Capítulo 2
2544 Palavras
Nossos passos ressoam neste ambiente mergulhado na quietude característica dessas pequenas cidades.
O céu continua nublado, está ficando cada vez mais frio e todo esse vento é o bastante para congelar até os ossos. Não apenas isso, se olharmos ao céu por alguns segundos, é possível enxergar clarões e alguns raios rasgando o céu.
Esse clima não incomoda nem a mim ou minha irmã, mas ainda assim, decidimos que era melhor nos mantermos agasalhados por questão de "manter as aparências".
Alana se abrigou numa parca azul escura com capuz de pelugem branca, mantendo a mesma calça que vestia antes, e tem suas mãos escondidas dentro dos bolsos. Já eu, apenas fechei meu largo sobretudo tanto pelo zíper como nos botões, mantendo aberto apenas os botões da altura do pescoço.
Frio é uma coisa que nenhum de nós sentiremos hoje.
Observo minha irmã e como ela está empolgada com o lugar, e me deixo contagiar com toda sua animação esboçando um pequeno sorriso. É bom ver ela assim tão animada, por mais que o objetivo inicial seja fazer com que eu me distraia.
Discretamente corro meus olhos ao redor, buscando conhecer um pouco mais desta cidade. Aqui é maior do que eu estava imaginando, e tem bastante variedade do que fazer. E apesar de muitas coisas já estarem fechadas mesmo estando tão cedo, é possível ver algumas lanchonetes e bares abertas, tendo alguns grupos envolvidos em conversas animadas logo em frente.
- Afim de comer algo? – Questiono a olhando de soslaio.
- Quero, será que eles tem doces? – Os olhos de Alana brilham por um instante.
- Tenho certeza que sim. – Respondo rindo – Mas me refiro a algo diferente de doces. Isso pode esperar alguns minutinhos.
- Mas... Mas... – Ela volta seus olhos a mim, com uma expressão pidona.
- Depois de comermos outra coisa. – Sorrio de canto ao ver sua careta manhosa. E lá vamos nós. – Os doces serão a sobremesa. Prometo que poderá escolher qual quiser.
- Podem ser todos? – Ela tenta barganhar.
- Epa espera um pouco... Eu disse qual quiser, mas não todos da cidade. – Rebato rindo, e ela me encara fixamente. Sempre me divirto quando o assunto é o intenso amor dela por doces.
- Está me entendendo mal. Eu não quero todos os doces da cidade. – ela começa sua explicação, enquanto atravessamos a rua deserta, nos aproximando de uma das lanchonetes – Só quero todos que tiverem no estoque da semana.
- Não mudou muita coisa, não acha? – Digo e ela ri animada, quando alcançamos a calçada em frente a uma lanchonete até cheia. – Pensarei no seu caso irmãzinha.
Alguns olhares curiosos recaem em nós conforme nos aproximamos, e eles nos acompanham do momento que entramos até o momento que paramos em frente ao balcão, pegando bancos para nós.
Os encaro sobre o ombro, sem deixar de sorrir tranquilamente pela reação tão peculiar deles. Não abandonaram suas conversas, porém pelo menos um em cada mesa está com sua atenção voltada a mim e minha irmã.
- Tem algo em mente? – Alana pergunta, apoiando o queixo na mão.
- Vejamos... – Olho rapidamente a pequena vitrine próxima de nós, mas tem pouquíssimos salgados dentro. Corro o olhar pelo estabelecimento procurando por outra opções, quando encontro um cartaz, e uma das várias opções me ganha de imediato – Vou querer um X-bacon.
Assisto minha irmã puxando um cardápio e olhando por alguns segundos, passando a ponta do indicador pelas opções. – Vou querer esse completo aqui. O que acha de dividirmos uma porção de batatas?
- Por mim, tudo bem. – Concordo assentindo, notando um senhor de cabelo branco e sorriso simpático aguardando nossas escolhas. – Boa noite senhor, vamos querer um X-bacon, um completo, e também uma porção de batatas.
