com a cabeça caindo no meu ombro. — Tem que ser nossa música oficial de ficar chapado.
Ela riu como se estivesse contando uma piada das mais engraçadas e eu ri junto apenas porque gostava da risada dela. A abracei de lado para não cair, mas quase fui chutado longe quando começou a tocar a música escolhida. Foi como se a energia voltasse para seu corpo e ela começou a cantar.
Seulgi ria como se não acreditasse no que estava vendo. Eu mesmo estava um pouco surpreso com a cena.
— Vocês são tão esquisitos. — Ela negou com a cabeça, desacreditada. — Podiam ser igual gente normal e colocar Pink Floyd.
— Pink Floyd não é para aqueles ácidos de figurinha? — perguntou Jonghyun. — Esqueci como chamam.
Seulgi deu de ombros.
— Mesma coisa. É tudo droga de hippie .
Ela estava sorrindo enquanto falava, então imaginei que não fosse de todo ruim. Joy continuava cantando com a voz péssima, então Seulgi passou a acompanhar num contraste absurdo de quem podia se manter de pé a noite inteira e ainda assim cantar sem o mínimo esforço. Não resisti e cantei junto. No refrão, a maior parte do grupo já acompanhava.
E era interessante observar e fazer parte daqueles pequenos momentos em que parecíamos invencíveis. Numa praia de ricos, fumando maconha depois de um evento incrível. Era quando eu percebia como as coisas tinham mudado desde que deixei a escola e, pior ainda, quando percebia que não me arrependia de nada até então. Se pudesse, faria tudo de novo apenas para me sentir invencível, como se o mundo inteiro pudesse ser controlado pelo poder das minhas mãos.
— Eu viveria assim para sempre — murmurei sem ninguém realmente entender o que eu estava falando.
As vozes estavam altas demais, então forrei minha blusa atrás de mim e deitei na areia.
3
— Chanyeol — Seulgi me chamou. Ela estava deitada na perna de Minho, com Taemin encostado na sua barriga. Olhava para as palmeiras e fazia grande esforço para não pegar no sono. — Verdade ou desafio?
— Verdade.
Ainda estava deitado, encarando o céu como se o Sol não estivesse forte o bastante para incomodar meus olhos. Havia cochilado algumas vezes, mas sempre acordava com o barulho das vozes. Ouvi Seulgi dar uma risadinha.
— Beijaria alguém dessa roda?
Aquela era uma pergunta fácil. Não pensei muito ao responder:
— Já beijei.
Sons surpresos puderam ser ouvidos de todos os lados, ainda que um pouco atordoados. Naquele momento, não me veio a cabeça como seria fácil adivinhar quem foi. Mas poucos se lembrariam do que estava acontecendo. Alguns estavam adormecidos, até. Conseguia ouvir os roncos de Kibum mesmo estando afastado dele.
— Joy, verdade ou desafio? — Era a voz de Baekhyun. Percebi como falou com pressa, como se estivesse com medo.
Joy se arrastou ao meu lado e sentou na areia, bocejando.
— Sério isso? — Um suspiro alto. — Desafio.
Precisava ver aquilo acontecendo, então fiz força no corpo para me sentar ao lado de Joy. Sehun estava dormindo, com o cabelo loiro espalhado pela sua preciosa jaqueta de couro que servia como travesseiro. Foi para ele que Baekhyun olhou quando um sorriso maldoso surgiu no seu rosto. Eu quase suspirei vendo aquele sorriso mais uma vez e nem adiantava mais fingir que não gostava de quando ele fazia aquilo.
— Puxa o Sehun pelo pé até a água.
Joy quase engasgou, os olhos arregalando e um sorriso grande surgindo no rosto. Não demorou nem dois segundos para se levantar e se alongar para fazer o que foi pedido. Seulgi e Taemin também se sentaram para assistir e todos tentávamos fazer o mínimo de barulho possível para não o acordar antes da hora.
