21: A Linha Tênue entre a Verdade e a Mentira
– MEU DEUS! THOMAS, VOCÊ voltou! – exclamei, descendo da carruagem aos pulos, agarrando a saia do vestido como uma louca desesperada. – Senti tanto a sua falta!
Não exagera, disse Jason, ainda parado atrás de mim, com a cara fechada.
Ignorei-o. Eu tinha que mostrar para Thomas que estava o mais surpresa possível em vê-lo, não agir como se soubesse que ele poderia aparecer a qualquer momento. O comportamento de Jason era justificável, já que ele era um bipolar, mas as pessoas esperavam um padrão de mim. Um padrão chamado Bom Senso.
Engraçadinha.
Envolvi meus braços no pescoço de Thomas, dando um abraço apertado no meu antigo melhor amigo. Era triste encarar dessa forma, mas a verdade é que a única pessoa com quem sei que posso contar para tudo de agora em diante é Jason. Claire era minha amiga mais próxima, e eu a tinha como uma irmã, por isso nunca correria o risco de pôr ela em perigo, já que agora eu estava envolvida em uma perigosa trama de intrigas sobre magia e realeza, além da ameaça cada vez mais concreta do retorno de Valerie. A bruxa não dava as caras há muito tempo, mas eu nunca iria me iludir achando que aquele tinha sido o fim.
– O que houve com você? Por que desapareceu? – indaguei, chorosa. – Todos ficaram acusando você de ter tentado me matar. Foi horrível ouvir tantas coisas vis sobre você.
Uma risada foi ouvida logo atrás de mim, e observei Jason se aproximar com uma calma assassina de nós dois.
– Thomas. – ele disse, apenas, parecendo refletir sobre algo sério. – Notícia muito triste.
Thomas se colocou ao meu lado e franziu a testa, sem entender.
– Do que você está falando?
– Da sua volta. Notícia muito triste, de fato.
– Não fale assim, Jason. – tomei meu papel como defensora. – Agora você sabe que eu tinha razão. Thomas não fugiu. Ele foi levado. Levado por Valerie, que tem cometido atrocidades com todos nós, querendo causar desconfiança e desunião. Devemos solidariedade ao nosso amigo, pois enquanto estávamos bem, ele sofria nas mãos dela de formas inimagináveis. – toquei o ombro de Thomas, como que para demonstrar meu apoio.
De repente, minha visão escureceu por um segundo e eu inclinei meu corpo para frente, como se algo tivesse pressionado minhas costas com força, fazendo minha pele arder como se estivesse sendo rasgada.
Chibatadas. Thomas. Preso.
Senti mãos envolverem minha cintura e a dor instantaneamente ficou menor, mas seu significado havia deixado uma marca em mim. Com Jason me segurando, encarei Thomas, horrorizada, o rosto tomado de tristeza pelo que ele tinha sofrido. Antes que eu pudesse me dar conta realmente do que estava sentindo, lágrimas encheram meus olhos e eu me virei para abraçar Jason, chorando como uma criança que tinha sido magoada por uma repreensão dura demais dos pais. Suas mãos cálidas acariciaram meus cabelos, e ele afastou meu rosto de seu peito para beijar minhas lágrimas.
– Ah, Jason. Ele sofreu tanto nas mãos dela. – meus lábios tremiam. – Ela é um monstro.
– Está tudo bem agora, peixinha. – ele beijou o topo da minha cabeça. – Nós dois iremos cuidar para que o que aconteceu com Thomas não aconteça com mais ninguém.
Quase não senti a bolha mágica nos envolver, sabendo que aos olhos de Thomas eu havia simplesmente caído no chão, chorando de dor, enquanto Jason me encarava com desdém. Vi Thomas se agachando para me levantar, perguntando se estava tudo bem, e quase perdi as estribeiras. Mas eu tinha que ser forte. Por ele, por Claire, pelos meus pais e principalmente por Jason.
– Não podemos fracassar nisso. – eu disse, tentando juntar toda minha determinação. – Não podemos, senão tudo o que conhecemos será tomado de nós e relegado como se não significasse nada.
