AEMON I
⚜ Porto Real, Westeros.
82 DC.
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Aemon ponderava a cada verão presenciado, aos outonos tímidos nas vastas Terras do Oeste, de que ele certamente deveria estar algemado em um sonho longo, intenso e interminável como o frio nas Terras de Sempre Inverno, onde os dias prorrogam-se em uma vagarosidade longínqua e um vácuo contínuo se procria com invariabilidade, tornando-o em uma esfera oca do que o opulento prícipe que ele regozijou um dia ser, embora todos ainda tratassem-o como tal.
Com o coração angustiado, ele jamais desejou aquele silêncio — ávido e sufocante, que dava-lhe tempo para agonizar em pensamentos, em como tinha tudo e ausentava-se tanto em sua alma.
Sua gentileza adaptou-se à traços exaustivos que deveriam torná-lo mais velho do que seus vinte e sete dias de nome exacerbavam, mas seus lábios torceram-se no melhor sorriso que ele poderia enviar a senhora sua mãe, detentora de amorosos olhos azuis-safiras e belos cachos cor de mel que ornavam perfeitamente bem com os fios grisalhos que começavam a insinuar-se nas longa madeixas.
Contemplando Alysanne com a jovem Gael de apenas dois aniversários em seu colo, seus pensamentos instintivamente reclinaram-se para sua pequena rainha que estava nas aulas ao lado de septã Aurianna — na tenra idade de oito anos, Rhaenys era curiosa e inteligente além do que se exigia de si, impecavelmente desenvolvendo-se como a herdeira que ela estimava ser quando fosse chegada a hora.
Desde a partida de Daella para o Vale de Arryn, uma das jovens irmãs de Aemon e a que Rhaenys mais estimava após Alyssa devido seu zelo e instintos maternais para com ela, sua filha tornou-se estudiosa e centrada, especialmente pela solidão presenciada, pois Viserra preferia admirar-se em espelhos polidos de prata, constantemente embelezando-se, Saera era muito maliciosa em qualquer coisa que se propunha a ditar — concomitan
te ao pequeno desgosto florescido no coração de sua pequena princesinha ao constar que Saera era tão pouco gentil com tia Daella quanto o empinado tio Vaegon — e Maegelle recebera o manto de noviça há muito tempo, o presente que seus pais ofertaram à Fé após tamanhas conquistas transbordando bençãos dos Sete Deuses.
Rhaenys estava com Viserys em uma constância considerável, embora mais ordenasse o pobre menino do que o considerava. Seu sobrinho possuía gentileza demais no coração, jamais zangando-se com a prima mediante seu gênio orgulhoso e tratá-lo bem era sempre algo que Aemon frisava a Rhaenys; ainda que suas palavras fossem absorvidas por ela e encarregadas para fora logo em seguida. Já Daemon havia presenciado apenas uma primavera, um bebê de colo, que não era cabível às suas brincadeiras.
— Você deveria considerar. — Sua mãe soava hesitante, os lábios levemente trêmulos e o pescoço longo exigindo conforto para a pálida Gael repousar pacificamente a cabecinha ali. Concebida após as últimas gestações infrutíferas da rainha, era tão vinculada à mulher como se o cordão umbilical jamais tivesse se rompido, com Alysanne optando por sua presença constante ao invés de simplesmente designá-la para a ama de leite.
A favorita da bondosa Alysanne.
Mas os deuses eram testemunhas do quanto Aemon amava a Criança do Inverno por ter retornado o sorriso para os lábios da mãe após as difíceis perdas de Valerion e Gaemon, que definitivamente a dilaceraram muito mais do que apenas condená-la a meio ano de cama seguidamente aos partos corrosivos.
Aemon não poderia julgar a mãe por ser tão apegada, pois desfrutava do amor incondicional e esperançoso provido por uma filha; o que o impedia de passar o tempo todo com ela, agarrar-se a pouca alegria em sua vida e observar seus sorrisos ufanosos como mandava o sangue materno, eram suas obrigações como Príncipe Herdeiro e além, também como o Mestre das Leis do Pequeno Conselho de seu pai, uma posição meticulosamente elegida pelo rei para que ele estivesse envolvido nas decisões políticas intrincadas ao Trono de Ferro e de tal forma, ligado a cada um dos homens designados ao serviço da coroa, garantindo a lealdade deles.
— Não há nada para considerar, mãe. — Ele jamais seria passivo a erguer o tom de voz com Alysanne, mas desejava que suas palavras concisas fossem absorvidas. Inclinou-se para frente, espalmando o cotovelo esquerdo no apoio da poltrona para asseverar seu ponto de vista. — Sinto-me satisfeito pela maneira como me encontro.