Joy ficou de frente para ele e, delicadamente, segurou uma mão em cada tornozelo.
— Vai em frente — Baekhyun incentivou. — Ele tem sono pesado.
Ela não esperou nenhum instante a mais. Começou a correr, segurando-o pelos pés em direção ao mar. Ele acordou no caminho, sem entender nada, mas já era tarde. Rimos ainda mais quando Sehun tentou se debater e não teve sucesso algum. Joy o deixou na beira onde uma onda o atingiu em cheio e então saiu correndo.
Seus gritos eram altos e despreocupados, ficaram ainda mais intensos quando ele se levantou e foi atrás dela. Eu só faltava rolar na areia de tanto rir, parecia que todo o ar havia ido embora e eu poderia morrer a qualquer momento com lágrimas nos olhos. Era uma alegria tão grande e genuína. Fazia muito tempo que não me sentia tão bem cercado de pessoas tão especiais.
O Éden e os dias com meus amigos eram tudo o que eu tinha, assim como a música. Se eu pudesse viver com essas duas coisas ao lado, não precisava de mais nada.
Um senhor surgiu na entrada para a casa de onde viemos, olhando assustado para tudo ao nosso redor. Ele ainda estava de pijamas e não parecia tão velho assim. Talvez um pouco mais novo que mamãe. Seulgi parou de rir na hora, levantando e se curvando na direção dele.
— O que significa isso, Seulgi? — ele perguntou.
Ela nos encarou sem saber o que dizer. Alguns dormindo, outros com olhos vermelhos e pesados. Todos uma bagunça. Nenhuma explicação era necessária.
Então voltamos a rir de novo, sem resistir ao clima pesado que caiu no local.
4
Chegamos em casa no início da tarde.
O tio de Seulgi não se importou com nossa presença e levou sanduíches para comermos. Somente no momento em que dei a primeira mordida, percebi como estava com fome. Meu estômago chegou a doer, mas guardei meu segundo sanduíche para Hyo, que ainda estava adormecida no carro. Não ficamos muito tempo lá depois disso. Nos levantamos, com resquícios de areia e água salgada por todo o corpo e entramos de volta na kombi para ir embora.
Hyoyeon já estava desperta, apesar da dor de cabeça. Então foi a minha vez de dormir em cima dela até chegarmos em casa.
— Você está cheirando a peixe. — Ela franziu o nariz, mas eu nem me importei.
Seulgi nos deixou no galpão e desceu junto com a banda para pegarem os instrumentos e ir embora no carro deles. Sehun assumiu o volante, já estava um pouco mais sóbrio depois do que Joy fez com ele, mas continuava de cara feia e sem querer falar com ninguém.
— Vão com cuidado — aconselhou Seulgi. Ela estava parada ao lado da porta aberta da kombi enquanto os rapazes faziam o trabalho de carregar os instrumentos para a van deles.
— Eu sempre tomo cuidado — respondeu Sehun.
Seulgi revirou os olhos e se despediu com um aceno. Fiquei acordado apenas por aqueles minutos e logo peguei no sono mais uma vez, acordando quando paramos na subida da rua Paraíso. Éramos um bando de mortos-vivos quando nos despedimos, mas ninguém estava nem aí. Nossa noite havia sido incrível, nossa manhã foi divertida e, no dia seguinte, teríamos uma doce surpresa ao abrir a caixa com todo o dinheiro que recebemos.
Antes de eu entrar em casa, Kyungsoo me chamou. Eu, Hyo e ele entramos no quintal em silêncio. Minha irmã seguiu para o porão sem prestar atenção em mais nada, mas meu amigo me impediu de fazer o mesmo caminho e pediu para eu esperar um pouco.
— Eu sei que não é o momento — sussurrou, sentando na escada da varanda. — Mas se eu entrar aqui com isso entalado, vou explodir.
