25: Enquanto Você Luta
Valerie
PARA UMA DEUSA SEM poderes por quase dois milênios, Valerie achou que estava se saindo muito bem controlando as chamas de sua lareira. Sobe, desce, esquerda, direita. Era quase como antes. O Fogo enchia o seu corpo de um jeito louco, como se esperasse um movimento de seus dedos para sair queimando tudo e todos que viessem pela frente. Ela achou também que aquela quantidade de poder era demais, mesmo que para o Príncipe do Clã do Fogo. Quando ela girou a mão para fazer o fogo aumentar, uma dor a atingiu, e Valerie observou horrorizada as veias de seu braço se destacarem contra a pele, como se estivessem inchando. Um brilho vermelho sangue as coloriam, logo depois se tornando laranja e então dourado, só para se enegrecerem em seguida.
Valerie apertou as mãos em volta do pescoço, sufocando. Os olhos lacrimejavam, e sua garganta se tornara seca como um deserto escaldante. Estou queimando, ela pensou, ao cair da cadeira onde estava sentada, rastejando para a banheira de madeira no meio do quarto, onde se banhara todos os dias com o Príncipe da Terra assistindo. Estou queimando de dentro para fora. Ao chegar na banheira, ela enfiou a cabeça dentro da água, dando grandes goles, um atrás do outro. Mas o alívio vinha somente para dar lugar a agonia de estar sendo cozida viva. O poder está me rejeitando. Está me rejeitando. Ela tirou rosto da água, arfando, o ódio inflando o sentimento de vingança que a movia. A magia era dela, dela. Nunca deveria rejeitá-la. Já fora difícil o suficiente invocar os demônios de terra, que ela só conseguira controlar sugando a magia de Thomas aos poucos. Ah, Thomas. Ela não o matara, nem mesmo roubara o seu poder por inteiro, pois quando ela se tornasse rainha, pretendia fazer dele seu amante, afinal, um homem tão bonito não podia ser desperdiçado. Jason seria seu rei, para acabar com aquela felicidade inabalável dele e daquela idiota da Princesa da Água. Essa, ela certamente mataria. Ela e a petulante do Ar.
Seus pensamentos se voltaram novamente para a dor quando Valerie sentiu sua cabeça queimar. Ela colocou as mãos no cabelo, mas imediatamente as tirou. Meu cabelo está pegando fogo! Um grito gutural saiu de seus lábios, e não foi surpresa nenhuma quando ela se viu cuspindo fogo no chalé inteiro. Colocou tanto fogo para fora, que quando olhou em volta, estava no meio de um incêndio. Desesperada, Valerie correu para fora do chalé, saindo exatos cinco segundos antes dele explodir em chamas e madeira queimada.
Pensando bem, mataria Jason. Queimado.
* * *
Ágata
Ar. É claro que a primeira prova seria favorecendo Aurora, já que com a ausência de Jason, ela era considerada a primeira colocada no Jogo Elemental. Aurora, para seu crédito, não esboçou reação nenhuma ao saber da notícia de que o elemento que ela dominava seria o primeiro no Jogo. Thomas olhou para mim, provavelmente tentando puxar assunto para aliviar o clima depois do que dissera mais cedo. Não olhei de volta. Minha atenção estava totalmente voltada para uma coisa: vencer a prova. É claro que eu não achava nem por um segundo que poderia ser a Elemental, mas não me deixaria perder por inércia. Eu seria a pior concorrente que Aurora e Thomas poderiam desejar. Eu estava aqui para representar o meu Clã, mas era por Jason que eu lutava.
Nossa missão se baseava apenas em realizar uma tarefa: sair de um labirinto. Não um labirinto comum, de certo, mas sim um feito com paredes de ar que se moviam, formando tornados e até furacões no meio do percurso, criados especialmente para atrapalhar a jornada dos participantes. Nós três estávamos cientes do olhar atento de cada pessoa na plateia sobre nossos movimentos, mas nossa atenção estava totalmente voltada para o soar das trombetas, que sinalizariam o início das provas. Cada um de nós tinha um caminho para seguir: Aurora pela esquerda, Thomas pela direita e eu pelo meio. Desviei o olhar por um segundo e encontrei Jason me encarando do camarote reservado para sua família. Ele deu um leve aceno de cabeça, e seus lábios se moveram em um Acabe com eles.
No minuto em que eu acenei com a cabeça, o sinal para o início da prova foi dado. Olhei para o meu lado esquerdo por um segundo, só para constatar que Aurora não estava mais lá. Infeliz. Thomas tinha sumido em uma nuvem de terra, e eu o avistei bem lá na frente, antes dele desaparecer em uma curva de ar. Fechei os olhos, respirando fundo, e senti meu corpo se transformar em vapor de água, o vento forte me transportando com velocidade para o meio do labirinto. Quando meus pés tocaram o chão, me vi bem no meio de um tornado, cercada por paredes de ar que giravam sem parar. A ventania chicoteava o meu rosto com força, e o meu cabelo - novamente preso pelo elástico -, ameaçava se soltar a qualquer momento, meus pés fincados no chão fazendo marcas na areia, meu corpo ameaçando se misturar ao vento caso eu não saísse dali imediatamente.