Em resposta, a mais velha soltou um longo suspiro derrotado.
— Eu quero vê-lo feliz, Aemon. — Redarguiu a mulher, deslizando os dedos suavemente pelo cabelo perolado de Gael, que afundou-se ainda mais contra ela. — Casar-se novamente, após quatro anos, não é desrespeito algum.
Diferentemente do conselho, que reunia-se em uma cacofonia irritante e incessante de sugestões para que Aemon tomasse uma nova esposa — como sucessor de seu pai, muitos esperavam que ele possuísse uma rainha ao seu lado quando fosse a hora de ascender — enquanto o desejo de sua mãe era genuíno, na esperança de que ele encontrasse alegria e Rhaenys não crescesse envolvida em tanta solidão.
Mas, aparentemente, as pessoas não pareciam considerar que ele não desejava uma esposa e estava bem consigo mesmo (e sua senhora mãe encontrava-se inclusa nisto). E escondido sobre esse manto, havia muito do questionamento de que ele possuía apenas Rhae como sua filha e não um filho.
E agiam como se vosso pai já estivesse sepultado em túmulo ou com os dias contados. Muitos apenas ambicionavam entregar suas filhas em matrimônio a ele e criar laços prolongados.
— Eu entendo que não é desrespeito algum, mãe. Mas essa vontade simplesmente não me aflige. — Insistiu, remexendo-se de forma inquieta, mas mantendo o tom ameno. — Honestamente, espero que as falácias das septãs não estejam influenciando sua insistência.
Despedir-se de Jocelyn fora a mais árdua batalha de sua vida, observando-a adoecer lentamente, a rósea face transformar-se em algo pálido e as bochechas cederem encovadas porque nada parava no estômago. Flagelada pela tuberculose, sua esposa partiu com a mão flácida enrolada na sua, seus lábios roxos e a pele tão gelada como às águas furiosas que fustigavam o punho de Ponta Tempestade.
Eles estavam juntos, como companheiros e iguais desde quando Aemon ainda era uma criança de sete anos e a viu pela primeira vez no banquete que seu pai ofertou em felicitação a sua nomeação como Príncipe de Pedra do Dragão. Seus arreceios em ser prometido a alguma das irmãs rapidamente desvaneceram-se ao notar a compreensão se instalar nos olhos cintilantes da rainha conforme ela os encarava, Jocelyn segurando sua mão e rindo.
Aparentemente, essa compreensão não residia naquele momento, caso contrário, Alysanne perceberia o quão difícil era para Aemon abrir-se a qualquer coisa nova, a perspectiva soando-lhe até mesmo hostil.
Sempre o mais cauteloso e obediente dos filhos, nunca beligerante ao ponto dos pais precisarem interceder em sua disciplina. Esse era um de seus maiores castigos, tendo de suportar a insipiência de outrem acerca de seus sentimentos e vontades porque de fato nunca os intensificou para os olhos curiosos.
Se não fosse por Baelon arrastando-o para o pátio todos as manhãs, ele certamente estaria perdido, amargando. Se não fosse por Baelon simplesmente existir, Aemon estaria perdido em ameias de infinita tristeza.
— É claro que não! — Retrucou defensivamente, arqueando as sobrancelhas claras. Gael soltou um bocejo com a elevação do tom de voz repentino, mas brevemente acalmou-se. — Perdoarei sua acusação porque tenho certeza de que ela não é maldosa, jamais insinuaria algo assim, mas não posso evitar concordar de que esse assunto é recorrentemente pautado quando você não está presente e me deixou pensativa.
— Pautado pelos conselheiros do pai que estão preocupados apenas em conceder suas filhas e criar vínculos. E garanto, mãe, eles não se resignam a propagar seus anseios apenas às minhas costas. — Constatou o príncipe. Baelon quase sempre o acompanhava quando algum lorde o abordava com a sugestão de uma filha recém-florida, o assunto após esses encontros desagradáveis sendo ditado entre ambos com ironia; e pensar em seu irmão somado a essa questão trouxe um sorriso involuntário a seus lábios, pois evidentemente que Baelon era mais expressivo em sua visão a ambição dos homens, brincando com coisas como "Querem apenas entregar as filhas para produzirem netos que carregarão olhos violetas e após isso exibi-los para todos, orgulhosos de seus bebês prateados."
— Do que está rindo? — A mãe indagou, curiosa. — Presumo que estar ciente de que planejam coisas para si sem seu consentimento deveria inquieta-lo.
