37: Páginas de Vento
JASON PARECERA ESTAR tão perto de perder o controle por meio de nossa ligação e agora estava agindo como se fosse feito inteiramente de silêncio e sombras, o que não era de seu feitio, a menos que algo o perturbasse muito. Estávamos em Incendia, a poucos metros da entrada do Palácio do Fogo, quando eu não aguentei mais o vazio opressor entre nós e me pus em sua frente, impedindo que continuasse seu caminho:
— O que foi que houve enquanto eu estava lá dentro?
Ele parou de caminhar, soltando um suspiro de frustração.
— Eu e Thomas brigamos. O tipo de briga na qual eu poderia tê-lo matado, caso Aurora não tivesse me impedido. — confessou, passando a mão pelos cabelos.
— O quê? Mas por quê? — perguntei, perplexa. — Jason, espero que não tenha sido por minha causa. Você tão bem quanto eu aonde tudo acabou da última vez que você acreditou em algum boato romântico relacionado a Thomas e eu.
Ele massagiou as têmporas, como se tentando organizar os pensamentos:
— Você foi um dos motivos, mas não o motivo principal. — ele me encarou, os olhos brilhando em silenciosas chamas de ódio. — Thomas está fora de controle. Sai por aí falando qualquer coisa que dá na telha, sem se preocupar com quem está ferindo, quem está difamando. Ele já estava tentando me atingir, aí envolveu você e Aurora nas provocações sujas dele, se referindo às duas como se fossem... — cerrou os punhos. — Nada.
— Como assim, 'envolveu Aurora'? — perguntei, confusa. — O que ela tem a ver com tudo isso? O que Thomas disse exatamente?
— Ele perguntou pra mim se eu já não estava satisfeito o suficiente em tirar o que era dele para querer também o resto com que ele tinha ficado. — disse, suas palavras cobertas de tanto nojo quanto o que me atravessava por saber que tais coisas haviam sido ditas por Thomas.
— Não posso acreditar — sussurrei.
— Pois acredite! — exclamou Jason, com raiva. — Eu já havia alertado a você que Thomas não era tão bom quanto pensava, você que nunca quis me ouvir.
— Quem sabe talvez eu não tenha te dado ouvidos pelo pequeno fato de você nunca ter gostado de Thomas. Ou talvez por você sempre me dizer : "ele não é quem você pensa", e nunca citar sequer um motivo para achar tal coisa. — rebati. — Ou talvez você não queira me contar o motivo.
Jason bufou, desviando de mim de forma para que voltasse ao seu caminho, passando na minha frente como se dando o assunto por encerrado.
Senti meu rosto esquentar.
— Eu não terminei! — me virei, encarando suas costas, pronta para insistir nesse assunto o quanto fosse preciso. — Eu estou cansada de ter que esconder coisas de você por achar que não confia em mim o bastante para lidar com tudo o que está acontecendo. E estou cansada de achar que todo mundo conhece você melhor do que eu, ou que há milhões de segredos que você esconde de mim.
Ele para de caminhar, se virando para olhar meu rosto, seus olhos encarando os meus em uma corrente intensa de poder.
— Você me conhece melhor do que ninguém — disse. Claro, firme. E até onde eu podia ver, sincero.
Mas ainda assim...
— Não é o que isso aqui diz. — arranquei aquela coisa do casaco, jogando na terra aos seus pés.
Jason encarou o caderno com capa de couro no chão, uma fita branca agora suja de terra enlaçando-o ao meio.
— O que é isso? — ele perguntou, se abaixando para pegá-lo.
— O diário de Aurora. — declarei.
Durante minha missão no Palácio do Ar, não pude achar muitas coisas que pudessem ser úteis ao meu propósito em estar ali. Quando Jason começou a me apressar, quase desisti da procura e dei meia volta do quarto de Aurora, mas então eu o vi. Apesar da culpa de roubar o diário de outra pessoa, não tive outra alternativa a não ser aquela, porque se houvesse algo realmente importante naquele caderno e eu deixasse passar despercebido por causa dos meus escrúpulos, – escrúpulos esses que eu sabia que se a situação fosse inversa Aurora não teria, – eu nunca me perdoaria.
— Agora eu vou perguntar mais uma vez: não tem absolutamente nada a me dizer, não é, Jason? — questionei, erguendo uma sobrancelha.
