Capítulo 23
2818 Palavras
~ Alana ~
- Não estamos longe. – Danilo diz após seguirmos por algumas ruas.
- Como está se sentindo Jessica? – Rafaella pergunta com um semblante preocupado.
A garota sacode a cabeça uma vez – Eu não sei. Me sinto acordada e bem desperta, mas tem alguma coisa me incomodando.
A olho de soslaio – Esteve se sentindo desta mesma forma nos últimos dias?
- Não exatamente. – Jessica ergue o olhar – Me sentia cada vez mais cansada no passar dos dias, e por várias vezes desligava do mundo...
Danilo e Rafaella permanecem calados por alguns instantes, o que não passa despercebido para mim. Pelas caras que fazem agora, posso supor que ambos passaram por algo bem parecido nos últimos dias.
Apesar que agora, outra coisa me incomoda. Diferente dos outros lugares que passamos, esse está muito mais quieto do que o normal. Todas as casas estão fechadas, aparentando estarem vazias, e não vejo nenhuma pessoa pelas ruas.
Dá até mesmo a sensação de estar transitando por um local deserto.
- É aqui... – Danilo diz ao chegarmos em frente a uma casa, e de imediato meus instintos entram em alerta.
Não sei eles, mas consigo sentir claramente como a energia em torno desta casa é completamente anormal de tão negativa. É muito mais pesada do que o restante da cidade, de forma que só de estar aqui, o nervosismo cresce em meu peito.
Olhando apenas por fora, não existe absolutamente nada nesta casa que cause tamanho desconforto. Tudo parece tão em ordem como as demais casas da região, mas sei bem que existe alguma coisa muito errada dentro desta casa, de tal forma que meu corpo se recusa a querer avançar.
Não sei o que existe dentro desta casa, mas pretendo descobrir.
- Vocês esperam aqui. – Digo num sussurro. – Eu irei olhar mais de perto.
- Depois do que nos contou, quer entrar ali sozinha? – Danilo questiona, e assinto, já avançando para o portão da casa.
- Se você não voltar em cinco minutos, nós iremos entrar. – Rafaella diz num meio sorriso, tentando disfarçar o quanto está tensa.
Paro de caminhar já com a mão no portão, e os olho sobre o ombro – Se alguma coisa acontecer lá dentro e eu demorar para voltar, não venham atrás de mim. Vocês devem ir embora o mais rápido que puderem.
- E vamos te deixar lá dentro? – O tom incrédulo na voz do rapaz é perceptível.
- Irei dar meu jeito de sair. – Respondo séria, voltando a focar na casa – Mas não importa o que aconteça, vocês não devem entrar ali.
- Se você não sair, o que a gente faz? – Jessica pergunta.
Hesito por um segundo, refletindo o que dizer a eles – Saiam das vilas e vão para a cidade mais próxima.
- E ficaremos de braços cruzados? – Rafaella pergunta um pouco mais alterada.
- Se algo me acontecer, meu irmão ainda está por aí. – Ergo meus olhos ao céu, vendo como o clima parece cada vez mais instável. Isso me faz esboçar um sorriso, por entender que ele está próximo de estar recuperado – E com toda certeza, ele dará um jeito de resolver as coisas... Ainda mais se estiver irritado.
Não me dou mais ao luxo de ficar conversando, empurro o portão que já entregou minha presença com seu rangido escandaloso, e avanço rumo a porta da casa. A cada passo meu nervosismo aumenta, meus instintos me deixam em alerta do iminente risco que estou entrando, mas não vou parar agora.
Mal me dou ao trabalho de bater à porta, que está entreaberta. A empurro devagar, observando as luzes ligadas, alguns papeis e cadernos abertos sobre o sofá, e o que parecem vozes vindas de algum ponto da casa.
Aproximo-me devagar do sofá e confirmo rapidamente o que está no sofá, mas não passam de listas de comprar e anotações sem grande relevância sobre dividas.
Começo a me dar conta do cheiro de parafina no ar. Vou me guiando pelo cheiro, parando ao alcançar um quarto com a porta aberta. Espio e percebo que ali existem duas pessoas, um homem e uma mulher, ambos de mais idade pelos seus vários cabelos grisalhos, ajoelhados de frente ao outro bem em frente a cama.
Seus olhares são vazios, porém ambos movem suas bocas repetidas vezes num sussurro mudo. Arrisco entrar no quarto em passos cuidadosos, me lembrando do que meu irmão disse quando encontrou aquele senhor, ele chegou puxá-lo e o mesmo não teve nenhuma reação.