— Bae torna essa questão divertida. Esse assunto me acarretou no lapso de uma memória recente. — Aemon redarguiu rapidamente, puxando-se para juntar o pescoço na orla da poltrona. Eles estavam no solar de sua mãe, o espaço todo iluminado pela presença do sol invadindo as janelas arreganhadas.
A câmara privada da rainha exercia uma funcionalidade distinta ao restante dos quartos da Fortaleza Vermelha, sendo mais arejada e clara. Os azulejos de mogno escuro foram substituídos por de um azul claro como o céu e eram cobertos por tapetes franjados e dourados providos de Myr. As paredes de carmim pálido foram cromatizadas em um branco suave e revestidas com tapeçarias de um fino tecido, contendo gravuras que remetiam às epopéias de Valíria e seus costumes, todas costuradas pelo tecelão favorito da rainha, mas que contrastavam com o pequeno altar em honra aos sete que Alysanne mantinha no canto do recinto próximo às portas duplas de entrada do quarto de dormir, ambas com alcovas no formato da cabeça de um dragão de ouro.
Quadros pintados por artistas das Ilhas do Verão, Lys e Norvos estavam pendurados nas paredes ao gosto de sua senhora mãe e havia uma suntuosa mesa próxima a janela reservada para seus jantares com convidados especiais, posicionada estrategicamente próxima as longas janelas que desabavam no terraço.
A lareira octagonal era entalhada com um material branco como marfim, sua grade à frente sendo salpicada por uma coloração de bronze brilhante. Era onde estavam, com uma pequena mesa de madeira vermelha distendida entre ambas as poltronas e o pequeno berço de sua irmãzinha com pés esculpidos a ouro repousando ao lado de sua mãe.
— Fico feliz que transforme essa perturbação em seu relicário de diversão. — Redarguiu com certa ironia. O sorriso de Aemon expandiu-se mais e, agora, o desconforto de anteriormente não parecia mais tão agourento. Sua mãe poderia ser vista como a Boa Rainha, amorosa e suave, mas sua língua era afiada quando necessária e assertiva no que defendia.
Não o surpreendia que Rhaenys se inspirasse tanto nela.
— Mas falo sério, filho. — Prosseguiu, fitando-o com cautela. Aemon não tinha os olhos da mãe, com os seus sendo lilases pálidos, no entanto, acreditava genuinamente que ambos se uniram em um durante aquele instante. — Digo não pelos mesmos intuitos que até vosso pai pensa, mas sim porque você ainda é jovem e deveria permitir concessões a si mesmo.
Aemon suspirou fracamente, esperando que a tristeza não fosse tão evidente.
— Eu não sou jovem, mãe. Estou perto de completar três décadas de vida.
Alysanne olhou-o com repreensão e balançou a pequena Gael, que adormeceu pacificamente em um ínterim que Aemon não havia notado.
— Ainda é o príncipe encantado que as moças suspiram ao ver. — Argumentou, como se ele fosse um tolo por negar. — Dê-se um pouco de credibilidade.
— Talvez já tenha sido esse príncipe encantado, mãe, mas as páginas desse conto já viraram há muito tempo e agora sou viúvo e pai de uma filha. — Aemon inclinou-se para frente, apoiando o queixo na palma da mão, em uma tentativa frívola de evitar a dor que sentiu com as próprias palavras. — Hoje, tenho como preocupação me preparar para o futuro e cuidar de Rhaenys.
A rainha silenciou-se, mas ainda o encarava. Aemon pôde perceber os olhos azulados brilharem com um toque sútil de umidade.
— Creio cegamente que você merece encontrar alegria e companheirismo. — Ela levantou-se calmamente, balançando Gael de forma que ela continuasse confortável e não despertasse, ajeitando a manta bordada com o brasão Targaryen no fundo preto. Felizmente, a garotinha não emitiu som algum e sua mãe aproximou-se de si com passos cautelosos, mantendo Gael apoiada no pescoço pendente para trás e um braço rodeando as costinhas. Alysanne, por fim, estendeu a outra mão para pousá-la no cabelo como ouro branco de Aemon e acariciá-lo. — Prometa-me que se houver uma oportunidade que lhe acalente, não se fechará para a luz em sua vida novamente.
Aemon não conteve outro exalar. Se a senhora perdesse meu pai jamais se casaria, mamãe. Contudo, se garantias eram necessárias para apaziguar o coração da rainha, ele estava disposto a ceder.
— Eu entendo, mãe. E prometo considerar suas palavras com carinho. Mas prossigo a ressaltar que minha prioridade atual é nossa família.
