Capítulo 26 - Pedidos idiotas
NOTAS DA AUTORA:
Este capítulo pode conter um conteúdo um pouco delicado para alguns leitores; leia com responsabilidade.
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18/07/2022 - 497 dias antes do assalto a Florence Joalheria
Dacre Montgomery
Eu ainda tentava regularizar minha respiração. Já Sadie parecia estar em um sono tranquilo. Não sabia exatamente que horas eram, mas sabia que era tarde; tarde demais.
O pior de estar ali, deitado ao lado da ruiva, é que eu ainda não conseguia ver o pior disso. Meu sangue ainda corria quente, impedindo-me talvez de perceber com mais nitidez o quão deturpado eu estava sendo; afinal, acredito que ela não aceitaria transar com um cara como eu, digo, com o verdadeiro Montgomery, e não o cara que finge ser um qualquer.
Mas eu estava rendido a ela, feliz ou infelizmente. Tinha certeza que se Natalia sonhasse com isso, me mataria, afinal, ela não queria ter ciência que outra mulher estava sendo tão inocente quanto ela para estar ao lado de um homem tão medíocre quanto Charlie, ou quanto a mim. E ela não estava errada.
Logo, estar deitado na cama de Sadie, depois de ter se aproveitado de sua compaixão – porque era isso que deveria passar em sua mente, sem duvidas – e tê-la feito abaixar sua guarda, era só mais uma forma de provar a mim mesmo do quão sujo eu poderia ser somente para estar ao seu lado. Especialmente se considerar que eu estava em sua cama, e não em um quarto qualquer de motel de beira de estrada.
Era possível ouvir a respiração serena de Sadie. Os cabelos ruivos, soltos e bagunçados coloriam o lençol branco. Definitivamente, ela era a mulher mais certa para mim na minha encarnação mais errada; com certeza meus favores advindos da coincidência do destino eram a irra de Deus contra mim; e só contestei isso por estar há pelo menos quinze minutos a olhando dormir.
Sadie estava virada para mim, as sardas do seu rosto ainda estavam evidentes e as bochechas rosadas; eu poderia passar horas só a encarando, sem dizer ou fazer nada, mas infelizmente eu não poderia ficar ali para sempre.
Geralmente, eu não sentia remorso de me levantar e simplesmente ir embora, porém agora parecia um tanto errado deixá-la sozinha. Todavia, não era do meu feito ficar e lhe desejar bom dia com um sorriso idiota; não mesmo. Levantei tentando fazer o menor dos movimentos para não acorda-la, pois se eu fizesse isso, ela talvez pediria para eu ficar e eu não queria correr o risco de aceitar.
Apaguei a luz do pequeno abajur sobre a mesinha e voltei para a sala. Nossas roupas ainda estavam espalhadas pelo cômodo, o que eu até achava engraçado, já que por mais que eu tenha imaginado isso em algum momento, era ainda melhor vivê-lo.
Já se passavam das 2h30 e não chovia mais quando sai da casa da Sadie. Encostei a porta com cuidado para não fazer barulho e imediatamente acendi um cigarro; eu precisava urgentemente refletir sobre a merda que fiz.
— Então esse foi o favor que a fez? — ouvi a voz de Caleb a poucos metros de distância.
O rapaz estava do outro lado da rua, sentado na moto, com uma vista privilegiada da casa da ruiva.
— E isso o interessa por quê? — questionei, olhando ao redor antes de aproximar-me. — Eu pedi apenas para abrir a porra da porta, nada mais. — acrescentei ao tragar o cigarro.
Ele assentiu dando uma leve risada, acho que estava gostando de me ver tão desconcertado.
— Eu só lhe chamei porque realmente acredito que, se é capaz de arrombar cadeados de bicicleta para rouba-las, uma mera porta não seria problema. — comentei, apoiando uma mão no guidão de sua moto. — Por que está aqui ainda?
— Eu queria muito ver você sair... Essa sua cara de merda é impagável. — cruzou os braços.