Ele olhou para o diário em suas mãos por apenas um segundo antes de erguer para mim:
— Aurora disse que me amava.
O choque foi direto em minhas veias.
— O quê? — indaguei, incerta de que tinha ouvido direito. — Ela... Como? Depois de tudo... ela ainda acha que pode ter alguma chance com você? Depois de todo esse tempo?
— Não foi do jeito que você está pensando, Ágata.
Ergui o olhar para o dele, o castanho de seus olhos se tornando dourado ao bater de frente com o azul gélido dos meus, que começavam a mudar para o violeta.
— É sério que você vai tentar achar alguma desculpa para o fato de ela ter se declarado para um homem casado? — perguntei, a raiva começando a crescer dentro de mim. — Ou isso foi há muito tempo? — Por que diabos ele parecia estar do lado de Aurora e não do meu?
— Não. E é claro que não vou tentar achar uma desculpa. — negou, parecendo confuso, talvez nervoso. — Só fiquei... chocado?
— Você também não fazia ideia de que ela nutria esse tipo de sentimentos? — perguntei, minha irritação se abrandando. — Todos esses anos e você nunca nem mesmo suspeitou? Nunca houve nada entre vocês dois?
Ele me segurou pela mão.
— É claro que não. Eu amo você. Nunca dei dúvida alguma disso. — ele determinou, erguendo meu queixo para que eu focasse o olhar no seu de forma direta, sem dar espaço para desvios. — Só você. Para sempre. Haja o que houver.
— Tudo bem — falei, dando um suspiro exausto. — Agora você pode me soltar.
Ele estreitou os olhos, um brilho perigoso perpassando por eles em forma de pequenas faíscas douradas.
— E se eu não quiser? — desafiou.
Tentei tirar sua mão de meu queixo, mas ele a mantinha firme ali. Empurrei seu peito com força, mas ele continuava me segurando, imóvel.
— Por Deus, Jason, eu não estou para joguinhos hoje... — eu não pude terminar a frase antes que ele me puxasse de encontro ao seu corpo, meus lábios sendo pressionados contra os seus daquela forma louca e estranhamente perfeita de sempre, sua língua exigindo que eu o correspondesse do mesmo jeito.
Que foi exatamente o que fiz, sentindo a temperatura do meu corpo aumentar de uma maneira alarmante, minhas mãos parecendo pegar fogo de encontro a sua pele.
E se eu estava queimando, Jason parecia ter entrado em combustão total, andando comigo enquanto me beijava, suas mãos em meus cabelos, em meu rosto, meus seios e cintura, até eu sentir minhas costas pressionadas contra o que eu sugeri ser o tronco de uma árvore, onde eu interrompi tudo aquilo antes que fosse dar em outra coisa.
— Não. Pare. — pedi, arfante, minhas mãos entre os botões de sua jaqueta. Eu não sabia ao certo se para pará-lo ou tirá-la de uma vez.
— Você está pedindo para eu não parar? Porque se for o caso, pode ter certeza de que eu não tenho a menor intenção de parar até que você esteja totalmente nua. — me beijou outra vez, mordendo meu lábio inferior lentamente, para provocar. O que funcionou muito bem. — E que esteja gemendo o meu nome bem alto.
— Jason... — comecei, arregalando os olhos para o que eu estava vendo acontecer bem atrás dele. — Pare. Pare agora.
— Tem certeza de que é isso mesmo que você... — eu o empurrei para o lado antes mesmo que terminasse a frase, tentando alcançar o diário de Aurora, que parecia ter sido aberto pelo vento, a fita branca que o prendia sendo levada para longe pela brisa.
— Também não precisava ser tão bruta. — Jason reclamou, antes de ver o que motivou tamanha brusquidão de minha parte.
As palavras pareciam estar voando. Cada uma, sumindo do diário com o vento. Se apagando e apagando, como se alguém invisível passasse uma borracha mágica que retirasse palavra por palavra do papel.
Sem nem ao menos piscar de hesitação, estendi a mão em direção ao ar e o usei para trazer o diário de Aurora diretamente para minhas mãos, fechando-o com um baque suave.
E deixando-o assim até que fosse seguro abrí-lo novamente.
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