Alysanne forçou um sorriso.
— Então que assim seja, meu querido.
Seu pai o escolheu para ocupar a posição de Mestre das Leis porque se provou habilidoso tanto para guerra quanto para paz, não apenas para que caía no gosto dos homens, ainda que isso seja um motivo a considerar. Sempre estarei aqui para apoiá-lo, seja qual for sua decisão. — A mão de dedos longos arrastou-se por seu rosto, passando pelos cílios, até parar no queixo, onde o apertou como quando ele era criança.
Foi sob o olhar atento de sua mãe, transbordando maternidade, que batidas foram ouvidas soando na porta. Aemon ergueu a mão para a comedir mediante a movimentação da rainha em deslizar até o pequeno corredor interligando a porta à sua câmera privada. Deixando o toque morno da rainha em seu rosto esfriar ao separar-se dela, dirigiu-se em direção ao batente de aqueduto e rodou a maçaneta, prezando a quietude de Gael.
O escrivão de Alysanne, um homem careca e velho — e na opinião de Aemon, inteligentíssimo, embora nenhum pouco belo —, de olhos fundos e orelhas grandes, pairava ofegante com uma missiva pressionada duramente contra o peito coberto por uma túnica de linho branco.
O príncipe herdeiro arqueou uma sobrancelha, que fora respondida com palavras sôfregas e ásperas.
— É do Ninho da Águia, Alteza. — Informou, permeando o papel amarelado bem de frente aos seus olhos, de forma que o brasão do falcão fundido na cera azul identificasse os Arryn como remetente. — Um corvo chegou há pouco. É escrita pela própria princesa Daella.
A confusão de Aemon se intensificou.
Na maioria das vezes, as cartas onde sua pequena irmã narrava suas experiências como a esposa de Rodrik e sua nova vida no Vale de Arryn eram escritas pela mais jovem enteada dela, lady Amanda, pois habituar-se a caligrafia não era algo que Daella dominava por completo. Para sua inquietação, o escrivão — Barneby, o príncipe finalmente resgatou o nome nas profundezas de sua mente — apenas emplacou a missiva à frente até ela tocar o peito de Aemon. Ele subiu uma mão e instintivamente a pressionou ali, com a outra agarrada na porta.
— Obrigado, senhor. — Aemon piscou, esforçando-se para enunciar as palavras após o instante de inquisição. — Eu entregarei a rainha.
Barneby deu-lhe um sorriso amarelado, o que o fez presumir se ele já não se fez a parte do conteúdo da carta, causando uma chama de preocupação ao príncipe diante sua postura atípica. Aemon fechou a porta ao se despedir do escrivão e retornou para o solar, encontrando a mãe encarando-o com olhos expectantes.
— Então, o que é? — A rainha indagou, depositando Gael no suntuoso berço de ouro localizado ao lado de sua poltrona e logo em seguida sentar-se mais uma vez.
— É uma carta de Daella, mãe.
Alysanne sorriu amplamente, a menção da filha trazendo um sorriso de alegria real e não de melancolia anterior. Aemon quase sentiu-se mal, mas forçou o canto dos lábios a se puxarem também.
Achar um marido decente a Daella provou-se um desafio para a bondosa rainha, que desejava ardentemente contemplar sua doce filha desposar um bom senhor e que fosse carinhoso com ela. Mas Daella assustava-se com a maioria dos pretendentes, com seus gestos cheios de insinuações e palavras grosseiras, até que ela encontrou a gentileza de lorde Arryn, embora ele fosse muito mais velho e já possuísse quatro crianças de seu matrimônio anterior. Daella ter afeiçoado-se a Rodrik acalmou todos os receios de Alysanne, ainda que tenha entristecido seu coração ao vê-los partirem de Porto Real.
— Daella? Leia-a para mim, querido, por favor. — Pediu gentilmente, esticando-se na cadeira para levantar o cobertor de sua irmã um pouco mais.
Aemon assentiu hesitantemente e rompeu o papel preso na cera. Desdobrando a carta, seus olhos se demoraram na caligrafia insegura de Daella, as palavras levemente entortadas como se houvessem sido escritas na pressa.
Sua garganta secou subitamente, o peito pesou e a umidade entre seus lábios esvaziou-se, restando apenas um desconforto indubitável.
O conteúdo da missiva informava que Daella estava grávida. E, enquanto isso deveria ser comemorado, — a princesa do rei, a pequena flor da rainha carregando uma criança em seu ventre — seu breve relato não transbordava nada além do palpável e maledicente pavor.