— Vá se ferrar, porra. — dei-lhe as costas. — Isso não te convém.
— Mesmo? — perguntou sugestivo. — E ela sabe quem você é?
Parei, no meio da rua mesmo; era essa maldita questão que permeava meus pensamentos.
— Não, bem como nem sonha que quem destrancou sua porta, foi o mesmo que matou sua colega de trabalho. — rebati, virando-me para si novamente; eu não o deixaria dizer qualquer coisa desse tipo para mim. — E se depender de mim, não saberá.
Ele deu de ombros com um sorriso sínico. — Certo e por que estava com ela, na casa dela? — perguntou. — Não era apenas uma carona?
Traguei o cigarro outra vez para não dar um soco em sua cara estúpida.
— O que eu faço ou deixo de fazer não lhe interessa, McLaughlin. — dou mais um passo para encará-lo. — Você quer realmente insistir em uma discussão? Aqui?
— Eu não fiquei aqui para discutir com você. — balançou a cabeça em negativa. — Eu só queria entender o que passa na sua cabeça para ser burro o bastante para estar com ela, justo ela.
Eu também queria saber isso.
— Não lhe devo explicações. — ri pelo nariz, descartando o cigarro no chão.
— Não, mas quando suas merdas me afetam, eu_ — interrompi-o.
— Não fui eu quem matou aquela vadia e consequentemente o Charlie. Será que sou eu mesmo o verdadeiro merda aqui? Se preocupa tanto assim por quê? — cruzei os braços. — Tem medo de ela lembrar da sua cara? De quando você foi na Conceptum de cara lavada.
Caleb não respondeu, porém eu sabia que meus argumentos eram idiotas e insuficientes naquele momento; ele havia me visto com Sadie e isso não era algo tão simples assim.
— Na próxima, tente encarar menos com esses olhos de peixe morto. Ela quase te reconheceu, idiota. — conclui ao novamente lhe dar as costas.
— Tanto faz. — eu não o olhei, mas sabia que estava outra vez com aquele olhar irônico para cima de mim. — Pelo menos ela transa bem?
Aquela foi a gota d'água. Eu não me importava de ouvi-lo me insultar, mas citar a ruiva não estava em cogitação. Virei-me rapidamente em sua direção e tenho quase certeza de que ele poderia ver o sangue nos meus olhos, todavia não aproximei-me tanto assim, já que o mesmo apontava uma arma para mim. Fui obrigado a parar.
— Sabe, depois que foi em casa, jogar na minha cara a burrada que eu fiz e, eu sei o que fiz, Dacre... Eu achei importante te dizer que não aceito que vá lá, onde minha mãe e minha irmã vivem, para resolver o que se diz respeito a mim, não mesmo.
Tive que sorrir diante disso, acho que ele tinha se cansado de eu subestimá-lo.
— E vai fazer o que agora? Atirar em mim porque saí com ela? — cruzei os braços; eu sabia que não apertaria o gatilho.
— Se essa merda que está fazendo me afetar, sim. — assentiu.
— Já não se sente culpado o suficiente com duas mortes nas costas? —arqueei umas das sobrancelhas.
— Porra, eu atirei em uma mulher inocente. — riu nervoso. — Atirar em você seria um favor, convenhamos.
— Foda-se, mas isso não muda as coisas. Tem uma mulher grávida viúva por sua causa. — olhei-o sério antes de me afastar pela terceira vez.
— Dacre. — ele me chamou, mas não parei de caminhar até meu carro. — Dacre. Porra! — ouvi-o chamar novamente, mas eu já estava pronto para dar partida.
— Para o seu bem, vou fingir que não tivemos essa conversa, McLaughlin. — falei ao passar devagar em sua frente e depois acelerar para sair dali; rezando para que Sadie ainda estivesse dormindo tranquila.
(...)
— Não acredito que tenha coragem de estar aqui. — Natalia me encarava com um semblante nervoso, como eu suspeitei que seria.
