Capítulo 26
2786 Palavras
~ Alana ~
Encontro-me sentada na cama, olhando fixamente para a porta de vidro, onde vez ou outra vejo vultos passando, e logo desaparecendo. Desde o momento que Rafaella passou o sal em frente a porta, nenhum outro fantasma invadiu o chalé.
Os quatro se organizaram na sala e estão montando guarda nas portas e janelas, para caso algum fantasma invadisse o chalé, eles avisariam e tentariam dar conta dele.
Até agora tudo esteve calmo, posso escutar o som da televisão, a qual dei autorização para assistirem e se manterem distraídos durante a noite, e também senti o aroma de café pouco depois. Além disso, agora escuto as conversas deles sobre como essa está sendo a noite mais bizarra de suas vidas.
Confirmo as horas, vendo que já passou da uma da madrugada. Com um suspiro me levanto, tendo ciência de que chegou a hora de ir.
Desço de volta a sala, recebendo os olhares de todos. Danilo e Jessica decidiram se posicionar na porta que leva ao deque, enquanto que Jackson e Rafaella montaram guarda na porta da frente.
- Estou indo. – Digo já me preparando.
- Tem certeza que quer ir sozinha? – Rafaella questiona sem deixar seu posto ao lado da porta. – Se Nicole e as irmãs são bruxas, ir sozinha será perigoso.
- Sim, será melhor que eu vá sozinha. Chamarei menos atenção. – Bato a ponta das minhas botas no chão, as ajeitando nos pés. – Jackson, pode me dizer onde fica a casa da Nicole?
- Só precisa subir a avenida principal, sem tomar desvios. – Jackson começa – Você chegará num ponto onde terão conseguirá ver toda a vila de Mauá, e ali, você irá para um casa com dois andares, muros altos e duas macieiras na frente. Não tem erro.
- Certo, não vou me esquecer. – Respondo repassando o caminho mentalmente mais uma vez – Vocês já decidiram o que vão fazer?
- Como assim? – Jessica pergunta.
- Vocês tem um carro agora, podem deixar as vilas e ir para um local seguro. – Digo os analisando com calma.
- Até que sim, mas não temos dinheiro para a gasolina, muito menos para nos hospedarmos em algum lugar. – Jackson diz esfregando uma mão pela nuca. – Ficar aqui e nos protegermos é a melhor opção que temos.
- Estão todos de acordo? – Um a um eles concordam – Certo, sendo assim não saiam do chalé de forma alguma.
- Boa sorte! – Ouço Danilo falar, e olhando para trás uma vez, cada um dos três me lança um discreto aceno, e então deixo o chalé.
Sou recebida pela escuridão da noite acompanhada por uma intensa ventania capaz de fazer o mundo inteiro a minha volta reagir freneticamente. O céu está carregado, e o frio chega a ser congelante.
Ocultados nas sombras da noite, vejo apenas seus vultos passando, mas ao que vejo tem muito menos espíritos do que antes. Eles vagam silenciosamente, e sei que é questão de tempo até estarem atrás de mim.
Sem demora avanço, vendo a maioria dos chalés ao redor já sem nenhuma luz em seu interior, e a falta de ruídos causados por pessoas faz com que eu me sinta em um local abandonado.
Alcanço a avenida principal, correndo os olhos de um lado ao outro rapidamente. Não vejo muitos fantasmas próximos, apenas alguns vagando solitários sobre a avenida, alheios a minha presença, e também não vejo aqueles fantasmas gigantes em nenhum lugar. Não encontrando nada que me impeça, sigo em frente.
Não acho que a casa fique longe daqui, mas levarei muito tempo se for andando. E tempo é uma coisa que não tenho.
Inclusive, conhecendo meu irmão, sei muito bem que ir andando até lá foi exatamente o que ele fez.
Bom, não gastei todo o poder da escuridão que meu irmão me emprestou daquela vez que fomos ao santuário, então... Talvez eu ainda tenha força o suficiente para isso, mesmo que fazê-lo não seja algo que me agrade.
Sem deixar de caminhar, respiro fundo e deixo vazar meu poder aos poucos. O ar frio expande em torno do meu corpo e o concentro ao centro das minhas costas, e por fim manifesto a energia sombria que ainda possuo.
Tal poder expande e as imensas asas se moldam nas minhas costas, fluindo sem parar sob as sombras da noite e unindo-se ao meu gelo. Com as asas prontas, as abro e vou ao céu, seguindo o caminho indicado.