Mas que droga de tornado idiota!, pensei, frustrada. Não podia usar o vapor de água para sair dali, pois a única saída era por cima e eu seria sugada para baixo pelo vento, que parecia se tornar mais intenso a cada segundo a mais que eu continuava ali. Pense, pense. O que eu posso tentar para sair daqui? Mais importante: o que Jason faria? Mais uma vez eu amaldiçoei Valerie por ter roubado a magia dele. Se ele ainda a tivesse, poderia me ajudar agora.
Não. Eu não pediria ajuda a Jason. Eu ia lutar sozinha, ia lutar por mim, por nós dois. Se ele, Aurora e Thomas conseguiam, eu conseguiria também.
Garota ingênua. Você sabe que somos mais velhos, mais poderosos. Está lutando por Jason? Pois então saiba que se ele estivesse aqui, teria saído desse labirinto minutos atrás. Que desperdício. O que ele estava pensando quando se uniu à você? Sua fraca.
Não pedi sua opinião, nem me importo com ela. Agora saia da minha cabeça, sua metida narcisista!
A risada de Aurora ecoou em minha mente.
Posso ser uma metida narcisista, mas pelo menos não sou uma perdedora. Você está a um passo de ser eliminada. Thomas já está quase na saída. Ugh, ele acabou de passar por você.
Então eu vi um vulto passar correndo por mim, parando apenas alguns segundos, como se considerasse a possibilidade de me vir em meu auxílio. Só para ir embora, mais rápido do que antes.
Eu tinha que agir. Rápido. Mas a única solução que me vinha a cabeça era algo que eu tentava esquecer desde que ocorrera. Eu ainda podia sentir: era como uma faísca tentando se firmar. Como um fio que você precisava conectar na tomada. Meu peito se encheu e aquela sensação me tomou. Não tinha jeito. Queria fluir, era mais forte do que qualquer tipo de autocontrole que eu poderia exercer. O ar queria sair, e eu o deixaria.
Um sopro.
Apenas um sopro, e o tornado que girava a minha volta se desfez, levando com ele todas as paredes de ar que formavam o labirinto. Recuperei a visão do que acontecia ao meu redor bem a tempo para ver Aurora chegar quase no fim de seu caminho pela esquerda, Thomas alguns metros atrás no seu percurso pela direita. Mas o labirinto de ar havia sido destruído, destruído antes que qualquer um de nós conseguisse sair dele, deixando assim a prova incompleta. Olhei para as arquibancadas que circulavam a Arena, lotada por pessoas de todos os Clãs, que vieram até aqui para testemunhar a vitória de um. Mas ao que parece, teriam que se conformar com a derrota de todos.
Do camarote do Clã do Ar, notei o olhar esbugalhado de Otto, me olhando como se eu tivesse criado chifres. No da Terra, a reação eram cochichos incessantes. No meu Clã, o choque era o que predominava, mas eu podia ver a cara orgulhosa de meus pais, trocando sorrisos. No do Fogo, as expressões eram solenes, todos sentados, apenas um em pé.
A expressão extasiada de Jason fez meu coração tombar, sendo tomado por uma sensação cálida de carinho e amor logo depois. Quase pulei do meu lugar, quando o som de suas palmas invadiram meus ouvidos, sendo seguido por todas as pessoas presentes. Menos Otto, é claro. Mas ele bem poderia cair do seu trono de vento e falsidade e quebrar o pescoço que eu não me importaria. Acho que a verdade era que ninguém se importaria.
Meus concorrentes exibiam rostos de pedra idênticos, não fosse pela coloração vermelho arroxeado que começava a subir pelo rosto de Aurora. Quando passei por ela, seu rosto tinha se tornado da cor de uma beterraba. Ao passar por Thomas, notei que este tinha a boca entreaberta, como que para dizer algo. Diferentemente de sua hesitação em seguir em frente quando me viu presa naquele tornado, eu não parei.
Não respirei, não pisquei.
Até me jogar nos braços de Jason, que já me esperava na entrada da Arena. Dei risada, me sentindo totalmente leve. Quando o beijei, levou apenas um segundo para nos levar para outro lugar, desaparecendo no ar.
* * *
Hoje é festa, lá no meu apê, com ou sem poder, vai rolar bundalelê! Chega aí, pode entrar, pode vir, tá em casa...
OLHA A EXPLOSÃO!, AURORA FICOU COM A CARA NO CHÃO, AURORA FICOU COM A CARA NO CHÃO, CHÃO, CHÃO, CHÃO!
M.
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