— Já estava sentindo falta do seu ar acolhedor. — comentei ao passar por ela, parada na porta e entrar em sua casa.
A sala de estar já não estava mais como eu lembrava, agora parecia mais espaçosa, sem a mesa de centro e com um grande tapete fofo, dando a impressão que fosse maior. A mulher, apenas um ano mais nova que eu, me olhava com desgosto; eu só não sabia se era porque eu havia ido embora ou porque tinha voltado, mas eu fico com a primeira opção.
Natalia estava com os braços cruzados, apoiados na barriga já saliente, o semblante cansado e a pequena desorganização do cômodo só evidenciavam que estava esgotada.
— Como está? — perguntei desviando um pouco o olhar de si, escorando-me no sofá que dividia a o ambiente com a sala de jantar.
— Como acha que estou, Dacre? — retrucou sarcástica; eu realmente sentia falta da única pessoa que sabia quem de fato eu era. — Estou levando como posso, não é fácil. — suspirou.
— Mas não teve problemas, não é? O dinheiro que eu_ — ela me interrompeu.
— Eu ainda tenho, relaxa. — deu de ombros, sentando-se em uma das poltronas, ficando ainda de frente para mim. — Mas isso não quer dizer que esteja tudo bem.
— Menos mal então. — conclui. Obviamente eu sabia que se referia a perda de Charlie e na verdade, estávamos em uma situação semelhante, mas eu não a diria isso. — Está há quanto tempo... — não consegui concluir a pergunta, era uma questão delicada; pelo menos para mim era.
— Semana que vem completa sete meses. — ela suspirou, entendendo o que eu queria perguntar. Eu apenas assenti. — Olha, eu não sei porque sumiu, mas fico mais aliviada por estar de volta, sem dúvidas. — deu um sorriso um tanto forçado; ela não conseguia mais sorrir depois do ocorrido.
— Então sabe que qualquer coisa pode me ligar, certo. — comentei. — Bom, eu não vou tomar mais seu tempo. — acrescentei indo em direção a porta. — E não esquece, qualquer coisa, por mais idiota que_ — ela me cortou, antes que eu ao menos encostasse na maçaneta.
— Dacre. — chamou-me e imediatamente virei para si. Natalia desviou o olhar de mim, encarando o chão, um tanto quanto constrangida.
— Sim. — forcei-a dizer o que pensava, já que ela ficou alguns segundos em silêncio.
— Será que pode almoçar comigo? — pediu, mordendo o lábio inferior; de fato agora parecia constrangida por pedir isso.
— Eu falei que podia pedir coisas idiotas. — sorri levemente para fazê-la parar de se torturar. Ela finalmente sorriu franca, pela primeira vez em meses.
(...)
Natalia recolhia as louças da mesa a passos lentos, enquanto eu não conseguia desviar meus olhos do meu telefone sobre a mesa.
Desde que saí de madrugada da casa de Sadie, a ruiva não havia dado sinal de vida e, para ser honesto, o fato de não ter mandado nenhuma mensagem não era minha preocupação, mas sim o fato de não ter dito absolutamente nada.
— Não vai mesmo me dizer o porquê de ter desaparecido assim. — Natalia me despertou do meu martírio.
— O que isso mudaria? Já estou aqui agora. — respondi-a, ainda sem olha-la.
— Porque quero saber. — deu de ombros, sentando-se a mesa novamente. — Passei quase uma hora despejando em você tudo que aconteceu em três meses. Não acha que precisa conversar? — questionou.
Respirei fundo, finalmente desviando minha atenção para ela, colocando meus cotovelos na mesa.
— Estou ficando bom em ouvir mulheres reclamarem da vida. — disse irônico.
Ela sorriu levemente, imitando minha posição. — Entendo. — assentiu; acredito que não tenha entendido minha referência. — Mesmo assim. — insistiu. — Lembra, os pedidos idiotas estão valendo.