"Estou esperando um bebê. Mãe, venha, por favor. Estou com medo."
Há quantos luas sua irmã havia sido informada sobre essa gravidez? Qual era a razão pela qual agonizava em tamanha incerteza, se por acaso o Meistre responsável por seus cuidados alertou-a de algum risco substancial naquele período? Sua própria mente puniu-o outra vez com pensamentos excessivos. Ele sabia que Daella era pequena e frágil, então talvez...
A irmã não deixou muito espaço para se pensar, o que apenas tornou sua apoquentação mais profusa.
— Aemon? — Fora a voz da mãe, chamando-o, que o fez relutar em encontrar a evidente expressão de preocupação motivada pelo silêncio do filho. Relanceou os olhos para Alysanne, encontrando as rugas presentes no canto de seus olhos mais acentuadas. — O que aconteceu?
O príncipe herdeiro mais uma vez inspecionou o papel em suas mãos, tendo a certeza de que as informações, mesmo escassas, conseguiriam desestabilizar a rainha. Mas se Daella escreveu sucumbida a exasperação, era direito que possuísse o apoio que desejava receber, ainda que Aemon fosse egoísta em querer preservar a tristeza da rainha, sua mãe, no entanto, gostaria queria que a de Daella também fosse aplacada.
— É melhor que leia a senhora, mãe. — E Aemon estendeu-se pela mesa, esticando a missiva para que os dedos longos e elegantes da rainha a segurassem.
Ao retornar para seu assento, levou as mãos à própria mandíbula, o rosto mal barbeado áspero contra sua derme conforme contemplava a mãe não esboçar reação alguma, a excessão de uma palidez doentia afundando-se na pele. Daella sempre fora uma menina falante, exultante e ser mãe, sem perambulos, deixaria-a extasiada. Definitivamente havia algo de errado, entranhado o suficiente em si para torná-la tão comedida nas palavras.
Aemon tamborilou os dedos, de repente ansiado de forma avassaladora o sabor de um vinho doce correndo por sua garganta, enervando sua mente. O decanter de sua mãe estava absolutamente vazio, ocasionando em uma coçeira inquietante na garganta.
— Filho. — A rainha manteria a postura altiva se houvesse outras pessoas pairando sobre o recinto, a expressão impecável, taciturna e resiliente como demandaria sua posição, entretanto, na frente de seu menino mais velho, ela cedeu a limpar a garganta embargada para prosseguir, ainda que relutante. — Peça para os guardiões no Fosso prepararem Asaprata. Envie uma missiva à Vila Gaivota informando que a rainha passará por lá ao ínterim do caminho para os Portões da Lua.
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O aposento responsável por presidir as reuniões do Pequeno Conselho era tão luxuoso quanto o coração dos homens que pavoneavam as cadeiras ao redor da longa mesa retangular, uma cacofonia que constantemente ardia os ouvidos de Aemon, embora ele se esforçasse para compreender os anseios de cada um— ainda que não fossem nada além de anseios mesquinhos e triviais. A alta figura da Deusa Meleys posicionada à esquerda das enormes portas duplas, com olhos de granada polida, certamente parecia perturbar à Fé de Meistre Elysar, que parecia mais teimoso do que o costume.
Não me surpreenderia se os boatos que ouço sobre o homem, de que nem ao menos os senhores da Cidadela desejavam sua presença e almejavam livrar-se dele o mais rápido possível, fossem verdadeiros, Aemon ponderou, jocoso. Na época que passou a servir seu pai, Meistre Elysar não era nada além de um rapaz imberbe, mas nem os anos foram o suficiente para amadurecê-lo.
A ausência de sua mãe era notável e sentida, mas todos haviam sido informados anteriormente de sua partida para os Portões da Lua no instante em que puseram seus pés nas câmaras do conselho. Sor Ryam também precisou ausentar-se, escolhido como responsável para punir dois Mantos Dourados por ser comportamentos inaceitáveis no Portão do Dragão — mas o primo, Manfryd, certamente o manteria ciente do que fora discutido.
— Eles jamais se arrastaram para tão longe. — Pontuou Elysar, que era tão perspicaz para cura e insuportavelmente deprimente para política. Aemon pensava se as pesadas correntes entretecidas como um colar em seu pescoço não poderiam enforcá-lo. — E que os deuses nos protejam se continuarem a aproximar-se ainda mais dos domínios de Lorde Boremund.