Eu não estava com muita paciência, mas sua expressão me assustou. Kyungsoo era quieto, introvertido e costumava guardar as coisas para si. Era o mais difícil de se decifrar e descobrir segredos. Se ele queria compartilhar algo, precisava ouvir. Era como uma regra moral, tão natural quanto dar "bom dia" ou pedir "por favor".
— Pode falar. — Sentei do seu lado.
Era meio-dia, aproximadamente. O sol queimava nossa pele exposta e eu estava morrendo de sono, ainda com resquícios do álcool e da maconha no meu corpo. No entanto, eu ouvi cada palavra. Me lembraria delas pelo resto da vida, ecoando pela minha cabeça como uma sirene de emergência. Era uma emergência, como se um dos pilares para o mundo se manter de pé estivesse prestes a ruir.
— Eu acho que vou embora. — Foi o que falou, mexendo os dedos das mãos sem olhar meu rosto. — Meu irmão não para de falar sobre como foi bom estudar em um colégio preparatório no seu último ano e, bem, mamãe quer o mesmo para mim.
Ela, na verdade, queria Kyungsoo seguindo os passos do irmão mais velho sem ao menos se importar com suas vontades. Ele sempre foi estudioso e gostou de tirar notas altas, mas nenhum de nós chegou a pensar numa vida real fora da ilha. Era como se estivéssemos fadados a viver ali para sempre. Kyungsoo ir embora mudaria tudo.
— E você quer ir? — perguntei quando a voz voltou para minha garganta.
Ele sacudiu os ombros.
— Antes eu não queria nem pensar, mas agora... parece correto. Entende? — Ele fez uma pausa com um suspiro alto. — Eu quero muito ir pra faculdade, Yeol. Vai ser só um ano no colégio preparatório, mas eu acho que vai fazer muita diferença.
— É claro que vai. — Ainda estava atordoado com as informações, mas eu estava concordando para entender o ponto onde ele queria chegar.
— Não sei como contar para o pessoal. Mamãe já enviou uma carta para o diretor e vamos viajar para finalizar minha matrícula e reservar o dormitório.
— Quando você tem que ir? — Senti meu coração doer. Aquilo parecia urgente.
— No final do verão.
Foi como levar um susto. Levantei do lugar, ficando de pé na sua frente. Eu queria que ele fizesse o que era melhor, mas o final do verão era perto demais.
— Mas... se você for, como vamos ficar? Como que vai ser? O clube dos cinco, lembra? Não existe quatro se o clube é de cinco.
Kyungsoo apenas riu. Ele parecia achar graça de todo meu desespero, o que me deixava ainda mais desesperado.
— Vocês continuarão sendo cinco...
— Sehun não conta — murmurei, mas ele nem pareceu ouvir.
— E eu vou escrever cartas. — Se levantou também. Em cima do degrau mais alto, ele tinha minha altura.
Meus ombros caíram ao ver sua expressão firme e decidida. Ele estava apenas comunicando para mim o que tinha resolvido fazer. Eu não tinha o direito de opinar em nada porque era a sua vida. Então engoli minhas palavras. Kyungsoo era meu amigo mais próximo entre os rapazes, desde que precisamos nos mudar para seu porão. Eu não fazia ideia de como iria ler ou responder suas cartas, mas daria um jeito. Se o futuro dele fosse feliz e brilhante, então eu também estaria feliz.
— Eu vou aprender a escrever direito só para responder elas. — Ele abriu um sorriso e me abraçou.
— Preciso da sua ajuda para contar aos outros — disse com a voz abafada.
— Tudo bem. Vamos contar quando você quiser.
De alguma forma, aquilo o abalava. Ele não me dizia o motivo, mas não precisava. Confiava nele e confiava nas suas escolhas. Fingi que não vi suas lágrimas quando se afastou, sussurrando diversos "obrigado". Havia um alívio palpável na sua voz, então me orgulhei de ter dito as coisas certas. Ele precisava do meu apoio. Me senti importante ali. Ele queria estudar no colégio preparatório. Seria excelente para seu futuro. Então tudo o que me restava era apoiá-lo e estar ali para o que precisasse.
