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𝐏 𝐀 𝐑 𝐓 𝐄 • 𝟐

Perguntei-me se ele estava lendo meus pensamentos ou se, mais uma vez, nossa conexão estivesse muito forte ao ponto de pensarmos a mesma coisa. Mas depois vi que realmente era uma menininha de cabelos loiros, com não mais que seis anos, correndo em nossa direção. Alguns zumbis estavam perseguindo -na. Nós corremos em direção a ela, matamos os mortos-vivos e a abraçamos. A doce criança chorou em nosso colo.

– Minha mamãe. – Ela choramingou.

Vinícius desfez o nosso aperto e começou a analisar a garotinha em busca de algum arranhão ou ferida. Enquanto isso, peguei um pouco de água, molhei um pano e comecei a limpar o rosto empoeirado dela. Ela estava assustada, com o narizinho vermelho de tanto chorar e os olhos lagrimados. Sua roupa estava um farrapo e os cabelos, duros de tanta poeira; nós não estávamos tão diferentes dela.

– Está com fome? – Perguntei a garota.

Ela balançou a cabeça confirmando e eu lhe entreguei um pacote de biscoitos de sal. Levamos-a para debaixo de uma árvore e a colocamos sentada, comendo. Deixei Vinícius falar com a garotinha para saber o que houve, ele sempre foi mais talentoso para lidar com crianças, um dos motivos por eu ter me apaixonado por ele; imaginava-o como um pai maravilhoso.

Enquanto Vinícius falava com ela, fiquei de guarda, com a arma na mão pronta para atirar e a faca no cós da minha calça, para qualquer emergência. Passado algum tempo, meu namorado veio até mim.

– Ela não quis me contar nada. Está calada como se nem soubesse falar.

– Coitadinha. – Dirigi olhos tristes para a garota – Com certeza deve ter passado por um grande trauma.

Percebi que ela havia terminado de comer. Então, coloquei a arma no coldre e abaixei-me para lhe entregar a garrafa de água. Afaguei seus cabelos com a mão e sorri, tentando oferecer tranquilidade. A doce criança envolveu seus braços no meu pescoço e não me soltou mais. Levantei, segurando-a no colo, e pedi que Vinícius pegasse a arma de mim. Ele fez o que eu pedi. Voltamos a caminhar pela trilha.

– Vamos cuidar dela. – Falei em voz alta.

Vinícius me encarou, com olhos de pai.

Caminhamos por mais algumas horas até eu começar a reconhecer o lugar. Estávamos chegando perto da fazenda, eu sabia disso. Passei a menininha para o colo de Vinícius e peguei a mochila das costas dele. Seguimos em frente até subir a campina, mas quando chegamos lá, fomos surpreendidos. A fazenda da minha amiga estava em chamas, além disso, havia zumbis por todo lado. Tivemos que nos esconder atrás de grossas árvores para avaliar melhor a situação. Percebi que a menina se aninhou ainda mais em Vinícius ao notar aonde estávamos. Estranho.

– O que vamos fazer agora, Elena? – Vinícius cochichou.

Observo o lugar.

– Ainda podemos passar pela estrada, não há zumbis ali, mas teremos que esperar anoitecer.

– Então vamos continuar em frente? – Ele perguntou.

– Sim.

– Mas esse não era o nosso ponto de chegada? Se continuarmos, o que vamos encontrar ainda por aí? Talvez o resto dessa manada de zumbis ainda esteja se encaminhando para cá.

Vinícius estava preocupado, surtando com a situação. Ele apertava a garotinha contra o peito, como se tivesse com medo de que alguém lhe roubasse de seus braços a qualquer momento. Coloquei minha mão em seu rosto e lhe dei um beijo rápido nos lábios.

– Meu amor, fique calmo. Há uma Fazenda seguindo adiante, deve dar um quilômetro daqui até lá. Com certeza lá será um lugar bom para ficarmos.

– Tem certeza? – Sua voz soou vacilante.

– Sim. Confie em mim.

E ele confiou. Para podermos esperar em segurança para passar pela estrada, subimos em uma árvore. Com o cair da noite, descemos e voltamos a caminhar. Quando passamos pela porteira da fazenda da minha amiga, a menininha se remexeu no colo de Vinícius e disse "Minha casa". Com a pressa para sairmos dali, não tive tempo de raciocinar isso direito. Mas, quando já estávamos longe o suficiente, analisei o rosto da garota. Ela me parece muito familiar... Tento forçar a mente e as peças se encaixam. Aquela pobre criança veio da fazenda queimada e destruída. Com certeza ela só pode ser Milena, a bebê da minha amiga que conheci a muitos anos. Sinto meus olhos encherem de lágrimas. Todos os meus amigos estão mortos. Fico me perguntando o que ela passou, sozinha na mata, fugindo de zumbis e tendo que lidar com a perda da família. Pergunto-me como ela conseguiu sobreviver.

A fazenda do qual eu tinha dito apareceu em pouco tempo, não havia sinal de zumbis ou qualquer outra coisa que ameaçasse nossa segurança. Vinícius propôs que eu ficasse com a garotinha enquanto ele verificava se a fazenda estava livre e segure de fato. Apesar de ser algo que me desagradou, tive que concordar, pois era o mais certo a se fazer. Ele, então, saiu pela mata e demorou muito tempo para voltar, felizmente são e salvo, sem nenhum arranhão.

– Podemos ficar aqui. – Ele anunciou.

Juntamos nossas coisas e partimos para a fazenda. Vinícius tinha conseguido arrombar a porta da cozinha e foi por lá que conseguimos entrar. A casa estava uma zona, tudo sujo de fuligem e revirado, mas com uma boa limpeza , poderíamos viver ali tranquilamente. Minha alegria foi tamanha quando percebi que nos fundos da casa havia um poço, teríamos que puxar a água manualmente, mas nunca mais nos preocuparíamos com a sede.

– Aqui tem um celeiro. – Vinícius veio de fora.

Segui-o, com Milena em meu colo, até o celeiro. As portas de madeira não estavam trancadas, então não tivemos dificuldade para entrar. Encontramos ali dois cavalos e três vacas.

– Como vocês sobreviveram por tanto tempo? – Perguntei, acariciando a cabeça da égua.

– Pelo que vejo, essa fazenda foi abandonada a pouco tempo. Talvez seja por isso que os animais ainda estão vivos.

Olhei para Milena em meu colo. Será que as pessoas dessa fazenda foram ajudar a família dela? Eles morreram também?

– Vamos mesmo ficar aqui? – Perguntei receosa.

– Claro, Elena. Aqui é perfeito.  Temos o poço, os animais e podemos começar a plantar alguma coisa.

– Devemos tornar a fazenda mais segura também, tanto dos zumbis quanto das pessoas. Sabe, se alguém passar e notar que a fazenda  está bem cuidada, vão querer tomar isso de nós.

Meus olhos, banhados pelo medo, pararam no rosto de Milena. Aquela menininha precisava de uma nova família, Vinícius e eu poderíamos cuidar dela. Precisávamos ser uma nova esperança para ela.

E, dessa vez, foi Vinícius quem me acalmou. Ele segurou meu rosto com suas mãos grandes e macias e me disse:

– Vai dar tudo certo. Ainda bem que continuamos a caminhar, porque encontramos um lugar para recomeçar.

– Você acha?

– Eu tenho certeza disso.

Vinícius beijou a minha testa e encarou a menininha no meu colo. Foi então que eu percebi que estava pronta para viver no novo mundo.

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