Capítulo 53 - O amor é cumprimento da lei
NOTAS DA AUTORA:
Esse capítulo contém um conteúdo extremamente sensível e delicado, então leia com responsabilidade e cuidado.
____________________________
"Eu ainda estou no olho furacão. Pelo menos agora eu consegui aprender a resignificar e compreender quem sou, mas ainda não fui capaz de apagar as dores, desculpe-me". - capítulo dedicado a V.C.
11/10/2022 - 414 dias antes do assalto a Florence Joalheria
Dacre Montgomery
Eu havia ignorado as recomendações de Natalia, mesmo que ela tenha dito cerca de três ou quatro vezes que eu não deveria misturar álcool com analgésico. Whisky não era álcool para mim, era conforto, quase uma água termal.
Como todos os meus planos tinham ido à merda graças ao Hanhen na noite de sábado, eu tentava me confortar como podia. Inclusive, eu havia enviado uma mensagem a Ryan na noite passada, perguntando sobre como as coisas estavam a respeito do cretino, mas ainda aguardava resposta, o que obviamente me deixava inquieto.
Até pensei que ligar para a casa de Scott fosse uma boa opção para amenizar a espera e compensar o fato de que eu não poderia ir até lá ver Emilly,
Não era mais que dez da manhã quando cedi a mim mesmo e liguei, torcendo fervoroso para que Lily estivesse em casa; que tivesse tido um resfriado bobo ou dormido demais e faltado a aula, e assim, pudesse atender.
— Pronto. — com certeza não era Lilly, já que a voz feminina do outro lado da linha parecia ser de alguém mais velha que uma garotinha de oito anos. — Alô. — a mulher insistiu, já que permaneci em silêncio.
Limpei a garganta; acho que valia a pena forjar alguma desculpa para saber sobre minha própria irmã.
— Bom dia. — falei, estranhando minha própria cordialidade. — Scott Montgomery se encontra? — minha voz falhou um pouco; nunca achei que perguntaria isso em toda minha vida.
— Não, o Sr. Montgomery... — ela pausou. — Drace? — questionou, errando meu nome e inevitavelmente, reconheci quem era.
— Oi, Louise. — suspirei derrotado, agora já não tinha porquê continuar a conversa.
— Quase não reconheci sua voz. — a mulher respondeu de prontidão. — C-como está? — gaguejou.
— Bem, vivo. — por enquanto; pensei.
— Por onde esteve? Sabia que estávamos preocupados?! Seu pai precisava de você aqui. Sua mãe_ — cortei-a antes que continuasse com as palavras absurdas.
— Eu estive sempre aí. — ri nasalado. — A Emilly está? — ousei perguntar.
— Não, ela foi à escola. Eu estou aqui só para_ — interrompi-a novamente.
— E ela está bem pelo menos? — respirei fundo, ansioso por sua resposta.
— Está, ela está sim. Mas Drace, me escuta_
— Era só isso que eu queria saber, Louise. — eu intervi. Eu já sabia o mínimo, bastava. — Só diga a ela que estou com saudades e que... — pausei. — E que espero que ela fique bem. — não era bem isso que eu queria que dissesse a ela.
Recostei-me no sofá e encarei o teto, piscando algumas vezes para controlar a respiração.
— Eu digo, mas você não está me escutado. — ela disse depressa. — Some como fumaça por anos e do nada, liga para cá, como se nada estivesse acontecendo. Achamos que tinha acontecido alguma coisa grave. — aconteceu; respondi mentalmente. — Você não veio no enterro da sua mãe e nem nos últimos três aniversários da sua irmã, desapareceu como um fugitivo.
Eu ri com seu comentário.
— É porque eu sou e seria um péssimo profissional se tivesse ido até aí, tia.
Ela ficou calada alguns segundos.
— Não brinca com essas coisas. — repreendeu; acho que ela refletiu um pouco se eu estava sendo irônico ou dizendo a verdade, e acabou ficando com a primeira opção. — Eu vou avisar seu pai que você ligou.
— Não, não precisa, seu irmão não vai se importar muito com isso na verdade. — falei, suspirando e voltando a postura.
Louise ficou alguns segundos muda de novo, acho que agora ela começava a considerar a segunda opção.
Eu podia ouvir sua respiração do outro lado da linha e até um murmúrio reprimido. Aquele era um silêncio desconfortável e eu estava a ponto de desligar, mas um latido alto ao fundo, felizmente, partiu aquele clima péssimo.
— Então Scott arrumou mesmo um cachorro, aposto que a Lily gostou. — falei de imediato, não conseguindo evitar de sorrir um pouco com isso. — Não esquece de dar o recado para ela. — falei por fim.