– Não vai acontecer. Vimos isso na visão. Venceremos. – ele disse, acariciando o meu rosto com ternura.
Pus a mão sobre a dele.
– Quem te garante que nossas visões são mesmo verdadeiras? Quem garante que elas não só simplesmente nos mostre o que queremos ver? – questionei, fervendo com a incerteza.
– Isso é por causa da primeira vez em que tivemos a visão? Por que você viu só escuridão e eu vi você sendo atacada no baile de Kilewood West?
– Eu menti sobre isso. – confessei. Parecendo confuso, ele tirou as mãos do meu rosto.
– O que você viu, então? Ágata, tem algo que você vem escondendo de mim. Sinto seus pensamentos rondando alguma coisa e sempre que chego perto, ela some. Me diga o que é.
– Eu vou dizer. Só não agora. Não é o momento, entende? – declarei, frustrada. – Precisamos ir para a reunião e nos assegurar de que Thomas nos possa dar o máximo de informações possíveis sobre Valerie.
– Tudo bem então. Mas só queria deixar uma coisa clara: odeio ter que fingir estar chateado. Odeio ter que ficar inventando uma mentira atrás da outra. Odeio tudo isso. E odeio o fato de que tem algo que você não me conta por pura insegurança.
Pus a mão em seu peito, sentindo seu coração sob a palma.
– Tem coisas que só o tempo nos permite dizer.
– E odeio que agora você esteja sendo tão enigmática. Sou um homem prático e direto. Se você quis me dar alguma pista, acho que estou no caminho errado. – ele ergueu meu queixo, fazendo meus olhos encararem os seus, brilhando.
– Não importa se estiver no caminho errado. Se estivermos juntos, acharemos o certo. Venceremos. – sussurrei, raspando meus lábios nos seus.
Antes que ele pudesse me beijar de volta, a bolha ao nosso redor estourou, e do meu lado estava Thomas, dentro da carruagem, suas mãos em meus ombros. Jason, sentado de frente para nós, olhou com o canto do olho para mim, os olhos ficando dourados nas beiradas.
Maldita bolha idiota.
* * *
Quando as portas foram abertas para nós, todos os presentes lançaram olhares reprovadores em nossa direção, por causa de nosso atraso. Mas assim que Thomas apareceu, qualquer indignação por chegar na hora errada foi substituída por choque. A mãe de Thomas correu na direção dele, chorando, enquanto o pai continuava parado no lugar, estático, a taça parada a caminho de seus lábios. Aurora, com um vestido roxo e sobretudo preto por cima, desviou o olhar, desgostosa com toda a comoção. Os guardas, parecendo se darem conta de que não havia ameaça, tiraram as mãos das espadas. Eu achava que toda a tensão havia se desfeito, quando notei o olhar fixo do pai de Jason, Rei Victor, Senhor do Fogo, em mim. Mais especificamente na aliança em minha mão esquerda, que estava entrelaçada no braço de Jason. Quando ele fez uma reverência em minha direção, toda a atenção da volta de Thomas foi desviada para o gesto significativo que ele fizera em minha direção.
Um a um, cada integrante do Clã do Fogo o imitou, sendo a mãe de Jason, Rainha Triza, a última a fazê-lo. Ela ergueu levemente o rosto na minha direção e eu pude vislumbrar um sorriso satisfeito tomando sua face, antes que ela se abaixasse para a reverência.
Eu estava totalmente despreparada para aquilo. Eu queria muito devolver a reverência, mas será que era assim que se fazia? Os costumes no Clã do Fogo eram muito diferentes dos da Água. Eles valorizavam lealdade cega e faziam o que fosse preciso pela pessoa mais importante em suas vidas, sem medir esforço algum, passando por cima de quem se interpusesse em seus caminhos. Uma onda de calor me tomou ao identificar com clareza o homem que Jason tinha sido criado para ser: forte, leal e implacável. Um príncipe que valorizava a verdade e a justiça, mas acima de tudo a proteção de quem amava. Cravei as unhas em seu braço, sentindo os músculos mesmo sob o tecido de seu terno.