Nos despedimos depois de alguns minutos e eu, finalmente, entrei em casa.
Tudo o que eu conseguia pensar era como precisava do meu chuveiro, porém, as vozes altas vindas da sala mudaram meus planos.
Estavam todas de pé. Mamãe, Taeyeon, Yoona. Minhas irmãs se encolhiam em um canto, enquanto mamãe gritava sem parar com Hyoyeon. Ela estava parada. Ainda uma bagunça de glitter, rímel e roupas. Parecia letárgica enquanto ouvia as reclamações, mas seu rosto se contorcia em desgosto.
— Você não sabe de nada! — Apontou o dedo para mamãe, surpreendendo-a. — Não tem o mínimo direito de falar assim!
Decidi que era o momento de intervir. Entrei na sala e me pus ao lado de Hyo, percebendo a atenção de mamãe mudar totalmente para mim. Ela estava vermelha até nas orelhas. Só naquele momento eu notei como as suas se pareciam com as minhas, mas as semelhanças terminavam ali.
— Ah, tinha que ser! — Começou a andar de um lado para o outro na sala. — Como se não bastasse ter uma filha delinquente, Deus me castigou com dois! Olhem para vocês, suas roupas, seu estado. Estão cheirando a bebida pura, minha nossa!
Mamãe chorava, mas aquilo estava longe de ser tristeza. Era ódio. Ela sentia ódio por ter gerado pessoas como nós.
— Você não tem o direito de falar assim! — respondi.
— Tenho o direito de falar o que eu quiser. Sou sua mãe e não te criei para ser um vagabundo qualquer. Nos esforçamos para criar vocês quatro e é assim que me agradecem. Sumindo de casa, chegando de manhã, passando horas trancado numa loja vazia fazendo sei lá o que! Tenho até medo de perguntar como conseguiu aquele dinheiro.
— Chanyeol trabalhou por ele — interrompeu Hyoyeon. — Trabalhou assim como todas nós trabalhamos para tentar melhorar a situação. Appa se foi mas a vida precisava continuar de alguma forma, mãe!
Ela bateu no rosto de Hyoyeon.
Observei, quase em câmera lenta, Tae e Yoona se encolherem. Os olhos de Taeyeon estavam marejados e Yoona não piscava. Foi quando percebi que elas se importavam. Todas se importavam com o que acontecia em casa, ainda que não demonstrassem explicitamente. Estávamos tão quebrados que não nos conhecíamos mais.
Passei Hyoyeon para atrás do meu corpo. Ela chorava, mas não podia deixar que continuasse tão perto de mamãe e corresse o risco de apanhar novamente.
— Saia da frente, Chanyeol! — ordenou, mas não me movi. — Faça agora ou farei pior com você.
Aquilo doeu mais que um soco no estômago.
— Pior? Você tem noção do que está falando? — Conseguia sentir a mão de Hyo tremendo contra a minha, mas sabia que não estava tão diferente dela. — Você já faz algo pior todos os dias!
— A culpa não é minha que seu pai tenha deixado essa casa, tirando todas as nossas opções.
Ri, mas não porque achei engraçado. Ri porque achei inacreditável que alguém pudesse ser tão cego. Mamãe, aparentemente, só levava no título a sua posição dentro daquela casa e eu sabia que ela merecia nosso respeito, sempre. Respeitar os mais velhos era algo primordial. No entanto, ela perdia todo o carinho que eu ainda conseguia sentir por ela. Acontecia aos poucos, dia após dia, sendo drenado a cada momento em que me ignorava.
— Você diz que appa deixou nossa casa e está certa. Mas você também, mãe . — Ela me encarou com os olhos vermelhos e as sobrancelhas franzidas. Eu sustentei aquele olhar sabendo o quanto que ele me deixaria exposto com as fraquezas amostra. Não liguei. Queria que ela sentisse o que causava para nós quatro. — Quando ele saiu por aquela porta, nossa mãe também se foi. Eu não sei mais quem você é.