Joguei o celular ao meu lado e respirei fundo mais uma vez. Dei um gole generoso no whisky com gelo a ponto de esvaziar o copo e recostei-me novamente no sofá, passado as mãos pelo rosto antes de erguer a cabeça e voltar a encarar os spots de luz no teto. Eu não podia negar que estava um tanto aliviado por ter tido notícias de Emilly e que, supostamente, Scott tinha me dado ouvidos o suficiente para atender o desejo da garotinha em ter um cachorro em casa; talvez não fosse tão grande quanto a labradora da ruiva, mas sem duvidas, ela estava satisfeita.
Entretanto, as palavras da mulher, seis anos mais nova que meu pai, ainda ecoavam em minha mente; tinha sido uma ideia idiota ter ligado, já que eu não precisava da reafirmação de não ter ido ao enterro de Judith em maio. O que era um tanto engraçado, já que na época eu vivi o luto – ou pelo menos parte dele –, mesmo que não tivesse sido o seu em especifico
Nem para sofrer pela coisa certa eu prestava.
Eu sentia meus olhos arderem e sabia exatamente o que isso significava: estava reprimindo aquilo de novo.
Pressionei os dedos conta as pálpebras fechadas no intuito de evitar as lágrimas acumuladas, porém isso era cada vez mais difícil. Aquele era o fundo do poço, literalmente. Eu podia facilmente sentir a claustrofobia, a umidade, o cheiro da terra molhada; absolutamente tudo, mesmo que ainda estivesse no sofá da sala.
Era obvio que eu queria ter ido a merda do enterro, certificar com meus próprios olhos de que aquele circulo infernal tinha se encerrado, já que eu estive lá no começo e quando ela estava no olho do furacão. Eu tinha, literalmente, a visto se matar aos poucos e sorrir de forma mórbida depois de se entupir de codeína, e quando essa já não fazia efeito, buscar por alguma merda pior.
"Quando eu era pequena, sempre ajudei sua avó, então eu sempre quis um ajudante também, e olha só para você"; era difícil lembrar exatamente da sua voz, já que não era igual a que ouvi das últimas vezes, mas ainda tinha uma vaga lembrança do seu sorriso leve. "Família que trabalha unida, permanece unida, Dacre, acredite", lembro de ela ter dito isso ao pedir que eu passasse o rolo sobre a massa com farinha sobre a mesa de madeira.
Família unida? Éramos unidos pelo infortúnio da desgraça e nem era no sentido de nos apararmos entre si. Que merda de pensamento, Judith.
Naquele dia, seu cabelo loiro estava preso com uma presilha dourada e a correntinha um pouco torta no pescoço, devido seus passos rápidos pela cozinha, com pressa de que a torta não ficasse pronta a tempo de Scott chegar do trabalho. Se Judith soubesse que sete anos depois ele a trairia, teria deixado o jantar de lado, e que dois anos mais tarde se sentiria culpada por ter tido Lily, teria tentado encerrar tudo com mais afinco. Talvez ela nem tivesse se casado se sonhasse que, um dia, eu teria sido dado como morto pela família do marido; mas isso já não estava em seu alcance e nem no meu.
Todavia, aquela era a porra da realidade e eu precisava aceitar, ou entregar os pontos de uma vez.
Eu não pude fazer nada por Emilly e logo ela estaria na sala de casa, brincando com Sr. Oliver de laço cor de rosa e o cachorro, enquanto a minha cara estampa uma notícia sensacionalista de merda, dizendo que coagi e traumatizei uma executiva em um assalto.
Porra, a garotinha executiva. A essa altura Sadie já estava fora da delegacia, indo para casa, com tudo empacotado, com a mala pronta para ficar longe o suficiente de mim para não machuca-la de novo; mesmo que eu tenha feito o possível para que ficasse bem no hospital ou levado a merda de um tiro por querer matar seu ex infeliz.
Era como um soco no meu estomago isso, já que até então, ao meu ver, eu havia seguido a maldita passagem da Bíblia que Judith tinha marcado com a imagem de um santo qualquer.
"A ninguém fiqueis devendo coisa alguma (...), pois aquele que ama seu próximo tem cumprido a Lei. Porquanto os mandamentos: 'Não adulterarás', 'Não matarás', 'Não furtarás', 'Não cobiçaras', bem como qualquer outro preceito, todos se resumem neste mandamento: 'Amarás o teu próximo como a ti mesmo'. O amor não faz o mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento da Lei." (Romanos, 13:8-10).
Porra, eu tinha fodido com a droga da passagem inteira.