Eles a reconhecem como minha Senhora. Estão demonstrando respeito e lealdade à você.
Eu queria mostrar o mesmo. O que eu faço?
O Clã do Fogo valoriza as verdadeiras emoções. Eles sentem o calor de uma ação realizada por vontade do coração. Faça o que seu coração mandar, e eles se sentirão honrados pelo gesto.
Meu coração me dizia para fazer apenas uma coisa. Não me permiti pensar em que impressão eu causaria, simplesmente fiz. Encostei os lábios nos de Jason e senti um sorriso se formar neles, antes dele me puxar para perto pela cintura. O seu poder do Fogo penetrou em minha pele, e eu saboreei a sentimento, enviando uma sensação semelhante na Água. Meu peito pareceu pulsar de felicidade, e o anel se tornou morno em meu dedo, como se dissesse: "Aí está você. Você é a predestinada."
Assim que nossas bocas se separaram, aplausos encheram meus tímpanos, e contemplei o rosto de Jason. Ele estava tão em paz. Sorrindo e feliz, pleno pela primeira vez em muito tempo. Do mesmo modo como eu me senti quando o beijei pela primeira vez.
– Viva à Princesa Ágata, a mais nova integrante do Clã do Fogo! – o Rei Victor saudou, erguendo sua taça em um brinde. Um "viva!" animado e satisfeito foi ouvido em seguida, quando percebi Aurora me encarando, o rosto contorcido de forma estranha.
Por um momento, pareceu-me que ela iria chorar. Mas o momento passou, e avistei Thomas me encarar, sem entender. Seu olhar desceu para o anel em forma de rosa vermelha em minha mão e ele não voltou a me olhar no olhos.
E a nossa briga?
Uma risada retumbou em resposta.
Você acha mesmo que eles iriam cair nessa depois desse beijo? Somos cabeça quente, mas nosso cérebro funciona muitíssimo bem. Valerie deve estar insegura agora. Ela devolveu Thomas, e agora tenho homens cuidando para que ele não seja levado de volta.
Isso é sério? Você está mesmo protegendo Thomas?
Ele revirou os olhos, ainda sorrindo para multidão.
Quando eu disse alguns, só quis dizer dois ou três.
E o que isso significa?
Que eu me importo menos do que deveria com ele.
Você não está insinuando que tem homens cuidando de mim também, não é?
Só quinze ou vinte. Contando comigo, claro.
Seu senso de humor é uma coisa estranha.
Mas olhando ao redor discretamente, percebi vários homens parados em lugares estratégicos nas saídas, todos posicionados a minha volta. Um deles notou minha atenção e assentiu com a cabeça para mim, como se confirmando minha indagação silenciosa.
Meu pai e minha mãe trocaram sorrisos, parecendo orgulhosos de mim. Porém não pude deixar de notar que os pais da Aurora, do Clã do Ar, ficaram tão felizes quanto a filha. Os pais de Thomas, do Clã da Terra, nos olharam com desconfiança, mas logo desviaram a atenção para a volta de seu filho, que agora representava esperança viva para todo o povo da Terra de ter o Elemental entre eles. Telórius, sempre o mestre de cerimônias, tomou a dianteira da reunião, parecendo um tanto tenso para seu padrão sério e confiante.
– Agora, com a volta do príncipe da Terra, não podemos perder mais tempo. – anunciou. – O Jogo Elemental será realizado na semana que vem, como foi decidido antes por mim e pelos conselheiros de cada um dos Clãs.
A mãe de Thomas deu um passo a frente, a expressão indignada.
– Como você pode dizer isso assim, Telórius? Meu filho foi raptado. Não está em condições para participar do Jogo Elemental tendo apenas dias para se preparar depois de ter passado por um trauma como esse. – ela gesticulou na direção de seu filho. – Olhe para ele. Está fraco e magro, isso sem falar de tudo que sofreu. Você não pode fazer isso. Não pode.
Olhei para Jason.
Temos que ajudá-la.
