50: Aliadas
EU HAVIA TIDO UMA inesperada melhora desde a noite em que tive meu último pesadelo. Os vômitos quase não vinham mais e eu conseguia dar grandes cochilos mesmo quando Jason não estava perto, o que era uma vitória. Eu estava no Jardim Elementar tomando chá com Claire quando Aurora surgiu do nada, daquele jeito que só ela conseguia fazer sem parecer estranho.
- Vossa Majestade Elemental. - ela disse, em uma reverência rápida.
- Aurora. - eu cumprimentei, com um meneio de cabeça.
Claire não se deu ao trabalho, tomando um longo gole de chá e ignorando-a totalmente. Eu não a culpava; Aurora havia sido muito cruel com ela. E mesmo quando ela tentou se redimir com um pedido de desculpas, Clairely não pareceu nem um pouco inclinada a aceitar.
- Quer chá? - ofereci, enchendo uma xícara para ela. - Foi trazido um minuto atrás, ainda está quente.
- Obrigada. - ela agradeceu, sentando de frente para mim enquanto aceitava a xícara, lançando um olhar sem graça para Claire. - Oi.
- Se me der licença. - Claire disse, se levantando da mesa em seguida, fazendo uma reverência na minha direção antes de sumir dentro dos portões de entrada do Palácio.
- Minha nossa, será que ela vai me ignorar para sempre? - Aurora perguntou, encarando de olhos arregalados Claire ir embora.
- Claro que não. - eu disse, em tom despreocupado. - Ela é uma pessoa boa demais para guardar rancor de alguém por tanto tempo assim.
- Que ótimo. Menos uma na lista das pessoas que me odeiam. - Aurora murmurou.
Depois de todos os mal entendidos entre nós duas terem sido resolvidos e de uma conversa longa sobre como cada uma errou em diversos pontos em relação à outra, Aurora e eu havíamos finalmente estabelecido uma espécie de amizade - talvez ainda fosse muito cedo para isso, mas eu não precisava me conter para não gritar com ela nem vice-versa, ou seja, tínhamos evoluído bastante desde os últimos dois meses.
Dei uma risadinha.
- Pela opinião de alguém que conhece você muito bem, devem ser necessárias bem mais que apenas uma lista para conseguir abranger o número exato de pessoas que têm sentimentos semelhantes ao ódio quando escutam o nome Aurora. - comentei, enfiando um biscoito de creme de limão na boca.
- Tantas que eu já perdi as contas. - ela suspirou, girando a colher na xícara de chá como se pensasse em algo. Ela franziu um pouco a testa quando disse: - Eu falei com Thomas hoje.
Quase engasguei.
- O quê? Você foi mesmo... falar com ele... depois de tudo? - indaguei, inclinando a cabeça na direção dela, surpresa.
- Não foi por vontade própria, acredite em mim. - ela foi logo dizendo, como se estivesse defendendo a si mesma. - Eu precisei, por causa da lei que exige o consentimento de todos os Clãs sobre mudanças de grande importância tomadas em um Reino particular.
- Ah, claro. - dei um sorriso culpado. - Suponho que essa parte tenha sido culpa minha.
- Talvez. - ela deu um sorriso irônico. - Mas... uma hora ou outra eu teria que encará-lo. Chegou mais cedo do que eu pretendia, é verdade, porém estou bastante satisfeita com o rumo que as coisas tomaram.
- Vocês não estão namorando, estão? - arregalei os olhos.
- Mas é claro que não! - Aurora exclamou, o rosto vermelho, sua brisa própria girando mais forte ao seu redor, fazendo algumas folhas espalhadas pelo jardim levantarem vôo. - Ele praticamente tentou me matar, Ágata! Me matar! - continuou, ultrajada.
- Tudo bem, não precisa ficar tão zangada. - eu disse, pegando mais um biscoito. - Só estou dizendo que eu e você já ameaçamos acabar com a vida uma da outra milhares de vezes e olha onde estamos.
- Isso é diferente, Ágata. - disse ela, entredentes. - Eu e você éramos duas pessoas que não se gostavam por estarem em lados opostos numa competição.
- E por causa da sua paixão de infância pelo meu marido, não vamos deixar esse fato tão importante de lado. - acrescentei, comendo mais um biscoito.
- Que seja. - ela murmurou, bebericando o chá. - Mas como você está?
Ainda mastigando o biscoito, tratei de engolir tudo o mais rápido possível.
- Como você acha que eu estou? Grávida. - revirei os olhos, só para então me dar conta de que ninguém além de Jason sabia da minha gravidez.
- O quê? - Aurora cuspiu o chá, que respingou em boa parte do meu vestido verde.
- Nossa, você molhou meu vestido. - comentei, desdobrando um dos lenços sobre a mesa.
