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Ascendium (Parte dois)


Batidas do coração descompassadas, formigamento nas mãos, suor frio, ansiedade e respiração irregular. São alguns dos sintomas de uma pessoa sofrendo um ataque cardíaco, mas isto não era nem de longe o que estava acontecendo com Scarlett. Um infarto, dadas as atuais circunstâncias, seria muito mais simples de resolver pois o conjunto de reações que lhe assolava possuía magnetitude universal e consequências desconhecidas; A Ascensão.

Cada tilintar agudo de suas botas em atrito com a cerâmica secular era um passo mais próximo de seu temível destino. Scarlett odiava admitir, mas estava com medo. Realmente com medo do que aconteceria depois dessa noite. Medo do que ela se tornaria, ou quem se tornaria. Ainda assim, fez um esforço gigantesco para empurrar sua aflição para o fundo de sua mente, sabendo que aquilo não se tratava apenas de si mesma.

Enquanto sentia seus músculos ardendo em antecipação com a centelha de poder celestial correndo veloz em suas veias, ela rogava com fervor a uma paternidade distante, pedindo que não falhasse. Ela não tinha essa opção.

Apenas alguns passos de distância de seu destino, ela repassou milimetricamente todo seu plano. Não que fosse um plano estratégico e calculista, estava mais na categoria insano e imprudente.

Criar uma distração.
Matar o líder do clã.
Ascender.

Scarlett não tinha certeza da ordem cronológica em que ocorreriam os fatos – com exceção da assombrosa ascensão que deveria vir por último, mas isso tampouco importava agora. Só precisava ser feito.

Uma última vez, ela alcançou Heavenly Feuer escondida no cano alto de sua bota. Sempre fria ao toque, mas também mais familiar do que qualquer outra coisa no momento. Sua adaga lhe trazia conforto. Não o tipo de conforto que se tem enrolada em um cobertor numa cama quente durante uma noite chuvosa, mas o tipo de conforto que dizia "Estou aqui para incendiar o mundo com você", e era disto que ela precisava agora. 

Quando entrou no grande salão novamente, repleto de nephilins sensitivos – como Astrid tinha dito – ela não vacilou. Incorporou a assassina fria e calculista enquanto caminhava com firmeza pelo lugar, ciente de que seus passos eram observados por cada alma imortal ali presente. Mas ela não olhou para qualquer um deles. Seus olhos estavam fixos em Vennett, totalmente a vontade conversando com Joe que forçava uma risada comedida.

Scarlett não queria nem imaginar que tipo de ameaça o líder dos nephilins fazia ao seu irmão, porque era notável a tensão no corpo de Joe. A forma como ele trincava o maxilar enquanto Vennett parecia tão confortável, ou seus ombros rijos, ou até mesmo quando ele cerrava seus punhos, se contendo. O restante dos nephilins não parecia notar, mas ela sim.

Demorou apenas alguns segundos para que os dois notassem Scarlett parada observando-os. Joe foi o primeiro a se expressar, sem esconder no sorriso seu alívio com a presença da irmã. Vennett por outro lado, assumiu novamente sua postura intimidante e sorriu como um felino, mantendo uma distância de dois passos da jovem.

Scarlett precisou controlar a vontade de degolá-lo ali mesmo.

Antes de proferir qualquer palavra o Nephilim olhou ao redor minuciosamente e após uma breve análise, ele fixou seus olhos castanhos em Scarlett. Vennett arqueou uma sobrancelha, desconfiado.

— Devo me preocupar com o fato de que Astrid estava com você e agora não está mais?

A jovem adotou uma expressão de dor e ódio e engoliu em seco antes de respondê-lo.

Teatral. Seja teatral. Ela repetiu a si mesma em pensamento.

— Ela disse que precisava ensinar bons modos aos prisioneiros. — sua voz saiu como um rosnado doloroso, enquanto ela cerrava seus punhos.

Joe arregalou os olhos perante as palavras da irmã, tomado por repentino desespero e preocupação, mas Scarlett sequer o encarou.

Vennett – que pareceu acreditar na mentira tanto quanto Joe, esboçou um sorriso sádico que ajudou a alimentar ainda mais o ódio de Scarlett por ele. Se é que tal ato ainda fosse possível.

— Entendo. — ele disse tranquilamente — Quer se manter por dentro da nossa conversa, Scarlett? — mudou de assunto, gesticulando na direção dele e Joe.

Scarlett não precisava responder. Ele a colocaria a par de qualquer que fosse a pauta entre eles mesmo que ela não quisesse.

— Joe é um rapaz forte, não é? — prosseguiu, dando tapinhas no ombro do outro. Joe enrijeceu todo seu corpo com o toque. — Estava dizendo a ele que seria ótimo que também se juntasse a nossa causa, não acha?

Ele estava sendo retórico, era óbvio, mas a jovem não se importava com isso.

— Não, não acho. — Ela o respondeu, curta e grossa.

Vennett gargalhou exageradamente e diminuiu ainda mais a distância entre ele e Scarlett. Quinze centímetros; Ela podia sentir o cheiro de sândalo que o mais velho exalava e torceu o nariz automaticamente, como se o odor do nephilim causasse-lhe náuseas. Vennett, arrogante como era, não pareceu notar a repudia da adolescente.

— Eu não estou te oferecendo uma escolha, Filha do fogo celestial. — se aproximou o suficiente para sussurrar sua ameaça no ouvido de Scarlett. — Você é uma arma. E armas não tem poder de decisão aqui. — finalizou, segurando o queixo da assassina em um toque de ferro.

Que comece a confusão.

Como se atingida por um repentino ataque de fúria, ela agarrou o pulso do mestiço sem muito esforço e silenciosa e rapidamente passou a torce-lo atrás  das costas do mesmo, forçando seus joelhos até se chocassem sem nenhuma delicadeza contra superfície marmorizada; Houve um estalo e então um gemido de dor foi proferido pelo nephilim agora de joelhos.

Estupefato, Joe ainda levou alguns segundos para entender o ocorrido e então usar seu corpo como escudo, bloqueando a imagem de Vennett submisso e imobilizado por Scarlett dos restante dos nephilins alheios do outro lado do salão. Ele sabia que não duraria muito, mas a visão que tinha agora era gloriosa e valia o esforço de cada segundo.

— Cuidado, Vennett. — Scarlett avisou, deliciando-se com a visão do líder dos nephilins furioso abaixo de si, enquanto afundava suas unhas pontiagudas em sua mandíbula, imobilizando-o.  — Armas podem não ter poder de decisão, mas tem o poder de matar. — ela sussurrou no ouvido do mestiço, sorrindo com triunfo.

Scarlett queria muito acabar com tudo ali, mas precisava ascender ou não daria conta de todos os nephilins no recinto. Com uma olhadela rápida do outro lado do salão, ela notou madeixas avermelhadas se esgueirando entre as pilastras do salão; Pupilas de um violeta incandescente brilharam em sua direção, em um comando silencioso. Estava na hora. Precisava tirar Joe dali.

Scarlett deu um leve aceno a ruiva do outro lado ao passo em que afrouxou seu aperto sobre o pulso do nephilim.

Vennett, irado, rapidamente se levantou, agigantando-se sobre a figura agora mais baixa de Scarlett.

Garotinha insolente. — ele rosnou, apertando seu pulso deslocado. — PEGUEM-NA!

No primeiro momento os nephilins pareceram assustados com o grito repentino do líder, mas não levou muito tempo para deduzirem que era Scarlett a quem o mestiço se referia raivosamente. E foi quando dezenas de mestiços começaram a correr em sua direção.

Scarlett apenas teve tempo usar toda sua força – sendo ela sobrenatural ou não – para empurrar Joe e gritar para que corresse antes que dezenas de meio-sangues chegassem a seu encontro. E ela abriu um sorriso desafiador quando cada um deles apontou uma seta celeste em sua direção.

•••

A pelo menos cinquenta metros do círculo de nephilins Joe levantou. Seu corpo um pouco dolorido com o impacto que sofrera, mas a urgência nas palavras de Scarlett quando o empurrara fora o que encorajou o garoto a aproveitar a "distração" dos nephilins para correr. Correr para buscar ajuda. De Elisabeth, Dave, Naomi e até mesmo Dakota.

Joe não viu quando os nephilins fizeram Scarlett ajoelhar-se na cerâmica. Nem quando rodearam seu pulso com algemas douradas do mais puro fogo celestial. Ou quando Vennett socou-lhe a face com satisfação, deixando-a inconsciente. E muito menos quando arrastaram-na para o lado de fora da Igreja, onde a escuridão da noite se fazia presente e nuvens espessas de chuva indicavam que uma tempestade se aproximava.

Alheio à tais eventos, o menino continuou a correr, dispondo de todas as suas forças, até se deparar com uma cabeleira vermelha recostada sutilmente sobre uma das pilastras envoltas pelas sombras; Astrid.

A nephilim não estava sozinha. Ao seu lado estavam sua mãe, Dave, Naomi e Dakota; Eles estavam fugindo. Joe soltou um suspiro de alívio.

Elisabeth foi a primeira a notar sua presença e traçou o curto caminho que os separava para tomar o garoto em seus braços. E com exceção de Astrid – que lhe ofereceu um mínimo sorriso – um a um, todos abraçaram o nephilim, aliviados por vê-lo são e salvo.

— Nós precisamos ajudar a Scarlett. — ele expôs, gesticulando na direção oposta. — Eles capturaram-na. Vão obriga-la a ascender!

Astrid os conduzia por uma das inúmeras passagens secretas entre as pilastras que compunham o templo religioso. Estava escuro, mas ela podia notar a necessidade avassaladora transbordando os olhos do mais novo. Deveria saber que seria difícil para qualquer um deles deixar Scarlett.

— Ela sabe o que está fazendo, Joe. Esse é o plano. Scarlett escolheu isso. — Astrid se apressou em explicar, lançando um olhar de censura ao anjo caído ao seu lado.

Elisabeth cerrou seus punhos. Este era o plano de Scarlett, não dela.

Joe olhou estupefato para todos, como se fossem loucos por deixar a irmã fazer algo assim.

— Nós não tivemos escolha. Não podemos obriga-la a nada. — Naomi tentou argumentar, mas nem mesmo ela acreditava em suas palavras.

Joe balançou a cabeça incrédulo.

— Nós não passamos por todo esse caos dos últimos dias para abandoná-la agora. Ela daria a própria vida por nós. E eu tenho certeza que é o que pretende fazer assim que tiver certeza de estamos longe o suficiente!

Dave, Naomi e Dakota permaneceram em silêncio, repensando a insanidade do plano de Scarlett. Não precisavam de pouco mais que alguns segundos para concordarem que Joe tinha razão.

— Nós vamos voltar. E mesmo nossos esforços não sejam suficientes para impedir o que quer que aconteça, vocês estarão ao seu lado quando tudo acabar. Como a família que são. — com uma voz firme e determinada, Elisabeth começou a retroceder seu caminho, empunhando sua espada. — E quando a hora chegar, quero que saibam foi minha escolha.

Eles não perguntaram ao que o anjo caído se referia. Talvez porque no fundo soubessem do que ela falava. Mas a verdade era eles não tinham desistido, não ainda.

— Ninguém escutou o que eu disse sobre atos heróicos suicidas? — Astrid bufou consternada com o rumo que o plano tinha tomado, mas também tinha feito sua escolha.

Então os seguiu, para qualquer que fosse o destino que os aguardava.

•••

Scarlett abriu os olhos com certa dificuldade, sentindo suas pálpebras pesadas e seu rosto dolorido. Por quanto tempo tinha ficado apagada?

Ainda escuro e trovejava, ela percebeu. Mas com o clarão dos relâmpagos em intervalos curtos, pôde notar com mais facilidade a realidade à sua volta; não era surpresa alguma que permanecia rodeada por nephilins e ainda com os pulsos envolvidos por algemas douradas. A única novidade na situação eram as gotas de líquido escarlate escorrendo de seu rosto e tingindo a relva úmida sobre a qual estava ajoelhada.

Vennett – cujo o rosto era uma máscara quase palpável de ira, se aproximou quando percebeu o despertar da garota. Ele parecia imensamente maior naquele ângulo, mas Scarlett se recusou a sentir-se intimidada e ergueu o queixo, desafiando-o com o olhar.

— Você vai aprender a nunca mais me ameaçar, garotinha! — as palavras esganiçadas de Vennett vieram seguidas de mais um soco.

Scarlett abriu um sorriso vermelho, cuspindo o sangue que teimou em encher sua boca; doía como o inferno, seu rosto formigava e parecia muito longe de se curar. Talvez fosse uma das propriedades das algemas que rodeavam seu pulso; impedir seu processo de cura. E para sua infelicidade, estava funcionando muito, muito bem.

— Ameaça? — Scarlett riu, sarcástica. — Eu não faço ameaças. Eu cumpro promessas.

Vennett não respondeu a provocação e apenas chocou seu punho mais uma vez contra a face da garota. Scarlett não pôde evitar grunhir de dor, para o deleite do nephilim.

Se ao menos pudesse alcançar minha adaga...

— Acho que está na hora de seus amigos juntarem-se à nos. — Agora era vez de Vennett provoca-la, esboçando um sorriso cruel. — Traga-me os prisioneiros. — ordenou a um dos nephilins que os rodeavam, e este claro, prontamente se locomoveu em busca dos prisioneiros inexistentes.

Felizmente, à essa altura seus amigos já teriam escapado. Ou pelo menos, era nisso que ela acreditava.

Não demorou mais do que alguns minutos para que o sentinela retornasse correndo, e para infelicidade de Vennett, sozinho.

— Eles fugiram, senhor. — o nephilim declarou o óbvio, engolindo em seco — E Astrid também.

Vennett tentou evitar o choque em seus olhos, mas Scarlett assistira com satisfação seu olhar confiante vacilar por alguns instantes.

— Dificuldades em dar continuidade ao plano, hm? — Scarlett quase cantarolou sua provocação. Sabia que não deveria atiça-lo – não quando estava presa – mas não conseguia evitar.

Mal tinha terminado de provocá-lo, o nephilim não tardou em avançar para cima de Scarlett, rodeando seu pescoço brutalmente com ambas as mãos ásperas arranhando sua pele.

Vennett tinha estudado a assassina o suficiente para saber que ela daria sua própria vida de bom grado em troca da da possibilidade de manter aqueles com quem se importava em segurança, então matá-la não servia bem a seus propósitos. No entanto, isto não o impedia de brincar com a mortalidade da garota.

— É melhor orar para que seus amigos consigam escapar, garotinha. Porque se eu encontrá-los, você vai perceber que seria mais sábio manter sua boca fechada.

Scarlett permaneceu imóvel. A força de Vennett era tamanha que ela começava a sentir a ardência em seus pulmões na falha busca por ar. Seus olhos também ardiam, mas ela se recusou a derramar qualquer lágrima tentando não se afetar pela ameaça do mestiço. Ele não afrouxou seu perto e o mundo pareceu desacelerar, os últimos suspiros de ar se esvaiam conforme o aperto se intensificava. Ela já se sentia à beira da inconsciência, ainda se esforçando para não fechar os olhos, agora embaçados...

— Tire as mãos da minha filha!

Vennett imediatamente soltou o pescoço da assassina. A adolescente puxou tanto ar quando enfim se viu livre das garras do nephilim, que se engasgou com a própria respiração no processo.

O nephilim apertou seus olhos, como um felino na escuridão, buscando a dona da voz de tom tão ameaçador. O restante dos mestiços entrou em posição ofensiva, atentos.

Um relâmpago clareou todo o lugar por alguns segundos, logo seguido por um alto trovão que estremeceu o solo. E foi possível notar com clareza as cinco sombras do outro lado da rua; Elisabeth, Dave, Naomi, Dakota, Joe e Astrid. Scarlett, ainda um pouco zonza e dolorida, olhou para cima onde o céu parecia prestes se estilhaçar como vidro e realmente rogou para que sua quase inconsciência tivesse a levado à loucura e aquela voz tão familiar não fosse de Elisabeth.

Mas infelizmente era, e não demorou para que o sorriso predatório novamente retornasse a face maléfica de Vennett, quando ele percebeu.

— Peguem-nos! — a ordem foi simples e direta e em um instante dezenas de nephilins armados corriam na direção das únicas pessoas que não deveriam jamais estar ali.

Scarlett se levantou um pouco trôpega e tentou correr na direção de seus amigos, mas algemada, ela não foi muito longe quando Vennett a interceptou. Ela se debateu sobre seu aperto de ferro, mas foi inútil. Seu plano estava dando errado.

— O que você tinha dito sobre meu plano mesmo? — ele tripudiou, com uma risada maquiavélica — Agora podemos dar início ao ritual. — a declaração não era direcionada a Scarlett, mas sim a alguns poucos nephilins que se mantinham ao redor dos dois, no entanto, o calafrio que percorreu a espinha da adolescente não poderia ser menor.

Do outro lado da rua, Scarlett viu seus amigos travando uma batalha que não era deles, sacrificando suas vidas pela dela e se odiou um pouco mais por isso. Mas ela não poderia negar que havia uma beleza cruel naquilo; no som de lâminas metálicas em atrito, na dança dos corpos em combate, no céu negro e assombroso testemunhando cada investida, cada golpe letal, cada gota de sangue pingando na superfície maculada, cada flecha cortando o ar e tudo isso,  por ela. Em devoção, adoração ou amor à ela. No fundo sabia que deveria se sentir grata por todo amor espelhado em cada golpe de seus amigos. Na determinação de seus músculos em resistir aos inimigos, mas tudo isso a fazia se sentir ainda pior; pequena, inútil e principalmente, impotente.

Destruía-lhe a alma observar como mera espectadora; Observar Astrid disparando flechas incessantemente contra seu próprio povo. Observar Dakota não medir barreiras ao usar suas garras para rasgar a carne dos mestiços. Observar Elisabeth, Joe, Naomi e Dave tão determinados em salvá-la de um destino que ela mesma já tinha aceitado.

Scarlett não podia. Não queria mais segurar aquela máscara de assassina fria e calculista que um dia dissera que era; com certeza a maior mentira de todas. Não passava de uma adolescente instável e ingrata que passara anos de sua vida tentando preencher sua alma estilhaçada com escuridão e arrastando todos a sua volta para seu círculo destrutivo. Ela acreditava cegamente que o pior tinha passado quando tivera seu encontro com o demônio do medo na outra noite, mas seu real pesadelo tinha apenas começado.

Bem a sua frente, a poucos metros de distância, Elisabeth caiu. Seus joelhos pressionados contra o chão, enquanto ela rosnava a cada investida de um dos nephilins que estavam sobre ela. Scarlett gritou, se debateu e tentou correr ao seu encontro, mas mais uma vez, tudo fora em vão; tão fragilmente humana, não fora difícil para os nephilins restantes contê-la.  E com Elisabeth ao chão, não demorou muito para que um a um, seus amigos fossem contidos pela força bruta e numerosamente superior que os encurralava. A jovem viu o sorriso de Vennett quando seus subordinados arrastaram seus familiares e demais pela rua sem nenhuma delicadeza até ela.

No mesmo instante em que eram obrigados a ajoelhar-se em fileira, logo à frente de Scarlett, três figuras encapuzadas com mantos vermelho-sangue se aproximaram da adolescente. Fechando os olhos com força, ela rogou e desejou desesperada que acordasse sobressaltada, suando e em um emaranhado de lençóis de seda preta enquanto Nicholas a oferecia uma xícara de seu chá divino para acalma-la; por um breve instante ela quase pôde ouvir as palavras do arcanjo: "Apenas um pesadelo. Estou aqui. Estarei sempre aqui." E na verdade, ele nunca estivera mais longe, mais inacessível, quando ela precisava tanto da ajuda dele. Ou de qualquer outra pessoa disposta a limpar sua bagunça, e claro, se tornar mais um alvo.

Com lágrimas nos olhos, ela observou os rostos das pessoas que amava; Dave murmurou um triste "sinto muito" e permaneceu cabisbaixo aceitando qualquer que fosse seu destino. Naomi ofereceu um sorriso reconfortante e sincero, mas era possível notar o medo em seus olhos enquanto ela alcançava os dedos da loba ao seu lado. Joe a olhava com tanta determinação e orgulho que ela se encolheu, indigna. E Astrid, cuja presença era uma surpresa, mantinha o rosto tão sereno que nem parecia ter se rebelado contra sua própria família em nome de uma quase completa desconhecida. Mas o olhar de Elisabeth era indescritível; exalava confiança e amor e orgulho e tanta devoção.

Família. Uma família que fora tão cruelmente fragmentada ao longo dos anos, mas que ainda permanecia ali, intacta. Mesmo com todas as suas fissuras.

— Apreciando seu fracasso? — Vennett mais uma vez surgiu diante de Scarlett. — Porque eu, definitivamente estou, mas sabe o que mais eu vou apreciar? — Ele se aproximou tanto que a adolescente prendeu a respiração, mas jamais desviou o olhar, jamais esqueceu a cor daqueles olhos tão cheios de ódio que encaravam-na com satisfação e não tentou esconder toda a dor lívida que transpassava seu olhar. E então, ele subitamente se afastou. — Isto.

Imediatamente, o reconhecimento do objeto reluzente e afiado nas mãos do nephilim foi como um soco no estômago de Scarlett. Ela sabia que aconteceria; que sua companheira de longa data era essencial naquele ritual em que ceifaria sua vida, sua essência humana, enquanto libertava outra coisa de sua alma. Talvez fosse um pouco profético, afinal, ser apunhalada e morta pelo objeto que tantas outras vezes havia dado fim a vida de outras pessoas.

Em passos firmes, o nephilim não desviou o olhar da garota por um segundo sequer até se colocar ao lado do anjo caído – Elisabeth – e acomodar sua amiga prateada sobre a pele exposta de seu pescoço. Scarlett tremeu.

Não, não, não.

— Sabe, tínhamos um acordo. — com a ponta afiada da adaga ele traçou todo o colo do caído demoradamente, deixando a adolescente ainda mais apavorada. — Mas isto foi antes deles fugirem. E bem, isto vai ser útil, de qualquer forma. — a lâmina finalmente parou na garganta de Elisabeth e Scarlett prendeu o fôlego.

Mesmo imobilizado por um inescrupuloso sentinela, Joe tentou. Tentou em vão, assim como os demais, impedir o que estava prestes a acontecer, se contorcendo sobre o aperto de afiadas lâminas celestiais. Tinham lutado bravamente até então, e mesmo que Elisabeth tivesse avisado a eles pouco tempo antes que aquilo aconteceria, que ela queria aquilo, não puderam evitar o choque da realidade. Gritaram, suplicaram, mas por fim não restou-lhes outra alternativa senão desviar o olhar. O mesmo não aconteceu com Scarlett, de visão frontal maquiavelicamente privilegiada.

Ela não piscou, ou sequer se moveu quando Vennett sorriu-lhe com crueldade antes de forçar a sua adaga contra a pele do caído. Elisabeth sorriu uma última vez àquela que mesmo sem saber a salvara, esperando que ela pudesse entender seu sacrifício.

E então, em câmera lenta, a garota assistiu; o objeto mortal rasgando a pele bronzeada da garganta de Elisabeth simetricamente; o líquido dourado sendo expelido do corte sem nenhuma cerimônia; os olhos verdes se tornando opacos, perdendo todo seu brilho enquanto sua essência era derramada sobre seu colo; e um último murmuro, um mover de lábios quase imperceptível direcionado a Scarlett, antes que a última gota de sua glória celestial se esvaísse e seu corpo fosse projetado ao chão, estalando em um baque oco, sem vida.

Por alguns segundos, um silêncio mortal reinou entre os presentes. Mas então vieram os soluços quase inaudíveis, seguido por lágrimas de dor e ódio e Scarlett percebeu que era ela quem chorava. Claro que seus amigos também partilhavam do luto, em lágrimas silenciosas. E também encaravam-na, tentando lhe dizer que aquilo não era culpa dela, que Elisabeth tinha escolhido seu destino. Contudo, Dave foi o primeiro a perceber que ela não olharia em sua direção. Não quando seus olhos já estavam tão distantes, afundando-se em sua própria dor e culpa.

— Não foi sua culpa. — Dave quase sussurrou, mas sabia que ela tinha escutado, mesmo que continuasse a encarar o corpo desfalecido do anjo caído.

"Obrigada." A última palavra de Elisabeth ainda ecoava na mente de Scarlett. Ela jamais se permitiria esquecer, mesmo que não soubesse pelo que ela agradecia, mesmo que soubesse que não era digna. Ela faria valer o agradecimento.

Vennett voltou a se aproximar da garota acompanhado pelas figuras encapuzadas que agora tinham suas mãos ossudas cobertas pelo sangue de Elisabeth. O nephilim estava tão triunfante quanto era possível estar após executar um anjo caído. Para ele, era um feito histórico.

— Quero que saiba, garotinha de fogo, que suas ações levaram a isso. — ele apontou para o corpo inerte de Elisabeth e estendeu a adaga banhada com a mais pura essência celestial para a adolescente.

Scarlett finalmente o encarou. Sem nem mesmo vacilar quando acolheu o objeto cortante entre seus dedos, manchando sua mão com o líquido reluzente.

Aqueles olhos dissumulados transbordando crueldade. Aquele sorriso de satisfação. Não foi preciso muito esforço para que a adolescente transformasse sua dor em sede por vingança. Você vai queimar, nephilim. Era uma promessa, e não tinha nada a ver com o acordo entre ela e Astrid.

— Você é um monstro! — Naomi ladrou, visivelmente alterada; Observar o nephilim torturar sua melhor amiga daquela forma a deixava doente. Dakota apertou ainda mais a mão da companheira.

Vennett a ignorou, assim como ignorou o olhar igualmente transtornado de Joe e Dave. Astrid, ao lado deles, permanecia em silêncio com uma expressão indecifrável; não conhecia Elisabeth o suficiente para chorar por ela, mas apreciara o gesto do caído. Então sequer fingiu se importar quando Vennett rosnou-lhe um "Traidora". Estava cansada do tirano a quem serviu cegamente por tantos anos.

Com um gesto autoritário do líder, as criaturas encapuzadas começaram seu trabalho; entre os ribombos altos dos trovões e com o sangue reluzente em suas mãos as sombras desenharam símbolos rúnicos ao redor de Scarlett, também entoavam um cântico que trouxe os mais profundos arrepios aos amigos da garota.

— Está na hora de ascender, Ariella. — a voz provocativa do nephilim atraiu o olhar absorto da menina. Ela não se importou com seus olhos ainda úmidos enquanto observava o sangue impregnado na adaga. — Você sabe o que fazer. — completou por fim, sem se demonstrar nenhum pouco abalado.

E Scarlett sabia. Sabia que cumpriria sua promessa. Em nome de Elisabeth, Joe, Dave, Naomi, Dakota e Astrid. E em nome de si mesma.

Ela sentiu o peso dos olhares de seus amigos quando apontou a lâmina ensanguentada para seu próprio centro. Sentiu o quanto estavam aflitos e preocupados com ela quando começou a forçar a entrada da adaga contra sua pele frágil. Sentiu o olhar ansioso e contemplativo de Vennett quando a primeira gota de sangue manchou sua camisa. E sentiu que nenhuma dor física jamais sobrepujaria o que vivenciara naquela noite quando enfim cravou a lâmina cruel em seu próprio coração.

Todos prenderam o fôlego. O cântico tinha chegado ao seu ápice; palavras tão antigas e profundas e sombrias. Scarlett tinha suas mãos banhadas com seu próprio sangue quando sentiu as chamas começarem a consumi-la.

Imediatamente, uma luz cegante obrigou os presentes a fecharem os olhos, com exceção de Vennett. O ambicioso nephilim assistiu a mais pura glória divina se expandir e preencher todo o lugar, tendo Scarlett como fonte de toda sua intensidade e poder. A silhueta da garota levitava alguns poucos centímetros do chão, emoldurada por uma mistura de chamas azul-dourado. A adaga celestial estava ainda alojada em seu peito, contudo, não era possível enxergar sua expressão em meio aquela névoa de poder. O nephilim já se achava sortudo o suficiente por ser o único vivenciando aquele espetáculo de olhos abertos. Toda aquela glória, aquele poder tão cru e milenar; ele queria aquele poder.

Envolta pelas chamas, Scarlett mantinha seus olhos fechados com afinco numa tentativa tola de esquecer a dor que assolava seu corpo. Não era nenhum pouco parecido com qualquer coisa que tivesse sentido em termos físicos, mas ela não se permitiu gritar, não quando merecia aquele sofrimento. E ela deixou que ele a envolvesse, sem misericórdia.

O fogo estava em toda a parte; consumindo seus ossos, seus músculos, sua pele, seu sangue. Nem o mais pequeno dos átomos que compunha seu ser fora poupado da sensação. Ela sentia todas suas terminações nervosas, ossos e músculos se liquefazer sucumbindo a transformação, apenas para que pudessem se solidificar novamente, fortes como aço. Era óbvio para ela agora que estava sendo forjada, remendada e soldada em cada canto que um dia fora mortal e frágil; como uma arma deveria ser. Na verdade Refeita – a imagem e semelhança daquele poder, era uma palavra melhor para defini-la.

Assim ela entendeu que após toda aquela transformação, após toda a modificação dolorosa imposta a sua carne e ossos; Ela não seria mais Scarlett Knipper. Não seria mais a filha, a irmã ou a amiga de ninguém.  Não seria sequer humana. Porque Scarlett morrera no instante em que a adaga transpassara seu coração. E levara consigo tudo que a tornava humana.

Em meio à dor, flashes dos mais singelos momentos felizes de sua vida começaram atravessar sua mente; sua primeira festa de aniversário, sua primeira ida à praia, seu primeiro beijo, a primeira vez que segurou Joe bebê em seus braços, o dia em conheceu Dave e Naomi, o dia que Phill a ensinou a andar de bicicleta e até mesmo um momento mais recente, a segunda vez que beijara Nicholas. Scarlett não se surpreendeu ao ver que aqueles momentos de sua existência estavam sendo tirados dela, deixando-a completamente vazia. Não, não os momentos, mas o sentimento que cada um deles representava. Ela viu aqueles momentos fragmentados, como pequenos cacos, se afastando rumo à escuridão e tentou agarra-los. Apenas tentou, sem sucesso até sentir-se ser corrompida por outra coisa; gelado, cortante, cruel e sombrio o fogo infernal irradiou por todo seu corpo, competindo espaço com a glória divina.

A garota se viu fisicamente a frente de um enorme portão enferrujado, coberto por trepadeiras e musgo que guardava um jardim de flores mortas. Atrás do portão, uma silhueta alta de fios vermelhos esvoaçantes e olhos felinos, a esperava.  A sombra gesticulou para que a adolescente se aproximasse.

Havia algo de tão familiar e assombroso naquela figura, cujo rosto não era possível ver com clareza, que adolescente não pôde evitar a curiosidade e se aproximou.

Ariella... — a voz era masculina, com um timbre forte e sensual.

Apenas a forma como o desconhecido pronunciou aquele nome fora o suficiente para estremecer todo o corpo da jovem.

Quem é você? — era pra sua voz ter saído firme, mas mal passou de um sussurro rouco.

O estranho se aproximou ainda mais e com uma mão firme, ele abriu o portão que os separava. Seus olhos, de um dourado profundo, brilharam em meio aquela escuridão quando ele abriu um sorriso sedutor para a garota e desembainhou uma adaga reluzente; com agilidade, o jovem usou a arma para abrir um corte em sua palma e liquido dourado brilhou e escorreu de sua mão quando ele a estendeu para a adolescente e segurou seu pulso.

Aquele simples toque...

A filha do fogo celestial entendeu o significado daquela demonstração e seu corpo gelou, com terror. Mas ele disse mesmo assim:

Eu sou você.

Subitamente o portão, o garoto e tudo ao redor dela se desfez. Como névoa e poeira e fumaça, mas ela sabia que aquilo fora real. E sabia que encontraria o garoto muito em breve quando retornou a praça da Igreja.

Recém-forjada, a arma infeleste piscou tentando se acostumar com sua nova visão do mundo; tudo parecia muito mais vivido e real; os aromas, as cores, as sensações. E ela se sentia diferente. Não sentia mais seu corpo mole, à mercê da dor. Sentia-se forte, incontrolável, invencível e ainda assim de alguma forma não sentia nada; nada além do encontro dos poderes opostos reivindicando cada pedacinho de seu corpo imortal.

Ao olhar  para baixo, notou Heavenly Feuer ainda cravada em sua carne e com uma facilidade assustadora puxou a adaga para fora de si e a jogou na grama antes de ver a mágica acontecer; nada de sangue escorrendo, ou mesmo dor; o rasgo em seu peito se fechou em segundos. Um alto resfolegar de espanto atingiu sua audição e ela levantou os olhos para observar as faces que lhe encaravam: Astrid, Joe, Dakota, Naomi, Dave, Vennett e mais uma dúzia de nephilins tinham seus olhos fixos nela, cheios de espanto e receio e incredulidade. Será que a viam como realmente era agora?

A tempestade antes formada no céu já não mais existia, e este até mesmo estava estrelado. O corpo desfalecido de Elisabeth ainda jazia no chão a poucos metros de si e seus amigos permaneciam reféns dos nephilins. Tudo estava igual e ainda assim diferente. Diferente porque algo tinha mudado dentro dela. Algo tinha se partido. Algo que ela soube que era importante quando não conseguia sentir nada além de sentidos potencialmente aguçados e ondas de poder tremulando dentro de si.

O que aconteceu comigo?

Você morreu. Você ascendeu. E pagou o preço por isso. Uma voz que não era dela lhe respondeu.

Não apenas sua mortalidade tinha sido levada. Sua capacidade de sentir, de se importar, de amar ou odiar, não estava mais ali. Se fora, ou se enterrara tão profundamente em seu ser que ela não conseguia alcançá-la. No entanto, as lembranças permaneciam. Principalmente a lembrança de sua promessa oculta ao líder dos nephilins e ela estava prestes a cumpri-la.

Vennett ainda a encarava. Sorrindo e sorrindo sem parar. E tão, tão perto; A garota não era mais capaz de sentir ódio mas sabia que queria aquela vida para si e que se deliciaria ao dar fim à sua existência. Seu novo corpo parecia sedento por isso.

Ao olhar para seus próprio pulso notou que as algemas ainda estavam ali, contudo, sabia que não eram capazes de contê-la. Fora preciso apenas meio pensamento instintivo para que as algemas derretessem aos seus pés; ela sequer sabia como o fazia, seu corpo apenas funcionava. Tão mecanicamente projetado, e letal.

Um dos nephilins xingou algo inconclusivo mediante a cena e correu. "Aberração infernal", fora o que ele bradou antes de fugir. Suas palavras e seus passos ecoaram tão alto na cabeça da adolescente que ela grunhiu e resolveu ignorar o xingamento e a covardia. Sabia que se deliciaria em uma caçada agora, pronta para testar seu limites, sua invencibilidade. No entanto, tinha prioridades.

Livre de suas amarras, ela deu um passo em direção ao líder dos nephilins. Vennett tropeçou em seus próprios pés, seu sorriso morrera e a garota quase sorriu, mas percebeu que na verdade não tinha motivos para tal e continuou encurralando sua presa lenta e meticulosamente.

•••

Quando viu o que a amiga estava prestes a fazer, Dave finalmente saiu daquele transe; estava tão estupefato com a transformação que tinha presenciado; com a forma com que os olhos da amiga tinham mudado de verde para dourado ou com o olhar vazio que preenchera sua pupila, com a forma que seu corpo praticamente brilhava e ela mal parecia tocar o chão enquanto caminhava na direção de Vennett tão convicta. O caçador sabia que ela o mataria e sabia que não seria bonito. Que não seria nada como a assassina já tinha feito, porque ele percebeu tenebrosamente que aquela  não era mais Scarlett, sua amiga. Aquela era a detentora de uma profecia, uma arma entre o paraíso e o inferno.

Dave decidiu que lidariam com o que sobrara da humanidade de Scarlett depois e que sua performance seria distração o suficiente para que ele e os demais entrassem em ação contra os nephilins que os mantinham cativos. Muito dos mestiços tinham fugido como os covardes que eram assim que a ascensão terminou e o fato era um pró a favor deles.

Então o jovem começou. Projetou seu corpo para trás e acertou o corpo do mestiço que o segurava o apenas suficiente para que ele se desequilibrasse e Dave pudesse se levantar e começar a investir contra seu captor. Não demorou para que os outros percebessem a brecha e também se lançassem contra os nephilins. A morte de Elisabeth seria paga com sangue.

•••

A filha do fogo celestial percebeu que chamava de amigos investiam contra o restante dos nephilins, mas sequer olhou na direção de algum deles; sabia que dariam conta dos oponentes. Seus olhos de águia estavam fixos naqueles olhos castanhos, reluzindo tanto medo e pavor que alimentou uma parte primitiva de seu poder que queria muito aquilo.

Um passo tranquilo e minucioso de cada vez e dois passos trôpegos de Vennett para trás a cada aproximação. Ele deveria saber que não teria chance. Não quando vira no que a garota tinha se transformado pelo seu egoísmo exacerbado.

Não era isso que você queria, Vennett? Uma arma? Estou aqui. Estou aqui pronta pra você. Ela cantarolou em seus pensamentos.

Se tanto não tivesse sido levado de si quando ascendeu, a garota poderia agradecer pelo nephilim tê-la obrigado a se transformar naquilo. Naquilo que agora o faria sofrer. De fato, ela agradeceria, só que não da forma como ele gostaria.

A assassina que um dia fora, provavelmente estaria sorrindo a esta altura, tão perto de ceifar aquela vida cruel. Mas não ela. Não a arma infeleste. Contudo, seu olhar era predatório. Vennett não passava de um coelhinho assustado pra ela agora. E ele tentou correr. Tentou e falhou porque a adolescente facilmente o alcançou e o agarrou pelo colarinho. Ele engoliu em seco; não era isso o que esperava quanto a ascensão e não era isso que diziam os livros sobre o que viria depois. O que poderia ter dado errado? Talvez apenas o fato de que ele tenha subestimado a garota, subestimado todo o ódio e a escuridão que ela cultivava dentro de si. Sua ambição o tinha cegado e agora ele pagaria por isso.

— Eu te avisei. — foi a única coisa que ela disse, sem qualquer emoção.

Vennett sabia exatamente do que ela falava. Ele sorriu uma última vez, esperando. Esperando a Morte. A menina não tinha nenhuma arma em mãos, mas ele sabia que ela nem ao menos precisava.

A garota segurou o rosto do nephilim em um aperto de aço, impedindo que ele olhasse para qualquer outro lugar que não aquele abismo oco que habitava seus olhos. E começou.

Era instintivo, primitivo e incontrolável aquela massa volátil de poder que residia em seu ser, mas ela o moldou e deixou que fagulhas aparentemente inofensivas fluíssem através de seu corpo até incorporar os ossos e os músculos de seu oponente. Uma corrente constante e potente devorando cada célula, cada átomo e cada pedacinho de vida do nephilim de dentro pra fora; se alimentando de sua essência celestial, corroendo sua carne e ossos, superaquecendo seu sangue mestiço.  Vennett gritava, em alto e bom tom, mas ainda imobilizado pelo toque irredutível, ele não podia fazer mais nada a não ser sentir-se queimado de dentro pra fora enquanto a garota observava a vida se esvaindo de seus olhos.

O momento todo duraria apenas alguns segundos, mas ela o prolongou o máximo que pôde, controlando seu poder enquanto o transformava em cinzas por dentro. E  só parou quando ele não tinha mais forças pra gritar, quando seu último sopro de vida se fora e seu corpo não passava de uma casca carbonizada vazia, projetando-se ao chão quando ela o soltou, em um estampido oco e sem vida. Ele, um imortal, com séculos de vida e ela o tinha matado como se não fosse nada.

A garota não se deu ao trabalho de olhar para o corpo ao seus pés antes de dar as costas. E olhá-los. Seus amigos. Sua família. Ela manteve uma distância que julgou segura.

Astrid não estava mais entre eles, ela percebeu. E era compreensível. Não tinha motivos para estar ali, não quando tinha cumprido o acordo. De uma forma ou de outra, ela tinha os ajudado, a julgar pelos dois corpos em ruínas que deixara para trás. Tão típico da ruiva.

Joe foi o primeiro a vê-la. Ofegante, ele tirava a faca da carne do nephilim no chão, quando sentiu a aproximação de força poderosa. E ali estava ela, sua irmã, a apenas alguns poucos passos de distância. Olhando e olhando enquanto eles terminavam de cuidar dos corpos. Por que ela não se aproximava?

Hesitante. Ela estava hesitante quanto ao que tinha se tornado, talvez. Mas Joe não se importou ou não notou o vazio nos olhos da irmã quando se lançou em seus braços, aliviado. Demorou alguns segundos até ela o abraçasse de volta, mas o fez, se esforçando para sorrir tendo em mente suas lembranças. Seu irmão estava realmente feliz, apesar de tudo, apesar da perda da mãe. E não seria seu pequeno problema de humanidade que estragaria aquele momento.

Dave, Naomi e Dakota se aproximaram dos dois assim que separaram seus corpos. De mãos dadas com Naomi, a loba soltou um rugido de celebração assim que se aproximou o suficiente para ver o corpo carbonizado do nephilim; ele teve o que merecia.

Dave não olhou para o corpo, mas sim para sua amiga. Para a o sorriso forçado que ela exibia com tanto afinco e que não chegava aos olhos vazios. Mas ele não disse nada. Não depois de tudo que tinham enfrentado, do que tinham perdido. Ele esperava que a falta de emoção da amiga se desse ao choque dos eventos e que logo ela voltaria ao normal. Se que é alguma coisa poderia ser chamada de normal nesses últimos dias.

Então, como o bom amigo que era, ele simplesmente a abraçou. Seu característico abraço de urso que arrancou uma risada planejada da garota. Naomi aproveitou a deixa e se juntou ao abraço, exausta e radiante. E em poucos segundos, o abraço triplo tinha se transformado numa bagunça de corpos emaranhados e risos.

Família. Suas lembranças sugeriam família porque era o que eles representavam.

Mesmo sabendo que não era capaz de sentir felicidade agora, mesmo sabendo que uma parte de sua alma se fora e que as lembranças de uma vida que tinha sido-lhe roubada alimentava suas ações, uma parte daquela garota, daquela arma que agora era, se viu agradecida. Mentirosa, mais ainda assim agradecida, quando disse:

— Acabou. Vamos para casa.

Eles vibraram em resposta. Não pareceram notar a mentira tão doce que ela os contara. Não quando estavam tão exaustos daquilo, tão ansiosos em voltar para casa.

A casa deles. Não dela. Mas aquelas pessoas contentes, que a amavam tanto, que tinham se sacrificado por ela e perdido tanto, não precisavam saber disso ainda. Porque ela também os amara, com todo seu ser, mesmo que não fosse mais capaz de abraçar o sentimento.

E então ela os levou para casa.

Lidaria com o resto depois, afinal, tinha uma eternidade pela frente.






Eu demorei muuuito, mas aqui está. Nunca tinha escrito um capítulo tão grande! 7 mil palavrassss com todo meu amor, acreditem. E agora só me resta saber, o que acharam?

( Ainda vou liberar o epílogo e um bônus-carta, antes do adeus oficial. Fiquem atentos. )

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