𝟎𝟎: 𝕻rólogoㅤ ───ㅤO Coração de Tombastela.
⚜ Tombastela, Dorne.
61 DC.
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Lúdicos são os rumores que remontam a ascendência da Casa Dayne, vindouros de mitos cósmicos e fomentador de estupefação e fascínio, tão antigos e datados aos dez mil anos desde que os Primeiros Homens invadiram uma terra já detentora de nativos. Carregavam um fulgor primitivo, um primórdio de epopéia fantasiosa.
A história conta que um Dayne, oriundo demais para que seu nome não seja contestado — e muitos discutiam que deveria ser algo entre Ulrick e Edric — seguiu o rastro de uma Estrela Cadente e ergueu as muralhas de sua fortaleza na boca do rio Torentine ao descobrir a magia habitada nela. De seu pedaço, ungiu-se a Alvorada, a lâmina que seria tão afiada como o Aço Valiriano e pertencente apenas ao mais nobre guerreiro Dayne de seu período, chamados de "Espada do Amanhã."
Eram detentores de beleza apolínea, exaltados por intrínsecos traços altivos e primorosos, como as orbes violáceas que alguns foram agraciados ao longo dos milênios, tornando-os belos e fascinantes como uma estrela. Era a bênção que ela lhes deu, mais do que o castelo que os protegia das invasões intermináveis, do toque do Sempre Inverno.
Precedido nos altos aposentos de Tombastela, a Senhora Clarissa Dayne arreganhava as pernas e rugia tão alto que sua garganta parecia prestes a rasgar. Encaminhava-se para duas luas o período no qual ela enfrentava o trabalho de parto e nas expressões do Meistre, da parteira e de outras servas, notava-se a preocupação hesitante pelo coágulo de sangue que manava entre suas pernas, uma laceração que tiveram de incutir para dar espaço ao bebê após tamanha prolongação e a vida da senhora e da criança encontrarem-se em risco.
Uma dor pugentíssima cortava o coração do senhor Gerold Dayne, um guerreiro de pelejas violentas e que era abatido pelo sofrimento de sua esposa, mas não pela sanguinolência da guerra. Com uma postura resiliente aguardando através das portas duplas, exacerbava em aparência tudo o que não sentia por dentro. Uma falsa expressão de serenidade que contrastava com o desespero remoendo a alma, do suor percorrendo suas mãos.
Gerold cerrou-as, virando-se para porta e encarando-a com olhos tempestuosos. O violeta brilhava profundamente sobre o licor das lanternas de óleo, perscrutadores, enquanto os dedos da mão esquerda jogados ao lado do corpo se alongaram e pairaram sobre a maçaneta.
Felizmente, antes que ele pudesse, em seu momento de aflição e temor, engolfar seus funcionários com sua indignação e fúria e talvez piorar um momento já fadado, seu primo, Benedict, vinha caminhando pelos corredores de paredes tapeçadas douradas feitas em Norvos. Trajava um gibão aveludado de azul cobalto e calças de couro negro, com um papiro entrelaçado nas mãos rente a barriga.
— O que foi dessa vez? — Sua voz saiu mais grosseira e áspera do que pretendia, mas Gerold fora sucinto quando ordenou que Benedict o mantivesse alheio a todos os assuntos que chegassem para ele durante o parto da esposa, conhecendo a natureza de sua mente que tornar-se-ia nebulosa demais com inquietação.
O parto de seu primogênito, Vorion, há sete anos atrás, deixara a saúde de Clarissa sensibilizada e delicada. Ela era pequena demais — embora possuísse dez e sete anos — e o menino veio ao mundo como um varão grande e robusto, deixando-a acamada pelas próximas seis luas.
Em uma viagem a negócios para Qohor, um ano e meio atrás, eles encontraram uma sacerdotisa que os abordou no meio da rua, sob o sol quente, para dizer-lhes que o homem teria um segundo filho, abençoado pelo maior epíteto da Casa Dayne — uma estrela. E que além disso, esse filho traria glória para o pai e suas terras.
Gerold não era religioso e achou tudo uma grande baboseira, mas Clarissa fizera questão de revisitar a mulher no templo antes de eles partirem.
Ele, ao lado da esposa, entraram em um consenso que um filho era suficiente para ambos, até Clarissa abordá-lo, um ano atrás, sobre o renascimento de seu anseio em conceber.
