Capítulo 20
2483 Palavras
~ Alana ~
Confirmo todas as minhas coisas, as lançando nos bolsos da minha blusa. Pego um papel que deixei sobre o sofá, onde deixei anotadas algumas pessoas que quero investigar mais de perto.
Subo o zíper da blusa e solto meus longos cabelos brancos, e por fim lanço meus olhos em direção da varanda, onde enxergo meu irmão parado apreciando o pesado amanhecer nublado de hoje.
Avanço devagar, parando no batente da porta e o observando. Ele já está ali a algumas horas, apenas olhando o horizonte.
Desde que o conheci, o vejo fazendo isso. Sempre sozinho.
Neste momento, posso ser quem melhor o conhece, que sabe o que o aflige silenciosamente, e também que entende o que ele quer expressar sem a necessidade de palavras.
E mesmo assim, às vezes meu irmão é uma figura misteriosa até para mim.
- Você está quieto já faz algum tempo. – Digo me aproximando do meu irmão. Ele me olha sobre o ombro, acompanhando meus passos até que eu pare ao seu lado – No que está pensando?
- Apenas... Nos últimos dias... – Suas palavras saem num sussurro, seu olhar baixa por alguns segundos até por fim voltar ao horizonte junto a um demorado suspiro. Ele até pode tentar me enganar ao falar isso, mas só existe uma coisa que ocupa seus pensamentos quando ele fica desse jeito. – Temos que acabar logo com isso Alana.
- Então precisamos estocar sal, e esperar aqueles seres retornarem. – Apoiando meus cotovelos no parapeito, o observo de soslaio. Noto que ele soltou um pequeno sorriso da minha tentativa de fazer graça, enquanto segura a pedra do colar que presenteei com firmeza, a movendo devagar entre seus dedos – São grandes, mas ainda são espíritos.
- O problema é esperar aparecerem. – Ele faz uma expressão de tédio – E pra piorar, eles não aparecem durante o dia... De qualquer jeito, o que acha de sairmos para nos distrair?
- Adoraria, mas tem uma coisa me incomodando. – Digo pensando no que venho reparando nessas vilas – Ainda tenho algumas suspeitas. Por isso, quero sair e investigar mais.
- Sairá daqui quanto tempo? – Ele torna a olhar para frente, batendo seus dedos na madeira repetidamente.
- Já estou saindo. – Respondo, passando minhas mãos pelo cabelo, o ajeitando por algumas vezes e por fim o olhando. – Estou bonita?
Meu irmão ergue uma sobrancelha, me olhando de cima a baixo por uma vez – Você vai sair com alguém, não é?
Seu comentário tão repentino me faz rir espontaneamente, e com a cabeça nego isso de imediato. – É claro que não. De onde você tirou isso?
Ele sorri de canto – Você nunca me pergunta se está bonita, afinal, sempre diz a si mesma que sim.
- Para de inventar coisa... O arrasador de corações aqui é você, não eu. – Respondo com uma gargalhada.
Ele ri junto de mim, me puxando para um abraço de lado – Vou fingir que acredito. Se quando voltar, estiver toda animada, saberei que foi encontrar com alguém sim.
- Você é um chato irmãozão! – Digo aos risos retribuindo seu abraço da mesma forma, encostando a cabeça em seu ombro. – Estou indo... Vai se cuidar?
- Vou sim. – Ele desfaz o abraço, apoiando a mão em meu ombro. – Se cuide também.
- Com certeza. Te mandarei notícias. – Digo seguindo para a porta do chalé, acenando para ele antes de sair.
Encosto a porta atrás de mim, e respiro profundamente, fitando o céu nublado. Um dia frio e, por mais que me sinta bem em dias frios, hoje alguma coisa está me deixando muito desconfortável.
Não contei ao meu irmão, mas minhas suspeitas estão principalmente sobre Nicole. Tudo que espero, é que minhas suspeitas sobre ela estejam erradas...
Não gostaria que logo a pessoa que tanto faz meu irmão relembrar seu passado conturbado, mesmo que de uma forma mais leve, também seja a pessoa causadora de todo esse problema envolvendo os fantasmas... Mas não tenho outra opção além de ir a fundo nessa história.