E agora que estou ao lado deles, o mesmo acontece. Eles parecem ignorar minha presença completamente, por mais que eu esteja sacudindo a mão lentamente bem em frente a seus rostos. É quase como se eu não estivesse aqui.
Passo meus olhos ao redor, buscando qualquer coisa no quarto que indique qualquer anomalia, mas não é isso que vejo. É apenas um quarto de um casal adulto, tendo poucas decorações bem modestas em apenas uma das paredes.
Levanto e deixo o quarto, seguindo pelo corredor até uma porta fechada, onde escuto vozes sussurradas do outro lado. Aproximo-me ao máximo a fim de ouvir o que falam.
- ... E o mais importante, disseram que está muito próximo. – Ouço uma voz masculina conhecida, é Tadeu. – Por isso, devemos estar preparados para este grande dia.
- Elas já deram uma previsão de quando será? – Desta vez, ouço uma voz feminina.
- Ainda não, apenas que está próximo. – Um momento de silêncio acontece – Meu amor, não faça essa cara.
- Como não farei? – Ela diz, um pouco impaciente.
- Sei que está ansiosa por isso... Também estou e mal posso esperar para quando acontecer. Mas devemos ser pacientes. Elas nos recompensarão por isso. – "Elas"? Do que estão falando?
Afasto-me da porta, indo para o único quarto que ainda não entrei. Acendo a luz, encontrando algo bem inesperado, e principalmente, a fonte de toda a energia pesada.
O quarto tem todas as paredes cobertas por uma pesada cortina de coloração vermelha escura, o que torna um lugar bem claustrofóbico e abafado.
Ao centro existe uma grande mesa redonda com um pentagrama talhado na madeira, tendo em cada ponta da estrela, largos castiçais de ferro sem velas nas pontas. E em cada uma das pontas, existe uma cadeira, tendo somente uma com um encosto alto.
Nos móveis ao redor, encontro potes com algumas ervas variadas, folhas, incensos, amuletos, estatuas, livros muito antigos e também velas de diferentes cores.
Mais ao fundo vejo diversos potes, alguns de argila, caldeiras e frascos, alguns vazios, outros com líquidos de cores diferentes aos quais não sei identificar o que são.
E do lado oposto a porta deste quarto, tem o que mais me chama a atenção. Observo um altar de madeira escura com um pano branco o cobrindo, e sobre ele, cinco molduras de madeira talhada estão presentes.
Minha mente explode em pensamentos ao entender que tudo que sabíamos até agora pode estar errado, e nossas suspeitas estarem voltadas para o lado errado.
Não perco meu tempo, saco meu celular do bolso e começo a tirar fotos de tudo que estou vendo. Avanço pelo quarto, sem me importar se tirei cinco ou dez fotos da mesma coisa, tudo que sei é que preciso registrar tudo que puder.
Definitivamente estou próxima da resposta de todo esse problema.
Paro em frente ao altar e tiro algumas fotos, porém ao prestar mais atenção, observo as cinco pessoas que aparecem nos quadros com calma. Três delas não sei quem são, porém duas delas reconheço de imediato. Mari e Nicole.
Então... A Nicole está mesmo envolvida nisso tudo?
Mal tenho tempo de organizar meus pensamentos, quando meus instintos me alertam da presença de alguém, e movendo meu rosto devagar, vejo a silhueta da pessoa parada na porta, e percebo que esta tem um punhal em mãos.
- Quem é você? – Ouço a voz feminina de antes.
Viro-me devagar, encarando a pessoa, que percebo se tratar de uma mulher consideravelmente jovem, com um semblante selvagem que contradiz qualquer traço de beleza que ela possua.
- Cabelos ondulados brancos e olhos de cor purpura... Então, você é a turista tão falada nas vilas ultimamente. – Ela diz, erguendo o punhal em minha direção e avançando em passos cuidadosos.
- Meu amor, o que houve? – Tadeu entra na sala, olhando primeiro da garota a mim. O rapaz possui o mesmo semblante vazio como da outra vez que o vi, e mesmo com um olhar feroz, é possível enxergar um pouco desse mesmo vazio na garota – Alana? O que faz aqui?
- Eu é quem pergunto. O que vocês fazem aqui? – Questiono correndo meu olhar ao redor rapidamente.