Não que tivesse matado alguém, mas acho que o desejo já contava como algo e, particularmente, se tivesse outra oportunidade, o faria. Já que eu estava condenado ao inferno, que eu fosse então por justa causa.
E nem ouso entrar sobre detalhes de furto ou roubo: eu tinha roubado a ruiva que eu cobicei obcessivamente; a merda da mulher que tinha feito eu voltar a consciência pelo menos um pouco.
Que tudo fosse a merda então.
Passei a mãos pelos olhos, limpando o quanto podia das malditas lágrimas persistentes. Apoiei os cotovelos sobre os joelhos e tentei suportar um pouco o peso da minha cabeça, que estava mais cheia do que nunca. Esgotamento, acho que era isso que me inundava, e não era de agora.
Saí por alguns segundos daquele turbilhão ao ouvir o som de notificação do telefone ao meu lado e peguei-o por puro instinto; eu já não estava tão ansioso ou sequer esperançoso de boas notícias, pois, ocasionalmente, não tinham muitos motivos para prosseguir com toda aquela merda.
"A gente vai ter que conversar de novo, Dacre", era Ryan. "Aquela merda com a ruivinha era verdade, ele nos passou para trás"; eu ri nasalado ao ler aquilo, passando a mão pela barba por fazer. "Ele ainda está em Sacramento, o que é uma merda, mas não é sobre o Hanhen que eu quero conversar".
"E tem coisa pior? Aquele filho da puta levou meu carro", questionei-o.
Bloqueei o telefone, passando a mão pelo nariz na tentativa de acabar com o corrimento que as lágrimas estúpidas ocasionaram. Desci a perna direita, antes apoiada na mesa de centro dimprovisada por uma cadeira e me forcei a levantar, pegando o copo vazio de whisky.
O primeiro passo era sempre o mais dolorido, depois a dor se tornava suportável e até ouso dizer agradável; quase tinha a sensação de que nada era tão ruim que não pudesse piorar, mas só quase.
"É sobre um lance que talvez te interesse, tem a ver com aquele cara da Conceptum", Ryan disse simplesmente. Talvez me interessasse; ele disse bem.
Balancei a cabeça em negação, deixando o telefone sobre o sofá novamente e segui em direção a cozinha, que nas minhas condições, os meros cinco passos, se tornaram nove comigo mancando.
Suspirei ao apoiar o copo sobre a pia e completei-o com o Johnnie Walker, ignorando mais uma vez que ainda estava cedo para beber; tecnicamente já havia se passado da hora do almoço na Escócia, então foda-se. Aquele seria o último copo com sorte e aquela a última garrafa se fosse necessário.
Peguei as duas cartelas do analgésico sobre o balcão da cozinha, obrigando-me a dar um passo dolorido e destaquei os dezesseis comprimidos restantes, macerando-os com o fundo da garrafa de whisky escocês; que ironia, não?
Soltei um riso nervoso ao ver o pó branco sobre a pia, mas o sentimento de estupidez não foi o suficiente para me impedir de arrastar o farelo com a mão até a beira do mármore e colocar o copo logo abaixo.
Misturei com o dedo indicador aquele elixir, que me fazia quase salivar a medida que meus batimentos cardíticos diminuíam depois dos pensamentos deprimentes. Era só somar um mais um: Emilly tinha um cachorro, eu já tinha me desculpado com Natalia e Sadie seguiria em frente, não tinham mais responsabilidades me prendendo.
Apoiei o copo na beirada da pia depois de respirar fundo e fechar os olhos, na intensão de escutar se aquela vozinha da minha consciência ainda existia. Silêncio; um silêncio perfeito, se não fosse o barulho da conversa do vizinho do andar acima do meu ou o som de salto alto no corredor.
Independente de qualquer coisa, a decisão estava tomada e os prós eram muito mais atrativos que os contra. Um sono pesado e, vu à la, silêncio.
Pelo menos era o que eu tinha achado naqueles milésimos de segundos, antes do som de alguém à porta me despertar e, consequentemente, me fazer soltar o copo, que escorregou por entre minhas mãos úmidas pelo suor frio.
— Porra! — esbravejei ao ver o whisky ir, literalmente, pelo ralo. De fato, eu era incompetente nisso também.
Espalmei as mãos sobre o balcão da pia, tencionando o corpo um pouco para trás e abaixando a cabeça entre os braços, xingando-me internamente e amaldiçoando quem quer que fosse àquela hora. Se fosse a policia, não creio que seriam delicados a ponto de bater.