— Eu não quero falar sobre isso, Dyer. — passei o dedão sobre a testa. — Que insistência. — Natalia apenas continuou me encarando com aqueles olhos grandes e intrépidos. — Que eu saiba, você nunca queria saber desses assuntos quando o Charlie estava vivo. — recostei-me na cadeira.
— Mas agora ele não está mais, Dacre.
— Não importa, eu não vou falar sobre isso com você. — levantei rapidamente, deixando-a sozinha na cozinha. — Tem coisas que vocês garotas não precisam ouvir ou saber. — completei ao chegar a sala e ir diretamente para a porta.
-— Vocês garotas? — ouvi Natalia questionar, eu não precisava olhar para trás para saber que ela me seguia. — Dacre, volta aqui. — chamou em um tom sério.
Eu apenas fiquei estático no meio de sua sala; infelizmente aquilo era culpa da minha maldita boca grande.
— De que garota está falando? — perguntou.
— É só maneira de dizer. — virei-me para ela. — Será que pode parar de insinuar que eu sempre esteja escondendo algo.
— Mas você está! — ela ergueu os braços insatisfeita. — Por que não quer que eu saiba o que aconteceu? Tem a ver com ela?
— Porque realmente você não precisa saber, não mudaria nada. — desisti de encara-la e voltei a caminhar rumo a porta.
— Tem algo a ver ou não? — insistiu, segurando a porta com uma das mãos para que eu não saísse antes de respondê-la.
— Ela não é o centro do universo, Natalia e nem dos meus problemas. — respondi ainda com a mão na maçaneta.
— Então quer dizer que ainda tem contato com ela? -—perguntou firme. Eu não a refutei. — Que porra você estava pensando? Tem noção disso? Porra!
— Você escutou o que está me dizendo?
— Sim, e muito bem, mas aparentemente você não. — Natalia parecia querer comprar aquela briga idiota. — Não percebe como as coisas estão. Ninguém merece passar por isso que estou passando. — seu rosto começava a ficar vermelho.
— Ai é que está a questão, Dyer. — não consegui manter o tom de voz calmo como eu gostaria. — Eu não sou o Charlie. — abri a porta mesmo que a contragosto dela, mas eu já estava ligeiramente cansado de discutir esse assunto.
20/07/2022 - 495 dias antes do assalto a Florence Joalheria
Sadie Sink
Era a segunda vez na semana que eu vinha ao supermercado e em todas elas, eu rezava para não encontrar ninguém do trabalho; quer dizer, ex-trabalho. Felizmente não era horário de pico, já que não se passava das três da tarde e os corredores pareciam um tanto vazios.
Eu mais passeava entre as prateleiras do que de fato seguia minha lista mental de compras, afinal, aquele parecia o melhor entretenimento para uma solteira desempregada aos 25 anos.
Já era a terceira vez que eu passava pela seção de vinhos. Parei o carinho, até então vazio, em frente as garrafas.
Será que eu deveria mesmo gastar vinte dólares naquela merda? Talvez devesse levar uma, para caso tivesse um dia ruim ou sei lá, Dacre aparecesse em casa sem avisar; o que acredito que nunca aconteceria. Imagino que ele não tenha aproveitado aquele domingo tanto quanto eu aproveitei, já que saiu sem avisar e não disse uma palavra sequer sobre isso desde então.
Ótimo, a garrafa seria apenas minha, uma vez que era muito provável que o rapaz nem estivesse mais em Sacramento de novo.
— Que seja. — falei a mim mesma, colocando uma garrafa de vinho rose no carrinho e seguindo para outro corredor.
Haviam algumas senhorinhas na seção de hortifrúti, até pensei em aproximar-me delas e pedir ajuda para escolher algumas batatas; sorri levemente ao pensar nisso. Mas mudei de ideia assim que vi alguém familiar: Kate.
A garotinha corria entre as gôndolas, parecia realmente saudável, bem como Margot havia dito quando foi até minha casa perguntar por Nicholas. Dei alguns passos para trás, devagar, torcendo para que a menina de cabelos pretos e tranças não me visse; talvez nem fosse me reconhecer, mas eu não correria esse risco.
