
12
Com esses olhos famintos
Um olhar para você e não consigo disfarçar
Eu tenho olhos famintos
Eu sinto a magia entre eu e você
(Hungry Eyes, Eric Carmen)
Bae Joohyun estava ao telefone comigo no dia seguinte.
Ela pareceu feliz em receber meu contato e nem se importou por ser de um telefone público depois de dias desde que nos vimos pela última vez. Eu a deixei falar sem parar sobre seus planos para as férias. Sobre como seus pais queriam visitar seus parentes em Seul e ela ficaria sozinha em casa pelo resto do mês. Parecia realmente empolgada com aquilo e Sehun, atrás de mim, ficava impaciente.
— Deixa eu falar com ela! — pediu, mas desviei do seu alcance antes de pegar o telefone.
Deixei Joohyun falando sozinha e tapei o microfone para respondê-lo:
— Se vamos pedir um favor, eu tenho que fazer direito.
Minha paciência com Sehun começava a se esgotar. Estávamos fazendo tudo às pressas por causa das vontades dele. Ele decidiu tomar a iniciativa de convocar mais uma edição do Éden sem nos consultar ou dar tempo para nos prepararmos, era um absurdo. Não tive a chance de perguntar os motivos, mas tinha minhas suspeitas. Parecia impossível que o julgamento voltasse a atormentá-lo agora tão perto de conseguir sua inocência, mas a vida era improvável. Não conseguia adivinhar qualquer outra coisa que pudesse deixa-lo daquela forma.
— Só vai rápido. Não tenho dinheiro para ficar aqui o dia inteiro e tenho que fazer outra ligação.
Ele saiu de perto, acendendo um cigarro e indo fumar encostado na parede de um dos prédios. Estávamos perto do centro, onde compraríamos novas luzes de Natal para decorar o galpão, já que as que tínhamos da primeira festa não eram o suficiente. O observei por alguns segundos. Continuava com a aparência mórbida e preocupada do dia anterior e eu sabia que algo muito estranho estava acontecendo.
— Chanyeol? Chanyeol, está me escutando? — Ouvi a voz de Joohyun me chamando no telefone e voltei com ele para o ouvido, sentindo as bochechas queimarem por deixá-la esperando.
— Oi, sim — respondi. — Legal, então. Vai chamar as meninas para sua casa?
Ela soltou uma risadinha. Eu quase pude visualizá-la tapando a boca com uma das mãos, os olhos fechando levemente quando as bochechas subiam.
— Na verdade, estava pensando em chamar você.
Silêncio. Meu estômago deu uma volta. Eu já não era mais tão bobo quanto antes, conseguia entender coisas básicas e segundas intenções. Pensar em Joohyun querendo ficar sozinha comigo me enchia de nervoso e apreensão. Não sabia se estava pronto para algo do tipo com ela, não mesmo.
— Ah. — Foi tudo o que consegui dizer, como o belo virgem assustado que eu era.
Joohyun riu mais uma vez e eu quis esconder minha cabeça num buraco. Não era para ser assim. Pelo menos não com a menina mais bonita de todas dando em cima de mim. Tentei me recompor, respirando fundo durante cada segundo em que sua voz continuou ecoando pelo telefone. Quando finalmente parou de rir, voltou a falar:
— Mas só quero que venha depois do próximo Éden. Quando vai ser, hein? Tenho falado com o pessoal e estamos todos ansiosos.
Suspirei aliviado. Meu olhar foi rapidamente para Sehun e o seu cigarro já estava no fim. Ele olhava para a rua e mal parecia se dar conta de que eu ainda estava por perto.
— Sim, sim. Claro! — Tentei agir de forma descontraída.
Minha mão escorregava na superfície plástica do telefone, de tanto que era meu nervosismo. Joohyun continuou tagarelando. Usou nomes de pessoas que eu provavelmente nem conhecia apenas para dizer como que seus amigos estavam comentando da possibilidade de repetirmos as festas nas férias. Tomando mais um pouco de coragem, a interrompi. Precisava acabar de vez com a conversa e não atrasar mais o que deveríamos fazer durante o dia.
— Então, já que comentou. — Ela ficou em silêncio na mesma hora e meu estômago revirou. — Estamos marcando para sexta-feira, às sete horas.
— Sexta-feira? — repetiu depois de longos segundos em silêncio. — Caramba! Mas não está meio em cima?
Então eu inventei uma desculpa qualquer, tentando parecer convincente sem demonstrar desespero. No final, pedi nas entrelinhas para que ela nos ajudasse a fazer contato com as pessoas e espalhar a notícia. Joohyun mal pareceu perceber, aceitou a condição como se a ideia partisse dela mesma. Aquilo me encheu de alívio. Aos poucos a tensão deixava meu corpo e ele voltava ao estado normal, sem suor ou tremedeiras.
— Isso é perfeito — disse por fim, me permitindo rir por algo dar certo. — Fala com eles, então? Baekhyun, Joy e Kyungsoo vão estar nas docas e na feira de Museo para entregar panfletos e vender ingressos.
— Falo sim, pode deixar. — Ela riu. — Mas e você? Onde vou poder encontrá-lo? Só no Éden?
Suspirei. Minha vontade era a de dizer que não tinha certeza, o que era verdade. Joohyun era incrível, era a primeira pessoa que um dia já quis ficar comigo, mas havia algo implícito em mim, um incômodo na boca no estômago que eu não sabia dizer de onde veio e o que significava. Fiz um esforço para afastar aquela hesitação porque não era a hora para ficar fraco, eu tinha coisas mais importantes para resolver naquele momento e essa coisa, em especial, envolvia Joohyun.
Então eu confirmei. Dentro de mim, sentia como se aquilo fosse uma gentileza, um agradecimento. Todas as palavras dela sobre querer que eu vá para sua casa depois do Éden e sobre querer me encontrar na festa pesavam em meus ombros com uma culpa que eu não sabia carregar. Foram longos anos até entender que aquele momento era uma escolha. Mais um bater mínimo de asas capaz de se desenvolver até uma catástrofe.
Quando coloquei novamente o telefone no gancho, Sehun já estava ao meu lado.
— Graças a Deus! — comemorou com a voz abafada por mais um cigarro entre os lábios. Eu mal o olhei enquanto assumia meu lugar na cabine telefônica.
Fui para a parede onde ele estava alguns minutos antes e me sentei no chão, vendo a rua. Os carros passavam como vultos apressados, turistas se aglomeravam em lojas de presente e restaurantes locais. Eu me distraía com suas posturas, com o fato engraçado de usarem roupas de banho mesmo longe da praia. Por alguns momentos, a distração foi suficiente para me fazer esquecer da sensação esquisita, então estava tudo bem.