A insistência a porta me incomodava gradativamente, fazendo-me questionar as possibilidades de quem fosse; talvez Natalia tivesse esquecido as chaves que deixei com ela ou fosse a Chloe que realmente se chamava Chloe; ou apenas era uma punição divina, impedindo que eu acaba-se com tudo de forma tão fácil, acho que aos olhos dEle, eu precisava me culpabilizar mais.
Suspirei derrotado, pela milésima vez e dei novamente o primeiro passo doloroso, não dando a devida importância se eu fosse ser preso apenas com uma calça de moletom surrada e de cara lavada; e uma cara péssima aliás. Treze passos; foi essa a quantidade necessária para eu alcançar a maçaneta.
— Bom dia, Erick Rivera.
De fato, acreditei que o surto com o copo de whisky batizado tinha sido um sonho, se não fosse pela pontada que eu sentia no corte, mas ver a ruiva, aparentemente em carne e osso, à minha frente era difícil de crer.
Os cabelos presos de um jeito bagunçado, o vestido verde de sábado um pouco amaçado e os olhos azuis escuros emoldurados nos cílios longos, junto do batom vermelho fraco, fizeram-me congelar.
Ela sorriu de lado, sabia que eu estava me questionando internamente, já que tenho certeza de que não disfarcei minha feição de confusão. Sadie olhou para os lados brevemente antes de me encarar, fazendo um frescor muito leve do seu perfume floral chegar até mim.
— Ou ainda continua sendo Dacre Montgomery-Harvey? — perguntou irônica. Silêncio. — Dacre? — sorriu um pouco nervosa.
Continuei mudo, exatamente como quando nos conhecemos, não sendo capaz de a dizer uma sílaba.
— Eu queria ter te ligado antes de vir, mas... — pausou.
Ela pressionou os lábios, deixando-os um pouco mais avermelhados. Que merda, acho que daria tudo para os provar de novo.
— Mas quando vi, eu já estava a caminho daqui e pagando o taxista com os vinte dólares mais fáceis que já consegui. — riu sarcástica, dando de ombros. — Enfim. — respirou fundo. — Eu queria te dar uma coisa. — disse, voltando com o sorriso leve.
Sadie desceu uma das alças da bolsa, sem tirá-la do braço, fazendo com que sua franja caísse um pouco sobre seu rosto e me permitisse fantasiar milhares de coisas: ela estava ali para se certificar de que eu seria preso ou iria sacar uma arma e me matar a sangue frio? Eu tinha preferência pela segunda opção; morrer pelas mãos de uma mulher como ela não era bem uma derrota.
A ruiva ajeitou o cabelo antes de me estender um porta retrato: era o desenho de Lily, não mais em pedacinhos.
Só então parei de encará-la tão descaradamente, pegando-o nas mãos e sentindo o peso da moldura de madeira e do vidro, que transformou o desenho infantil em uma fotografia quase real. Era possível ver as linhas que indicavam exatamente onde Judith o rasgou. Havia uma marca em "meu pescoço", logo, pensei que era uma ótima metáfora para situação atual: eu tinha realmente perdido a cabeça.
Encarei por mais alguns segundos o desenho da garotinha emoldurado, sentindo minha outra mão suar contra a maçaneta da porta.
— Eu encontrei no seu carro no dia que... — raspou a garganta e entrelaçou os dedos da mão, deixando-as em frente ao corpo. — No dia que discutimos, no aniversário da Lily. Eu acabei ficando com ele sem querer e, achei no meio da mudança, então decidi colar. — desviou os olhos de mim, enquanto os meus continuavam pregados em cada movimento seu. — É um presente, digamos.
— Acho que não estou em posição de receber nada. — respondi instintivamente, com tantas outras coisas melhores a lhe dizer.
— Todo mundo merece presentes. — sorriu, voltando a olhar-me nos olhos. — É um agradecimento bobo pelo que fez. — respirou fundo. - Eu reconheci ser da Emilly, então... Achei que fosse gostar de tê-lo de volta, seja lá porque estava rasgado. — deu de ombros. — Sei que é importante para você.
Assenti, voltando a olhar para a Judith hipoteticamente feliz.
— Obrigado. — murmurei, deixando o presente sobre o móvel da televisão próximo a porta, esticando o corpo o suficiente para não ter que andar. — Eu achei que já estivesse indo para Fresno a essa hora. — comentei o que estava entalado na minha garganta. Sadie pressionou e mordeu o lábio inferior.
— Eu acho que mudei de ideia quanto a isso, eu decidi ficar. — ela respondeu firme.
— A Natalia vai gostar de saber disso. — e eu também; pensei. — Talvez seja bom para o William. — dei de ombros, querendo prolongar ao máximo nossa conversa.
Ela abaixou a cabeça levemente outra vez, mas consegui ver seu sorriso nervoso.