De qualquer jeito, não tenho tempo a perder. Preciso investigar o que está havendo, e acredito que estou no caminho de finalmente descobrir tudo.
*****
Avanço pela vila de Mauá, terminando de ver uma mensagem do meu irmão. Pelo visto, Nicole o chamou para dar uma volta, e ele disse aceitar já que seria uma chance de observar as pessoas.
Uma parte de mim acredita que não é bem esse motivo... Mas no agora, não quero pegar no pé dele sobre isso. Só espero que seja um momento bom para que ele consiga aliviar o que quer que esteja passando em sua cabeça.
Vou me aproximando da loja onde compramos nossas primeiras lembrancinhas da cidade e entro sem espera. Desta vez a loja está bem mais cheia do que das últimas vezes, e vejo que tem mais pessoas fazendo o atendimento.
Ignorando toda a movimentação, e também as várias decorações que enchem meus olhos, avanço diretamente para o balcão, procurando pela garota que nos instruiu sobre os fantasmas. Se me lembro bem, seu nome era Jessica.
- Bom dia moça. Precisa de ajuda? – Ouço bem perto de mim, e ao virar, vejo uma mulher com um sorriso amigável e bem simpático.
- Mais ou menos, estou procurando uma pessoa que trabalha aqui. – Digo correndo os olhos de um lado ao outro e voltando a mulher – Ela se chama Jessica. Meu irmão encomendou um quadro com ela esses dias, e vim ver se está pronto.
- A Jessica... – A mulher sacode a cabeça de leve – Ela não está vindo esses dias. Ela disse não estar se sentindo muito bem.
Não está se sentindo muito bem e a dias não vem trabalhar... Será que ela foi visitada pelos fantasmas nas últimas noites, e agora está sofrendo os efeitos dessas visitas?
- Entendi, obrigada. – Digo e a mulher faz um aceno positivo, e assim que ela se vira, algo me vem em mente e a chamo – Espere, tenho mais uma pergunta.
- Sim? – Ela pergunta com as sobrancelhas ao alto.
- Onde ficam os imãs de geladeira? – Digo esboçando um sorriso – Esqueci de comprar quando vim da outra vez.
- Eles ficam bem ali, naquele painel. – Acompanho o olhar da mulher, e encontro o painel com vários imãs de geladeira diferentes.
Levo alguns rápidos minutos escolhendo alguns imãs para decorar a geladeira quando voltarmos para São Paulo, por mais que meu irmão e eu passemos pouquíssimo tempo morando naquele apartamento, e mais tempo no Abismo. Mesmo assim, isso não impede de levar decorações novas.
Deixo a loja em passos lentos, refletindo o que fazer a seguir. Olho de um lado ao outro, encontrando muito mais pessoas com um ar de exaustão nítido, e muitos outros perambulam com olhares perdidos.
- Olá Alana. Dando uma volta? – Ouço uma voz masculina conhecida, e vejo Danilo e Rafaella se aproximando, ambos com sorrisos amarelados.
- Estou sim, queria aproveitar um pouco mais daqui antes de voltar pra casa. – Digo sorrindo, e vejo essa como uma oportunidade de continuar investigando.
- Quando você volta pra São Paulo? – Rafaella pergunta.
- Acho que nos próximos três ou quatro dias estarei voltando. – Acredito que nesse tempo conseguiremos resolver tudo por aqui. É minha aposta.
- E o que planeja por hoje? Dar uma volta? – Danilo questiona, e quando percebo já estou caminhando lentamente com eles.
- Só mais tarde. – Lanço meus olhos para a loja que acabei de sair – Vim ver se o quadro que meu irmão encomendou já estava pronto, mas não encontrei a pessoa.
Rafaella olha para mim, e em seguida para a loja – Essa pessoa seria a Jessica?
- Sim, você a conhece? – Questiono.
- Conheço, a família dela e a minha são bem próximas, e já encomendei alguns quadros com ela. – A garota torna a olhar para mim – Ela mora a poucas ruas daqui. Se quiser podemos ir até lá.
- Claro, até prefiro falar com ela o quanto antes. – Respondo e, quase que de imediato alteramos o rumo da nossa caminhada.