— Vamos lá. — Sehun chamou minha atenção, jogando o cigarro ainda aceso no chão e pisando em cima. — Minho tá esperando a gente umas quadras daqui.
Franzi o cenho. Conhecia aquele nome.
— Minho dos Squid Boys?
— Quase isso. — Sehun riu. Foi curto, mas talvez tenha sido seu primeiro riso em todos os últimos dias. — Ele saiu da banda, acredita? O próprio líder deixou a banda e se arranjou com uns caras novos.
Então, começamos a andar.
Nos anos oitenta, bandas surgiam e se desmanchavam o tempo inteiro. Cantores e instrumentistas se uniam como imãs ao longo da vida, querendo formar seus próprios grupos e tentar a vida no ramo musical. A maioria desistia no meio do caminho. Mesmo naquela época, a música era um hobbie muito mais do que uma carreira.
Com os Squid Boys não foi diferente.
Tiveram a sorte grande de sair da garagem e se apresentar em alguns eventos e bares locais, mas não era o suficiente. A maioria dos membros já não se suportavam e a música não era suficiente para mantê-los unidos. Minho deu a palavra final e estava certo em fazer isso, no final das contas. Porque se não fosse pela sua briga com o baterista dos Squid Boys, que foi o gatilho final para o fim da banda, jamais teríamos conhecido a Vacation.
O letreiro tinha um violão estampado. Tentei ler o nome, mas soou completamente estranho na minha cabeça, de forma que eu entendesse apenas a palavra "loja". Uma loja de instrumentos. Entramos com um sininho avisando nossa chegada e eu segurei a respiração ao ver o interior daquele local.
Era como caminhar no meu paraíso particular. Uma música baixinha tocava à distância e os instrumentos eram perfeitamente alinhados, cada seção com suas variedades. Guitarras de todas as cores, violões estampados e amplificadores combinando. Dei a volta em mim mesmo, tentando olhar tudo sem perder nenhum detalhe. Vinis enfeitavam as paredes junto de recortes de pôsteres com as mais diversas bandas. Reconheci o Bowie em uma das fotos grandes e quis me aproximar para testar até quantos eu conseguiria reconhecer.
— Só não vai roubar nada. — Sehun brincou e eu não consegui evitar a vergonha.
O segui até os fundos da grande loja, onde Minho nos esperava. Ele estava encostado no balcão da caixa registradora e havia uma menina falando com ele. Ela tinha cara de brava e os dois pareciam discutir. Eu não quis atrapalhar, mas Sehun continuou andando sem se importar com nada. Foi o barulho dos seus coturnos pesados no chão encerado que fez os dois olharem para a gente.
A menina o olhou com raiva.
— Ótimo — ironizou. — Eu acabei de limpar isso aí.
Então ela saiu por uma porta atrás do balcão, sumindo das nossas vistas. Minho deu de ombros e sorriu para nos cumprimentar. Ele estava com o cabelo mais comprido que da última vez e usava um mullet ridículo, mas ainda tinha estilo e se vestia com uma camisa customizada dos Smiths.
— Demoraram, hein? Te falar que estava com medo de vocês terem desistido daquelas festas maneiríssimas.
Ele bateu a mão contra a de Sehun e fez o mesmo comigo.
— Tiramos uns dias de folga. Os moleques estavam estudando, também — Sehun explicou e Minho assentiu. — Então, de banda nova?
Minho assentiu, seu sorriso ficando maior.
— Achei eles do nada, tocando em um barzinho por aí e quis saber mais. Por sorte, estavam precisando de mais uma guitarra porque o substituto era péssimo. — Ele riu, continuando a história enquanto nos guiava até o local por onde a menina saiu.
Eu não prestei muita atenção. Ainda estava admirado com o interior da loja e só percebi o que acontecia quando entramos numa pequena sala de descanso, onde mais cinco pessoas se aglomeravam em um sofá vermelho, olhando-nos com curiosidade.
— Chanyeol e Sehun, conheçam o Vacation! Minha nova banda — anunciou Minho, orgulhoso. — Pessoal, esses são os amigos que comentei com vocês.
Eles apenas nos encararam sem muita reação, da mesma forma que olhávamos para cada um. Eram quatro meninos e a menina do balcão, ainda com o uniforme da loja.
— A Vacation — ela corrigiu. — Seu espírito é feminino.
Um sorriso malvado estampou seu rosto e Minho se encolheu, parecendo um pouco nervoso.
— Não precisa ser assim, Seulgi — disse um outro rapaz, de cabelo loiro espetado e um piercing argolado na boca.
— Qual deles é o cantor? — ela perguntou, ignorando a pequena repreensão, e só então passei a olhá-la com mais atenção.
Seu cabelo era escuro com mechas verdes, preso de uma forma que a ponta ficava espetada para cima. Usava uma maquiagem escura e pesada no rosto, correntes no pescoço e pulsos, piercings na orelha e língua. Me encarava com superioridade, de uma forma que me lembrou de Baekhyun e sua postura de dono do mundo. Mas rapidamente afastei aquilo. Não era hora de pensar nele de novo.
— Sou eu — respondi, esticando a mão para ela apertar. No entanto, continuou de braços cruzados.
— Minho disse que nós somos seu show de abertura.
As palavras foram cuspidas com certo ódio e eu recuei. Meu olhar variou entre Minho e Sehun sem entender bem o que aquilo significava. No Éden, não distinguimos quem seria o show de abertura e principal. Eram apenas apresentações, nenhuma mais importante que a outra.
Minho tomou a frente.
— Não fala assim, Seulgi. Eu te expliquei. — Ele colocou um dos braços nos meus ombros e me puxou para perto. — O garoto é um talento e vamos todos tocar juntos na festa deles, beleza? O cachê é legal, os adolescentes vibram a noite toda e é uma festa boa demais. Eles sabem organizar um evento!
— Grande coisa.
Ela continuou irredutível, mas os outros caras já estavam mais animados com a proposta. Como eram a maioria, não havia nada que Seulgi podia fazer para impedir. Minho contou que, na Vacation, não existiam líderes.
Apresentou-me para cada membro. Jonghyun, na guitarra principal, o mesmo cara loiro que repreendeu Seulgi. Era o mais velho da banda, com vinte e dois anos. Minho vinha logo atrás, com vinte e um. Ele fazia a segunda guitarra e os vocais de apoio. Kibum era o baterista e se vestia como um músico dos anos setenta, todo de jeans e calças de boca larga. Minho fez questão de dizer que, uma vez que ele estivesse na bateria, sua blusa iria pelos ares. Jinki tocava baixo e tinha um cabelo tão comprido que conseguia prender num rabo de cavalo. Era um grupo engraçado. Três deles haviam frequentado o mesmo colégio e continuaram amigos desde então, conhecendo Jonghyun logo depois.