Então, eu também recebi um tapa.
Doeu mais do que quando Taeyeon me bateu e eu me senti zonzo. Ela usava a aliança de casamento e eu conseguia sentir o metal latejando contra o osso do meu rosto. Foi como se o mundo inteiro perdesse o som e a cor. Temporário ou não, nosso laço familiar se partiu ali. Mamãe deixou a casa logo depois, mas sua presença destrutiva nos seguiu como um fantasma.
Minhas irmãs choraram e só então notei que eu também chorava.
Abracei Hyo com força, como se usasse o último resquício dela para tentar confortá-la. Depois disso, deixei que as meninas a levassem para tomar banho e disse que as três poderiam ficar no meu quarto. Não ia passar a noite ali.
Arrumei uma mochila simples, esperei a minha vez de me limpar e, então, fui embora.
5
Acordei no momento em que a porta do clube se abriu.
Estava no chão, enrolado nos cobertores que trouxe de casa, mas não conseguia pegar de vez no sono. Meus cochilos eram assombrados por pesadelos e gritos de agonia. Luzes do palco, quedas, dedos manchados de sangue nas cordas da guitarra. Então acordava com os olhos arregalados, sem saber o que era real e o que era mentira.
Porém, quando cruzaram a porta no meio da noite, sabia que não conseguiria mais dormir. Me sentei no momento em que a luz foi acesa e encontrei Baekhyun. Ele estava de pijamas e abraçado com o travesseiro. Nossa troca de olhares foi rápida, mas entendemos na hora o que aconteceu. Foi como a primeira noite que nos encontramos ali, depois do dia em que resolvi deixar a escola.
A única diferença é que eu já não reconhecia o Chanyeol e Baekhyun daquela época. Éramos pessoas diferentes naquela altura.
— Se importa? — ele perguntou. Eu neguei.
Então, ele entrou.
Acomodou suas coisas no sofá, mas ao contrário do que eu achei que faria — no caso, deitar e dormir ali —, Baekhyun se sentou ao meu lado com as pernas encolhidas e as costas apoiadas no estofado. Ficamos em silêncio, encarando um ponto distante do outro lado do clube. Pensei que ia ser aquilo mesmo. Não tinha a mínima vontade de dizer nada ou me mexer, porém, Baekhyun tomou uma iniciativa.
— Dormir em casa também tá sendo difícil para você? — perguntou.
Era difícil tirar as coisas de Baekhyun. Diferente de Kyungsoo, ele parecia guardar tudo para si mesmo por causa da teimosia. Era irritante, mas eu entendia em partes. Também não gostava de compartilhar muito da minha situação em casa e, de resto, não havia o que esconder. Meus únicos segredos vinham de outras pessoas e uma delas estava ao meu lado.
Por algum motivo, Baekhyun começou a se sentir confortável em compartilhar seus segredos comigo. Não enxergava mais os muros ao seu redor e gostava disso. Gostava de me sentir próximo dele, incluindo-o de vez no meu ciclo de amizades queridas. Entre todas as mudanças, Baekhyun foi a minha favorita.
Então eu assenti. Mesmo sem querer falar muito, eu o ouviria.
— Parece um pesadelo — contou e ficou em silêncio logo depois.
Foi quando tomei coragem de falar.
— Crises são temporárias. Não somos santos e os pais estão certos em reclamarem de algumas coisas. — Dei de ombros. — Mas logo passa.
Baekhyun me olhou, gesto que me fez virar a cabeça para olhá-lo também.
— Como sabe que meus pais são o problema?
— Que outros problemas temos?
— Eu tenho mais um.