- E para beber? – Sua voz grossa com rouca, muito parecida com a de um fumante compulsivo de cigarro que nunca viu água na vida, me pega desprevenido.
Esse rosto e sorriso simpático não condizem nem um pouco com a voz carregada com anos de tabaco velho. Meu senhor, vá procurar ajuda.
- Uma lata de refrigerante... – Alana responde antes que eu deixe escapar qualquer besteira dos meus pensamentos. – E você?
- Só uma garrafinha de água. – Digo com um meio sorriso. Ele termina de anotar, se afastando de nós. Assim que temos algum espaço novamente, volto minha atenção a minha irmã – Depois daqui, vamos continuar andando?
- Por mim, sim. – Ela apoia os cotovelos no balcão – Está bem cedo, podemos pelo menos dar uma olhada por aqui.
- A principal vantagem disso é planejar quais lugares ir primeiro amanhã. – Digo passando uma mão pelo queixo.
- Não precisamos sair muito cedo, não é? – Ela me pergunta com certa manha na voz.
- Defina "cedo". – Ergo uma das sobrancelhas.
- Nada de acordar cinco da manhã. – Diz tranquilamente – Seis da manhã já é um horário mais aceitável.
Pisco algumas vezes, pendendo a cabeça de lado – Não tem muita diferença.
Alana solta uma risada – É claro que tem diferença. Uma hora a mais de sono.
O senhor retorna com as bebidas e as deixa a nossa frente, junto de dois copos plásticos, e prontamente nos servimos.
- Tudo bem então irmãzinha. – Murmuro erguendo meu copo, esboçando um sorriso travesso. – Seis da manhã estarei te acordando.
Alana balança a cabeça negativamente, também levantando seu copo – Tá bem então, nem um minuto mais tarde.
Fazemos um brinde rápido e, após cinco segundos nos segurando, desabamos em risadas, que inevitavelmente atrai alguns olhares curiosos a nós.
Leva alguns minutos até nossos lanches finalmente chegarem, e pouco depois chegam nossas batatas. Alana abocanha seu lanche sem demora, e tiro esse curto instante para observá-la e refletir um pouco. Não é como se precisássemos comer de fato, mas é sempre bom saborear alguma coisa de vez em quando.
Aproveitamos nossos lanches em meio a uma conversa descontraída e a risos, falamos a respeito do que encontraremos na cidade durante uma caminhada noturna, e percebo que olhares ainda permanecem sobre nós.
Por um momento olho ao redor, descobrindo exatamente quem está nos observando. Um grupo de amigos bem em frente do estabelecimento. Dois tem a atenção voltado em nós, e outros dois nos observam sobre o ombro por repetidas vezes.
Terminamos nossos lanches, Alana escolhe alguns doces, e nos preparamos para sair. Visto o meu melhor sorriso e saímos do lugar. Aproveito para lançar um olhar sobre a mesa onde sei que estão nos observando, e todos parecem atônitos conosco.
Saímos do lugar, abraçados pelo ar frio da cidade, e voltamos a caminhar para longe de tanta bagunça, mergulhando no profundo silêncio da cidade.
- Reparou como tinha alguém nos olhando o tempo todo? – Alana questiona, lançando uma bala a boca.
- Sim. – Digo fitando nossos pés – As pessoas daquela mesa perto da entrada, não é?
- Elas mesmas. Não tiraram os olhos da gente. – Ela leva as mãos ao bolso da jaqueta, se encolhendo um pouco.
- Bom, isso não é uma surpresa... – Pego uma mecha do meu longo cabelo cacheado, o enrolando no dedo e brincando como se fosse uma mola – Olhe para nós. Não somos o melhor exemplo de discrição.
Alana passa ambas as mãos pelo cabelo branco, o soltando sobre os ombros. E torcendo a boca, ela assente – Tenho que concordar. Chamamos atenção demais.
- Talvez eles não estejam acostumados com seres como nós, apenas isso. – Salto os ombros, desenrolando o cabelo do meu dedo. – Estamos fora do comum deles, é normal estranharem.
- Será assim nos demais dias? – Ela cerra o olhar.