— Por fim, mas não menos importante — anunciou Minho. — Esse é Taemin, nosso caçula. Tem só dezesseis anos, mas toca teclado e faz mixagens como ninguém. Já até topou fazer o trabalho de DJ na festa, assim vocês podem guardar aquelas mixtapes velhas.
Todos deram risada, menos eu. As mixtapes da Joy eram ótimas, só um pouco ultrapassadas para uma festa do porte do Éden.
— Isso está perfeito, Minho, mas vamos ter que ouvir vocês tocarem antes — disse Sehun.
Minho estava prestes a responder, mas não conseguiu.
— Por quê? — Era Seulgi. Ela se levantou do sofá, ainda de braços cruzados e postura endurecida. — Não acredita que somos bons o suficiente?
Sehun suspirou, mudando sua postura para ficar frente a frente com ela.
— É só protocolo.
— Dá seu voto de confiança e deixa a gente te surpreender. Já vamos ter que nos preparar correndo para sua festinha, de qualquer forma.
Ela sorriu de lado e Sehun buscou a atenção de Minho.
— É sempre assim com os clientes?
Minho riu, negando com a cabeça.
— Só com os especiais. Mas ela falou a verdade, vocês vão se surpreender.
Sehun não queria concordar. Eu fiquei em silêncio enquanto tudo se desenrolava, sem ter coragem para encarar ninguém ali além de Sehun e Minho. Demorou alguns segundos até ele ceder, dando uma risada soprada e murmurando um "que seja" antes de apertar a mão de Seulgi.
— Estejam lá às cinco para o teste de som.
Foi tudo o que disse e Seulgi assentiu. Quando ela abriu a boca para falar mais, ele não deixou. Interrompeu dizendo que o pagamento seria feito depois da festa e, então, saiu da sala. Não tive escolhas a não ser segui-lo, acenando uma última vez para a banda. Sabia que Minho vinha logo atrás porque dava para ouvir sua risada. Ele apoiou as mãos no meu ombro e fez com que parássemos antes de sair pela porta.
— Ela é incrível, não é? Sou louco por ela! — Ele falava de Seulgi, claro. Sehun apenas riu com aquilo.
— Um encanto — ironizou. — Faz ela se comportar no Éden se quiserem receber o dinheiro.
Então, ele acendeu um cigarro e saiu sem olhar para trás. Me despedi de Minho e precisei correr para alcançar Sehun.
2
Joy não estava espalhando panfletos, como eu imaginei que estivesse.
Talvez, no início, ela até tivesse se preocupado em entregar alguns, garantindo que mais jovens de Hyegung soubessem sobre a festa que aconteceria naquela sexta-feira. No entanto, enquanto eu e Sehun conhecíamos a Vacation, Joy estava com Yerim.
Sua casa ficava há vinte minutos a pé das docas e Joy não perdeu a oportunidade de se esgueirar até lá depois de um tempo mínimo de trabalho. Yerim ainda passava o dia inteiro sozinha e o relacionamento das duas evoluiu bastante ao ponto de terem intimidade o suficiente para visitas surpresas.
Depois de terminarem tudo o que se encontraram para fazer, Joy a observou cochilar. O sol da tarde entrava pela janela do quarto, iluminando o corpo desnudo de uma forma que minha melhor amiga considerou perfeita. Havia apenas um lençol branco cobrindo o corpo de Yerim enquanto ela deitava de bruços, com o rosto virado na direção de Joy.
Joy carregava sua câmera para todos os lados desde o dia em que comprou. Lentamente, foi em direção à bolsa para pegá-la. Não conseguia resistir à beleza de sua namorada, que sempre a cegava para o resto do mundo todas as vezes que a via.
Começou a fotografar sem a real intenção de mostrar quem era a pessoa deitada na cama. Buscou pequenos detalhes como a boca entreaberta, o cabelo curto espalhado no travesseiro, a forma como o sol deixava sua pele dourada, as mãos com os dedos finos e bonitos. Yerim por inteira era uma obra de arte aos seus olhos e Joy queria eternizá-la através das suas lentes o quanto pudesse. Perdeu a noção do tempo em que ficou fotografando, até que Yerim se remexeu na cama.
— Hm? O quê?
Seus olhos abriram bem a tempo de ver um flash sendo disparado da câmera, a alarmando.
Joy parou no mesmo momento, tentando se aproximar para beijá-la. Porém, Yerim a impediu.
— O que você estava fazendo? — perguntou, se sentando na cama.
Joy segurou a câmera entre as mãos com força, o sorriso sumindo do seu rosto.
— Ah. Estava te fotografando. Mas não vou fazer nada com isso, só queria te mostrar como você estava e...
— Apaga.
Joy não entendeu bem o que aquilo significava. Riu de forma nervosa e abaixou a câmera.
— Está tudo bem, amor. Só tirei para te mostrar e...
— Eu mandei apagá-las. Apaga o filme inteiro, Sooyoung!
O clima de todo o quarto mudou. Joy odiou ouvir seu nome saindo da boca de alguém que gostava tanto, principalmente alguém que sabia de toda a história. Pensou que poderia confiar em Yerim ao contar. Que ela entenderia que Sooyoung era um nome proibido e cruel como o pior dos xingamentos. Que odiava ser reconhecida pelo nome dado a sua avó paterna, a mesma mulher que passou a criá-la depois da fatídica morte dos seus pais. Poucos sabiam de tudo o que se escondia atrás das paredes daquela casa no início da rua.
Mas Yerim era uma dessas pessoas. Independente de tudo, aquilo doía.
— Não posso apagar tudo — disse com a voz baixa, segurando a câmera com força entre os dedos. — Tem foto dos meus amigos aqui. Se quiser, apago as suas depois.
Yerim se sentou na cama, segurando a lente da câmera como se a puxasse para si. Ao olhar em seus olhos, Joy não enxergou a menina carinhosa e sorridente que via pelos corredores do colégio. A menina por quem se apaixonou não à primeira vista, mas ao ver quem era de verdade. Sabia que Yerim não agiria daquela forma ao menos que o assunto fosse sério, então respirou fundo mantendo a câmera firme em suas mãos.
— Apague todas agora — ordenou.
Joy não podia acreditar no que ela estava pedindo. Não confiava o suficiente para acreditar que seria feito assim que pudesse revelar as fotos no dia seguinte? Jamais deixaria imagens como aquelas escaparem. Era a sua Yerim, a pessoa que mais gostava e respeitava no mundo inteiro. As fotos eram para ela e se ela não as quisesse, poderia descartar da forma que bem entendesse.