Ele sorriu, apertando os lábios um contra o outro e erguendo uma sobrancelha. Ele queria parecer divertido e, quando entendi, não resisti em rir. Parecia uma loucura o que estava acontecendo. Todas as vezes que caía a ficha, sentia um nervoso crescendo no meu estômago. A sensação de que era tudo uma loucura e de descrença para o que havia acontecido. Foi tudo rápido demais e eu não sabia dizer, exatamente, quando mudou. No telhado eu já sabia que não me importaria em beijar ele, mas na noite seguinte as coisas se desenrolaram rápido demais. Não tive tempo para pensar ou tentar absorver.
De uma coisa eu tinha certeza: queria mais. Quase como uma necessidade.
Foi por isso que, num segundo de coragem, me aproximei. Sabia que ele acompanhava meus movimentos, mas não se afastou.
— Então, sou um problema? — perguntei.
Ele sorriu, desviando o olhar por um momento.
— Se tornou um, não vou mentir.
— E o que isso significa?
— Significa que você já sabe segredos demais. E estourou seu limite. — Ele riu, então eu soube que não falava sério.
Me concentrar em Baekhyun me fazia esquecer de toda a briga de antes. Então insisti na conversa, esticando um braço pelo sofá atrás de nós e começando a mexer nos fios de cabelo da sua nuca. Um calafrio percorreu seu corpo, mas Baekhyun relaxou logo em seguida, deitando a cabeça para ter mais contato.
— Me conta mais um — pedi, hipnotizado pela forma como ele fechava os olhos para receber as carícias.
— Um o quê?
— Me conta mais um segredo. — Ele negou. — Por favor.
— Desiste, Chanyeol. — Suspirou, abrindo os olhos para me olhar. — Você já sabe demais, esqueceu? Disse que tem um limite.
Ele me deixou sem argumentos, então aceitei a derrota por um momento. No entanto, uma ideia surgiu na minha cabeça e eu sorri involuntariamente. Baekhyun não viu. Voltou a ficar de olhos fechados, se encolhendo contra minha mão como se aquele carinho fosse tudo para ele. Tentei não pensar em como era novo aquele tipo de toque entre nós dois e voltei a falar:
— Baekhyun? — Ele resmungou em resposta. — Verdade ou desafio?
Ele abriu os olhos e riu, desacreditado.
— Não.
— Por favor!
— Você quase estragou tudo hoje com essa brincadeira. Não confio em você. — Tentei não parecer decepcionado quando ele se afastou do meu toque e se ajeitou no lugar.
— Eu estava chapado! Era um momento de fraqueza.
— Eu também estava e ainda assim salvei nós dois.
Os argumentos dele sempre foram bons. Baekhyun era muito inteligente e sabia pensar rápido, o que me fazia perder quase sempre. Porém, não queria desistir. Mesmo com a sensação de derrota, estava determinado em descobrir qualquer coisa nova sobre ele.
— Verdade ou desafio?
Depois de eu perguntar mais uma vez, ele atirou a cabeça para trás e grunhiu de modo dramático. Não resisti em dar risada da sua reação, imaginando que talvez ele já estivesse arrependido de estar ali. Porém, Baekhyun voltou a se aproximar e ficou perto ao ponto de eu sentir sua respiração batendo contra meu corpo. Sua cabeça continuava apoiada no sofá e eu o olhava de cima, com os olhos brilhando de divertimento ao responder:
— Desafio.
Sorri de volta para ele. Independente da resposta, eu já sabia o que pedir.
— Te desafio a me contar algo que eu não saiba sobre você.
Fui bem específico para não dar chances de ele responder algo diferente da verdade. Baekhyun percebeu isso, já que escondeu o rosto em uma das mãos e reclamou baixinho. Não tinha mais volta, a brincadeira já tinha começado.
— Já colei na prova de Física porque tinha medo de não tirar nota máxima.
Ele confessou baixinho e eu comecei a rir, sem aguentar o fato de que aquele era seu segredo, entre tantos outros. Era Baekhyun e aquele assunto era sério para ele. Colei a vida inteira porque sabia que não tinha outra forma de conseguir ser aprovado. Ele não. Ser aprovado era a sua única escolha, sem conseguir lidar com a possibilidade de reprovar um ano ou em uma matéria.