Eu ainda a observava quando vi Nicholas ao longe, chamando por ela que parecia ignorar isso.
— Merda, merda. — murmurei; depois daquela sexta-feira, me encontrar com ele era meu último desejo.
Não esperei um segundo a mais para dar meia volta e ir embora; não queria nem ao menos ouvir a voz do rapaz ou era perigoso eu vomitar.
Praticamente corri em direção do caixa, pensando seriamente em abandonar o carrinho ali e desaparecer enquanto podia. Todavia, meus olhos correram na direção da garrafa de vinho solitária, peguei-a nas mãos e andei rápido para o caixa livre mais próximo. Estava tão ansiosa para sair dali que nem ao menos respondi o "boa tarde" da mulher.
— Levando apenas o necessário? — escutei uma voz feminina ao meu lado, fazendo-me obrigatoriamente a olhar.
— Oi Jenna. — cumprimentei um tanto relutante e logo abri a carteira para pagar a compra mais idiota que já fiz.
— E então, como está? — perguntou. — Eu perguntei de você a Maya e ao Joe, mas eles disseram que você estava um tanto reclusa. — brincou, colocando suas coisas na esteira do caixa.
— É, eu sem querer acabei ficando mais distante de tudo e de todos. — assenti, olhando discretamente para o que ela levaria para casa, e creio que tenha percebido isso.
— Como eu disse: só o que é necessário. — afirmou ao pegar as duas garrafas de gin; ótimo, eu não era a única alcoólatra anônima. — E como está aquela situação? Tudo bem?
Eu sabia exatamente a que se referenciava e agradecia mentalmente por não dizer isso em voz alta. — Indo, pelo menos desde aquele dia que nós encontramos, eles não me chamaram mais. — sorri fraco, aliviada.
— Sortuda. — Jenna balança a cabeça negativamente.
Tenho certeza de que ela continuou a dizer alguma coisa despretensiosa, porém eu não a escutava, uma vez que meus olhos estavam presos na garotinha e no pai dela, que caminhavam devagar próximo a mim em frente aos caixas. Os olhos de Nicholas estavam pregados em mim, como se me fuzilassem. Meu corpo estava rígido.
Eu já havia o mandado para o inferno diversas vezes, porém, agora, parecia que isso não adiantaria de nada. Seu olhar era diferente, como se eu fosse seu maior pesadelo e não o contrário; o que era engraçado já que o inferno que eu vivia era culpa sua.
— Sadie. — ouvi a voz de Jenna ao longe. — Sadie, está tudo bem? — despertei daquele transe apenas quando senti-a tocar em meu ombro.
— Sim. — finalmente cortei contato visual com Nicholas, o qual seguiu em direção aos corredores do mercado novamente. — Tudo bem. — respirei fundo pegando a única sacola que levaria para casa.
— Mesmo? Parece que viu um fantasma. — riu.
— É, foi quase isso. — dei de ombros, rindo nervosa. A mulher do caixa ainda me olhava desconfiada e não era para menos. — Bom, eu preciso ir. — disse simplesmente ao dar as costas para Jenna e sair quase correndo do estabelecimento.
Eu caminhava o mais depressa possível até em casa, condenando-me incansavelmente por ter ficado na fila do mercado e ter me esquecido que o Diabo estava no mesmo lugar que eu. A cada passo que eu dava, minha cabeça latejava e as vezes, chegava a sentir uma pontada na barriga; Nicholas estava acabando comigo quase que fisicamente também.
21/07/2022 - 494 dias antes do assalto a Florence Joalheria
— Sadie, eu realmente não sei o que fazer com você. — Maya se recostou no sofá e suspirou; eu esperava por essa sua reação. — Eu te amo muito, mas preciso dizer isso. — pausou, olhando fixamente para mim. — Você é muito idiota se continuar com isso.
Eu ri francamente com suas palavras. — Não era você quem dizia que eu deveria superar aquele merda e seguir em frente, conhecer alguém legal e_ — ela me interrompeu.