— É, ela vai gostar sim, mas não do que me fez querer ficar.
Eu consegui sentir meus batimentos intensificarem, minhas mãos suavam só de imaginar o que queria dizer e, por mais que eu evitasse, senti-me tentando a imaginar o possível motivo.
— É uma decisão particular sua, então... Acho que ela não pode dizer muito sobre isso, não é? — suspirei, tentando regularizar a respiração. — Quer dizer, no fundo ela adorou que tenha ido à delegacia. — deixei um riso nasalado escapar.
— Eu realmente fui. — afirmou, voltando a olhar nos meus olhos e manear a cabeça para tirar a franja do rosto. — Mas não foi de você que eu falei, Dacre. Eu registrei um boletim contra o Nicholas. — disse sem gaguejar ou qualquer pausa.
Se antes eu questionei minha sanidade por estar a vendo ali, naquele instante realmente parecia delírio.
Sadie riu, provavelmente porque meu cenho franzido tenha parecido engraçado; eu tenho quase certeza de que me deixar confuso era seu passatempo favorito. Ela sorriu depois de alguns segundos perante meu silêncio.
— Eu não consegui delatar o cara que pagou a porra do hospital ou parte da minha dívida de merda. — completou e obviamente, não fui capaz de respondê-la. — Então pode suspender o álcool. — disse, antes de dar um sorriso covarde. — Ou então me oferecer uma dose logo, Montgomery.
Com certeza era delírio, e um delírio adorável.
Ainda sem conseguir lhe dizer uma palavra, segurei um dos seus pulsos, puxando-a para dentro do apartamento ao dar um breve passo para trás, que àquela altura ironicamente não doeu. Meu reflexo fora apenas bater a porta e pressionar seu corpo contra mim e a madeira.
Sadie não sorriu mais, sua expressão havia mudado para surpresa. A boca entreaberta, os olhos fixos nos meus e as bochechas um pouco vermelhas eram chamativos o suficiente para que eu deixasse meu rosto próximo demais do seu; perigosamente perto.
— Está se convidando para beber comigo em uma terça-feira, Sink? — perguntei para confirmar.
Minha mão soltou seu pulso indo, involuntariamente, para sua cintura ao vê-la assentir. Meu antebraço apoiado na porta, acima de sua cabeça, foi o que manteve meu equilíbrio ao ter sua resposta.
— É uma convite sério esse, Sadie. — reforcei ao pressionar os lábios como ela fazia.
Sadie sorriu e eu pude ver perfeitamente seu peito inflar ao respirar fundo. Quase tenho certeza de que consegui ouvir seu coração bater, ou talvez fosse o meu, não sei exatamente, já que perdi um pouco da consciência ao sentir mais do perfume e principalmente o calor do seu corpo. Eu era fraco perto dela.
— Eu sei que é. — disse em um tom baixo, e aquele foi o impulso para me render a minha vontade.
Minha mão, antes escorada na porta, foi para sua nuca, fazendo-me instintivamente apertar sua cintura com a outra e colar mais, como se fosse possível, seu corpo no meu. A textura do seu cabelo entre meus dedos e sua respiração pesada conseguia potencializar aquilo que eu não conseguia nomear ainda. Seus lábios apenas encostaram nos meus, quase como uma provocação, enquanto provavelmente questionava se deveria mesmo estar ali.
— Não está querendo dizer que tenho meu emprego de volta, está? — certifiquei-me, usando da metáfora que fez com que eu baixasse a guarda e estivesse naquela situação.
Deus me livre a beijar agora e ser a última vez, eu preferia ter a lembrança sórdida do sexo em seu banheiro. Tornava-se difícil encará-la tão de perto se minha mente me levava para aqueles minutos carnais.
Minuto perfeito? Que ironia desgraçada.
Ela expirou. — Eu pensei muito nisso quando estava indo àquela maldita delegacia. — contou, mordendo o lábio inferior.
Não permiti que prosseguisse, com seja lá o que me diria. Ainda que eu estivesse na merda, naquele momento não parecia tão ruim para me afundar mais. Logo, acabei com a distância de milímetros que nos separava, sentindo perfeitamente – como eu bem lembrava – o quanto sua boca era doce. Era bom demais para ser verdade.
Sadie suspirou quando, praticamente, obriguei-a a me deixar intensificar o beijo; já eu, eu acho que nem era capaz de respirar.
Pude sentir um resquício do gosto de cigarro em sua boca, como no primeiro beijo, o que só me confirmava a minha teoria, não tão absurda agora, de que mulheres como ela são problema.