— Os Degraus sobrevivem pela oscilação de poder. Eles certamente cansaram-se de lutar uns com os outros e estão se propondo ao que acreditam ser de seu direito; extorquir e roubar. Temos de mostrar-lhes que os Sete Reinos não são as ilhas fajutas que eles habituaram-se a saquear. — Septão Barth falou imediatamente, secando o suor que escorria pelo pescoço. Sendo a Mão do Rei e mais do que isso, seu melhor amigo, Aemon o estimava.
Ele era franco e brilhante, estando na companhia de seu pai desde que era um garoto. Nasceu de uma família comum, filho de um ferreiro e teve de ser entregue à Fé porque sua família não possuía renda para sustentar mais uma criança. Quando pequenos, ele e Baelon costumavam arrastar-se aos pé de sua túnica e importuná-lo com perguntas, rindo mesmo quando suas respostas eram sardônicas.
— E não discordo, senhor septão. Mas gostaria de levantar a discussão de que se tais homens estivessem propostos a tamanha ousadia, rumariam para Derivamarca. Por que arriscar-se a atravessar a Baía dos Naufrágios quando seu perigo é tão propagado? — Lady Florence Fossoway argumentou com sua postura impecável.
Ela era uma mulher admirável, sempre usando o cabelo loiro trançado e jogado sobre o ombro, com sua expressão contemplativa. Esposa de Martyn Tyrell, fez com que a renda do marido apenas crescesse, tornando a família soberana da Campina ainda mais rica, se possível — já viviam em uma posição que correspondia aos maiores hectares de Westeros após o Norte, tal como a terra mais fértil — e era a pessoa por trás do título de Lorde Tesoureiro, ainda que infelizmente não oficialmente. O marido, ao seu lado, comedia-se em observá-la expondo seu comportamento, mantendo-se como o tolo burro e calado que garantia regalias sobre o talento de Florence, nunca reconhecida.
— Os Velaryon possuem uma força naval estrondosa. Se os piratas dos Degraus ousassem abortar na terra deles, teriam uma batalha em mesmo nível e porte. — Lorde Manfryd Redwyne lembrou, seu cabelo como as chamas alaranjadas de um fogo atiçado parecendo uma bagunça cada vez que ele levantava a mão. Seu pai fez um murmúrio de concordância, muito pensativo.
Sabia onde a mente dele refugiava-se, porque a do próprio Aemon observava-se no mesmo lugar — a de preocupação com sua irmã, mesmo tentando convencer-se de que era um exagero inocente de Daella, ansiando por informações providas da rainha que partira há algumas horas no dorso de Asaprata. Os olhos fixados e compenetrados à porta para acompanharem o aviso de que um corvo chegou a capital.
Septão Barth, sentado à sua frente e à direita do rei, encarava-o com preocupação. Ao lado de Aemon estava o senhor Redwyne, com sua respiração sempre ruidosa.
E nem isso bagunçava a concentração do que pensava. Daella era tão pequena que, caso estivesse mesmo enfrentando uma gravidez de risco... Aemon ficou pálido por um instante e forçou-se a se recompor, batendo os dedos na coxa nervosamente. Esticou-se para apanhar o castiçal com vinho à sua frente e embebedou-se da amargura.
Ainda era um príncipe e sabia que todos desejavam ouvir suas opiniões. O filho do rei. Seu herdeiro. Precisava abandonar o choque enervando-o para expor o que pensava referente toda a situação. Era por isso que ele estava ali, afinal. Precisava ser o que Baelon afirmava com constância, a voz sempre brincalhona acentuando-se para seriedade; "O sangue do dragão queima em sua veia, nasceste com a justiça de imperadores da nossa antiga terra. Seja resiliente."
Haviam alguns dias que notícias de um enfurecido Lorde Boremund Baratheon, com seu sangue cantando quente e ríspido, chegaram informando a tentativa de um ataque — contido, no entanto — na sede da Casa Wylde, o castelo insolitamente chamado de Casais de Chuva. Por sorte, Lorde Steffon Wylde conseguira conter a invasão ainda no Cabo da Fúria, aproveitando de seu conhecimento da península para, com seus arqueiros, expulsar os invasores, não antes de perder alguns barris de óleo que guardavam nos barcos da costa.
— Creio que a questão que devemos ressaltar, meus senhores e senhora — A cabeça de Lady Florence abaixou-se para si, com um sorriso salpicando seus lábios cheios. — É que o litoral das Terras da Tempestade, como um todo, são ligados ao mesmo mar que corta por Dorne. Nossos espiões foram informados de que eles coroaram um príncipe recentemente, tal como o desgosto do novo governante pelo resto do continente e personalidade impertinente.
Septão Barth assentiu.