— Não é um segredo tão bom.
— Cala a boca, Chanyeol! — Me empurrou de leve. — Minha vez. Verdade ou desafio?
— Verdade.
Seu sorriso fraquejou um pouco e ele aprumou a postura, pigarreando antes de perguntar:
— Você gosta da Joohyun?
Neguei, sem ao menos pensar.
— Nunca gostei. Pelo menos não pra valer. — Ele assentiu. — Verdade ou desafio?
— Vamos fazer só verdades, tô sem criatividade pra propor qualquer coisa além disso. — Deitou a cabeça na assento do sofá e ficou encarando o teto.
— Por que você pintou o cabelo? — Eu não tinha certeza do motivo pelo qual perguntei. Acredito que tenha sido porque foi uma das coisas que mais martelava na minha cabeça.
— Queria irritar minha mãe.
— Seja sincero — pedi. Havia um pressentimento de que tinha algo a mais.
— Estou sendo. Também achei que ia ficar bonito, ué, pessoas pintam o cabelo. — Apesar de ainda achar que tinha algo a mais, apenas concordei. — Minha vez. Você acha que eu fiquei bonito assim?
Meu rosto inteiro esquentou. Não estava esperando uma pergunta daquelas do nada. Baekhyun sorria maldoso e, se eu não tinha dado indícios ainda, ele percebeu tudo só pela minha cara naquele momento.
— Sim, eu achei.
Ele desviou o rosto para o outro lado, mas o sorriso continuava.
— Por que você quis me beijar? — Era a minha vez de deixá-lo sem reação. E funcionou.
Seus olhos arregalaram antes de ele me encarar mais uma vez. Dava para perceber que ele estava tentando disfarçar.
— Eu não queria beijar você . Foi só uma conveniência.
— Mas beijou. Se fosse uns meses atrás você tinha é chutado minhas bolas. — Cruzei os braços e Baekhyun riu desacreditado.
— Ah é? E por que você quis me beijar?
— Perguntei primeiro.
Baekhyun revirou os olhos e se ajeitou no lugar, sentando direito. Apoiou o rosto na mão e o cotovelo no sofá e ficou me olhando um pouco antes de responder.
— Sei lá. Vai ver eu só queria saber porque que as meninas ficavam tão cismadas com você.
— Ah, é verdade. — Sorri me lembrando do que ele tinha dito na noite anterior. — Você quis fazer algo que nenhuma delas é capaz, né?
Eu pensei que o tinha vencido mais uma vez, mas Baekhyun não se deixou afetar por aquilo. Continuou com a expressão impassível e o sorriso maldoso.
— Eu não consegui resistir. — Seu indicador começou a traçar um caminho pelo meu ombro, subindo pelo pescoço. — Você fica tão bonito em cima daquele palco que eu precisava tirar um pedacinho.
Ele me beliscou e eu afastei sua mão, rindo. É claro que ele estava zombando da minha cara, seu rosto ficou vermelho com suas risadas.
— Você é ridículo. — O empurrei.
— Sei disso, muito obrigado.
Rimos juntos mais uma vez e a brincadeira continuou. Assim, fomos descobrindo pequenas coisas um do outro sem sentir o tempo passar.
— E você? — perguntou. — Por que quis me beijar?
— Você é bonito. — Dei de ombros. — Não posso querer beijar um garoto bonito?
— Você é corajoso. Como sabia que eu não ia chutar suas bolas?
— É isso o que tornou mais interessante. — Pisquei um dos olhos e o vi revirar os dele.
— Você gosta de ficar com garotos, então? — perguntei e o vi fraquejar mais uma vez. Seu sorriso desmanchou um pouco, mas seus ombros relaxaram logo depois.
— Desde sempre.