Acredito que ela não se incomodou por eu ter bebido minutos atrás, uma vez que passou os braços por cima dos meus ombros, dando uma espécie de afirmação de que, no fim, tinha mandado tudo a merda como eu. Foi inevitável não abraçá-la na altura de sua cintura, como uma desculpa para saber se realmente estava ali comigo ou era uma fantasia absurda da minha mente deturpada. E infelizmente não era.
Acho que perdemos um minuto inteiro naquele maldito beijo, que só se encerrou quando ela soltou um quase inaudível gemido.
— Não era exatamente assim que eu imaginava que as coisas acabariam. — admiti com os olhos fixos em sua boca.
A ruiva umedeceu os lábios, prolongando o silêncio. Tirou os braços de mim, mas não se afastou, deixando as mãos espalmadas sobre meu peito, como se tomasse tempo ou coragem para dizer alguma coisa.
— Não, com certeza não. — Sadie sussurrou, enquanto eu retomava o fôlego. — Acho que jamais poderia prever que eu sairia da cafeteria de hoje mais cedo sem pagar.
Foi impossível conter o riso diante daquilo.
— Não sabia que tinha tomado gosto de fazer esse tipo de coisa. — ironizei.
Ela apenas abaixou a cabeça, maneando-a e apoiando a testa sobre meu peito devido nossa diferença de altura um tanto considerável. Pude ouvi-la dar uma risada baixa.
— Acho que sim. — murmurou. — Na verdade, — ergueu a cabeça para voltar a me encarar. — foi mais do que isso.
— Então tem alguém com um caráter tão duvidoso quanto o meu nessa sala. — sorri um tanto sarcástico.
Aquile seu comentário me faria acreditar mais na hipótese de eu estar apagado no sofá e tendo um sonho reconfortante antes de partir desta para a melhor, se não fosse a sensação da sua pele quente contra a minha.
— Ah não, nessa você ganha em disparada, Montgomery. — afirmou ao tirar suas mãos de mim. — Eu furtei meros vinte dólares e você um milhão em um roubo covarde. — cruzou os braços.
Eu apenas ri. Realmente ela era problema demais.
— Isso não muda o fato de ser uma criminosa, eu já tinha previsto isso antes. — declarei em uma defesa medíocre.
— O dia do restaurante não conta. — ela se desvencilhou dos meus braços, dando ao menos dois passos para o centro da sala, apertando mais os braços cruzados contra o peito. — Você não me deu opção. — disse.
— Eu não a obriguei a fazer aquilo. — virei em sua direção, imitando seu ato de ajeitar a postura para encará-la. — A nada, na verdade. — completei.
Sadie não respondeu de imediato, uma vez que sua atenção estava no curativo improvisado do dia anterior, deixando transparecer a mudança em seu olhar incisivo para algo entre surpresa e preocupação. Seu silêncio a poupou de fazer perguntas.
— Isso não é nada que precise se preocupar. — anunciei para dar alívio a sua consciência. — Ainda assim, não tente mudar de assunto.
— Eu não estou dizendo absolutamente nada. — deu de ombros, o que me fez realmente rir com gosto.
— Admita. — dei um mero passo desajeitado em sua direção. — Eu nunca tirei sua opção de escolha. — lembrei-a.
Ela desviou os olhos, incentivando-me a me aproximar mais. Talvez estivesse me xingando em pensamento, mas particularmente era excitante a forçar a ficar meramente irritada.
— E daí? — questionou. O azul de seus olhos escureceram automaticamente. — Me obrigou a subir com você naquele maldito cofre com uma arma apontada para mim e omitiu muitas coisas também, eu não esqueci disso. — arqueou a sobrancelha. — Me fez perder o emprego, sabia? E nem vamos entrar no detalhe de me ter convencido a viajar com você, mesmo que estivesse sendo procurado pela polícia. — continuou enumerando. — Me fez mentir para a Maya, além de me deixar claustrofóbica, paranóica e mais ansiosa que o normal. — ela elevou o tom de voz a medida que listava minha parcela de culpa.
Por mais que agora soubesse de fato quem eu era, na minha versão mais cretina possível, uma coisa eu não deixaria saber de qualquer forma: que me deixava excitado só de olhar-me daquela forma dissimulada, e nem precisava se esforçar muito. Quanto mais brava demonstrava estar, mais me fazia pensar se era errado lembrar do seu gosto.
Ela continuou pontuando minha ficha criminal contra si, fazendo-me questionar qual de nós dois era o pior: ela por estar aqui ou eu por não negar minhas atitudes.
— Indiretamente, me fez mentir para a polícia, Dacre. — disse por fim, respirando fundo em sequência.