- Você conhece ela amor? – A garota pergunta sem desviar os olhos de mim.
- Conheço. Ela e o irmão saíram comigo e algumas pessoas esses dias. – O rapaz aproxima-se em passos cuidadosos, me encarando e erguendo uma mão, não sei se esse gesto foi uma tentativa de me pedir calma, ou de erguer sua guarda – Você não deveria estar aqui... Como entrou?
- Estavam preocupados com você, me pediram para vir vê-lo. – Respondo recuando um passo, e sinto minha cintura encostando no altar. Estou sem saída.
- Quem? – Questiona.
- Rafaella e Danilo. – Digo, agora vendo que a garota também avança.
- Ah sim, eles... São bons amigos, inconvenientes, mas bons amigos... – Ele diz com a voz sussurrada. – Mas isso não explica você invadir nosso espaço de devoção.
- Devoção a quem? – Olho de um ao outro repetidas vezes.
- A nossas senhoras, é óbvio. – Ele exibe um sorriso instável, e percebo como seu olhar vai aos quadros por um rápido instante – Devoção a quem abriu nossos olhos, devoção a quem nos mostrou a verdade, devoção a quem nos guia... Devoção a quem iluminará este ínfimo povoado...
Os dois movem-se devagar, e de cara percebo que estão tentando me cercar aqui dentro. Minha saída será derrubando ambos, ou pulando sobre a mesa.
Ficar aqui só piorará as coisas, e vendo a urgência da situação, respiro fundo e meu corpo inteiro tensiona de uma vez no momento que concentro toda minha força e calafrios percorram minha pele.
Com esta sensação, o ar frio se vê presente ao meu redor como uma névoa branca que se expande e toma o quarto em poucos segundos, a qual o som do gelo crescendo ao redor pode ser escutado.
Os dois olham ao redor com certa surpresa, claramente sem entender o que está havendo. Quando finalmente entendem que sou eu quem está manifestando todo o ar frio presente neste lugar, ambos se voltam para mim, preparados para atacar.
Ergo os braços e, abusando de todo o poder presente ao meu redor, o concentro em torno de meus braços e libero uma intensa rajada de vento de uma vez, que arremessa ambos para longe de mim e caem pesadamente ao chão derrubando várias coisas consigo.
Aproveitando desta oportunidade, pego as cinco molduras sobre o altar e disparo para fora do quarto. Uma mão até agarra minha perna com força e, apesar de me desequilibrar, consigo me manter de pé desvencilhando do aperto, e sair correndo.
- Não! Ela está fugindo! – Ouço os gritos da garota já longe de mim.
A figura masculina de antes emerge da porta, me olhando de soslaio com o mesmo ar vazio de antes. – Ora, temos uma intrusa... – Ouço sua voz grave, porém ele mal tenta me impedir quando passo por ele, mas sinto seu olhar nas minhas costas.
Nesse instante, um calafrio macabro sobe pela minha espinha.
Atravesso a sala sem parar de correr e consigo sair da casa, sendo confrontada por três pares de olhos confusos assim que me aproximo. – O que aconteceu?
- Precisamos sair daqui! Agora! – Respondo sem sequer saber quem me perguntou. Olho para trás de relance – Eu explico tudo mais tarde. Vamos embora rápido!
Mal me dou ao trabalho de esperar, apenas corro sem olhar para trás novamente, ansiando por alcançar o chalé onde estou hospedada o mais rápido possível.
*****
Avanço em passos apressados para o chalé, escutando apenas os passos de Danilo, Rafaella e Jessica logo atrás de mim. Ergo meus olhos ao céu rapidamente, observando os tons profundamente escuros sobre nós.
Alcançamos o chalé e destranco a porta, entrando de imediato – Cheguei irmãozão!
Não tenho nenhuma resposta. Isso só me deixa mais nervosa.
Deixo os quadros sobre o sofá e avanço primeiro para o deque, logo em seguida para a cozinha e por fim subo ao quarto, mas não encontro meu irmão em nenhum lugar. Ele não está mesmo no chalé.
Retorno para a sala sentindo meu coração apertado, observando os três no sofá, completamente abalados. Tenho que dar um desconto, eles estavam tendo dias normais, e de repente, são bombardeados com todos esses acontecimentos.
Jessica alcança os quadros no sofá, olhando cada um deles por um longo momento de silêncio – Por que trouxe esses quadros?