- Espero que não... Mas se for, não será isso que vai atrapalhar a viagem. – A encaro de soslaio, e o que eu disse parece ser o bastante para animá-la.
Nós seguimos pelo nosso passeio noturno, porém grande, senão toda a cidade já está de portas fechadas. Todos os estabelecimentos que encontramos estão fechados, e até mesmo várias casas já estão com luzes apagadas.
As poucas pessoas que encontramos caminhavam apressadas, até pareceu estarem fugindo de alguma coisa. Não demorou muito para chegar ao ponto de não haver mais ninguém na rua além de mim e Alana.
Acho isso no mínimo curioso... Pra não dizer estranho.
- É, acho que não vamos encontrar mais nada interessante hoje. – Digo olhando de um lado ao outro. – Pelo visto, somos os únicos na rua.
- Também estou achando isso. – Minha irmã diminui o passo, e interrompemos nosso passo – E está ficando bem frio... Quer voltar ao chalé?
- Sim, assim já descansamos um pouco da viagem... Não paramos por nenhum momento. – Damos meia volta e seguimos rumo ao chalé.
Nosso retorno é feito em silêncio. Minha irmã pesca uma barrinha de chocolate do bolso da jaqueta e vai comendo calmamente, enquanto eu vou aproveitando do clima mais ameno. O frio sempre me agradou, por mais solidão que isso signifique.
Continuo reparando se encontro mais alguém na rua, mas a situação se repete. Não vejo nada e não escuto nada além do som de água corrente, indicando a presença de um rio próximo, e pensando agora nem mesmo vi carros passando em algum momento. O canto dos grilos é a única coisa que consigo ouvir.
Vamos nos aproximando da pousada onde estamos hospedados em passos ruidosos. Reparo até que a própria recepção do lugar está deserta e toda apagada, o que torna as coisas ainda mais estranhas.
Alana já saca a chave do bolso, e assim que chegamos em frente a porta do chalé, decido quebrar o silêncio.
- Você está quieta Alana... – Digo a observando. Ela destranca a porta mas não entra, ela apenas volta seu olhar a mim – Algum problema?
Seus olhos vão ao chão por um instante, mas logo voltam a mim – Uma coisa vem me incomodando... Desde a hora que saímos da lanchonete, tive a impressão de estarmos sendo observados o tempo todo.
Junto as sobrancelhas – Estranho... Não havia quase ninguém na rua.
- Eu sei, por isso parece ridículo, mas... – Ela cruza seus braços olhando de um lado ao outro, bufando em seguida – Mas ainda agora, parece ter alguém nos olhando.
- Posso dar uma olhada ao redor. – Digo olhando sobre o ombro.
Ela nega levemente com a cabeça – Não, isso não é necessário.
- Se vai te deixar mais tranquila, é necessário sim. – Dou um meio sorriso a ela, gesticulando com a cabeça – Entre, já está bem frio... Volto logo.
Ela assente, se virando e entrando no chalé sem esperar.
Recuo alguns passos, olhando de um lado ao outro me certificando se não tem ninguém me olhando. Um gesto inútil, já que nesse momento, arrisco dizer que sou o único que está fora de casa neste povoado.
Eu, e a tal pessoa que pode ter nos seguido de um lado a outro. Seja como for, se tiver mesmo alguém nos olhando, eu a encontrarei.
Meus músculos tensionam, e um intenso fluxo energético se expande através do meu corpo. Flexiono os joelhos me abaixando, toda a energia acumulada em mim flui e se expande através das minhas costas, fazendo surgir minhas asas de escuridão.
Num salto combinado ao bater de minhas asas, deixo o chão em imensa velocidade. O intenso frio causado pela minha velocidade atravessam minhas roupas e invadem minha pele, e sinto meu corpo gelando até os ossos. Intensos calafrios me envolvem profundamente, e fecho os olhos desfrutando dessa sensação única.
Tantas sensações num intervalo de poucos segundos. Desde a primeira vez que fiz isso até agora, alcançar os céus segue sendo uma experiência marcante.