Enquanto avanço, observo tal poder que meu irmão me emprestou. Sinceramente, não gosto deste poder... Não gosto nem um pouco dele.
A escuridão é inacreditável de tão intensa, uma força profunda que toda vez que a uso, sinto crescer cada vez mais... Mas não enxergo isso como uma coisa boa.
Nas vezes que pude utilizar o poder das trevas, tive a sensação de algo estranho surgir em seu interior... Algo inebriante e misterioso que me seduzia a mergulhar cada vez em sua essência sombria, instigando a usar cada vez mais, enquanto crescia e se instalava silenciosamente em meu corpo, nublando meus pensamentos, inibindo meu controle e corrompendo meu interior.
Mesmo agora, usando tão pouco da escuridão, consigo perceber facilmente a grande tentação de utilizar esse poder cada vez mais, e me deixar ser engolida por ele.
Sentir essa essência crescer e saber que está me corrompendo cada vez mais é assombroso. Me pergunto como meu irmão consegue usar esse poder, e ainda mais com tanta tranquilidade.
De qualquer jeito, não devo ficar pensando nisso agora. Tenho coisas mais importantes para me preocupar.
*****
Não levo muito tempo voando, até alcançar uma área com algumas casas bem grandes e, praticamente, nenhum fantasma ao redor. Não sei ao certo se é realmente aqui, mas mesmo no ar, consigo sentir uma energia assombrosa de tão imensa presente neste lugar.
Além disso, uma garoa fina mas muito intensa começou já a algum tempo. Uma forte ventania abafada está presente, o som de vários trovões ecoam, e intensos clarões iluminam o céu repetidas vezes, coisa que não estava acontecendo minutos atrás.
O clima está completamente anormal. Não tenho a menor dúvida que toda essa anormalidade é consequência da presença do meu irmão nas proximidades. Conforme ele se recupera, seus poderes vão ficando cada vez mais fortes, e o mundo ao redor reage a isso.
Desço ao chão devagar, e conforme me aproximo vou ficando cada vez mais desconfortável, e até assustada, com essa energia tão pesada. Agora mais próxima, percebo que alguma coisa parece estar emergindo do chão.
Sinto meus pés tocar o solo e dissipo minhas asas, encarando fixamente o que está emergindo continuamente por todos os lados, e me abaixo para olhar com mais atenção. Uma fluída chama profundamente sombria... É escuridão.
Isso só pode significar que meu irmão está por perto, mas nunca vi ele manifestar tanta escuridão de uma vez. O que está fazendo com que ele libere tanto poder?
Olho de um lado ao outro, reparando como o lugar inteiro está calmo. O barulho do vento junto ao canto das cigarras e o som dos trovões são os únicos sons ao redor.
Me levanto e avanço apreensiva, analisando cada uma das casas, e pelo grande tamanho e terreno de cada uma delas, o que de cara me faz pensar que as pessoas aqui são bem de vida, ou possuem alguma condição financeira bem confortável.
Apesar de não ter tantas casas por aqui, ainda assim elas são consideravelmente distante umas das outras, por isso minha busca acaba levando mais tempo do que eu esperava... Mas finalmente encontro uma casa de muros altos e macieiras na frente.
Olho através das grades do portão, procurando por câmeras ou qualquer coisa que denuncie minha presença, e como não encontro nada, pulo o muro sem me preocupar se serei vista por alguém.
Aterrisso no jardim, e sem me levantar, observo a casa de dois andares a minha frente. Está tudo apagado e não vejo nenhum sinal de movimentação, mesmo assim tenho que tomar cuidado, e cogitar que já saibam que estou aqui.
Ainda abaixada, vou me aproximando da casa, observando uma grande caminhonete um SUV e um sedan estacionados próximos a porta. Ignoro isso e dou a volta na casa, procurando inicialmente por qualquer fonte de luz, mas nada encontro.
Vou me esgueirando em torno da casa, procurando um local para entrar e investigar, vejo que que existe uma segunda casa nos fundos. Essa também tem dois andares só que é mais extensa do que a primeira, e apesar de estar rodeada de tralhas, percebo que essa tem algumas luzes ligadas no segundo andar.
Decido me aproximar para olhar mais, e quando estou bem próxima, ouço o barulho da maçaneta sendo aberta. Aperto o passo e consigo me esconder atrás da parede sem que me vejam.