Mas as nossas fotos eram outra história. Joy amava fotografar nossos momentos juntos, querendo guardar as memórias em um álbum que pretendia fazer no futuro. Descartar qualquer uma delas era como perder parte dessa memória.
— Eu já disse que vou apagar as suas. Por favor, Yerim, me perdoa. Eu prometo que ninguém nunca vai ver.
— Você sabe o quanto que é arriscado o que fazemos? Que se alguém descobrir a minha vida inteira já era? — Yerim puxou a lente com mais força e os olhos de Joy lacrimejaram de medo. — Não estrague tudo, Sooyoung. Apague as fotos.
Joy assentiu apenas para fazê-la soltar. No entanto, Yerim levou longos segundos até se convencer de que as coisas estavam seguras e ceder. O coração de Joy palpitou pesado no peito, chegando a doer fisicamente enquanto ela tentava entender o que tinha acontecido de tão errado. Se arrependeu, então, da sua ideia sem cabimento. Tirar fotos sem o consentimento era errado e ela precisava entender que Yerim estava certa em se sentir violada. Não haviam desculpas.
Joy retirou o filme e o apertou firme em seus dedos. Iria descartá-lo inteiro.
Yerim se levantou da cama, enrolada nos lençóis, caminhou até sua escrivaninha no chão e começou a mexer nas gavetas. Joy não prestou atenção nela. Estava distraída apertando o filme, sentindo raiva de si mesma. Então, começou a relembrar do que Yerim havia dito, de como o namoro delas poderia arruinar tudo para ela .
— Você... você falou como se o que a gente faz fosse errado — disse de repente com a voz fraca, ainda segurando o choro. Aquilo não chamou a atenção de Yerim. Quando Joy virou para olhá-la, a viu curvada em cima da mesa. Ela levantou e fungou de forma profunda, limpando o nariz.
— E você age como se o mundo não fosse cruel com a gente — respondeu.
Ela virou para encarar Joy e minha melhor amiga mal pôde acreditar no que via. A mesa ainda estava suja com o pó branco e haviam outros pinos cheios espalhados. Yerim sorria, como se não fosse nada demais. Coçou o nariz como se fosse apenas uma pequena alergia e não uma carreira inteira de cocaína.
— O que está fazendo? — De repente, o assunto não importava mais. A pergunta saiu baixa como um sussurro.
Yerim sorriu.
— Não vamos mais brigar — decretou. — E não precisa fazer essa cara, é só coca.
Deu de ombros como se não fosse nada.
— Não quer experimentar?
Joy arregalou os olhos. Não sabia o que responder. No Éden, pessoas usavam aquilo o tempo inteiro. Era para ajudar a curtir a festa, para animar um pouco. Sabia que as sensações eram loucas. Sabia que todos os que cheiravam o "pó mágico" se sentiam mais felizes e dispostos a aguentar a noite inteira de festa, mas haviam alarmes em volta daquilo. Era errado, diziam na TV e nos jornais como as drogas acabavam com a vida de quem se vicia.
Olhou para Yerim e ela ainda sorria. Pensou se Yerim não se tornaria uma dessas pessoas, mas logo descartou a ideia. Yerim não parecia doente.
— Não é nada de mais, sabe? É só não exagerar — Yerim explicou, mas Joy ainda tinha o olhar vidrado nela.
Não queria brigar de novo. A sensação de ter Yerim gritando com ela foi excruciante contra seu coração. Talvez, ela estivesse usando para que tudo ficasse bem de novo. Para que as duas voltassem a ser felizes, assim como numa festa. Esse pensamento fez com que Joy tivesse coragem. Elas parariam de brigar. Levantou de forma lenta, caminhando até que estivesse sentada ao seu lado. Yerim se animou, preparando tudo para que Joy pudesse inalar. O pó foi enfileirado de modo perfeito e, mesmo trêmula, minha amiga se curvou em sua direção.
Seguiu as instruções dadas por Yerim e fechou os olhos para tomar coragem. Yerim beijava seu pescoço, ombros e costas. De repente tudo ao redor congelou e ela só conseguia sentir a sensação dos lábios molhados contra sua pele. Virou para encará-la quando terminou e sorriu.
Yerim entendeu aquilo como um sinal verde e passou então a beijar seus lábios de modo voraz. Eu te amo. Está tudo bem . Eram palavras que ecoavam baixinho na cabeça de Joy. Elas deitaram no chão sem descolar as bocas e tudo ficou turvo. Seu coração estava tão acelerado que conseguia ouvir seus batimentos contra seus ouvidos.
Eu te amo. Está tudo bem.
Não conseguia mais distinguir o que era real e o que era fruto da sua cabeça tão barulhenta naquele momento.
Joy foi a primeira do grupo a experimentar drogas mais fortes. No entanto, não foi a primeira a se viciar nelas.
3
Jongin estava uma bagunça. Sem Kyungsoo, suas noites ficavam vazias e ele era obrigado a escutar as brigas ensurdecedoras do andar de baixo.
O que não sabíamos sobre os Kim era que, atrás dos muros que separavam sua casa da rua, uma guerra acontecia. Seus pais não concordavam em muitas coisas, o que resultava em discussões desde a mesa do café até o chá depois do jantar. Com o passar do tempo, porém, as pequenas discussões evoluíram até que os gritos tomassem conta de tudo; até que as vozes não fossem suficientes e começassem a surgir os tapas.
Jongin ouviu quando o primeiro aconteceu, estalado contra o rosto da sua mãe. Quando tentou impedir, ganhou um outro ele mesmo. Não deveria se intrometer ao menos que quisesse tudo se virando contra ele. E se sentia um covarde por aceitar e não insistir. Um covarde por fugir para o quarto sempre que o clima mudava, tentando fingir que não sabia o que estava acontecendo na sua ausência.
Na primeira vez que aconteceu, Jongin tinha catorze anos. Desde então, aguentou tudo em silêncio sem deixar que aquilo afetasse suas relações do lado de fora.
Antes de ter Kyungsoo, Jongin tentou inúmeras atividades para que o tempo passasse mais rápido.
Tentou o clube do livro, mas não se concentrava nas histórias; tentou o clube de artes, mas não conseguia melhorar seus desenhos; tentou assistir filmes, mas a televisão alta fazia com que gritassem mais alto. A única saída que funcionou por mais tempo foi a música. Quando Jongin colocava os fones do seu walkman, era imerso num mundo novo e diferente. Podia criar a realidade que quisesse por ali.
Foi assim que descobriu que amava dançar. Dançava as músicas favoritas pelo quarto sem se importar em criar passos coerentes ou uma performance agradável. Só se expressava a partir dos movimentos que vinham em mente no momento e era o suficiente para fazê-lo dormir exausto. As brigas já não existiam.
Ainda que os hematomas surgissem na sua mãe na manhã seguinte, ela não o deixava fazer nada a respeito.