— Disseram que até mesmo os senhores da terra vermelha ressentem-se com seu comportamento desenfreado. — Acrescentou, cruzando os dedos longos em cima da mesa.
— Uma informação que certamente me causa questionamento, Septão. Todos eles possuem hábitos estranhos e atos de vulgaridade. — O Meistre Elysar redarguiu, aproveitando-se de seu ressentimento contra Septão Barth. — Certamente devem estar preocupados apenas no que afetará seus modos de vida escandalosos.
— Com todo respeito, Meistre. — Aemon sentiu uma veia saltar em sua testa, seu coração batendo mais forte. Ainda que houvessem décadas de rivalidades com Dorne, não permitiria a ignorância exacerbada de Elysar. — Não estamos aqui para falar de uma cultura que você considera divergente.
Ignorando-o quando Meistre Elysar exprimiu um suspiro alterado, voltou-se para Septão Barth e balançou a cabeça para que ele continuasse.
— Temos como fonte um senhor que navega pelas Ilhas de Verão, mas fornece sedas myrianas para Dorne. — Retomou, revirando o corpo na cadeira para que todos pudessem vislumbrar suas expressões. Se notaram, não disseram nada a respeito do silêncio do rei. Já Aemon não conseguia evitar dispersar, de soslaio, seu foco para ele, encontrando olhos duros como pedras de ametista. — Ele nos contou histórias de que o príncipe dornês tem andando comprando corsários e piratas. O que cria uma conveniência pertinente...
— Com licença, septão. — Pediu Manfryd, ao lado do próprio Barth. Sua mão repleta de anéis gesticulou-se no ar e ele pronunciou-se ao consentimento: — Mas de que maneira podemos atestar a garantia das palavras desse homem, meu príncipe? — Retornou para Aemon.
O príncipe soltou um suspiro disfarçado de sorriso ameno, estóico. Manfryd percebeu que não deveria levar isso ao rei.
— Temos ofertas mais vantajosas para seu trabalho. — Cadywn, o velho senhor vistoriando seu sexagésimo aniversário, não queria nada além de terminar seus dias finais navegando e tendo uma vida confortável com luxos. Luxos que os cofres da coroa poderiam proporcionar abundantemente. — E ele ouve os murmúrios vindouros de uma única língua em Dorne. São muitos os que comentam.
— O que o príncipe gostaria de dizer, Manfryd, é que pesamos o mais o bolso do informante dos que os dorneses. — Septão Barth redarguiu com seu comumente tom asqueroso. Aemon conteve um sorriso.
— Então estamos a mercê de um homem tomado pela ganância...
— Não posso deixar de notar suas tentativas intensas de problematização, Meistre. — Disse Florence com um tom rígido. — Ou de fingir distorcer o que dizem.
Mas Meistre Elysar a ignorou, procurando o direcionamento do rei.
— Vossa Graça... — A vozinha irritante de Elysar sobressaiu-se. Aemon era muito paciente, consideravam-no calmo, mas os nervos dele estavam ressaltados e os olhos reviraram-se disfarçadamente. — Gostaria de ouvi-lo.
Mas Elysar aparentemente não. Seu pai, entretanto, suavizou a severidade do rosto. A suntuosa coroa descansava entre seus cachos prateados e a lapela do gibão de veludo carmesim contornava seu pescoço magro e elegante.
— São meu Pequeno Conselho. — O pai manifestou, espalmando as mãos na madeira da mesa e impulsionando-se. Ao levantar-se, os olhos passaram por cada rosto, inclusive o do próprio filho. — Sempre me ratifico de ouvir as propostas de cada um, avaliá-los em suas discordâncias. Diante desse cenário, me propus a considerar suas suspeitas e planejo saná-las ou confirmá-las. Lorde Redwyne.
O homem imediatamente ergueu-se com toda elegância. Mas Jaehaerys levantou a mão para pará-lo, como se insinuando que ele poderia permanecer sentado.
— Sim, meu senhor... — Pronunciou-se Manfryd nervosamente.
— É o meu senhor naval e quero que selecione seus melhores navios e encaminhe-se para Ponta Tempestade. Escreverei para meu irmão Boremund solicitando que o receba junto a seus homens em sua casa. O grande problema pelo qual somos atormentados pelos Degraus é que não temos nenhum suporte próximo a ele para que possamos enviar suprimentos e homens em sua resguarda constante, tornando-o impossível de ser mantido a longo prazo. — O pai fez questão de salientar o fim, arrastando a cadeira com orla ornada com um crânio de três cabeças de dragão talhada à madeira vermelha e passando a andar por entre as cadeiras do Pequeno Conselho. — E é por isso que não vamos começar a dispersar nossos esforços agora, mas como ressaltado pelo Septão Barth, defender o que é nosso, de nossos homens; as Terras da Tempestade. Manfryd, deve vigiar os marés e capturar um desses homens e extrair toda a informação que puder dele. Aemon vai acompanhá-lo.