Balancei a cabeça negativamente. — São bons argumentos, é justo, Sink. — aproximei meu rosto do seu por alguns segundos. — Talvez eu posso até ser um pouco culpado nisso tudo. — pausei.
Tentei tomar coragem para afastar-me de si, porém, isso era mais difícil do que parecia. Sadie me olhou em silêncio dar alguns passos desconfortáveis e parar às suas costas; ela continuou ereta, concentrada na porta a sua frente.
— Mas mesmo assim, com tudo isso, ainda veio aqui, não? — perguntei de modo retórico. — Não pode negar e dizer que veio só pelo desenho da Lily. — acrescentei, fazendo questão de frisar isso ao amenizar meu tom de voz.
Sadie permaneceu quieta, virando um pouco do rosto em minha direção, respirou fundo e descruzou os braços para assim colocar a franja atrás da orelha; claramente estava nervosa.
— Qual é, Sadie? — passei as mãos por seus ombros, descendo as alças de sua bolsa, que ela mesma colocou no chão. — Não vai desmentir fatos, não é? — fiz menção de que tirasse o sobretudo, a qual obedeceu. — Seria covardia fazer isso.
Massageei seus ombros depois de simplesmente jogar seu casaco sobre o sofá. Ela não parecia estar mais tão tensa quanto como estava quando abri a porta. Ansiosa sem dúvida, mas minimamente confortável; confortável o suficiente para me deixar tocá-la, o que não aconteceu na última vez que nos vimos.
— Você quase roubou a Conceptum também, lembra? E você estava sexy demais para ficar com culpa e uma mixaria daquela, eu tive que impedir aquilo. — confessei meu achismo idiota. — Mas sair sem pagar ou dar chance para um desconhecido de merda como eu, não é culpa minha.
— Talvez eu tenha um pouco de culpa nisso. — repetiu o que eu havia dito há segundos. — Mas foi você que mentiu primeiro. — olhou-me por cima do ombro esquerdo, dando um de seus sorrisinhos maliciosos, que estavam mais constantes há algumas semanas.
— Viu, é bem melhor quando concorda. — declarei, envolvendo sua cintura outra vez.
Ela consequentemente respirou fundo, evidenciando pela segunda vez que eu tinha algum poder sobre si. Logo, tomei isso como pretexto para aproximar minha boca de seu ouvido.
— E eu só menti para não desperdiçar a puta chance de beijar você. — falei, retirando aquele grande elefante branco da sala. — Ainda mentiria de novo, confesso. — ri nasalado. — Mas eu não faria isso agora, não sabendo o que fez, Sink.
— Eu quase, quase, te coloquei em cana, Dacre. Deveria ser mais grato. — disse um tanto arrastado, pois aparentemente meus lábios em seu pescoço a desestabilizava. — Mas eu preferi contar sobre a coisa que mais me faz sentir burra, para depois... — pausou.
Pressionei mais seu corpo contra o meu, não conseguindo evitar de levar uma de minhas mãos a sua coxa e sentir sua pele por debaixo do vestido.
— Para depois voltar para o cara que fudeu com sua vida. — completei sua fala. — Pode dizer, eu não me orgulho disso. — e então voltando a sentir o gosto da sua pele.
Ela maneou a cabeça lentamente. — Não era isso que eu ia dizer. — riu. — Pelo menos não se estivesse bêbada.
— Ainda tem aquela tequila? Afinal, bebida entra, verdades saem. — perguntei, deixando escapar um sorriso cúmplice.
— Não. — respondeu, virando-se para mim, ainda com aquele sorriso maldito no rosto.
Sadie colocou suas mãos sobre meus ombros e empurrou-me sutilmente para que eu desse alguns passos para trás, para assim alcançar o sofá da sala. Seus olhos pareciam ainda mais escuros, ainda que a luz vinda da janela casassem um efeito contrário geralmente.
Optei por aderir a seu comando mudo, apenas para saber até que ponto iria antes de me deixar e ir embora definitivamente.
Entretanto, ela calou meus pensamentos intrusos ao sentar-se sobre mim, fazendo-me voltar de novo as nossas primeiras vezes. Eu ainda lembrava do seu rosto vermelho na cafeteria com a Maya, estressada; e pensar que naquele dia eu não tinha a achado simplesmente interessante. Não... Eu só preferi omitir, de mim mesmo, o quanto sua presença era capaz de me fazer confundir a tensão pela situação, naquelas semanas antes do assalto, com tesão. Era menos assustador pensar que uma garotinha executiva não estava mexendo com a minha cabeça sem termos trocado uma palavra.
— Mas nós podemos arrumar outra garrafa. — sugeriu, e só então voltei a realidade.