Por isso Kyungsoo foi uma benção.
Mal conseguia lembrar como tudo mudou. Começou como uma troca de favores, mas logo estavam se beijando ao som das músicas que Jongin tanto amava e passando a noite inteira juntos. Kyungsoo ouvia os gritos, ele sempre soube de tudo. Mas nunca abriu a boca sobre e nunca quis contestar. Aproveitavam aquele prazer mútuo sem se importar com o mundo do lado de fora e agiam normalmente no dia seguinte. Como parte de um grupo de melhores amigos inseparáveis e nada além disso.
É por isso que era tão complicado Jongin ter se apaixonado. Paixão fazia com que tudo fosse real e não mais uma pequena troca. Paixão deixava um simples "oi" intenso. A paixão de Jongin criava uma rachadura nos muros que os dois passaram tanto tempo criando, por isso a melhor escolha foi se afastar.
Desde então, os gritos voltaram a assombrar a mente de Jongin de uma forma que nem a música conseguia esconder. A dor e a culpa se misturavam com o coração partido e as sensações ruins eram tantas que se sentia capaz de enlouquecer.
Sorte a dele que tínhamos o clube. O local onde o mundo externo não nos afetava e éramos invencíveis.
Levou a televisão do seu quarto e o videogame de forma permanente. Esperava que todos estivessem longe o bastante para se esconder lá e ficar sozinho até o sol começar a nascer. Hyoyeon me impedia de passar as noites fora de casa, então Jongin fazia do clube a sua redoma e universo particular. Teve resultados positivos, uma vez que conseguia esconder os sentimentos ruins nos filmes e jogos, fingindo que nada existia.
Mas foi numa noite naquela semana, que seu esconderijo foi descoberto.
Estava assistindo Dirty Dancing , um filme que alugou da locadora, pela segunda vez. Adorava a temática romântica e dançante, chegando a treinar sozinho os passos e o rebolado do Patrick Swayze. Era divertido para ele e já se pegou imaginando em puxar Joy para aprenderem a coreografia final, desistindo logo em seguida.
Estava em uma das suas cenas favoritas do filme, onde Baby conhecia a primeira festa dos funcionários do hotel, quando Sehun entrou no clube.
Não vestia jeans ou couro, chocando Jongin ao se dar conta de que Sehun também tinha moletons e pijamas no armário. Entre seus dedos, havia o costumeiro cigarro aceso com as cinzas caindo no chão. Jongin sorriu porque percebeu que aquele era um dos raros momentos em que Sehun era visto de forma casual. Apenas um garoto.
— Não consegue dormir? — perguntou e Jongin negou com a cabeça. — Que merda.
Ele entrou no clube e se jogou no sofá ao lado de Jongin, só então reparando no que passava na TV. Não aguentou segurar a risada por muito tempo.
— Adoro esse filme!
— Jura? — Jongin o olhou com o cenho franzido. — Achei que só eu gostava.
— Por quê?
Jongin não respondeu. Continuou olhando para a televisão, reparando demais na forma como Patrick Swayze rebolava ao dançar. Deu de ombros e sentiu que era resposta o suficiente naquele momento. Suas bochechas estavam quentes porque gostava de privacidade. Não que Sehun o incomodasse, mas não era a mesma coisa que assistir sozinho. Ao lado dele, Jongin precisava segurar certas reações todas as vezes em que o ator principal aparecia.
Sem camisa ou com roupas justas, suado, os cabelos loiros alinhados, os olhos azuis. Não sabia dizer como que demorou tanto tempo para finalmente reparar em como homens eram lindos.
— Posso experimentar? — perguntou de repente, apontando para o cigarro aceso na mão de Sehun.
O olhar dele variou entre o dedo de Jongin e a própria mão, tentando entender razões boas o bastante para aquele pedido. Não gostava de ver que estava sendo uma influência negativa na vida da gente, mas não podia mandar nas nossas escolhas. Se era o que queríamos, Sehun deixava. Apesar de adulto, não estava ali para tomar conta de ninguém.
— Tá bom. Toma aqui.
Puxou o maço e o isqueiro do bolso, indicando para que Jongin pegasse. Ele o fez, levando direto aos lábios. Sehun colocou o próprio cigarro na boca e se aproximou para acender o de Jongin, tomando cuidado para não ser bruto demais. Observou com atenção conforme Jongin tragava, estando a disposição para ajudar a fazer do jeito certo. Ele tossiu na primeira vez, mas então se lembrou como fizemos com o baseado na praia e tentou fazer igual.
— O que achou? — Sehun perguntou quando Jongin soltou a fumaça pelos ares.
— Maconha é melhor. — Deu de ombros e os dois riram.
Continuaram em silêncio, assistindo ao filme e aproveitando a companhia um do outro naquela noite de insônia. Sehun, com suas próprias preocupações e a cabeça cheia dos problemas que demoraríamos a entender. Jongin, tentando não pensar nos gritos da sua mãe e nos xingamentos do seu pai. Os dois formando uma dupla improvável, respeitando as razões para o outro manter seus segredos e compartilhando um momento pacífico com cigarros e filmes românticos.
Teriam ficado em silêncio o resto da noite, mas na cena que os dois protagonistas têm sua primeira noite fazendo amor, Sehun abriu a boca:
— Esse cara é muito gostoso.
Jongin quase engasgou com a fumaça e precisou de alguns segundos para se recuperar. Sehun riu daquele momento, fazendo com que Jongin percebesse que tudo se tratava de uma brincadeira para pegá-lo no flagra. É claro que ele sabia o quanto Patrick Swayze era gostoso. Segurava todos os suspiros o filme inteiro e pressionava uma almofada no próprio colo para descontar cada reação que não podia soltar.
Sehun era muito observador e entendia bem o que se passava com a gente, porque ele mesmo já havia vivido coisas parecidas na nossa idade. A negação, as tentativas de esconder, o medo do diferente. Quando Jongin percebeu que se entregou, era muito tarde e não podia mais disfarçar nem se quisesse.
— Não acredito que você fez isso. — Estalou a língua, negando com a cabeça. — Se eu soubesse, não tinha me esforçado tanto para esconder.
Sehun continuou rindo.
— Se esforçou porque quis. Se me conhecesse de verdade, saberia que estou pouco me fodendo. Pelo contrário, eu realmente acho Patrick Swayze gostoso.
Jongin o encarou. O cigarro ficou esquecido em seus dedos e uma certa admiração tomou conta da sua expressão. Era a primeira vez que conhecia alguém real que o entendia. Kyungsoo não contava. Talvez para ele as coisas nunca tivessem chegado perto de ser o que eram para Jongin. Sehun era diferente. Era um homem que conheceu muito das coisas afora. Que viajou para a América, que veio da Capital.
