10: Quando Se Perder, Volte Para Onde Começou
EU NÃO ESCREVIA MAIS CARTAS PARA Thomas. Não tentara me desculpar pelo acidente das janelas, nem me explicar para absolutamente mais ninguém. Cheguei a conclusão de que me humilhar, pedindo que para acreditassem em mim como se em algum momento eu tivesse feito algo errado era ridículo. Agora eu tinha machucados nos braços, mesmo que Jason tivesse se cortado bem mais que eu. As criadas do Reino do Fogo deram conselhos para mim usar vestidos de mangas longas, com o intuito de esconder as feridas causadas pelo vidro quebrado, mas dispensei-os. Na maior parte das vezes, meus vestidos eram sim de mangas, mas elas eram totalmente transparentes, deixando a mostra os arranhões vermelhos em minha pele branca.
Mandei um recado por um lacaio para avisar aos meus pais que mandassem uma carruagem para o Reino do Fogo, pois eu voltaria para casa. Rei Victor, Senhor do Fogo, relutou em me mandar de volta para casa, mas Jason disse a ele que era melhor assim. Ele não parecia satisfeito por eu estar indo embora, porém não tinha aberto a boca para dizer nada que confirmasse a minha suspeita. Passou-se um dia e eu não falava com ninguém. Não saía do quarto para comer junto com o rei e o príncipe, nem com Telórius que me pedira desculpas diversas vezes. A rainha Triza ainda não tinha voltado de sua viagem para uma visita ao seus pais, no Sul. Eu não tinha muitas lembranças dela, apenas que nas poucas vezes que vim ao Reino do Fogo na infância, ela tinha me tratado verdadeiramente como uma filha.
Eu olhava pela grande janela do quarto reservado para mim, observando a entrada do Palácio de Fogo, quando vi os portões se abrirem e uma grande carruagem prateada passar por ele, com cavalos cor do céu guiando-a. Arregalei os olhos. Vi o símbolo de uma grande onda, cravejada por pequenas ágatas azuis. Era do Reino da Água! Finalmente tinham vindo me buscar! Com um pulo, saí em disparada pela porta do quarto, descendo a longa escadaria negra aos pulos. Cheegando ao grande salão de entrada, nem precisei verbalizar o meu desejo, já que os guardas me esperavam com as enormes portas de ferro abertas para que eu pudesse passar.
Assim que meu rosto fez contato com o ar livre, uma brisa fria atingiu a pele quase descoberta dos meus braços. Desci os cinco degraus de pedra, um pouco escorregadios por conta da neve. Avistei uma moça loira descer da carruagem e meu coração deu um pulo de felicidade.
-Claire!-gritei, acenando como louca.
-Massie!-ela acenou de volta, vindo em minha direção com um sorriso largo.
Clairely, ou simplesmente Claire, era minha dama de companhia, que tinha me deixado sozinha no dia do meu aniversário e seguido sorrateiramente para o Reino da Água sem mim. Nos conhecíamos desde pequenas e era como se ela fosse a irmã que eu nunca tive. Ás vezes podíamos até ser confundidas, pois além da grande amizade que tínhamos uma pela outra, somos muito parecidas. Apenas tínhamos diferenças pequenas: meu cabelo era maior e esbranquiçado, enquanto o dela era mais curto e de um loiro puxado para o dourado, além de eu ser um pouco mais alta.
Abri os braços e fui envolvida pelos dela, que me abraçaram com força. Ela usava um blazer rendado cor de ouro envelhecido e uma saia creme que a deixava com ar angelical. Eu poderia dizer que nossa roupa era do mesmo tom, mudando apenas que eu não usava blazer. Meu vestido tinha gola alta e grandes botões nas costas, com tecido transparente e cintura alta, com uma saia de tafetá dourada se abrindo na parte de baixo.
-Senti sua falta.-eu disse, com o queixo pressionando o seu ombro. -Você não deveria ter me deixado sozinha aqui.
Ela se afastou, colocando uma mecha grossa de cabelo de lado.
-Eu achei que se ficasse iria atrapalhar o seu romance com o príncipe Jason. - ela deu uma piscadela. -E é claro que eu não poderia fazer isso com o meu casal especial.
-Casal esse que nem existe de verdade. - resmunguei. -Papai e mamãe estão bem?
-Não precisa nem perguntar, né Massie?-ela ergueu as sobrancelhas. -Como se algum dia os seus pais já tivessem ficado mal.