Meus olhos abrem novamente e encontro o céu carregado acima de mim, onde os clarões tornam-se mais agressivos, e um par de raios caem ao meu redor. Meus braços e pernas suspensos no ar, e sentindo a ausência do peso do meu corpo, me vejo pairando a muitos metros do chão.
Sinto uma gota cair em meu rosto, seguida de outra, e mais outra, e com um novo clarão iluminando o céu, o profundo silêncio que havia ao redor é substituído pelo som da repentina chuva, pintando profundamente o cenário desta noite.
Da altura que estou, mesmo com a chuva, consigo ver facilmente boa parte deste lugar, até de lugares que não passei com Alana. Apesar de não serem muitas, são várias ruas ao redor da avenida principal, se estendendo para ambos os lados. Com certeza esse lugar pode ser considerado uma pequena cidade.
Voltando meu foco ao que interessa nesse instante, vejo que a situação de momentos atrás se repete, casas apagadas e não existe ninguém na rua. Mesmo assim, decido por dar uma olhada ao redor.
Pendo o corpo para frente e minhas asas auxiliam meu movimento, e devagar sigo voando, passando os olhos atentos pelas ruas desertas em busca de qualquer sinal de movimento, porém mesmo procurando nos quarteirões próximos ou até nos matos próximos dos chalés por bons minutos, não vejo nada suspeito, e a chuva apenas tornou a tarefa um pouco mais complicada.
Pouso bem em frente da rua de entrada da pousada e fecho minhas asas sem dissipar minha escuridão, olhando de um lado ao outro, porém não consigo encontrar nada estranho nas redondezas. Sequer tenho a mesma sensação de ser observado.
Dando-me por vencido, viro sobre os pés e caminho de volta para o chalé, sem deixar de passar os olhos ao redor. Os demais chalés tem alguma iluminação em seu interior, mas nada que chame muito da minha atenção.
Dissipo minha escuridão assim que paro em frente ao chalé que me hospedei com minha irmã, e entro devagar, sendo recebido por uma lufada quente.
Alana está no sofá, envolvida em sua manta com uma xícara em mãos, assistindo algo na televisão. Apesar do som da televisão e de estar tudo fechado, é possível ouvir perfeitamente o ruído do vento e chuva lá fora.
- E ai? Como foi? – Pergunta assim que me vê, analisando como estou encharcado.
- Não encontrei nada. – Digo avançando pela sala – Dei uma olhada ao redor, mas as ruas estão vazias.
Ela torce a boca, se encostando no sofá – Talvez tenha sido só impressão.
- Talvez... – Digo levemente pensativo.
- Bom, não precisamos nos preocupar então. – Ela esboça um sorriso, se levantando preguiçosamente, envolvendo a manta em seu corpo. – Acho que irei deitar... Já estou com um soninho...
Dou um meio sorriso – Tudo bem, vá lá. Você precisa descansar.
- Pelo visto, você não vai dormir. – Ela diz e dou uma risada concordando. – Deixei um pouco de chá para você, será bom depois de sair dessa chuva. Está quente ainda... E será melhor você se secar, ou pelo menos tirar essa roupa molhada.
- Onde você arranjou chá cidadã? – Questiono.
- Na rodoviária, antes de entrarmos no ônibus? – Ela ergue a sobrancelha, e nós dois seguramos a risada.
- Ok, me pegou nessa. – Sigo para a cozinha, indo me servir de um pouco de chá e me preparando para algum tempo em frente a televisão.
Alana não contém um longo bocejo, atraindo meu olhar – Eu já estou indo pra cama, senão vou dormir em pé... Boa noite... – Sua voz já é bem mais preguiçosa agora.
- Tudo bem, boa noite. – Respondo já tendo uma xícara cheia de chá em mãos, tranco a porta e vou ao sofá, decidido a assistir algo que me distraia.
Se bem que, aquelas horas na poltrona do ônibus também me cansaram... Espero que isso não seja motivo para que eu adormeça.
De qualquer jeito, não quero perder meu tempo pensando nisso. Por agora, assistirei algum filme para relaxar e passar o tempo.
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