Era diferente.
— Gosto de homens e mulheres, Jongin — contou, terminando o cigarro e jogando os restos no chão depois de apagar no encosto do sofá. — E tá tudo bem se você for assim também. Não tem nada de errado nisso.
Jongin respirou fundo, unindo coragem para contar pela primeira vez em voz alta:
— Gosto de homens. Só homens. — Foi como emergir de um lago, depois de quase se afogar. A redoma ao seu redor se rompeu e ele finalmente pôde respirar de novo. Agora sendo ele mesmo.
Sehun sorriu. Levou uma das mãos ao rosto de Jongin e fez com que ele o encarasse.
— Que bom. — Acariciou a bochecha com o polegar, num gesto para tentar passar conforto. Ele sabia como era difícil e se orgulhava por Jongin ter tido coragem em dizer.
A vida depois da verdade não era fácil e nem nunca foi. Uma vez que podia ser dito em voz alta, tudo ficava diferente. Ficávamos mais expostos a crueldade do mundo e os comentários maldosos, mesmo que indiretos, nos atingiam como facadas nas costas. Poder confiar em alguém que não o machucaria era uma dádiva que, infelizmente, poucos tinham.
Jongin, emocionado por vivenciar aquilo, se inclinou para frente. Antes que Sehun pudesse dizer qualquer coisa, ele já estava juntando os lábios dos dois. Estava trêmulo e não sabia dizer como teve coragem para fazer aquilo, mas não se arrependia. Separou-se de Sehun, apenas um pouco, para aguardar a reação.
— Não faz isso — pediu Sehun com a voz baixa, os olhos ainda fechados. — As coisas não funcionam assim e você pode se arrepender depois.
Jongin riu, encostando sua testa na de Sehun e dando de ombros.
— Eu não ligo. Só estou com vontade de beijar alguém que quer me beijar de volta. Alguém que se sente como eu.
Sehun suspirou, dando um último selinho em Jongin e se afastando.
— Não vou fazer isso com mais um de vocês, ao menos que tenham certeza do que querem.
— Está falando da Joy? — perguntou Jongin e Sehun assentiu. — Vocês estão juntos, por acaso?
— Sua amiga tem muito a dizer para vocês e ela vai dizer na hora certa. Não estamos juntos e nem nunca vamos estar, mas eu não vou me envolver com ninguém sem que essa pessoa tenha certeza do que sente, entende?
Jongin comprimiu os lábios. Apagou o cigarro e desistiu de vez de fumar, tentando entender o que aquilo significava.
— Como sabe que não tenho certeza?
— Você não pode deixar a emoção te controlar. Isso aqui. — Apontou entre os dois. — É emoção. Quando você me beijar porque realmente quer me beijar, eu te beijo de volta.
Ele deu ênfase no "me" e sorriu. Jongin entendeu que estava tudo bem e aquilo não era uma repreensão. Sorriu de volta e os dois voltaram a olhar para o filme.
Jongin não conseguiu prestar atenção até o final. Ainda formigava pelo beijo recente e era invadido por novos questionamentos. Pensando melhor, Sehun estava certo.
Ainda não havia ninguém além de Kyungsoo que ele quisesse beijar. Mas essa nova pessoa teria que existir em algum momento. Ficar com Kyungsoo não era mais opção. Ele precisaria encontrar outra pessoa por conta própria.
Olhando para Sehun pelo canto dos olhos, Jongin sorriu sozinho. Uma ideia perigosa cruzou sua mente.
4
Ir ao telhado no final do dia não era mais uma questão de necessidade por causa do calor.
O clima úmido da praia era sempre um mistério e os ventos fortes refrescaram a cidade depois de alguns dias de sol quente. Mesmo assim, não abandonei o local pacífico e isolado, de onde poderia observar o pôr do sol no final das tardes. O telhado da casa dos Do virou meu clube particular. Não que eu estivesse cansado do que eu dividia com meus amigos, mas naquele verão de 88, muita coisa estava mudando.
A começar pelo fato de que pensamentos intrusos e incontroláveis voltavam a todo momento. Principalmente os que tinham a ver com minhas dúvidas em relação a Joohyun. Eu não sentia como se estivesse cansado dela, da forma como outros rapazes falavam sobre as garotas. Não era isso. Joohyun era espetacular e difícil de se superar, mas eu me sentia mal em vê-la gostando de mim, enquanto não correspondia seus sentimentos da forma que ela esperava.
E, em contrapartida, havia um susto. Cabelos dourados como a luz do sol e uma postura nova e avassaladora.
Na minha opinião, era uma provação de muito mal gosto. Como se o universo me testasse depois das conclusões que cheguei ao assistir Rocky Horror Picture Show e usasse a pior pessoa possível para isso. Byun Baekhyun.
Ele sempre foi bonito e nunca tive dificuldades em assumir isso, mas havia algo de estranho na sua nova versão. Estranho e agradável. Como se olhar para ele se tornasse mais fácil e, pior, mais desejável. Essa coisa repentina junto do desinteresse que passei a nutrir por Joohyun me deram uma baita dor de cabeça. Eu só podia estar enlouquecendo.
Por fim, o Éden. Havia toda uma pressão de fazer uma festa ainda melhor que a primeira. Mesmo com o orçamento baixo e a falta do planejamento que esperávamos ter, Sehun estava no meio daquilo. Agindo estranho, dando ordens, fumando como se seus cigarros fossem sua única fonte de alimento. Sehun estava enlouquecendo e nos levando junto. É por isso que uma nova edição do Éden era tão importante. Passar por aquilo meio que significava que tudo ficaria bem depois do fim.
Por isso escolhia o telhado, onde as coisas eram mais leves. Levava meu violão e Gato subia como se soubesse que eu estaria lá. Deitava ao meu lado e não se importava com o barulho da música ou da minha voz.
Eu sabia que deveria estar treinando com a guitarra uma hora daquelas, mas estava confiante que conseguiria me virar na manhã seguinte. Fazer música era natural, principalmente depois das pequenas aulas que tive com Sehun para me aprimorar. A passagem de som seria o bastante.
Por isso, coloquei o violão nas costas e subi as escadas, tentando ser o mais silencioso possível. Conseguia ouvir a família de Kyungsoo falando alto da sala de estar. O irmão mais velho dele estava na cidade, então tudo virava uma festa. Sorte a minha, que conseguia passar despercebido.
No entanto, ao chegar no topo, não encontrei o telhado vazio como de costume.
Sentado no meu lugar de sempre, estava Baekhyun com Gato no colo. Acariciava embaixo do focinho, fazendo o bichinho levantar a cabeça e fechar os olhos. Não consegui segurar minha frustração e bufei, recebendo um olhar nada amigável vindo de Baekhyun. Aquilo era, sem dúvidas, uma provação do universo.