Fazer essa visita será uma boa forma de já descobrir se ela teve ou não algum contato com os fantasmas, seu comportamento entregará isso. Além disso, poderei observar mais a fundo como esses dois estão.
Pelo que estou vendo agora, a grande maioria das pessoas estão com desânimo aparente em suas feições. Muitos com olhares desgastados, posturas prostradas e ombros caídos, já outros beiram a desolação atônita, aos quais pode-se supor terem tido seus espíritos estraçalhados apenas ao lançar rápidos olhares.
Olhar essa situação me dá a certeza de que nosso tempo está acabando.
Passamos por algumas ruas mais calmas, muito diferentes das ruas mais próximas à avenida principal. Mesmo estando a poucas ruas de distância de tanta movimentação, a quietude presente aqui é quase como se estivéssemos muito mais longe.
Do mesmo jeito que no restante das vilas, as casas e pequenos estabelecimentos estão muito bem cuidados, todos aparentemente tendo sido reformados a pouco tempo. As ruas asfaltadas sem falhas, calçadas novas, muros e cercas das casas novos, pinturas recentes, jardins cuidados e com gramados baixos... Dá a impressão que o lugar todo foi erguido a muito pouco tempo.
Aqui, vejo apenas poucas pessoas, algumas sentadas em frente a suas casas olhando fixamente para algo inexistente, outras apenas transitando, nenhuma delas apresentando algum verdadeiro sinal de vida.
Miro meu olhar para meus acompanhantes que, apesar de calados, acho que não deixaram o estranho comportamento a nossa volta passar despercebido. Tanto Danilo quanto Rafaella estão inquietos, mas não dizem nada.
- Chegamos. – Rafaella diz fitando uma casa com muros baixos e um portão de ferro igualmente baixo. A casa em si está bem quieta.
Danilo toca o portão e o empurra devagar, fazendo o metal ranger baixo. – Está aberto, mas será que tem alguém em casa?
- Irei ver. – Digo já entrando, andando devagar pelo quintal de gramado baixo.
Aproximo da porta, não escutando nenhum barulho vindo do outro lado. Dou uma rápida olhada e não encontrando uma campainha, dou leves batidas na mesma.
Espero alguns segundos, e dou novas batidas, aproximando meu rosto da porta e tento ouvir qualquer coisa que seja, mas nada.
Observo Danilo e Rafaella se aproximando – Nada? – O rapaz questiona e nego com a cabeça.
- Bom, então não temos muito o que fazer por... – Interrompo minha fala ao escutar o barulho de algumas coisas caindo dentro da casa.
- O que será que foi isso? – Rafaella questiona olhando para a porta, e Danilo se adianta girando a maçaneta, que para nossa surpresa, está aberta.
Ele nos olha um pouco apreensivo, abrindo a porta devagar de forma que Rafaella e eu possamos olhar dentro sem precisarmos entrar. A casa inteira está escura e bem quieta, além de muito bem organizada, não condizendo com o barulho que escutamos segundos atrás.
Entramos em passos cautelosos, evitando fazer qualquer barulho ou pisar em algo que denuncie que estamos aqui. A pouca iluminação vem da porta recém-aberta, e dos pequenos vãos das janelas, mas é o suficiente para não tropeçarmos nos móveis.
Mesmo em meio a penumbra, consigo ver diversos quadros enfeitando todas as paredes da casa. Está escuro demais para conseguir ver os desenhos com clareza, mas só confirma o fato que Jessica é uma jovem que ama pintar.
Avanço na frente dos dois, encontrando todas as portas encostadas e, do outro lado, apenas cômodos vazios. Um dos quartos está com a porta entreaberta, a qual escuto estranhos ruídos do outro lado, e um cheiro forte de tinta.
Empurro a porta devagar, arrastando alguma coisa do outro lado. Ao abrir, vejo um quarto inteiro numa situação muito diferente do restante da casa.
Várias coisas estão espalhadas pelo chão. Roupas, muitos papéis avulsos, cadernos, livros, e também um cavalete tombado. Além disso, existem muitas manchas e respingos de tinta pelo chão, móveis e também paredes.