- Quanto tempo ainda precisaremos esperar? – Ouço alguém falar, é uma voz feminina familiar... Mari.
Com toda a cautela para não fazer barulho, me estico e espio.
Mari está abraçando a si mesma, esfregando as mãos nos braços. Enquanto que a outra garota, que tem um livro e uma taça consigo, mal parece se incomodar com o frio da noite... E o mais anormal, elas usam vestidos idênticos.
Pelo jeito meu palpite estava mesmo certo, elas são realmente bruxas... Ou algo próximo disso.
- Acho que dessa noite não passa. – A outra responde, levando a taça a boca e bebericando seu liquido. – Você viu como a mãe esteve ansiosa o dia inteiro.
- Nunca vi a mãe tão empolgada assim Sarah. – Mari responde com a voz levemente trêmula, sem deixar de tentar se aquecer.
- E tem como não estar? – A tal Sarah responde animada, voltando a caminhar. Agora que penso a respeito, lembro de ter visto o rosto de Sarah em meio aos quadros que peguei naquele altar de adoração – Essa é uma noite memorável.
- Não tenho como discordar disso. – Mari responde aos risos, acompanhando o ritmo da outra garota – A inútil deixou de ser uma inútil. Devíamos fazer um banquete.
- Não fale algo assim... – Vejo as duas parando em frente a outra casa – Mas não vou negar que tem razão, depois de tantos anos ela finalmente fez uma coisa certa. Devemos mesmo fazer um banquete em comemoração.
Com essas palavras ditas, as duas entram na casa aos risos.
Por tudo que ouvi, posso supor que a quinta pessoa que estava naqueles quadros é na realidade a mãe delas. Bruxaria em família, isso seria muito legal se não estivesse nos causando tantos problemas.
De qualquer maneira, não posso ficar aqui parada perdendo tempo. Sei que estou no lugar certo, a questão agora é entrar na casa sem ser vista.
Avanço pela lateral da casa, checando se existe alguma janela aberta a qual eu possa usar para entrar, mas para meu azar, não encontro nenhuma. Dessa forma, retorno para a porta da frente e entro.
Me encontro em um corredor lateral, tendo uma porta dupla de madeira bem a minha frente, a minha esquerda uma escadaria que leva para o piso superior, e a minha direita uma outra escadaria, mas essa levando a um piso inferior.
A casa está quieta, mas tudo está muito calmo, mas consigo sentir uma presença muito forte aqui dentro, mas não é a presença do meu irmão. É outra coisa.
Respirando fundo, abro a porta a minha frente devagar, revelando um grande salão de reuniões. Adentro o espaço, curiosa a ver mais. Tem uma larga mesa ao centro atravessando parte do salão, e algumas mesas redondas com cadeiras espalhadas ao redor. De um lado do salão, vejo um grande bar com muitas bebidas diferentes em um armário de vidro, além de uma adega de parede com diversas garrafas de vinho.
Reparo também na presença de muitas plantas espalhadas em todas as mesas e paredes, o que tornam o ambiente bem mais leve. No alto, percebo a existência de uma espécie de mezanino com parapeito com grades balaustradas em madeira.
Caminho perplexa pelo salão, sem acreditar no que estou vendo, e parando próxima da mesa central, vejo do lado oposto a porta de entrada, vejo cinco cadeiras que mais parecem tronos localizados em um ponto mais alto em frente a uma cortina avermelhada pesada, onde todos podem ver.
Quando lembro-me do que vim fazer aqui, ignoro o lugar inteiro e, girando sobre os pés, deixo o salão às pressas, voltando a pensar apenas no que vim fazer neste lugar. Ao sair, olho de um lado ao outro, escolhendo por seguir pelas escadas que levam ao andar inferior.
Desço devagar, observando uma pequena sala de estar na base da escada. Encontro aqui alguns sofás e uma pequena mesa de centro, tendo anotações, livros e potes largados, e um corredor com algumas portas entreabertas.
Decido por chegar essas portas, pisando com o máximo de cuidado para não fazer barulho, e ao me aproximar da primeira das portas, ouço um barulho ritmado em seu interior. Tem alguém aqui.
Me esgueirando espio o cômodo, vendo se tratar de uma modesta biblioteca misturada com um tipo de escritório. Além da estante com muitos livros, percebo um armário de portas duplas aberto, e variados potes em seu interior.