Com um matrimônio ativo e próspero, não demorou muito até que a barriga da esposa estivesse inchada com o segundo filho deles.
(Gerold realmente pensava que era um tolo por ter prosseguido com tal coisa, mas jamais soube renegar os pedidos de sua estimada Lissy).
— O Rei Abutre começou a montar acampamentos nas Montanhas Vermelhas, primo. — Benedict informou a princípio, virando o corredor que vinha e parando a alguns metros de Gerold que o encarava, ambos ficando na linha reta do desabamento da sacada para as encostas do Mar de Verão. Benedict virou o rosto e olhou para lá, o espaço aberto tinha o balaústre pintado de branco e apenas uma cortina de seda que balançava com a brisa. E Benedict procedeu, reto como uma tábua e continuando a encarar a lua refulgindo. — Ele saqueou Ponta Tempestade com a ajuda do tal Borys Baratheon e retornou com a porra do rabo entre as pernas após a ação precipitada. Eu não dou muito até que o rei deles venha para culpabilizar todas as casas próximas à fronteira.
Agora Gerold compreendeu a rigidez impregnada nas feições de seu primo. Alguns dos contatos que mantinham por toda Dorne conseguiram descobrir, há algumas semanas, que o Rei Abutre era um remanescente menor da Casa Yronwood, filho de um bastardo deles. O título que usava o mantinha com uma fachada misteriosa que concebia a curiosidade e o medo, como o primeiro Rei Abutre fez na época de Aenys Targaryen.
Houveram outros no ínterim de mais de vinte anos desde a última vez que disputaram contra o Trono de Ferro, mas eram bandidos que usavam de tal nome e não fizeram movimentos tão audaciosos.
Mas este Rei Abutre... Ele possuía a sagacidade de um antigo lordezinho, Borys, que parecia remoer a posição perdida e o estava apoiando ferrenhamente nas investidas contra as Terras da Tempestade.
Gerold achava tudo uma grande dor de cabeça, porque os problemas dos outros Seis Reinos eram problemas dos outros Seis Reinos que não lhe desrespeitavam. Até que se aproximassem de seus domínios.
Completamente exausto, Gerold permitiu que seus ombros se encolhessem e limpou a garganta.
— Eles devem estar cientes de que o exército que Borys e Abutre reuniram são centenas de bandidos que não restrigem-se a qualquer outro dornês. — Contextualizou, gesticulando com as mãos. Ser o Lorde Dayne sempre lhe era um orgulho, mas precisar usar a clareza em um momento que sua única vontade era embalar sua esposa nos braços parecia insuportável.
Os gemidos de Clarissa voltaram e seu coração doeu de novo. Até Benedict encolheu-se com o barulho, suavizando o rosto em uma empatia solícita.
Gerold limpou o suor da têmpora, tomando uma longa respiração e concluiu: — Até que esse incendente não nos atinja vamos prosseguir em nosso silêncio confortável.
Benedict assentiu, estendendo-lhe um papiro.
— É do príncipe Quentyn. — Informou, remexendo o pescoço, como se para livrar-se dos maus agouros que lhe pesavam. — Você deseja que eu mantenha em seu escritório até que esteja disponível para lê-lo?
Ele estava com a resposta na ponta da língua, lembrando-se do porque gostava do primo às vezes, até que um grito de Clarissa novamente ecoou, dessa vez mais alto do que os antecessores.
Gerold empertigou-se instantaneamente, esfregando os olhos com as mãos em punhos e volteando-se para a porta. Antes que pudesse adentrar em um rompante, ela estava sendo aberta e a cabeça da mulher que rezava ajoelhada ao lado da cama de sua esposa despontou, os fios grisalhos soltando-se nos contornos do rosto demonstrando sua exaustão.
Ela deu-lhe o sorriso mais triste que ele já havia visto e murmurou, com a voz baixíssima e as mãos ainda agarradas na porta:
— O bebê finalmente saiu, senhor.
Saiu. Saiu. Saiu. Saiu.
Não "nasceu".