- Estavam em um tipo de altar de adoração lá na casa do Tadeu. – Explico apertando a boca, lembrando-me daquele lugar e a energia pesada presente ali.
- Um altar? – Ela questiona novamente.
Assinto levemente – É, eles parecem ser devotos a elas... Ou algo assim... Ao que parece elas são bruxas, e também as responsáveis por tudo.
Danilo se aproxima, olhando para os quadros – Então... A Sarah e a Talita também estão envolvidas nisso...
- Quem são essas? – Ergo uma sobrancelha.
- As irmãs mais velhas da Mari e da Nicole. – Jessica responde, abaixando o olhar novamente – Agora faz sentido Nicole sempre ter gostado tanto de bruxas, ela é uma... Mas não consigo acreditar... As quatro estão causando isso?
- Quem é essa última? – Danilo pergunta olhando a quinta foto, sendo essa de uma mulher um pouco mais velha, aparentando seus trinta anos e beleza indiscutível.
- Talvez seja quem esteja liderando as quatro. – Respondo pensativa.
Rafaella solta um suspiro inquieto e nos olha – Mas e agora?
- Eu não sei... – Jessica responde esfregando uma mão no rosto.
Olho para os três que me acompanharam o dia todo, cruzando os braços enquanto me aproximo delas. – Gostaria de dizer que estão seguros aqui... Mas estaria mentindo.
- O que nós podemos fazer? – Danilo questiona me olhando.
- Meu principal conselho continua o mesmo... – Digo, e os três erguem seus olhos a mim. Mesmo sabendo o que tenho a dizer, me olham com expectativa – Acho que vocês devem deixar as vilas o mais rápido que puderem.
- A cidade mais próxima daqui é Rezende, mas sem um carro, não temos como chegar lá. – Danilo explica pensativo.
- E algum de vocês tem carro? – Questiono olhando a cada um dos três, mas a resposta que tenho são acenos negativos – Tudo bem... E mesmo se tivessem, já está anoitecendo. Sair agora para buscar um carro não é uma boa ideia, sabe-se lá o que estará rondando essas ruas durante a noite.
- Espera, lembrei de alguém que tem carro. – Danilo diz nos olhando – O Jackson, podemos chamar ele.
- Será que ele viria? – Rafaella pergunta.
- Posso tentar ligar para ele. – O rapaz responde, pegando seu celular.
- Então, o que fazemos? Ficamos aqui e esperamos? – Rafaella pergunta.
- Se o Jackson não vier, sim. Pelo menos até o amanhecer, que é quando poderão sair. – Respondo pegando a tela com o pentagrama, e o quadro com a foto de Nicole, decidida a resolver isso – Durante a noite, o principal problema são os fantasmas. Eles costumam surgir durante a madrugada, mas devemos esperar que eles que venham mais cedo.
Os três trocam um olhar – E se aparecerem, o que podemos fazer?
- Usem sal, funciona bem contra eles. Temos uma boa quantia aqui no chalé, será o bastante para conseguirem se proteger. – Sigo em passos lentos para a cozinha, tendo os olhares de todos em mim – Recomendo que façam algo para se manterem acordados durante a madrugada, lavem o rosto com água gelada, bebam bastante café, peguem algo na cozinha da pousada... Não sei, mas fiquem acordados.
Ao entrar na cozinha observo algumas sacolas deixadas com alguns pacotes de sal em seu interior, provavelmente deve ter sido coisa do meu irmão.
Durante todo o caminho de volta, estive refletindo sobre tudo que vi na casa de Tadeu, tentando unir todas as peças que consegui hoje. Aquela sala de rituais, símbolos, velas, aquele altar com aquelas fotos... Tudo foi se encaixando na minha mente, conforme repassei cada um dos nossos dias nessas vilas e tudo que vi hoje.
Desde o início nosso problema não são fantasmas. Nunca foram. Mas sim quem está controlando eles, e agora sei o que, ou melhor, quem são. Bruxas.
Não uma ou duas, mas sim cinco delas.
E agora vendo a foto na minha frente ao lado da tela pintada por Jessica mais cedo, a certeza que tenho, é que Nicole está envolvida nessa história inteira desde o começo. Mas ainda não entendo o motivo dela ter tentado se aproximar do meu irmão.
Pego meu celular e começo a olhar as mensagens, buscando saber se meu irmão deu alguma notícia de onde esteja ou o que pode estar fazendo, e a última mensagem que ele enviou me deixa em choque.
Ele está indo para a casa de Nicole.
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