Sorrimos fraco um pro outro. Baekhyun foi a primeira pessoa a saber sobre mim. Sobre eu me atrair por meninos e meninas de forma igual. Eu fui a primeira pessoa do nosso grupo a ouvir da sua boca que ele gostava de garotos. Apenas garotos. Foi nosso segredo mais importante e eu guardei a memória do seu sorriso contido mesmo depois de anos.
Por um tempo, ficamos em silêncio e absorvemos aquilo sozinhos.
Baekhyun tinha muito escondido dentro dele, por baixo dos suéteres bem-passados e dos fios de cabelo alinhados. Mesmo depois de toda a sua mudança, essa imagem reprimida dele ainda estava ali. Ele ainda não sabia bem quem era, mas parecia prestes a descobrir. Eu amei conhecer um pouco mais sobre ele. Pequenas coisas que não fazia ideia de que poderiam fazer parte dele.
E aquilo era só um detalhe sobre a sua humanidade. Ele se tornava humano, real e palpável. Toda a distância antes estabelecida por ele virava a distância de um palmo que nos separava. Naquela noite, senti que tinha sua amizade. Mesmo sendo torta e com algumas ofensas, fazíamos parte do mesmo grupo, finalmente.
— Verdade ou desafio? — perguntei para fazer graça depois de todo o silêncio. Já começava a me sentir cansado mais uma vez, mas não queria parar.
— Desafio.
Ele estava sorrindo e eu fiquei surpreso pela escolha. Tentei pensar no que propor, mas nada parecia bom o bastante. Estava tarde, estávamos sozinhos e eu não conseguia pensar em nenhuma outra pergunta. Porém, vendo-o daquele ângulo tão pertinho, percebi que precisava de mais uma coisa para finalizar a brincadeira. Uma coisa que eu vinha pensando desde que o dia começou.
— Me beija — pedi. Não era uma ordem do jogo, era um pedido que ainda poderia ser negado.
O sono pareceu ter deixado meu corpo com a expectativa que me preencheu e meu coração acelerou como resposta. Na minha cabeça, eu só sabia desejar o som da sua voz dizendo "sim".
E ele não disse nada. Simplesmente ergueu o corpo e juntou seus lábios com os meus.
Não consegui segurar o som de aprovação que escapou e Baekhyun riu. Nos familiarizamos bem na noite anterior, então era fácil saber como mover a boca. O beijo começou intenso e eu nem percebi como que ele foi parar no meu colo no meio dele, do mesmo jeito de antes com uma perna de cada lado.
Não era um beijo lento, muito menos romântico. Era algo como uma necessidade carnal, fruto das nossas excitações e vontade de sentir cada vez mais. Baekhyun me atraía como se estivesse envolto por uma aura hipnótica e, enquanto Joohyun fazia com que eu sentisse carinho por ela, Baekhyun me levava a loucura.
Ele sabia como se mover, sabia onde queria que eu apertasse e passasse a mão. Ele guiou todos os nossos passos como se estivesse acostumado com aquilo e, quando gozamos, com sua mão sendo responsável em nos dar prazer, senti como se minha energia tivesse sido drenada. Não queria me mover do lugar.
Ele continuou me beijando sem parar, até que se afastou e juntou a testa com a minha.
— Chanyeol. — Sua voz estava arrastada, um pouco fraca por causa da respiração pesada. — Eu te desafio a fazer um acordo comigo.
#MyDearHeaven
The Passenger foi a música que deu origem à maior parte desse capítulo. Foi o único capítulo que surgiu a partir de uma música e não podia ser diferente diante desta!! Iggy Pop, que lançou a versão original, contou que a música foi inspirada na experiência de sair em turnê com David Bowie. Chanyeol pensa na letra dela observando Baekhyun com um sentimento parecido e toda Hyegung do lado de fora <3
Você pode encontrar essa e outras músicas na playlist! Link na bio <3
Obrigada minha Lilu @yxinsg pela betagem <3 você é a melhor do mundo!
Obrigada também aos paraisenses que ainda estão acompanhando e apoiando a fic. Eu amo vocês!!
Com amor, Sandman <3
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