Gerold empurrou a velha mulher enrugada, Melissa, e sentiu os olhos arderem ao entrar no solar da esposa, observando-a completamente devastada e estirada na cadeira de parto. Mas viva. O suspiro de alívio que ele estava prestes a exalar outra vez fora sufocado ao encontrar o Meistre que detinha as costas de um bebezinho flácido e ensanguentado, com o cordão umbilical pendendo no ar, apoiado no antebraço do próprio que massageava sucessivamente a região do coração utilizando do pulso, tudo isso ao lado da lareira apagada e de costas para Clarissa que o perfurava com um olhar desorientado, seu choro incontrolável.
— Ela não chorou e respira muito fracamente, senhor. — Melissa relatou, desconfortável e completamente acanhada. — O Meistre está fazendo o melhor que pode.
Ele estava machucando aquela criança. Que era o bebê dele também. Mas se ela não chorava e respirava fragilmente, era porque não vingaria. Deveria para-lo de ferir o pequeno corpinho?
E ela. Era uma menina. Uma pequena garotinha. Sua boca secou e ele não conseguiu dizer nada.
— Peguem panos secos para sua senhora! E tragam mais leite de papoula! — O Meistre, mesmo em sua voz de barítono e ocupação, conseguira instruir. O grupo de mulheres se repartiu para as tarefas e Gerold encarou Clarissa outra vez, aceitando aquela breve distração de não precisar observar mais o cadáver da criança.
O toque da mão de Benedict roçou seu ombro como um fantasma, mas Gerold tropeçou para frente e ajoelhou-se em frente a esposa, os joelhos crepitando no piso. Os incensos que queimavam copiosamente não eram o suficiente para aplacar o cheiro de urina e as janelas abertas muito menos para refrescar o corpo completamente encharcado da esposa. Lorde Dayne ergueu os dedos trêmulos, o coração galopando tão furiosamente que ele poderia senti-lo em sua garganta.
Clarissa não olhou-o, muito centrada no Velho Meistre que tentava reanimar a criança, afogando-se no estupor, inconsciência e choque. Ela iria desmaiar de dor? Gerold enrolou as mãos em seu cabelo, tocando sua testa na dela.
A barra de sua camisola de algodão branco estava completamente revestida de vermelho, com sangue seco e líquido. As servas tentavam desfincar as unhas de Clarissa em carne viva que acabaram por perfurar o couro da cadeira de parto e andavam rodeando ambos, mas não ousando-se a afastar seu senhor da esposa.
— Lissy, olhe para mim... — Suas palavras foram abafadas pela própria pele dela e sentiu quando a esposa piscou, os cílios longos acariciando sua maçã do rosto, os olhos muito além dele e nem ao menos mais centrados na criança. — Por favor—
Entretanto, para a surpresa de qualquer pessoa, uma incredulidade lancinante preencheu a câmara da senhora Clarissa e o próprio Gerold fora silenciado quando um choro de bebê perfurou o ar. Pulmões fortes e ruidosos, ele virou o rosto incrédulo para onde o próprio Meistre parecia em choque, assustado e, a princípio, imóvel.
— Um milagre... — Sussurrou o homem de meia-idade, revirando a criança em seu colo enquanto as servas corriam para pegá-la. Agora, não parando de chorar, chacoalhando os braços e as perninhas.
Asterlayna nasceu naquela noite de 61 DC, no Coração de Tombastela, um bebê vindo ao mundo praticamente morto até que retornou, fortificando-se. Disseram que uma estrela cadente atravessava o céu etéreo à medida que sua filha era arrastada de dentro do corpo de sua esposa. Não encontraram o local de queda da estrela. E as palavras da sacerdotisa em Qohor, não muito tempo atrás, ecoaram em sua cabeça:
"Outra estrela cairá e bendita será ela."
Asterlayna certamente cresceria tão fulgorosa e bela quanto uma.
〘 ✦ 〙❛ *Quentyn Martell não é nomeado no livro Fogo & Sangue, tudo que sabemos é que ele é o pai de Morion, o Louco e foi o príncipe de Dorne nas duas décadas antecessores à Quarta Guerra Dornesa, em 82 DC.
〘 ✦ 〙❛GENTE, TO TÃO ANIMADINHA COM ESSA HISTÓRIA WOSJWISNNAKAKA adoro a perspectiva de fazer o reinado pacífico (quanto a guerras) do jaehaerys ter agitação, então vamos lá!!!!! Me contem suas opiniões, vou adorar saber <3
ATUALIZADO 04/04/2024.
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