— Mas eu me referia a alguém que não parecesse um psicopata, não é.— ela ergueu os braços incrédula.
— Tinha o Joe, oras.
— Ou que não fosse um bocó. — revirou os olhos. Eu continuei dando risada. — Credo, Sadie. Você tem um péssimo gosto para homens. — acrescentou.
— Ao menos encontro alguém e quanto a você... — comentei, dobrando as pernas sobre o sofá; Maya balançou a cabeça negativamente. — Não estava saindo com aquele tal Rick do setor de T.I? — perguntei sorrindo.
— Ele é um idiota. — riu finalmente. — Só sabe conversar sobre àqueles desenhos japoneses e eu não tenho saco para isso.
— Certo, e o Noah? Você disse que ele tinha um papo legal.
— Ele tem 32 anos e age como se tivesse 20. — bufou.
— E aquela garota, a Tess? Ela era engraçada, eu gostei dela naquele dia do bar brasileiro. — argumentei mais uma vez. — Não deu certo também?
— Ela é capricorniana, nunca daremos certo. — suspirou como se estivesse realmente frustada.
— Maya você é muito exigente, para com isso. — ri mais uma vez, antes de me levantar do sofá e levar as taças para a cozinha.
— E você exigente de menos. — resmungou.
Talvez até estivesse certa, mas não diria isso a ela e assim, inflar seu ego. Não me restava dúvidas de que se eu fosse mais atenta ou exigente - como ela diz -, não estaria nessa situação de merda.
Eu colocava os copos na pia, quando senti meu celular vibrar e logo ouvir o som de notificação no bolso do meu short.
— E falando no Diabo... — a voz de Maya ecoou pelo cômodo, com certeza se referenciava a Dacre.
Larguei as louças e encostei-me no balcão da pia. Era uma mensagem direta no Instagram, então logo já suspeitei quem fosse e assim, sorri levemente; por mais que tivesse demorado para dizer algo sobre nosso reencontro, pelo menos agora tinha dito.
"Você parecia ótima ontem. Nem parece a mesma de antes e até me pergunto se está com tantos problemas quanto diz."; infelizmente a mensagem não era de quem eu realmente queria que fosse. "Agora além de uma vadia fumante é alcoólatra? Deus, ainda bem que não estamos mais juntos"; eu senti novamente aquela dor no estômago. "Mas não se preocupe, um dia dou uma passadinha para ver você. A gente tem muito que conversar e pretendo levar uns amigos meus junto, talvez assim você me ouça. O que acha? Acha que assim vai finalmente me dar ouvidos? E não pense que eu esqueci do dia que quase me atropelou, vadia."; minha cabeça começou a girar instantaneamente.
Acredito que eu tenha ficado alguns bons segundos encarando o telefone, sem dizer nada a Maya e muito menos a Nicholas. A conta não era a dele de fato, o user era estranho, mas a foto de perfil ainda era o rapaz moreno com uma garrafa de cerveja nas mãos.
— Sadie, está surda? — Maya perguntou adentrando a cozinha.
Eu não conseguia respondê-la, minha garganta estava seca e o ar começava a me faltar. Até tentei respirar fundo, mas isso simplesmente não funcionava, já que a sensação que eu tinha era com se algo ou alguém estivesse pressionando meu pescoço.
— Sadie, olha para mim. Respira, concentra, conta até dez. — sua voz estava mais para um sussurro no fundo da minha mente.
Minha visão começou a ficar embaçada quando a senti passar os braços ao redor dos ombros, minhas pernas estavam moles.
— Mas que porra. — falei entre uma expiração e outra.
— Calma, senta... Respira devagar. — a voz de Maya ainda somente ecoava na minha cabeça.
Ela me levou até uma das cadeiras da cozinha para me sentar, logo, coloquei a cabeça entre as pernas, tentando me concentrar no ar entrando e saindo dos pulmões. Joguei meu telefone sobre a mesa como se quisesse me livrar de Nicholas e sua mensagem infeliz. Fechei meus olhos ignorando a presença de Maya até que conseguisse respirar sem parecer que estava me asfixiando.