O príncipe arqueou uma sobrancelha, acompanhando o olhar do pai do outro lado da mesa, posicionado atrás de Martyn Tyrell. A ociosidade não pairava mais na face do homem que contribuiu para dar-lhe a vida, pondo-se em prol de Westeros. Sempre por Westeros.
— Conte comigo, Lorde Redwyne. — Aemon aceitou a ordem sem questionar, virando-se para o homem à sua esquerda. Manfryd sorriu-lhe.
— Ao resto, aguardaremos os resultados providos disso e então tomaremos uma atitude. Preservamos uma paz que perdura há mais de vinte anos e que eu não quero romper por conclusões precipitadas e sem fundamento, baseadas apenas nos achismos alheios. — A repreensão soou para cada um presente, inclusive o próprio Aemon, ele sabia; era isso que seu pai fazia, reunia as informações de cada conselheiro e separava-as na veemência que julgava, pensava consigo nas probabilidades mais favoráveis para enfim formar seu veredito.
Era o que seu pai sempre frisava para ele, para que soubesse disso quando fosse a vez de Aemon deter decisões sob seu jugo.
— Contribuiremos para os suprimentos, Vossa Graça.— Lady Fossoway informou com fluidez. Parado ao lado dela, Jaehaerys abriu um sorriso quando a mulher olhou para si.
— Apreciamos sua condolência, senhora. E a de seu marido. — Anuiu, jocoso.
Martyn Tyrell tossiu, envergonhado, corando dos pés à cabeça.
— Portanto. — Aemon ergueu-se, assim com os outros. As cadeiras rasparam o assoalho, todos os sete parados como gárgulas petrificadas. — Dou essa reunião como encerrada. — Jaehaerys finalizou.
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O luar cilíndrico rastejou-se pelo céu escuro em um dia que, mais uma vez, arrastou-se como se estivesse apodrecido — como houvesse presenciado e testemunhado mais coisas do que poderia se lembrar. O vento bramia nas janelas fechadas e ele degustou de um jantar com sua família, a mesa contendo travessas de frutas variadas, entre elas; romãs, melões, laranjas, uvas e pedaços cortados de maçãs verdes. Um enorme pernil de carneiro assado ao ponto no centro, temperado com ervamel, pimenta e noz moscada. Cubículos de queijo parmesão, batatas assadas e untadas com mel.
A pequena Gael repousava no colo do pai deles, Alyssa estava enlaçada a Baelon com seus dois meninos ao lado e Saera seguidamente. Vaegon optou por permanecer nos próprios aposentos, enfornado em livros como A Estrela de Sete Pontas.
Rhaenys, sentada na cadeira ao seu lado, esbanjava alegremente os brincos com os quais Viserra, ao lado dela, a presentou, com pedrarias de topázio. Saera estava visivelmente emburrada após o pai negar-lhe uma segunda taça do cântaro de vinho com mel e Alyssa lutava contra as mãozinhas gorduchas de Daemon que afastavam o ensopado de carne enquanto a mãe tentava alimentá-lo — ela poderia facilmente designar tal tarefa a ama de leite, mas prezava que fosse a responsável pelos cuidados dos filhos.
Sua filha descansou a cabecinha contra seu ombro, degustando das uvas verdes após terminar seu jantar.
Mesmo envolvidos nos próprios atos, eles estavam em silêncio, silêncio pela tia, irmã e filha. Não necessitavam de palavras para conforto, com a presença sendo o suprassumo — o sangue do dragão latente através da epiderme.
Enquanto estivessem juntos.
Porém, para Aemon, o dia prosseguiu-se interminável. E a notícia de Daella intensificou o longo pesadelo com prelúdio em 78 DC.
〘 ✦ 〙Eu planejava publicar esse capítulo com mais antecedência, só que, infelizmente; não tive tempo 😭 Mas saiu! Com ponto de vista do Aemon, espero ter conseguido deixar transparecer as sementinhas da Quarta Guerra Dornesa! O próximo capítulo provavelmente é pela Alysanne e confesso que tô bem ansiosa <3
〘 ✦ 〙Quero agradecer especialmente à vickhaleesi por essa capa LINDA e frisar mais uma vez que tô completamente apaixonada. Muito obrigada, amor 💜
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