— Está me seguindo? — perguntou com o tom de voz entediado.
— Você bem queria — respondi, subindo no telhado e sentando no único lugar vago ao seu lado. Perto demais . Nossos ombros se tocavam. Baekhyun só revirou os olhos. — Acho que meu lugar secreto não é tão secreto assim.
Tentei fazer uma piada, mas Baekhyun não riu. Continuou olhando para o horizonte com a expressão fechada.
— Nem seu. O telhado é dos pais do Kyung.
Suspirei. Baekhyun não estava com humor para piadas então o mínimo que eu podia fazer era respeitá-lo. Tirei o violão das costas e o segurei na frente do corpo, apenas batucando baixinho na madeira. Não tinha nada para dizer. Mas o silêncio era constrangedor. Era como se fosse errado estar ali com ele deixando aquela barreira se erguer entre nós dois. O silêncio fazia os pensamentos voltarem e era preciso muito esforço para não virar na sua direção para admirar seu novo visual.
Baekhyun e eu tínhamos muito pouco em comum. A primeira era a vontade mútua de provocar o outro até o limite, a segunda era o segredo que compartilhamos naquele dia no seu quarto e a última era o amor pela música. Baekhyun não estava de bom humor, o que significava que a primeira opção estava fora de cogitação por enquanto, ao menos que eu quisesse ser empurrado dali de cima. Por isso, pensei na segunda. Seria bom se ele me desse alguma resposta coerente sobre o comportamento de Sehun e se era alguma coisa a ver com o julgamento. Eu tinha quase certeza que sim, mas não conseguia evitar ser tão curioso. Além de que, se fosse esse o motivo, seria mais fácil de lidar e reconhecer meus limites.
Decidido, eu comecei:
— Então. — Minha voz saiu rouca e precisei pigarrear para continuar. — Como tá o Sehun?
Baekhyun não me olhou. Continuou fazendo carinho no gato como se não me ouvisse. Cheguei a cogitar essa opção, já que o encarei por cinco segundos inteiros sem obter uma única resposta. Estalei a língua impaciente. Aquilo não daria certo e era melhor ficar preso no meu quarto do que ali.
— Você sabe como ele está. Fala mais com ele do que eu — respondeu baixinho. — Mas ele tá um caco. Todo mundo já viu.
Assenti devagar. Meus dedos nervosos dedilhavam corda por corda, como se testassem as notas do violão.
— Você sabe do que eu tô perguntando. Tem a ver com aquilo que só nós dois sabemos?
Baekhyun me encarou como se fosse alguma novidade. Sua expressão entregou que ele segurava mais um de seus sorrisos maldosos. Os que me oferecia unicamente para provocar.
— Não trate isso tudo como se fosse um segredo só nosso, idiota. É do Sehun. — Gato se esticou no seu colo e se enroscou para dormir. — E, sim, tem a ver com aquilo.
Não segurei a risada baixinha no momento em que me respondeu. Era mais fácil tê-lo me chamando de idiota do que em silêncio. Em silêncio, Baekhyun era vulnerável. Encará-lo era mais fácil porque não haviam as várias camadas e muros o escondendo. Era uma posição que me deixava nervoso, como se o invadisse.
Mas me xingando, ele voltava a ser o Baekhyun de sempre. As coisas voltavam a ser fáceis.
— Pode me contar o que é? — perguntei.
Baekhyun deu de ombros.
— Você é um filho da mãe curioso, não é? — Não consegui segurar a risada. Ele não estava totalmente errado. — O julgamento foi adiantado. Vai ser semana que vem e os advogados pediram mais dinheiro para lidar com tudo. Aparentemente os donos da loja que foram roubados não querem ninguém saindo impune. Precisamos do Éden para arcar com todos os custos.
Aquilo me pegou. Em muitos momentos eu esquecia que Sehun, na verdade, estava sendo acusado de ser cúmplice de um roubo a mão armada junto dos seus antigos amigos. Ainda que dissesse que não tinha nada a ver com o que aconteceu, era complicado. Eu provavelmente já acreditava nele, mas tinha medo daquilo se confundir com o fato de que eu era grato a tudo o que ele havia feito.
— Você e ele se dão bem agora? — Arrisquei a pergunta. Baekhyun era o que menos confiava em Sehun e apenas aprendeu a suportá-lo para agradar sua mãe e Seungmin. Se a resposta fosse positiva, talvez Sehun estivesse certo.
Mas Baekhyun não negou nem afirmou. Encostou contra as telhas e deitou a cabeça, olhando para o céu.
— Se ele for culpado, vai pagar de alguma forma — respondeu. — Não cabe a mim ficar julgando.
Concordei e fiquei uns segundos em silêncio, deixando Baekhyun em paz. O sol estava se pondo e o céu ficava azul escuro conforme o horizonte era pintado de laranja. Deitei na mesma posição que Baekhyun, apenas para olhar com mais atenção a forma como as cores se pintavam e misturavam acima de nossas cabeças. Eu nunca me cansaria do pôr do sol de Hyegung.
Virei para o lado por um segundo, esquecendo o que eu encontraria e me surpreendendo ao ver Baekhyun olhar para o céu com a mesma admiração que eu. A luz dourada refletia no seu cabelo, iluminando-o ainda mais. Ela descia pelos seus olhos, clareando o castanho profundo e terminava no seu sorriso pequeno. Ele parecia tão diferente naquele momento e eu simplesmente não consegui virar para o outro lado.
— O seu cabelo ficou legal — elogiei, sem ao menos me dar conta do que saía da minha boca.
Baekhyun virou para mim e revirou os olhos.
— Valeu. — Uma risadinha. — Uma pena que minha mãe não pensa assim então talvez eu tenha que tirar logo.
Franzi o cenho.
— Mas por quê? Não sabia que a senhora Minji era assim e você já tem quase dezoito. Se quiser deixar assim é só deixar!
Baekhyun riu, negando com a cabeça e se sentou ereto ao meu lado.
— Você não sabe nada sobre mim, Chanyeol. Nem sobre a minha mãe.
Aquilo me ofendeu um pouco. Não éramos os mais próximos, mas nos conhecíamos a vida inteira. Eu sabia muitas coisas sobre ele, assim como ele sabia sobre mim. Eram coisas que não precisavam ser ditas e apenas a convivência era o suficiente para ensinar.
— Isso é mentira. — Me sentei ao seu lado, virando de frente para ele. — Sei muitas coisas sobre você!
— Tipo o quê? — Levantou uma sobrancelha como se me desafiasse. — Não sabe nem qual a minha música favorita e você sabe a de todos os nossos amigos. Até a do Sehun.