— Posso manda-lo a merda? Diga que sim, por favor. — a moça disse quebrando aquele silêncio incomodo da minha respiração pesada.
— Não, deixa isso para lá. — falei, pegando o telefone de suas mãos e o bloqueando.
— Porra Sadie, achei que tivesse resolvido as coisas com esse merda. Por que ele ainda te manda mensagens? — ela parecia um tanto nervosa, mas não era exatamente comigo.
— Aparentemente ele gosta de me torturar. — comentei, apoiando-me sobre a mesa.
— Chega disso, está passando dos limites. Precisa fazer algo.
— Você não acha que já tenho ido muito a delegacia ultimamente, não? — ironizei, ainda sem olhá-la.
— Estou falando sério, Sadie Sink. — respondeu firme. — Não pode viver com isso pra sempre.
— Chega Maya, eu já entendi. — falei passando as mãos pelo cabelo.
— Assim espero. — ela cruzou os braços. — Está melhor? — perguntou depois de alguns segundos de silêncio.
— Um pouco, pode ficar tranquila. — apoiei a cabeça em uma das mãos outra vez. — Se quiser ir, não tem problema.
— Não, está louca? Vou ficar com você. — respondeu prontamente, indo em direção da pia e trazendo um copo de água para mim. — Não vou deixar você sozinha.
— Ele não vai vir aqui, é apenas uma ameaça idiota. — respeitei fundo, tentando acreditar em mim mesma. — E se vir, não abro a porta e o xingo até que se canse e vá embora.
— Isso não é engraçado. — Maya disse sentindo uma leve ironia nas minhas palavras. — Olha, eu sei que não merece escutar isso, não é você a culpada, mas Sadie... — pausou ao se sentar a minha frente. — Você não pode se sujeitar a isso. Não pode esperar sentada que as coisas se resolvam.
— E quer que eu faça o que exatamente? — ergui a cabeça para encará-la. — Não é tão simples quanto parece.
— Já lhe disse o que deveria fazer.
— Certo, vou a polícia e digo o que? Que fui burra o bastante para acreditar nele? — digo o óbvio. — Entro com um processo e pago o advogado com o que? Já estou cansada de tomar no rabo por merda de outras pessoas.
— Conversa com o tal Dacre, diga que precisa do dinheiro que ele tinha te dado, talvez se explicar a situação ele_ — interrompi-a.
— Não vou envolver ele nisso, nem fudendo. — cuspo as palavras. — Além do mais, não quero criar dívidas com ninguém mais. — completei e ela se calou.
Eu não havia dito tudo a Maya. Para ela, eu tinha devolvido os cinco mil a Dacre sem um dólar a menos e isso se manteria assim. Por mais que eu a tivesse como minha confidente, existiam coisas que ela não precisava saber, especialmente sobre minha personalidade irresponsável e minhas atitudes problemáticas.
— Mas não custa. — deu de ombros. — Porra, ele te deixou a grana assim, limpinha, nas suas mãos. Ele com certeza entenderia.
— Não vou, Maya. Não insista. — repreendi novamente; por mais que sua ideia parecesse tentadora. — É um pedido idiota e, como eu disse, não tem a mínima necessidade de envolver ele nisso, ele não merece. — suspirei.
— E se conversasse com seu pai ou sei lá, com o Spencer ou Mitchell? Eles poderiam ajudá-la em algo.
— Para Maya, não vou envolver minha família nisso. — revirei os olhos, tentando ainda controlar minha respiração.
— Bom, eu não digo mais nada. Já sabe minha opinião sobre tudo isso. — comentou, suspirando.
— Está tudo bem, eu vou pensar em algo. — falei segurando o peso de minha cabeça novamente.
— Em algo que não seja sentar e chorar, por favor. — declarou. — Desculpa, mas eu te amo muito para te ver assim e não lhe dar um chacoalhão de vez em quando. — completou ao ver que me mantive calada.
