Luna Miller não era de chorar em público e, por isso, desceu até o estacionamento que ficava nos fundos do grande prédio hospitalar onde a jovem residia seus últimos anos da faculdade de enfermagem. Usara as escadas de emergência para não correr o risco de ser vista por algum de seus colegas que talvez estivessem usando o elevador naquele momento.

 Chegando ao térreo, Luna tentava controlar a respiração e os pensamentos angustiantes enquanto retirava seu jaleco que, naquele momento, estava mais sujo de suor e lágrimas do que de soro, sangue ou alguma substância medicamentosa intravenosa. Dizem que o primeiro paciente que se perde não se esquece e Luna estava comprovando a tese nesta noite.

 Se não fosse por seu sangue quente, a enfermeira Miller já teria congelado naquele gélido estacionamento. Poucos graus a cercam e o sereno embaça os vidros dos muitos carros que ali estavam, carros esses de profissionais que, como ela, cumpriam plantão no hospital aquela madrugada.

Madrugada fria para ela, noite quente para ele.

 Fumando um cigarro Parliament - como usual - e com seu coração mais bagunçado do que o banco traseiro, David Swallow encostou o carro para que a mulher descesse.

- Tem certeza, xuxu? A noite tá só começando! - Disse uma mulher ao redor dos 30 anos. Loira de fios longos e lisos, olhos verdes e belas curvas, ela excitava abrir a porta para sair do luxuoso Dodge Charger.

- Não dá, Sara. Eu tenho um bar para tomar conta.

- Mas como pode... o grandioso Senhor Swallow comanda um estabelecimento sem a presença de uma dama...

- E é por isso que os negócios sobrevivem até os dias de hoje. - Diz David enquanto pega a bolsa vermelha e os sapatos da mulher que estavam jogados banco abaixo. - Já não basta me cobrar 800 doletas a foda na semana e ainda quer lucrar em cima dos meus pequenos investimentos? Como pode ter a coragem de extorquir um pobre cara como eu?

- De pobre você só tem as emoções, David. Eu só estava oferecendo ajuda...

- Até mais, Sara. - Com essas palavras, David se despede da mulher que em passos acelerados, dobra a esquina e desaparece de vista.

 David aproveita o momento de paz e silêncio para dar mais uma tragada em seu cigarro. Sente seu tórax cansado e suado se expandindo ao longo da tragada que traz a fumaça quente aos seus alvéolos. Olhando ao retrovisor ele observa seu cabelo desarrumado e sua barba sempre feita com elegância. Também nota sua blusa social lilás da qual estava vestindo. Como esperado previamente, ela estava não somente desabotoada e amassada como também suja de batom em sua gola.

- A filha da puta sabe que são caras pra porra essas blusas. - David diz soltando uma risada mas que logo se desmancha ao olhar mais profundamente pelo para-brisa e ver uma garota chorando no estacionamento do outro lado do cruzamento.
A garota tinha um dos braços ocupados segurando um jaleco e o outro apoiado na parede. Seu cabelo era preto e grande. Luna chorava tanto que David não sabia se seu rosto estava vermelho pelas lágrimas ou pelo frio porque frio ela devia estar passando. "Uma única blusa de lã e calça não são muito eficazes quando se está no inverno... quantos anos essa menina tem? 12? Precisa até hoje de alguém pra organizar a roupa certa de sair, por favor." pensava David. Após observá-la por mais alguns minutos e mais tragadas, o rapaz teve o seu tom de sarcasmo substituído por um de curiosidade.

 Incrível como algumas pessoas tem a habilidade de soluçar em prantos enquanto outras quase desidratam de tanto suar com o esforço de tentar derramar uma lágrima. - Talvez fosse minha vida de negócios e toda a máfia familiar que teria me deixado apático? Podia ser. - Murmurou David ao deixar seus pensamentos fluírem alto demais - Mas aquela garota não está bem e por algum motivo a cena me interessou. Pelo menos algo de verdadeiro depois de uma transa como essa.

 Mais alguns minutos se passaram e Luna respirou. Respirou como esteve tentando respirar a quase 40 minutos atrás. David que estava tão focado e imerso em pensamentos foi pego por surpresa na quebra de padrão da moça. Seu olhar curioso a acompanhou para ver qual seriam os seus próximos passos. Luna foi até uma lata de lixo resíduo tóxico e jogou seu jaleco na mesma. Soltou seu cabelo que estava preso em um rabo de cavalo e entrou pela mesma porta de escadas de emergência que a havia levado até aquele local.

 Assim que ela desapareceu David se flagrou com uma pontada de preocupação, mas que logo ao perceber fez questão de ligar o motor do carro e sair de seu devaneio.

- Que isso Swallow, não pira. - Ele pensou consigo mesmo. Após algumas ruas ele escutou o celular tocar.

"O pneu furou ai patrão ou foi só o senhor que deu uma engordada depois de bater aquela janta com a Sara?" - Disse uma voz masculina mais jovem. Tyler Swallow era o irmão mais novo de David Swallow e desde cedo os dois foram criados para servir os negócios da família. Tyler desde mais novo foi autodidata e se tornou habilidoso nas ciências da computação. Monitorando câmeras por toda a cidade, ele soube como se tornar influente do seu próprio jeito e com seu próprio legado. Construindo informação e trocando contatos - assim como seu irmão mais velho. O mais novo dos irmãos era um gênio da informática e gadgets. Para a sorte ou infortúnio de Tyler, ele não precisava se preocupar com as negociações formais e assuntos de outrora uma vez que, por hierarquia, quem assumiria a posição de patriarcado (quando o pai - atual chefe Swallow - falecesse) seria David e não ele. Apesar de David ter sim um braço direito, um esquerdo ou melhor: um batalhão todo de confiança para ele, contar com a ajuda e bom humor do irmão sempre era de muito bom agrado.

- Sorte sua que você é meu irmão. -

- Não é minha culpa se eu tenho que tomar conta do herdeiro da máfia.

- Eu sou seu irmão mais velho e não o contrário, Tyler.

- Já abri o bar. - Disse Tyler fazendo David revirar os olhos e naturalmente soltar um sorriso de canto ao escutar o tom de superioridade do irmão mais novo, que não passa nada além de fofura.

- Estou chegando.

- Eu sei que está.