E para minha surpresa, encontro Nicole, concentrada moendo alguma coisa em um pilão de porcelana, e logo checando alguma coisa num caderno a sua frente. Ela despeja o material dentro de um pote maior, alcançando um frasco com um liquido azul claro e o analisa.
Algo impossível ignorar me chama a atenção. Além de estar com a mesma roupa que as irmãs, por cima do vestido ela está usando o sobretudo do meu irmão.
Meu irmão nunca tira aquilo, não importa o que aconteça. Fizeram algo com ele.
Fecho meus punhos, querendo aproveitar desse momento de distração e atacá-la, mas se fizer isso, poderei alertar as demais bruxas que estou aqui. Por isso, indo totalmente contra minha vontade desse momento, respiro fundo e me afasto da porta, seguindo meu caminho pelo corredor.
Não posso me deixar levar pela minha raiva. Não agora.
Caminho para a próxima porta, e espiando seu interior, vejo um cômodo grande e bem escuro. Existem muitos móveis antigos aqui, e pilhas de caixas espalhadas ao redor.
E ao centro do quarto, vejo meu irmão desacordado e suspenso no ar por correntes que envolvem ambos os braços e pernas.
Chocada com o que vejo, me aproximo dele em passos trêmulos. Observo seu corpo que está com o tronco desnudo, não encontrando nenhum ferimento aparente. Ele está de cabeça baixa, e sem precisar tocá-lo, entendo que está desacordado.
Noto o suor caindo pelo seu rosto, seus olhos estão apertados com força, e tem ambos os punhos cerrados. Seu corpo inteiro está tenso, ele está tremendo, e é nítida a escuridão emanando de seu corpo continuamente, de uma maneira tão violenta que assemelham-se a raios de trevas a qual nunca vi antes... Não... Ele está sendo atormentado por seus pesadelos outra vez.
Não o feriram fisicamente, mas fizeram algo muito pior.
Olho todas as correntes, elas são simples. Consigo congelar e arrebentar todas sem dificuldades para tirá-lo daqui, porém quando estou para fazer isso, meus instintos disparam, percebo uma presença enlouquecedora se aproximando, e escuto passos.
Lanço meu olhar para trás por um segundo, e escolho um local para me esconder, pulando apressada para trás de algumas caixas e me ocultando na penumbra presente no quarto. Onde estou, quem entrar não conseguirá me ver.
- E então, ele despertou? – Ouço uma voz próxima. É uma voz feminina.
- Ainda não. – Ouço a voz de Nicole – Ele apenas se debateu algumas vezes.
- Que estranho, usei um feitiço poderoso mas nem tanto. – Ouço um tom pensativo, seguido por um segundo de silêncio – O que está fazendo?
- Achei que ele estava demorando para despertar, por isso decidi preparar algo para força-lo a acordar. – Nicole responde.
- Mas o que é isso Nicole? Está se superando bastante em apenas uma noite, achei que não me surpreenderia ainda mais hoje. – Ouço uma gargalhada de satisfação, pertencente a uma terceira voz.
- Estou gostando do que vejo minha filha, cada vez mais satisfeita com você... Continue desta forma. – A segunda voz se pronuncia novamente. – Vamos, suas irmãs já devem estar voltando.
A porta do quarto é aberta, mas nenhuma luz é acesa. Ouço alguns passos pelo lugar, prendendo minha respiração, tanto pelo receio de ser pega, como pela apreensão que essa presença me causa.
- Pode servir nosso convidado Nicole, mas tenha cuidado. Se aproximar dele nesse estado pode ser perigoso. – Escuto novos passos, e aperto os punhos na minha blusa, tentando com todas as forças permanecer onde estou. – E agora, tudo que precisamos fazer é aguardar nossa Cria do Abismo despertar.
O que ela disse? Ela sabe que meu irmão é uma Cria do Abismo?
- Tomara que não demore muito. Estou ansiosa por isso. – A terceira voz diz com uma empolgação maliciosa.
- Tenha paciência Talita, logo poderemos nos servir dele como quisermos... – A segunda voz diz na mesma malícia – E eu mal posso esperar por isso.
O que essas malucas estão pensando em fazer?!
Meu estômago embrulha ao ouvir essas palavras e entender o significado delas.
Respira Alana. Respira! Não posso agir agora, não posso agir agora. Devo esperar o momento certo.
Infelizmente, tudo que posso fazer agora, é esperar.
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