- Como assim, grávida? - ela continou, olhando para mim com os olhos esbugalhados.
- Poxa Aurora, sério que vou ter mesmo que te explicar?
- Não, me poupe dos detalhes sórdidos. - com isso ela pareceu se recuperar do choque. - Não dá nem mesmo para sugerir que você está grávida. - ela disse, inclinando a cabeça para um pouco abaixo da mesa, afim de olhar o tamanho da minha barriga. - Jason sabe?
- É claro que sabe. - falei, em tom de obviedade.
- Bem, ele podia não saber, já que você não contou sobre isso pra ninguém. - Aurora se defendeu, antes de me encarar séria. - Ou todo mundo sabe menos eu?
- Na verdade, você é a única pessoa que sabe além de Jason. - sussurrei. - Não era para ninguém saber agora. - completei, olhando para os lados a fim de me certificar que estávamos longe o bastante dos guardas para não sermos ouvidas.
- Mas por quê? - Aurora indagou.
- Eu não descobri sobre a gravidez do modo mais tradicional - falei.
- Preciso que seja mais clara.
Considerei durante um minuto se era mesmo uma boa ideia contar para Aurora sobre a aparição de Valerie e toda a promessa de que problemas maiores viriam que ela trouxera consigo. Mas então lembrei que de todos nós, - mesmo que Jason e eu tivéssemos passado meses a fio atrás dela, - Aurora era a única que havia passado tempo o bastante na presença da verdadeira Valerie para saber de algo que pudesse nos ajudar. E se ela confiara em nós para compartilhar isto, eu tinha que dar o mesmo salto de confiança em retribuição:
- Valerie apareceu para mim e Jason durante a Coroação.
O sangue pareceu se esvair do rosto de Aurora.
- Mas ela está presa! - exclamou, o tom de voz aumentando.
- Fale mais baixo! - ralhei, mais uma vez olhando para os lados para me certificar de que ninguém tinha escutado. - E sim; a mulher que achamos ser a Valerie está presa, mas a verdadeira e muito mais perigosa está por aí, à solta, fazendo charadas diabólicas que parecem brincar com o meu futuro e o futuro do meu filho.
- Por Deus... - Aurora sussurrou, chocada. - Você acha que ela era... Que ela...
- Era a mulher que encontrou você e te salvou da morte? - completei. - Não tenho dúvidas.
- Mas porquê ela me salvaria? - Aurora indagou, parecendo confusa.
- É o que eu quero descobrir. Porque tenha certeza de uma coisa, Aurora, absolutamente nada que aquela bruxa faz, é por acaso. - declarei, olhando em seus olhos tempestuosos.
- Isso explica o porquê de Jason ter ido tantas vezes ao Palácio da Arena no último mês. - ela murmurou consigo mesma.
- Como assim? O que tem no Palácio da Arena? - perguntei.
- A nossa querida falsa Valerie, é claro. - disse Aurora. - Aquela invejosinha, ladra de corpos e atriz fajuta patética. Eu ainda vou matá-la. - continuou, expressando seu desprezo em cada palavra dita.
Não que eu tivesse prestado muita atenção depois de ter ouvido o nome "Valerie".
- Ela está presa no Calabouço subterrâneo da Arena? - perguntei, descrente.
- Você não sabia? - Aurora perguntou de volta, ao passo que eu lhe retribuí com um olhar irritado. - Ela está lá desde que foi pega. Jason certamente tem ido até lá para interrogá-la.
Baixei o olhar para minhas mãos, cerrando os punhos assim que as faíscas começaram a brilhar entre meus dedos, me levantado da cadeira logo depois, recebendo um olhar confuso de Aurora.
- O que você está fazendo? - ela questionou, quando eu comecei a andar em direção à entrada do Palácio, vindo logo atrás de mim.
- Eu vou até lá. - afirmei.
- Você vai até o Calabouço da Arena? - ela indagou, como se eu estivesse louca. - Não pode ir até lá. É proibido.
Parei de caminhar, me virando para ficar cara a cara com ela.
- Sou a Rainha Elemental. Nada é proibido. - eu disse, antes de voltar a caminhar, fazendo sinal para chamar um dos homens que cuidavam dos estábulos. - Prepare a carruagem, vou sair. - ordenei, enquanto ele anuía com uma reverência cheia de pompa.
- Jason não vai gostar. - Aurora debochou atrás de mim.
Olhei para ela por cima do ombro, o mesmo sorriso debochado que havia no rosto dela estampado nos meus lábios:
- Como se Jason tivesse que gostar de alguma coisa.
- Isso vai ser divertido. - ela disse, seu tom revelando o quanto ela estava sedenta por uma boa briga.
Quanto à briga eu não tinha tanta certeza, mas a diversão era certa.
Ao menos por enquanto, pensei, sentindo um calafrio atravessar os meus ossos.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro