Capítulo 58
Brunna - São Paulo 📍
Domingo - 21:00
Escutar Ludmilla falar daquele jeito comigo, me magoou de uma forma inexplicável. Foi como se ela jogasse na minha cara meu pior defeito e usasse isso para se vingar. Segurei as lágrimas que se formaram em meus olhos e sai do quarto, a deixando por ali me olhando arrependida por ter falado aquilo.
Tudo bem que Caio sempre fez questão de frisar a parte que eu não podia lhe dar um filho, mas eu não o amava e envolver uma criança no meio daquela bagunça era algo incabível. Mas escutar Ludmilla, a pessoa que eu amo, dizendo que eu não posso gerar um filho, me quebrou em vários pedaço. Me senti - pela primeira vez - Uma pessoa inútil.
Me senti egoísta por não ter ficado lá, do seu lado, nesse momento difícil para ela, mas foi a melhor solução que eu achei para não destruir tudo que demoramos meses para criar. Peguei as chaves do carro, sobre a mesa de centro e deixei o apartamento, indo até a garagem, adentrando meu carro e dando partida até a casa do meu segundo porto seguro - Mário Jorge.
O homem não estava esperando minha visita, porque quando abriu a porte me olhou surpreso, como se eu fosse um fantasma. E eu preferia estar me sentindo assim. Sem dizer nenhuma palavra ele me deu permissão para entrar e a primeira coisa que fiz foi sentar no sofá da sala e deixar as lágrimas caírem em meu rosto.
- Ei, Bru! - ele correu até mim - Amiga, o que aconteceu com você? - perguntou preocupado.
- Porque é sempre isso, Mário? - questionei entre soluços.
- Sempre o que, amiga? - me olhou confuso.
- Porque eu não posso gerar uma porra de um filho? - perguntei inconformada e ele suspirou, como se sentisse muito por essa situação - Esse é sempre o problema.
- Bru, isso não é um problema! Tem várias formas de ter um filho. Nem sempre é necessário gerar. - confortou - Quantos padrastos ou madrastas fazem papel de pai e mãe? É muito mais fácil fazer, do que dar amor. Deve ser muito difícil, eu sei que no fundo do seu coração, você queria muito sentir um serzinho dentro de você. Mas isso nunca vai ser sua culpa, não foi você quem quis assim e está tudo bem. Quem te ama vai entender que você não pode e vai te amar ainda mais por isso. Não se preocupe em ter um herdeiro ou uma herdeira pra Gonçalves'Coin, se preocupe em sentir bem com você mesmo e com a pessoa que você tem ao seu lado. A Lud sempre te apoia e não vai ser por isso que ela vai deixar de te amar.
- Mas ela acabou de jogar isso na minha cara. - falei e senti mais lágrimas caírem - Foi assim com o Caio, está sendo com a Ludmilla e vai ser com qualquer outra pessoa que entrar na minha vida.
- Brunna. - ele secou minhas lágrimas - Você é uma menina muito forte. Olha pra trás e vê tudo que você já passou. - sorriu - Nós todos somos frágeis em um lado da vida e está tudo bem isso ser a sua fragilidade, mas ninguém pode usar isso contra você. Quem fez ou faz isso, é uma pessoa sem caráter.
- Então ela é sem caráter. - resmunguei e ele sorriu, quase gargalhando.
- Não posso afirmar isso, porque ela já foi tão legal com você e é notório que ela te ama. Eu não vivo o relacionamento de vocês pra saber seus erros, seus acertos e muito menos os dela. - afirmou - Você está triste, abalada e cansada. Tenho certeza que vocês vão de falar e fazer as pazes. Ela errou sim em jogar isso na sua cara, como se fosse um crime. Mas quem é que não erra? Talvez ela só não consiga lidar com a situação, mas precisa aprender.
- Ela queria colocar uma criança desconhecida dentro da nossa casa. - o olhei.
- Como assim? - quesitonou - Ela queria adotar uma criança?
- Pior, é um sobrinho que ela descobriu não faz nem um mês e se propôs a cuidar dele, enquanto sua irmã vai viver a vida na Suécia. - expliquei - E pior Mario Jorge, ela me contou com uma semana de antecedência. Como eu iria aprender a cuidar de uma criança de uma hora pra outra?
- Ela errou. - ele suspirou - Mas é a família dela. Ela só queria ajudar uma criança que não tem culpa de ter pais doidos.
- O problema não era cuidar da criança, eu poderia fazer isso tranquila, nem que eu tivesse que fingir afeto, mas eu iria tratar muito bem. - o olhei - O problema foi ela ter escondido e me contado isso esperando que eu a apoiasse e dissesse "vai lá, busca ele, vamos ser as mães".
- Eu te entendo, amiga. - me abraçou - Não sei o que eu faria no seu lugar.
- Eu senti vontade de bater nela, mas deixar ela lá, triste e confusa partiu o meu coração, mesmo ela tendo me machucado. - chorei.
- Isso quer dizer que você a ama, e mesmo estando com problemas, também pensa nela.
- Porque é tão difícil assim? - funguei o nariz.
- Faz parte amiga, faz parte. Mas eu estou aqui com você. - beijou minha testa.
Mário Jorge - São Paulo 📍
Domingo - 22:30
A última vez que vi a Brunna tão triste e tão inconformada foi quando seus pais morreram naquela maldita manhã de terça-feira. Foi como se o mundo dela tivesse acabado.
Flashback on
Hoje fazem três meses que eu estou sendo estagiário da melhor agência de cliptomoedas de São Paulo. Meus chefes são nada menos que Jorge Coelho e Miriam Gonçalves. Sempre me tratam muito bem e fazem questão de me esclarecer todas as dúvidas sobre essa área.
Ontem a noite uma reunião de última hora foi marcada para Florianópolis, para resolver os últimos detalhes da primeira filial construída por eles. Fui convidado para ir junto, mas pra minha infelicidade minha irmã mais velha passou mal e eu terei que ficar para cuidar dela.
- Mário, meu amigo. - escutei Jorge me chamar e levantei meu olhar em sua direção - Recebemos uma mensagem do piloto dizendo que o avião já está pronto para decolar.
- Tão cedo, senhor. - olhei para o relógio que marcava seis horas da manhã.
- Quanto mais cedo, melhor. - ele sorriu animado - Estamos construindo uma máquina em Floripa, vai ser nossa maior fonte renda. Tem que estar tudo perfeito pra inauguração de hoje a noite.
- Vai dar tudo certo. - o passei confiança.
- Vai sim, meu menino. - me abraçou apertado - No horário de almoço minha filha virá até aqui para pegar aquele relatório que ela estava fazendo.
- Vou deixar separado. - falei o olhando.
- Por favor, e olhe, cuide bem da minha menina enquanto eu não estiver por aqui. Não deixe ela fazer nenhuma merda com a empresa e nem com ela mesma. - falou divertido e eu concordei com a cabeça, sorrindo.
(10:47)
A empresa está em silêncio. Um silêncio tão atormentador, que um calafrio percorre por meu corpo. Faz vinte minutos que havíamos recebido a notícia de que o avião que estava carregando nossos patrões caiu em uma cidade vizinha de Florianópolis. Não temos nenhuma notícia, não sabemos se eles estão bem, ou se já não estão mais entre nós, a única coisa que nos resta é fechar os olhos e orar, mas antes que eu pudesse fazer isso, escutei a gargalhada gostosa da loira, filha dos Gonçalves.
- Bom dia, pessoal. - falou simpática - Que clima ruim é esse? Vão dizer que meus pais despediram vocês.
- Brunna. - segurei o choro ao pronunciar seu nome.
- Oi, Mário. - ela se aproximou - O que houve? Porque está todo mundo com essa cara de velório? Sou tão feia assim?
- Brunna. - voltei a chamar seu nome - O avião.
- Que avião, Mário? - perguntou confusa.
- A viajem dos seus pais. - tentei explicar.
- Por falar nisso, eles já chegaram? - me perguntou - Estou com saudades.
- Foi confirmado o óbito de todos. - escutei um funcionário dizer e deixei uma lágrima escapar.
- Óbito? - ela perguntou ficando pálida - Quem morreu?
- O avião caiu. - a mesma pessoa voltou a falar - Seus pais morreram.
Flashback off
Desde então, aquele brilho no olhar dela e sua gargalhada gostosa sumiram e deram a liberdade a uma Brunna séria, responsável, de poucas palavras e difícil de fazer amizade. Até que ela conheceu Ludmilla, que aos poucos quebrou suas barreiras e fez ela voltar a ter aquela mesma gargalhada gostosa de ouvir.
Mas hoje a mesma pessoa que havia te trazido a vida, a levou um pouco da morte.
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