Dei um meio sorriso, meio careta.
-Eles não ficaram bravos por eu querer voltar pra casa antes do esperado?
-É claro que não. Quer dizer, se ficaram, não demonstraram. Na verdade, - ela disse, entrelaçando seu braço no meu e caminhando em direção as escadas de pedra. -Eles pareceram bem satisfeitos por você ter conseguido passar tanto tempo aqui. Ouvi algumas conversas - olhei de esguelha para ela, surpresa. -Não que eu seja bisbilhoteira, é claro. Mas o fato é que eles achavam que você não ia durar uma semana. Tenho certeza que ficaram orgulhosos. Além do mais, dois meses, Massie. Dois meses. Eles queriam o quê? Que você morasse de uma vez aqui?
Segurei uma risada, prendendo-a no fundo da garganta.
-Provavelmente. - disse Jason, no topo das escadas, com os braços atrás do corpo, em uma posição formal. -Eu também iria querer que a minha filha aprendesse bons modos com um príncipe como eu.
Todo o humor se esvaiu do meu rosto. Ele tinha saído para caçar desde ontem de tarde e eu achava que só iria voltar quando eu tivesse ido embora. Mas como de praxe, eu estava errada.
-Alteza.-disse Claire, em uma reverência respeitosa.
-Senhorita. - disse ele, devolvendo o gesto e olhando em seguida para mim, que não consegui evitar e disse:
-O que está fazendo aqui?
Ele deu um meio sorriso.
-Eu moro aqui, se você não percebeu. - então deu uma piscadela para Claire, que soltou uma risadinha ridícula.
-Só achei que... - resolvi parar de falar. Jason estava cheio de gracinhas hoje, e definitivamente eu não estava com paciência para aturá-lo. -Quer saber? Não era nada.
Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso por eu não ter insistido na provocação. Cerca de um minuto se passou, e eu sentia o olhar dele sobre mim e a respiração de Claire do meu lado, a espera de que eu dissesse algo mais.
-Clairely, você pode me ajudar a pegar as minhas malas lá em cima?-indaguei, sabendo que ela entenderia que era para sairmos daqui o mais rápido possível.
-Claro que sim, Massie.
-Não, de jeito nenhum. - Jason negou veemente. -A senhorita Clairely é visita e na minha casa as visitas não trabalham. - ele fez um sinal com a mão e um guarda se aproximou. -Por favor, acompanhe esta senhorita para o Salão de bebidas e a deixe bem acomodada, sim?
Eu e Claire nos entreolhamos e de imediato comecei a dizer que precisava dela.
-Eu ajudarei você com as malas, Ágata. Agora para de choramingar e deixe que sua amiga aprecie o melhor vinho de Goddess Falls, que só o Reino do Fogo pode proporcionar.
-Vinho? Eu adoro vinho! - Claire disse, entusiasmada.
-E tenho certeza de que irá gostar especialmente do que irão te servir.
Assim que ela sumiu pela porta de entrada do palácio, fuzilei Jason com os olhos.
-Eu não quero a sua ajuda.
-Mas vai ser a única ajuda que você vai ter.
Bufei.
-Qual é o seu problema, afinal? Queria que eu fosse embora, não é? Por que agora está dando uma de príncipe galante?
Ele pareceu ofendido.
-Pensei que eu já fosse galante.
Revirei os olhos.
-Com sua licença, preciso pegar as minhas malas.- dei um sorriso cínico. -Vou voltar para a minha casa.
Comecei a passar por ele a passos velozes, tentando me distanciar o máximo possível. Porém ele conseguiu me alcançar, se colocando a minha frente.
-Ágata, eu peguei as suas malas. - ele disse. -Ontem eu não saí para caçar. Eu fui até o Reino da Água e deixei tudo que você tinha trazido lá.
Então ele me queria tão longe dele que já tinha acelerado tudo para que eu fosse embora o mais rápido possível. Magoada, sussurrei:
-Você o quê?
Ele suspirou.
-Claire veio aqui apenas para nos levar até lá.
Agora eu estava confusa.
-Como assim, nos levar?
-Eu vou também.
-Não, não vai. - neguei com a cabeça. -Está tudo acabado entre nós dois, Jason. Não tem mais casamento de mentira, não tem mais aliança durante o Jogo Elemental... E não tem essa de "nos levar". Eu vou sozinha.
-Não cabe a você essa decisão. Eu vou junto e isso está decidido por alguém muito mais poderoso que você.