— Tudo bem. — sorri levemente, ainda concentrando em minha respiração.
— São quase dez horas já, tem certeza de que vai ficar bem sozinha? — perguntou se levantando. Apenas assenti. — Por favor, qualquer coisa me ligue, prometo não desligar o telefone.
— Pode ir, está tarde. — conformei.
Maya começou a caminhar rumo a sala e eu relutei um pouco para me levantar, mas não consegui me manter de pé firmemente, aquela dor aguda de ontem me atingiu. Voltei a me sentar de imediato.
— Tudo bem? — ela voltou a perguntar ao perceber que eu não a acompanhava.
Eu não a respondi, apenas pressionei a barriga, sentindo como se alguém houvessem me dado um soco no estômago; assenti de olhos fechados.
— Mesmo? — perguntou se certificando, escutei seus passos se aproximando de mim outra vez.
— É só uma cólica. — respondi ainda incomodada. — Pode ir tranquila.
— Mas eu_ — cortei-a.
— Só vai Maya, eu ligo para você. — disse firme, quase a expulsando. Eu só queria ficar sozinha, deitar e rezar para que quando acordasse já estivéssemos em 2030. — Vai. — frisei ao vê-la ainda parada na porta da cozinha.
Maya não respondeu, mas percebi a preocupação em seus olhos ao ir embora a contragosto. Fiquei alguns minutos ainda sentada ali, esperando aquela dor abrandar, porém, ela não cessou de fato, ainda continuava ali.
Me senti vencida, logo, apenas me levantei devagar e fui em direção do banheiro; um banho quente talvez resolvesse. Tirei as roupas ainda com aquele incômodo, mas não fiquei tão surpresa quando vi minha calcinha manchada.
— Ótimo, tudo para melhorar meu dia. — comentei comigo mesma ao observar o início do ciclo menstrual. — Pelo menos não teremos maiores problemas. — ironizei, uma vez que aquilo era um sinal de que, pelo menos, não gastaria com fraldas ou formula de leite.
A água quente relaxou meu corpo, mas não totalmente. Ainda no chuveiro, eu conseguia escutar o som de notificação do meu telefone, entretanto Ignorei isso, focando apenas em mim por pelo menos uns dez minutos. Eu particularmente só queria me xingar em paz.
22/07/2022 - 493 dias antes do assalto a Florence Joalheria
Meu estômago se embrulhava mais a cada segundo que eu passava deitada na cama, até que eu não consegui mais ignorar a sensação de enjôo. Fui a passos rápidos até o banheiro e me ajoelhei em frente ao sanitário; a última vez que isso aconteceu foi quando tive uma arma na minha mira, então não era lá uma lembrança muito boa.
A cólica ainda persistia obviamente e eu só conseguia pensar no maldito vinho que dividi com Maya horas atrás, talvez esse fosse o culpado, além é claro, da crise ansiosa que havia me atingido. Minha cabeça rodava como se tivesse acabado de sair de uma montanha russa, fazendo-a parecer pesada.
—Merda, você me paga Nicholas. — resmunguei, lembrando do causador desse caos.
Escorei-me na parede por alguns minutos para me certificar de que não teria de voltar ao banheiro novamente, mas não tive escapatória. Acho que fiquei refém do meu estômago há no mínimo uns quinze minutos, quando finalmente tive forças para me levantar.
Caminhei devagar até o quarto e me sentei na cama para recuperar o fôlego. Sentia-me suja e como se um caminhão tivesse me atropelado. Ainda eram 4h07min e me questionava se realmente deveria incomodar Maya àquela hora da madrugada, porém, tive que tentar ao sentir o mal estar se aproximar novamente.
— Está tudo bem? Ainda se sentindo mal? — ela logo disse ao atender.
— Preciso que me leve ao hospital, Maya, por favor. — minha voz saiu um pouco embolada; não tive uma resposta dela, já que ela desligou imediatamente.
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