Aquilo era uma meia verdade, mas só acontecia porque Baekhyun cismava em dizer que odiava me ouvir cantando. Eu não cantava para quem não queria me ouvir. Era simples! E foi o que eu contei para ele.
— Você não conseguiria cantar de uma forma que me agrada nem se tentasse — respondeu. — Só aceita que nem todos vão gostar de te ouvir. É mais fácil.
Me fingi ofendido e segurei o violão na posição para tocar. Vi Baekhyun bufar revirando os olhos, mas ele não conseguiria sair do telhado sem que eu saísse do caminho. Ele seria obrigado a me ouvir, então uma ideia passou pela minha cabeça e eu sorri com a possibilidade.
— Vamos fazer uma aposta — sugeri. — Se eu cantar agora e você gostar, você tem que parar de reclamar das minhas músicas porque eu vou saber que está mentindo. Mas se continuar sem o mínimo interesse, não canto mais quando você estiver perto. Só no Éden, porque lá é inevitável.
Acrescentei a última frase como um parêntese, mas ele pareceu entender bem a ideia.
— Acha mesmo que é capaz de me fazer gostar de qualquer coisa que cante? — perguntou e eu não estava nem aí para sua crueldade. Aquilo nem me atingia mais.
— Eu acho que você só não ouviu a música certa — respondi. — Aceita ou não?
Baekhyun fingiu pensar por um tempo, mas o sorriso maldoso ainda estava estampado no seu rosto. Ele revirou os olhos e concordou com a cabeça.
— Me surpreenda.
Aprumei a postura e dedilhei as primeiras notas para começar a tocar uma música. Ela não foi feita para violão, mas eu consegui me virar bem aprendendo depois de alguns treinos com Sehun. "Your Song", do Elton John, era uma das melodias românticas mais bonitas que eu conhecia. Era diferente de tudo o que eu estava acostumado a tocar e cantar, por isso acreditei que era a escolha perfeita para surpreender Baekhyun e vencer a aposta. Era impossível de não gostar.
Seu sorriso vacilou um pouco quando reconheceu a melodia e eu comecei a cantar os primeiros versos. Seus olhos não desgrudavam dos meus e eu precisava de certo esforço para não errar as notas ou a letra. Em dado momento, se tornou difícil demais sustentar. Fechei meus olhos e tentei esquecer que Baekhyun me olhava com tanta atenção.
Não era como se eu cantasse para ele, dedicando a letra da música ou algo do tipo. Mas o meu coração palpitava com força e meu rosto queimava de vergonha do mesmo jeito. Não fazia diferença alguma a minha intenção, se no final meu corpo reagiria daquela forma.
Eu estava acostumado a ter atenção enquanto cantava. As pessoas paravam para me assistir nas docas e pararam para me assistir no Éden. Eu perdi muito da minha timidez ao longo do mês e sabia que a tendência era melhorar ainda mais. No entanto, quando abri meus olhos no refrão e encontrei Baekhyun me assistindo com tanta atenção, me senti no meu primeiro show. Era pior do que milhares de pessoas desconhecidas me assistindo e eu não sabia definir ou expressar o motivo.
— I hope you don't mind, I hope you don't mind . — Olhei em seus olhos apenas para encontrar ainda mais do seu brilho dourado. A sombra de um sorriso surgiu em seus lábios. — How wonderful life is, now you're in the world .
A primeira parte terminou e eu fiquei em silêncio, continuando a dedilhar a melodia e esperando sua reação. Foi como se Baekhyun despertasse de um transe, negando com a cabeça e rindo em alto e bom som, sem vergonha alguma.
— Continua péssimo — disse, por fim. Foi a primeira vez que não acreditei nele. Havia um formigamento distinto percorrendo meu corpo e eu vi em seus olhos que ele não conseguiu disfarçar como gostaria. Ele não ia poder passar por cima de mim dessa vez.
— Então é uma boa hora para eu dizer que menti sobre a aposta. — Sorri, erguendo o queixo.
Voltei a cantar ainda mais alto e sem me importar com mais nada. A noite começava estrelada e os últimos minutos do brilho laranja se despediam do céu de Hyegung. Byun Baekhyun ria e tapava os ouvidos, pedindo para eu deixá-lo ir embora, mas eu fingi que não escutei nada do que disse. Foi a primeira vez que rimos tanto na presença um do outro sem precisar fingir ou agir com maldade. Também foi a primeira vez que percebi que Baekhyun nem sempre dizia a verdade, me dando a curiosidade para conhecer mais de tudo o que ele escondia.
Ali, vendo como ele brilhava naquele final de tarde no verão, eu percebi. Se era ou não uma provação do universo, eu tinha perdido completamente. Eu estava, inegavelmente, atraído por ele.
#MyDearHeaven
Hungry eyes faz parte da trilha sonora de Dirty Dancing, o filme que Sehun e Jongin assistiram juntos nesse capítulo. Além disso, é uma música que descreve bem a situação do Chanyeol, uma vez que entendeu o porquê dessas novas sensações surgirem toda vez que ele está perto do Baekhyun enquanto o Baekhyun age como ele mesmo.
Você pode encontrar essa e outras músicas na playlist! Link na bio <3
Essa. Cena. Final.
Eu tava tão LOUCA pra postar esse capítulo, eu juro! A cena de Your Song é a minha favorita de todas e eu não acredito que ela finalmente veio ao mundo depois de eu passar meses guardando o segredo. OK que dei várias dicas toda vez que eu dizia que era a música favorita do Baekhyun, mas é tão libertador mostrar aaaaa!! Como se sentem, nação Chanbaek?
Nesse capítulo vocês também conheceram a minha princesa, minha rainha, dona do meu coração e o ar que eu respiro, Kang Seulgi! A Vacation (carinhosamente apelidade de Seulgi Jones and The Five pela @loeywars) é a banda fictícia mais legal que já criei. Espero que vocês se apaixonem por eles tanto quanto eu!!
O Éden é no próximo capítulo. Se preparem para a MAIOR festa de todas (literalmente, porque são mais de 10 mil palavras). Sexta que vem, muitos corações vão parar, hein? Já vou avisando...
Mais uma vez obrigada pelo apoio! Não deixem de comentar, caso se sintam confortáveis, e dar kudo (caso ainda não tenham dado) Isso ajuda demais a manter a fic. Sei que slow burn é difícil, mas é isso o que faz o romance ficar ainda mais gostosinho!! Foram mais de 60 mil palavras até aqui, mas eu prometo que o verão vai trazer mudanças DRÁSTICAS E INCRÍVEIS!
Inclusive, alguém mais notou que os capítulos ambientados em Julho estão sendo postados em Julho?????? Juro que não planejei!
Com amor, Sandman <3
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