-Tipo quem? Você? - debochei.
Ele deu um passo na minha direção.
-E se for?
-Você é ridículo. Não sigo as suas regras.
-Pode até ser, mas vai ter que me engolir na sua casa, porque seus pais não vão gostar nada, nada de ver como você me trata.
Indignada, comecei a gesticular como uma descontrolada.
-Você me chamou de mentirosa! Nem sequer acredita no que eu digo, então por quê quer insistir nisso?-ergui a cabeça para encará-lo.
Me assustei ao ver como ele estava perto, e prendi a respiração quando ele deu mais um passo na minha direção.
-Eu estava enganado. Não devia ter duvidado da sua palavra e me arrependo disso. - ele disse, sua voz rouca arrepiando a minha pele.
-Isso não basta. - eu disse, recuando somente para bater as costas na parede em seguida.
-Não. Mas talvez isto baste. - ele disse, me beijando fervorosamente em seguida.
Eu sinceramente não sabia qual era o meu problema, mas sabia que toda vez que ele me beijava tudo em que eu conseguia me concentrar era naquele beijo. Nossas línguas se encontraram e minhas mãos foram para o seu paletó, puxando-o com força. Com um gemido, ele me ergueu do chão e envolvi minhas pernas em sua cintura. Ele separou nossos lábios e começou a beijar o meu pescoço, abaixando a gola do vestido, deixando boa parte da minha clavícula exposta.
-Eu estou completamente louco por você. - ele sussurrou contra minha pele, enviando ondas de calor por todo o meu corpo.
Segurei o seu rosto e o trouxe de volta para o meu, juntando nossos lábios novamente.
Um pigarro ruidoso foi ouvido atrás de nós e envergonhada, me separei de Jason bruscamente, tentando subir o tecido do meu vestido o mais rápido possível.
-Mas que droga está acontecendo aqui?!-a voz de Aurora saiu tão fina que tive que usar todas as minhas forças para não fazer uma careta.
-Eu e minha noiva estávamos tendo... -Jason limpou a garganta, ajeitando o paletó amassado. -Um momento de privacidade. Antes, é claro, de você aparecer.
-Um momento de privacidade no meio da escadaria de entrada do palácio?-ela estava praticamente gritando.
-Um momento de privacidade no canto da escadaria de entrada do palácio.-Jason corrigiu. -E independente disso, estou na minha casa. E você, o que está fazendo aqui?
-E-eu só estava... - ela pareceu clarear os pensamentos. -Como você pode ficar aos beijos com ela? Mesmo depois de tudo que ela armou para nós com o Thomas?
-Eu não armei nada para cima de você, muito menos para Jason!-gritei.
Jason colocou os braços sobre meus ombros, me puxando para perto.
-Aquela carta foi fraudada. - ele disse, usando um tom que deixava explícito que não estava nem aí para o que ela pensava. -E não quero ouvir absolutamente mais nada sobre esse assunto.
Aurora estava descrente e seu cabelo se movia, como se tivesse uma brisa própria.
-Meu Deus. Como você pode ser tão tolo?
-Como você pode ser tão tola? - perguntei, com raiva. -O que acha que vai ganhar me acusando por uma coisa que eu nem ao menos fiz?
-Eu só queria que você tivesse coragem suficiente para assumir os seus erros. - ela cuspiu as palavras. -Mas a sua falsidade é sem fim.
Então deu as costas, descendo a escadaria de pedra a passos rápidos. As árvores cobertas de neve próximas ao castelo começaram a se mover, e uma rajada de vento enorme me atingiu bem no rosto, como um tapa.
Pus a mão na bochecha, que ardia, e contemplei horrorizada os meus dedos sujos de sangue.
-Calma. - Jason envolveu meu rosto em suas mãos cálidas, a preocupação visível em seu rosto bonito. -Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Seus dedos pressionavam o ferimento e, pouco a pouco, senti a ardência diminuir, substituída por uma sensação quente e reconfortante.
-Pronto.-ele sorriu. -Está melhor?
Coloquei a mão sobre a sua e a apertei. Quando toquei a parte que deveria estar ferida do meu rosto, não sentia mais dor, mas sentia o corte.
-Como você fez isso?-sussurrei.
-Eu consigo amenizar a dor das pessoas. -ele disse, parecendo acanhado. -Não consigo curar nada, mas acho que já é alguma coisa.
Olhei intensamente em seus olhos.
-Para mim é o bastante.
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