Não podemos fazer nada. A decisão foi tomada por Telórius e todos os outros conselheiros, incluindo os do Clã da Terra. Estelle sabe que a opinião dela será ignorada no final, mas não deixará de lutar pelo filho, como qualquer mãe faria.
Ele não merecia passar por isso.
A maioria das pessoas não merece metade das coisas ruins que acontecem com elas.
– É mesmo uma pena que seu filho tenha retornado tão tarde. – o rosto compreensivo de Telórius se tornou frio. – Esperamos meses por ele. Nunca o Jogo Elemental foi adiado tanto.
– Além do mais, não se pode ter tudo. – Aurora alfinetou, dando um gole no líquido verde de sua taça. – E todos nós sabemos que o pobre Thom nunca vai ganhar o Jogo. Isso é só o destino provando que sempre estivemos certos.
– Otto, coloque sua filha no lugar dela! – Oliver, pai de Thomas, exigiu.
O Rei Otto puxou Aurora pelo braço com força, fazendo com que ela perdesse o equilíbrio e deixasse a taça que segurava cair no chão, espalhando seu conteúdo por todo o carpete. As janelas do lugar se abriram no mesmo segundo, e uma ventania invadiu a sala, Jason me colocando atrás de si por reflexo e os homens que eu tinha visto momentos antes se aproximando para fechar um círculo ao nosso redor.
– Qual é o meu lugar, então? – Aurora berrou, tentando se soltar do braço do pai, o cabelo antes completamente cinza se tornando negro em várias mechas. – Qual é o meu lugar, Rei Oliver? No escuro, como o seu filho? Fala a verdade, nem você acreditou que ele voltaria! Nem você, que é pai dele! Mas isso não é surpresa, é? Os pais são tão imbecis que acham que nós seremos iguais a eles, só que está na hora dos filhos tomarem as rédeas e mostrar como se faz.
Ouvi o som antes de realmente compreender. A ventania tinha cessado, Aurora estava no chão e o pai dela havia lhe desferido um soco no rosto. Jason, ainda na minha frente, segurou meu braço, como se para se certificar de que eu ainda continuava lá. E talvez eu estivesse, fisicamente, mas minha mente voava quilômetros de distância.
– Você não pode fazer algo assim com ela! – gritei.
Todos olharam boquiabertos na minha direção. Nem eu sabia o que estava fazendo, mas sabia que aquilo não poderia sair impune.
– Posso fazer o que quiser com ela, porque sou o pai dela! – ele disse, sorrindo para mim com desdém. – E mulheres têm que saber qual é o seu lugar, assim como você. Se seu pai não a ensinou, certamente vai aprender com o marido. – completou, lançando um olhar de escárnio para a esposa, que se encolheu no mesmo instante.
Eu quero acabar com ele, falei, sentindo meu poder lutar para sair de dentro de mim.
Jason encarou Otto por um momento antes de olhar para mim, balançando a cabeça quase imperceptivelmente.
Então acabe.
Girei a mão na direção de Otto, que pareceu entretido com a minha tentativa. Ele provavelmente teria rido, se não estivesse sendo sufocado por puro poder da Água. Primeiro ele tossiu, colocando as mãos no pescoço, depois começou a cuspir água compulsivamente, dobrando o corpo com o esforço. Seus soldados do Ar vieram em minha direção, mas Jason os deteu com um movimento de cabeça, criando um muro de fogo entre eles e eu.
Seu rosto começou a ficar roxo, quando eu abaixei o braço, ao mesmo tempo que Jason desfez o muro. O rei Otto desabou no chão, exatamente onde minutos antes ele tinha jogado Aurora.
Olhando para ele com a cabeça erguida e a expressão fria, eu disse apenas uma frase:
– A única pessoa que precisa aprender qual é o seu lugar aqui é você. – então entrelacei o braço no de Jason. – E a propósito, Aurora, Thomas tem tanto potencial quanto qualquer um de nós. Vejo vocês no Jogo Elemental. – exibi um sorriso angelical para todos, antes de dar as costas, deixando o salão inteiro em um silêncio fúnebre.
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