Ao centro do quarto vejo vários pincéis largados, alguns potes de tinta virados e todo seu conteúdo espalhado pelo chão, e muitas telas, algumas em branco, outras com respingos de tinta, e outras com pinturas estranhas...
E em meio a tudo, é possível ver a silhueta de Jessica ajoelhada ao chão, com a cabeça baixa, movendo apenas um de seus braços.
- Ei! – Chamo Danilo e Rafaella num sussurro, e gesticulo para que venham o mais rápido que puderem – Vejam isso.
Os dois param ao meu lado, lançando seus olhos para dentro do quarto e olhando a garota com semblantes incrédulos. – O que ela tá fazendo? – Danilo questiona baixo.
- Eu não sei... – Respondo – Mas está longe de parecer algo normal.
Rafaella leva a mão ao interruptor e nos olha. Danilo e eu damos um aceno com a cabeça e ela, entendendo o recado, acena de volta e liga a luz do quarto, revelando um cenário ainda pior do que já estava quando escuro.
Seu guada-roupa está com todas as portas abertas e várias coisas parecem ter sido puxadas para fora. O suporte da cortina parece ter sido arrancado a força, e as próprias cortinas estão com várias marcas de tinta feitas por dedos arrastados.
E nas paredes, existem diversas palavras desconexas escritas com os dedos. Algumas palavras não da para ler, já que aparentemente Jessica passou suas mãos por elas as borrando imediatamente, além de várias outras marcas arrastadas de mãos e dedos.
Jessica sequer parece ter notado que as luzes foram ligadas, ou que estamos aqui. Ela continua da mesma forma, concentrada no que parece ser mais um quadro dentre tantos que ela já fez.
- Ei, Jessica. – Danilo aproxima-se primeiro, abaixando ao lado da garota e tocando seus ombros, mas ela não reage. – Jessica?
Rafaella e eu nos aproximamos e abaixamos ao lado do rapaz, e de imediato me dou conta que a garota está com o mesmo olhar cabisbaixo e desolado das demais pessoas. Jessica também foi visitada pelos fantasmas.
A garota está com seu rosto e os cabelos soltos e sujos de tinta, da mesma forma que suas mãos e pernas. Ela veste um avental de pintura, o que não impediu que o camisão e short que veste nesse instante acabassem igualmente sujos com toda a tinta espalhada pelo chão.
Jessica arrasta os dedos pesadamente pelo chão os molhando na tinta já misturada, voltando sua atenção para a tela a sua frente, correndo o indicador em sua pintura.
- Jessica! Acorda garota! – Rafaella sacode a amiga de leve, e finalmente ela esboça uma reação, erguendo suas sobrancelhas e nos olhando com surpresa.
- Rafaella? Danilo? – Diz num fio de voz, nitidamente desorientada.
- Sim, somos nós. – Rafaella responde com um meio sorriso.
Ela olha para os dois repetidas vezes – O que fazem aqui?
- Nós é quem perguntamos. O que você estava fazendo? – Danilo pergunta.
- Eu... – Jessica para de falar, olhando para suas mãos manchadas, e pequenas gotas de tinta caem de seus dedos sobre suas coxas desnudas – Eu... Não sei...
Aperto a boca devagar, recebendo olhares confusos dos dois que me acompanharam até aqui, e agora estão envolvidos nessa história toda.
- Precisamos tirar ela daqui. – Digo com a atenção dos três sobre mim – Se deixarmos Jessica aqui, as coisas podem ficar muito piores.
- Vamos, precisamos tirar toda essa tinta de você. – Rafaella diz – Consegue levantar?
- Consigo sim, obrigada... – Ela responde desorientada.
Os amigos ajudam a garota a se erguer e a acompanham para fora do quarto para que ela possa se lavar, enquanto permaneço olhando tudo ao redor, analisando as várias telas espalhadas e também, as várias marcas e palavras nas paredes.
Todas as pinturas anteriores tinham algo em comum, foram manchadas. Por algum motivo, Jessica passou suas mãos por cima das pinturas repetidas vezes, as tornando impossíveis de serem interpretadas.
Todas, com exceção de uma.
Me abaixo e pego a tela que Jessica estava pintando até então, observando o símbolo que traçou com toda a tinta escura espalhada pelo piso.
Um pentagrama.
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