— É uma ótima ideia. — afirmei, ajeitando-a sobre meu colo. Ela tencionou o corpo em minha direção, colando nossas testas. — Quer que eu te lembre como se bebe tequila?
— isso também. — admitiu com uma certa vergonha. — Mas é que não tive tempo de me desculpar também e esse seria um bom pretexto para isso. - pressionou os lábios. — A Natalia disse sobre sua conversa com o Nicholas. — contou. — E se um cara leva a merda de um tiro por uma coisa como essa, acho que tomar tequila com ele é o mínimo. — concluiu.
Natalia tinha uma maldita boca, mas se tivesse mesmo feito Sadie mudar de ideia, eu com certeza a agradeceria quando a visse.
Dessa vez foi a ruiva que desfez aquela ansiedade mútua, dando continuidade ao beijo que, definitivamente, eu queria que jamais terminasse.
A pressão do seu corpo sobre o meu me fazia questionar o que poderia ter acontecido se eu tivesse ido em frente com a ideia do whisky; provavelmente, se não morresse pela mistura estúpida, morreria de desgosto por não ter aproveitado aquile instante com ela.
E Deus me livre não me sentir dentro dela de novo.
Se ela pudesse ler pensamentos, iria repudiar-me, mas era mais forte que eu. Aquilo fazia minhas mãos ficarem ansiosas ao percorrer seu corpo embaixo do tecido verde, porém, deixava-me satisfeito também quando a escutava soltar um gemido ou outro, abafado, contra minha boca. Seu movimento sutil sobre minha ereção só fazia tudo ficar ainda melhor.
— Para depois ficar com você. — foi o que ela disse ao interromper o beijo, ainda com sua boca extremamente perto.
Respirei fundo, aquilo não era simples um fato aos meus olhos.
— Então concorda que você é capaz de roubar muito mais que dinheiro, não é ruiva? — arrisquei perguntar.
— Eu entendi perfeitamente isso agora. — respondeu. —Mas podia ter sido mais claro antes. — acrescentou, fazendo um peso sair de meus ombros.
Ela tinha entendido minha tentativa péssima de me explicar.
— Acontece que eu descobri uma sensação nova com você, obrigada, Dacre. — acrescentou ao sussurrar, de forma covarde, próximo a minha orelha.
— E ela não teria a ver com a gente foder bem para caralho, teria? — deixei meu pensamento escapar ao segurar firme em sua bunda.
— Com certeza tem. — afirmou, antes de dar um riso muito sútil e levar uma de suas mãos ao meu cabelo, mas não sem antes deixar um arranhão em minha nuca.
Acho que atingiria meu ápice se ela respondesse mais uma das minhas perguntas de merda.
O que havia acontecido com a garotinha executiva de semanas atrás?
Fechei os olhos por alguns segundos ao colocar minha mão direita entre suas pernas; queria que ela sentisse o que ela estava provocando em mim, mesmo que já soubesse. Na verdade, era só uma desculpa para sentir quão quente estava.
Todavia, Sadie não deixou que eu fosse em frente, ainda que já estivesse com os dedos contra o tecido fino e tivesse deixado um suspiro comprometedor escapar. Ela se afastou de mim, saindo do meu colo e ajoelhando- se entre minhas pernas.
Eu realmente receberia uma recompensa por ser um cretino? As mãos no cós da minha calça, após prender o cabelo novamente, dizia que sim.
O calor da sua boca contra mim me fez deixar minha cabeça pender para trás, sentindo um arrepio acolhedor percorrer meu corpo. De fato, era melhor ficar vivo no fim das contas, ainda que a excitação que me provocava me fizessem quase morrer.
Respirei fundo antes de voltar a olhá-la, em uma situação difícil de esquecer ou sequer pensar alguma coisa.
Agora era difícil pensar naquela Sadie de meses atrás, quase uma santa. Estava reconhecível, mas eu jurava que ela entraria em combustão se tocasse na Bíblia no tribunal da mesma forma como tocava em mim. Talvez fosse o batom vermelho nos lábios ou o que fazia, mas acho que roubá-la para mim tenha sido a melhor escolha, ainda que achasse que ia um pouco além disso.
Sadie era bem mais interessante agora, muito mais, e não era só pela mudança drástica ou a atitude sórdida. Ela não havia mudado, ela havia se libertado de algo o qual nem sabia que estava presa. Tornando mais real a Sadie que aparecia sempre por alguns minutos, em minutos perfeitos.
Sadie era a porra de um minuto perfeito.
________________________
NOTAS DA AUTORA:
A autora está sem palavras no momento.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro