Capítulo 19
5330 Palavras
Sentados no sofá, minha irmã e eu assistimos um a um programa de culinária, enquanto aproveitamos nossos potes de macarrão instantâneo recém preparados.
Já faz bastante tempo desde a última vez que aproveitamos uma iguaria dessas, e Alana sabe bem disso, por esse motivo decidiu comprar um para cada enquanto esteve fora hoje.
- ...Então, aí foi isso. – Digo, terminando de contar meu dia para ela.
- Não falei que a Nicole estava afim de você? – Ouço Alana dizer em meio aos risos.
- Foi nessa parte do meu dia que você se atentou cidadã? – Questiono apertando os olhos, ainda concentrado na televisão, me servindo de mais uma quantidade de macarrão.
- Essa é a parte que posso pegar no seu pé, e podemos dar risadas. – Ela responde, e a olho de canto. – Prestei atenção também que você acabou revelando seus poderes para ela.
- Coisa que foi um erro gigantesco da minha parte. – Bufo só de lembrar desse detalhe.
- Não foi de todo mal, ela não espalhou pra ninguém. – Alana responde saltando os ombros. – Pelo menos ainda não espalhou.
- De qualquer jeito, falei muito do meu dia, me conte como foi seu irmãzinha. Estou curioso para saber como foi. – Esboço um sorriso de canto.
- Foi divertido do começo ao fim, encontrei com os amigos da Nicole ali no centro da vila de Mauá, aí me levaram pra conhecer um museu daqui da região e também visitei algumas lojas de artesanato muito incríveis. A gente tem que ir lá depois. – Viro para minha irmã, reparando sua empolgação.
- Comprar mais lembrancinhas para quando voltarmos pra casa? – Questiono com uma sobrancelha erguida, e logo vejo ela tentando conter um sorriso.
- Bem isso, como adivinhou? – Não contenho meu riso e balanço a cabeça negativamente – E também, passei em alguns mirantes, e fui visitar a pista de vôo um pouco antes de chegar na vila, você vai amar aquele lugar irmãozão.
- Então, temos mais alguns planos para nossa viagem, e você sabe como estou curioso para ver aquele lugar. – Constato rindo – E em questão da investigação, conseguiu bons resultados?
- Não descobri muito com os amigos da Nicole. Só que a Júlia e o Danilo estavam mais estranhos hoje. – Alana balança a cabeça negativamente. – Meio desanimados como algumas pessoas da vila... O Tadeu ficou trancado em casa. E a Rafaella era a única que permanecia bem.
- Então eles também foram afetados... – Sussurro pensativo.
- Não sei se isso tem haver, mas fiquei reparando em uma coisa com esse pessoal, que achei bem esquisita. – Ela comenta de forma pensativa – Vários dos assuntos deles envolviam a Nicole e a família dela.
- Ué? – Arqueio uma sobrancelha.
- É, você tinha que ter visto. Toda hora eles davam um jeito de citar a Nicole ou uma das irmãs na conversa, e o assunto ficava só sobre elas. – Alana vai gesticulando como pode, fazendo movimentos circulares com o garfo – E não foi só uma vez não, foi o dia inteiro.
- Mas falaram alguma coisa relevante sobre elas, ou foi pura balela? – Minha irmã responde balançando a cabeça negativamente torcendo a boca de forma entediada, e já sei que não teve nada demais – Entendi... Notou se mais alguém na cidade aparentou estar diferente?
- Percebi mais algumas pessoas com aquele comportamento vazio, mas do mesmo jeito que o tal senhor que você disse? – Concordo com um gesto de cabeça, me servindo de mais uma quantia de macarrão – Não vi ninguém assim tão extremo... Bom, eu não iria congelar parte da vila para descobrir.
- Fala sério irmãzinha, o cara continuou encarando o vento comigo usando minha escuridão pra voar bem na frente dele. – Alana se serve de seu macarrão, olhando para mim e de volta para a televisão – Na boa? Acho que pode estourar uma bomba na frente daquele ali, e ele nem vai se mexer.
Minha irmã salta as sobrancelhas em concordância – De qualquer jeito, temos certeza de uma coisa. Seja lá o que esteja acontecendo por aqui, está afetando mais gente a cada dia.
- Sim, isso é verdade... – Dou uma rápida olhada para a janela, confirmando que já escureceu – Depois daqui, vamos dar um pulo lá no santuário pra investigar?
- Claro, e a energia que você sentiu lá foi muito forte? – Questiona curiosa.
- Infelizmente não muito... Não pareceu nem ser uma presença. – Salto os ombros e torço a boca de leve – Mas não duvido que tenha alguma coisa ali.
- Vamos terminar aqui, e aí vamos lá dar uma olhada. – Ela diz, sacudindo o garfo na direção da televisão – Vão soltar o tempo para as equipes!
- Está torcendo para algum deles? – Pergunto sem desgrudar os olhos da televisão.
- Por enquanto ainda não. – Alana aperta os olhos – Antes quero ver qual deles vai se sair melhor, ai digo qual equipe estou torcendo.
- Só não vale falar na hora dos resultados em. – Ouço uma gargalhada da minha irmã.
- Tá bem, vou dizer cinco minutos antes. – Me responde, e dedicamos esse momento apenas para curtir a televisão, antes de sairmos novamente.
*****
Sigo voando em baixa velocidade, olhando para baixo enquanto vou refazendo o caminho para o santuário.
Vou sentindo o vento noturno batendo em meu rosto, meus cabelos voando e minhas roupas sacudindo junto ao corpo.
Olho para o lado, vendo minha irmã acompanhando meu ritmo, mantendo seus braços cruzados e tendo seus longos cabelos brancos voando com o vento. Suas asas são formadas de um gelo sombrio, união de seu poder congelado com minha escuridão.
Percebo uma gélida nevoa esbranquiçada envolvendo seu corpo, e pequenos flocos de neve e cristais de gelo se manifestam em cada bater de suas asas, criando assim um rastro de brilhantes no céu.
Já que Alana não pode voar como eu, devido a seu poder envolvendo frio não a permitir, acabei passando parte da energia da escuridão para que ela conseguisse manifestar asas como eu, e assim me acompanhar no alto.
A única coisa que ela precisaria fazer, era liberar esse poder usando seu próprio como base... E ela fez isso muito bem.
- Já estamos próximos! – Digo em alto por causa do vento, e me olhando rapidamente, Alana assente.
Reconheço a entrada do santuário vou diminuindo minha velocidade até pairar no ar. Alana acaba fazendo o mesmo, um pouco mais desengonçada por ter menos prática do que eu.
- É aqui? – Me pergunta, passando seus olhos pelo local logo abaixo.
- Sim. A fonte da sensação de mais cedo foi nesta área. – Digo passando os olhos ao redor, sem encontrar nada anormal – Vamos dando uma olhada.
- Com sorte encontraremos a fonte dos fantasmas por aqui. – Alana comenta, e avançamos voando devagar. – Sua "vontade" já retornou?
Ergo uma mão na altura do rosto, tendo em mente uma pequena orbe flamejante surgindo entre meus dedos imediatamente. Porém, nada acontece – Ainda não.
- Precisaremos procurar mesmo. – Alana murmura num suspiro – Se seu poder estivesse ativo, conseguiríamos ir direto para a fonte disso tudo.
- Teríamos resolvido tudo logo no primeiro dia. – Respondo aos risos, passando os olhos atentamente por entre a mata escura, mas enxergando pouca coisa.
Seguimos voando no mesmo ritmo, procurando por algo que não sabemos ao certo o que é. Tudo que temos é a sensação de desconforto causada por alguma coisa escondida no meio de toda essa reserva natural.
Apesar da baixa visibilidade, consigo ouvir o som de algumas cachoeiras logo abaixo, e tenho noção que estamos refazendo a trilha que percorri essa manhã.
Um desconforto me atinge de repente, uma sensação agoniante que causa um aperto em meu peito junto de uma inquietação, que não sei explicar ao certo de onde vem.
- Alana, está sentindo isso? – Pergunto sem disfarçar minha careta.
Minha irmã me olha, também com uma expressão de desconforto – Estou sim, nossa, que sensação horrível... Foi isso que você sentiu isso mais cedo?
- Não, está diferente... – Respondo. – É mais forte agora.
Minha irmã e eu trocamos um olhar, e de cara percebemos que estamos pensando na mesma coisa. Isso só pode significar que a coisa que está causando isso realmente está em algum lugar dessa mata, e o mais importante, estamos próximos.
- Ei, o que é aquilo? – Alana aponta para algo a frente, e procurando rapidamente, percebo um amontoado cinzento reunido em meio a algumas árvores.
Aperto o olhar enquanto tento acompanhar o vulto, estamos alto e longe demais, então não consigo ver com clareza o que possa ser – Não sei, vamos dar uma olhada.
Avançamos sem demora, e conforme nos aproximamos reconheço o local como sendo a mesma cachoeira em que impedi a queda de Nicole.
- São... Fantasmas? – Questiono sem entender ao certo o que está havendo.
- Sim, alguns... Mas o que eles estão fazendo? – Os fantasmas estão amontoados entre si, movendo-se de um lado ao outro sem parar. Parecem estivar rodeando alguma coisa.
Não tenho uma resposta para minha irmã, por isso simplesmente avanço decidido a descobrir mais. Mas eles não são a origem de todo o desconforto, que aumenta a cada segundo.
A medida que me aproximo, deixo que meu poder se manifeste em torno do meu corpo como uma aura sombria.
Meus pés tocam o chão, e os fantasmas mal percebem. Estão todos com sua atenção voltada a algo que não consigo ver, erguendo suas mãos e fincando repetidas vezes, enquanto um dos fantasmas que está mais alto, está sugando algo para dentro de si.
Recuo uma das mãos e ataco, desferindo uma rajada de escuridão com toda a velocidade sobre os fantasmas, afastando todos de uma vez. Os fantasmas tem seus corpos rasgados em várias partes pela intensidade que a escuridão os atravessa, chegando próximos do centro do lago.
Aproveitando que ainda não exibem nenhuma reação, crio uma imensa mão de trevas e a abaixo de uma vez, acertando os fantasmas e atingindo o lago, agitando a água com violência e emitindo um ruído que momentaneamente supera o som da cachoeira.
- Isso não vai funcionar. – Alana diz, pousando ao meu lado e fitando o lago.
- Não mesmo, meu ataque foi escuridão pura. – Respondo, já vendo os fantasmas emergindo silenciosamente do lago. Isso me faz sorrir de canto de boca – Foi apenas pra chamar a atenção deles.
Ao total são seis deles, tendo aparências de homens e mulheres de diferentes idades. Seus corpos são igualmente pálidos, mas bem mais opacos em comparação aos que encontramos antes.
Suas feições são bem mais grotescas e deformadas, alguns tem expressões de pânico estáticas, já outras são resumidas em feições cadavéricas com uma camada de pele. Seus olhos sendo muito mais fundos e sombrios, suas vestes são longas e sujas, sendo completamente transparentes pouco abaixo da cintura.
Um em particular, sendo o único com a aparência próxima a de um humano, de um pré-adolescente por sinal, brilha com uma estranha intensidade, diferente do pálido opaco dos demais.
Eles permanecem estáticos, flutuando silenciosamente nos olhando. Da mesma forma que antes, nenhum deles demonstra qualquer ação além de vir em nossa direção.
Percebo o vapor saindo da minha boca, e posso ouvir o ruído do gelo se expandindo ao nosso redor. Uma camada branca vai surgindo ao redor, expandindo pela grama, crescendo pelo tronco e ramos das árvores mais próximas.
Fito Alana de canto de olho, reparando a aura branca em torno de seu corpo.
Ela ergue uma de suas mãos em direção dos fantasmas, e uma nevoa gélida expande por todos os lados, principalmente em direção aos fantasmas, envolvendo cada um em questão de segundos.
Uma camada de gelo passa a envolver os espíritos, porém eles mal dão atenção, continuam vindo até nós no mesmo ritmo. Minha irmã, por sua vez, intensifica o ar frio num golpe de vento que os empurra para trás e dilacera parte de seus corpos espectrais, que logo estão se regenerando.
Diferente do que esperávamos, os fantasmas param de vir até nós, e começam a ascender, desaparecendo em pleno ar.
- Não sei... Isso me pareceu fácil demais. – Minha irmã diz de repente.
- O que raios eles estavam fazendo? – Questiono baixinho, ainda olhando ao alto.
- Olha, tem alguém na beira do lago. – Abaixo meus olhos, já vendo Alana se aproximando de uma pessoa caída de bruços.
Encaro a figura que tem as pernas dentro do lago. Alana o puxa e vira o corpo com certa dificuldade, encontrando seu olhar vidrado voltado ao céu, isso a faz recuar e levantar pelo susto.
Levo apenas um segundo para reconhece-lo – Espera um pouco, esse é o velho que te falei mais cedo. – me aproximo e abaixo ao lado dele.
Checo o corpo com certa hesitação, sentindo sua pele gélida logo ao primeiro toque, e a falta de reações dele torna tudo obvio – Ele está... – Alana para de falar.
Por fim, toco o pulso do idoso, e não consigo sentir nada. – Morto...
Volto a ficar de pé, enquanto Alana o encara com assombro. – As... As coisas estão ficando muito piores...Você consegue trazê-lo de volta?
- Não... – Ergo uma das mãos, repetindo a tentativa de criar uma chama em minha mão apenas como teste se meu poder voltou, mas nada acontece. – O poder da vontade ainda não retornou por completo... Ainda não posso fazer algo assim.
Minha irmã afasta em passos lentos, abraçando a si mesma – E agora?
- Não temos o que fazer por ele. – Digo olhando para o corpo morto por uma última vez, e me aproximo de Alana – Precisamos continuar, refletir no que descobrimos.
- O que vimos né... – Ela diz com o olhar baixo. Ela sacode a cabeça algumas vezes e apertando a boca, volta a falar – Tá bem... Nós confirmamos que os fantasmas estão mesmo roubando a vida das pessoas.
- Sim, a questão é o que estão ganhando com isso. – Cruzo os braços, encarando o chão por um instante. – Se estivessem usando as pessoas como fonte de energia, não tem sentido matar elas.
Me pego pensando em um detalhe importante... Se os fantasmas estão tomando a energia vital das pessoas, então por que hoje haviam tão poucos, ao invés de ter vários espalhados pelas vilas?
Nos últimos dias não houveram aparições. E desde o momento que saímos do chalé até agora, esses são os primeiros fantasmas que encontramos, e não está assim tão cedo.
Algo me chama a atenção de repente, tenho a sensação de ter visto um vulto por entre a mata. Olho de um lado ao outro, não sabendo se foi apenas uma impressão minha.
- Viu isso? – Questiono minha irmã.
- Não... – Ela responde de forma séria – Mas senti alguma coisa.
Aperto um pouco os olhos, tentando enxergar qualquer coisa que seja neste lugar, mas está tão escuro que é difícil enxergar alguma coisa e saber se é algo de fato, ou se é minha imaginação pregando peças.
- Tem alguma coisa aqui... – Alana murmura, correndo seus olhos de um lado ao outro seriamente, quando ergue sua mão apontando para algo – Ali!
Enxergo a silhueta de uma pessoa por entre as árvores. Ela está completamente imóvel, e não é preciso ser um gênio para saber que está nos encarando fixamente.
Um vulto passa por trás da pessoa, seguindo por um lado, e logo em seguida outro, e mais outro, até que vários vultos movem-se ao mesmo tempo por entre as árvores.
Em meio a tanta movimentação, consigo notar que algumas figuras estão se aproximando cada vez mais de nós.
- Atrás de você! – Alana diz de repente, e assim que me viro, dou de cara com um fantasma que afunda a mão em meu peito.
O frio de seu toque mórbido invade e percorre meu interior, uma dor sufocante se espalha pelo meu corpo, minha visão embaça e mal consigo ter forças para reagir com a dor, da mesma forma que aconteceu na primeira vez.
O fantasma retira seu braço espectral do meu peito e desaparece num vulto, e mesmo com a dor latente, tentei agarrá-lo antes que desaparecesse. Sinto as pernas fraquejarem e acabo me abaixando, tentando aplacar a dor de uma ferida invisível com ambas as mãos, apertando os dentes e respirando com muita dificuldade.
Arfo profundamente tentando me recompor, e preocupado ergo os olhos para minha irmã que vem apressada em minha direção – Ei, você está bem?
A silhueta de outro fantasma surge de repente atrás de Alana, já com suas mãos erguidas – Cuidado! – Digo com a voz falha.
Alana não tem tempo de reação, pois o fantasma atravessar ambas as mãos pelos ombros da minha irmã.
Minha irmã se desequilibra e cai para frente, e mesmo com dor, consigo impedir sua queda, a abraçando com força. Ela está abraçando a si mesma, com os olhos fechados, aperta os dentes e geme de dor bem baixinho, respirando devagar.
- Isso... Dói... Dói mais do que pensei... – Ela consegue dizer com a voz tremula, e seus olhos semicerrados me encontram.
- É... Eu sei... – Digo com um meio sorriso para confortá-la, e volto minha atenção para os fantasmas ao nosso redor.
Escuto passos sobre as folhas próximas, e cada vez mais as figuras pálidas vão se revelando, atravessando as árvores, emergindo das águas do lago atrás de nós, e também do alto da cachoeira, surgindo por entre as pedras.
Estamos cercados.
As várias figuras nos encaram, avançando cada vez mais sobre nós. Corro os olhos de um lado ao outro, mas não existe uma rota de fuga. Mesmo se tentar voar daqui com minha irmã, existem alguns deles no ar que conseguiria impedir meu movimento.
Parece que sobrou apenas uma opção... Acabar com cada um deles.
Tento liberar minha escuridão, porém ao fazê-lo, uma dor recai em meu coração, como se este fosse atravessado por lâminas congeladas. Arfo com toda a dor, mesmo assim me forço a liberar toda a escuridão que consigo, envolvendo a mim e minha irmã dentro de uma aura enegrecida.
Toco o chão, fazendo com que grande parte da minha energia se espalhe pela terra, cobrindo grande parte do lugar, coisa que eles não parecem ter notado. Ergo a mesma mão que liberei toda a energia sombria, e movendo apenas o indicador para o alto, diversas lanças de trevas emergem do chão, atravessando os vários corpos espectrais repetidas vezes, impedindo seu avanço.
Meu peito arde de dor e com muita dificuldade consigo me manter desperto, mas percebo o óbvio. Meu ataque não funcionou, apenas os atrasou por um momento. Mesmo com seus corpos sendo feitos em pedaços repetidas vezes, eles se regeneram e continuam avançando.
Terei que usar muito mais força do que isso.
Aproveitando de todo o poder que já liberei ao meu redor, ergo uma mão para atrair e concentrar toda essa energia o mais próxima de mim, e sacudindo o braço por uma vez, a libero novamente, manipulando de forma que rodeie a mim e minha irmã como num grande turbilhão sombrio.
Percebo então minha irmã apoiando uma mão no chão, ofegando com a cabeça baixa por alguns instantes. – Continue... Vou paralisar eles... – Ela diz, já se levantando com uma aura fria a envolvendo.
Deixo essa parte com minha irmã e também me levanto. Forço meu corpo ao ponto de liberar toda a escuridão que consigo nesse momento, expandindo e intensificando a velocidade do turbilhão ao máximo.
Todo o ar frio da minha irmã se une a minha escuridão, a ventania é intensa, chacoalhando os ramos das árvores, erguendo folhas e galhos, e também erguendo várias gotículas de água da cachoeira e lago. Tantos ruídos somados criam uma sinfonia caótica e anormal, como se toda a natureza ao nosso redor reagisse ao nosso poder tão destrutivo.
Olhando ao redor, os fantasmas estão sendo congelados ao mesmo tempo que seus corpos esfarelam ao ar continuamente. Elevo todo meu poder sombrio ao limite, tensionando cada músculo do meu corpo, liberando toda a energia sombria acumulada de uma vez.
O turbilhão expande de uma vez, e todos os fantasmas que haviam à nossa volta tem seus corpos espectrais dissipados de uma vez, restando apenas a mim e minha irmã.
Todo o ruído dissipa, retornando imediatamente ao som da natureza. O som das quedas d'água flui suavemente, as folhas nas árvores balançam calmas e serenas, e o som do vento noturno pode ser ouvido.
Mas diferente do que eu imaginava, uma névoa fria surge de repente, emergindo do chão, das árvores, da água, do próprio ar, por todos os lados. A sensação mórbida causada pelos toques dos fantasmas retorna, dessa vez parecendo que vários estão envolvendo meu corpo por inteiro.
Dentro da densa névoa, silhuetas desfocadas começam a tomar forma, flutuando devagar e vindo em nossa direção. Olho de um lado ao outro, e várias dessas silhuetas surgiram, e com isso entendo que nosso último ataque não surtiu qualquer efeito contra eles.
Fito minha irmã de soslaio, que mesmo estando preparada para enfrentá-los, percebo que ela tenta disfarçar seu semblante assustado ao ver que todos os fantasmas retornaram, praticamente ilesos. Ela tenta disfarçar sua feição, mas percebo suas mãos tremendo.
Enfurecido aperto os dentes e corro meu olhar de um lado ao outro, encarando cada um dos fantasmas que avançam não deixando margem alguma para escaparmos de seu ataque iminente. Fecho ambos os punhos com força e, erguendo as mãos devagar, torno a manifestar minha escuridão em me conter.
Uma aura negra surgem em torno do meu corpo rapidamente em uma pequena uma corrente de ar selvagem e repentina, que sacode minhas roupas e faz a natureza reagir. Expando essa energia a minha volta, ao ponto que manchas sombrias surgem sobre meus pés, espalhando pelo chão e crescendo sobre a natureza a minha volta, até parecendo que a escuridão começou a consumir tudo que existe a minha volta.
Eu não me importo se ainda não estou recuperado. Já chega dessa brincadeira!
A partir de agora, todos os fantasmas são vulneráveis a minha escuridão!
Sinto uma nova onda de cansaço percorrer meu corpo, a qual já faz dias que não sinto e, por um momento, sinto minha vista começando a embaçar e meu corpo fraquejando, a ponto de que minhas pernas fraquejam. Mesmo assim, firmo minhas pernas, aperto os olhos e sacudo a cabeça algumas vezes, espantando o cansaço e me mantendo consciente.
Com toda a escuridão reunida a minha volta, ergo ambas as mãos de uma vez, de forma que todo o poder reunido a minha volta se projete para o alto de uma vez, e nesse momento, toda a escuridão se eleva aos céus de uma vez, rasgando completamente cada um dos fantasmas que nos rodeia, ao ponto de que eles se dissipam novamente.
Arfo repetidas vezes enquanto baixo os braços, olhando em volta por algumas vezes, sem ver qualquer sinal de que os fantasmas voltaram a se reconstituir.
Respiro profundamente, sentindo a adrenalina se esvaindo, dando lugar ao cansaço e todas as dores em meu peito que voltam a me atingir em força total, e sem conseguir me aguentar, acabo caindo de joelhos, respirando fundo repetidas vezes pelo cansaço e também pela dor.
- Irmãozão, eles não estão voltando... – Ouço Alana falar. Ela se abaixa ao meu lado, apoiando uma mão em minhas costas. Sinto seu olhar em mim, e sei que ela entendeu – Você...
- Sim... – Respondo em um fio de voz, respirando fundo e erguendo o rosto enquanto o suor cai pelo meu rosto, confirmando que nenhum deles retornou – Usei o poder da vontade...
- Isso foi arriscado... – Ela me repreende, mas com um olhar preocupado. – Você ainda não está completamente recuperado.
Não respondo com palavras, apenas esboço um sorriso para minha irmã e pouso uma mão sobre sua cabeça em um carinho suave, de maneira a dizer que está tudo bem.
Não importa o quão fraco eu esteja, nem o quanto isso me custe, jamais deixarei algo acontecer com Alana. Sempre protegerei minha única irmã.
Minha irmã encurva o corpo para frente de leve, passando as mãos nos locais em que aquele fantasma a atingiu. Alana continua gemendo de dor – Como você está irmãzinha?
- Dolorida... – Ela resmunga soltando o ar de uma vez, mas me sorri – Mas vou ficar bem...
De repente, o local onde estamos acaba ficando ainda mais escuro do que já estava antes, pegando a mim e minha irmã de surpresa. Corremos os olhos ao redor sem entender o que aconteceu, quando então tomamos a decisão de olhar para o alto.
Uma criatura gigantesca flutua acima das árvores, levemente encurvado em nossa direção. Ele emite o som de uma corrente de vento contínua, juntamente do som de diversas vozes sussurradas, isso sem falar do denso nevoeiro que surgiu junto dele, e está se espalhando cada vez mais ao nosso redor.
Seu peito, ombros e braços estão envoltos por pesadas couraças metálicas que reluzem com a luz pálida da lua, uma névoa envolve grande parte de seu corpo, não consigo ver nenhum rosto devido a mínima visibilidade, apenas um par de pequenas esferas brancas que imagino ser seus olhos.
É tão grande quanto aquela fantasma que nos atacou no chalé.
- É... É ele... – Ouço minha irmã em uma voz falhada e os olhos arregalados – É o mesmo ser que surgiu no chalé na vez que você saiu para olhar as vilas.
- O que... Essa coisa já apareceu pra você? – Questiono retoricamente.
A criatura permanece estática, nos observando com seus olhos brilhantes.
Agora que me dou conta, essa coisa é a fonte de todo o desconforto que senti tanto antes como agora. Sua presença intensificou muito o que já estava sentindo momentos antes, a tal ponto que o desconforto chega a ser insuportável.
Talvez seja essa coisa controlando todos os fantasmas... Ou quase todos, ainda tem aquela mulher fantasma gigante.
Talvez sejam os dois controlando tudo. Se é assim, devemos lidar com ele agora.
Deixo minha escuridão vazar formando uma aura em torno do meu corpo, e o frio que sinto abraçando minha pele e o som do gelo se expandindo indica que minha irmã também está se soltando... As coisas vão ficar divertidas.
A criatura permanece nos encarando, movendo-se pesadamente enquanto se aproxima. As árvores atravessam seu corpo como se não houvesse nada, e de imediato entendo que ele não é uma criatura sólida... Talvez ele também seja algum tipo de espírito.
Uma de suas mãos surge por entre as árvores parando bem acima de nós, e um feixe brilhante surge, tão intenso que ofusca minha visão.
Não é simplesmente uma luz. Ela é intensa, quente, e sinto como se ela atravessasse meu corpo num contínuo golpe de vento. Uma pressão atinge meu corpo e um barulho agudo extremamente alto pode ser ouvido. Algo tão intenso que por um segundo a tontura me atinge.
De repente o barulho cessa e a luz desapareceu, resultando num resfriamento imediato do meu corpo ao toque de uma brisa fria. Me recomponho de toda essa luminosidade e olho para o alto, porém aquela coisa já não está mais ali.
Prestando um pouco de atenção, não sinto mais o desconforto causado por causa da presença dele. Tudo indica que aquele ser foi embora.
Ignoro isso e olho para minha irmã – Depois de toda essa luminosidade, vou ficar sem enxergar direito por dias... – Ela diz, sacudindo a cabeça.
- Eu também, parece que olhei para o sol por horas... – Reclamo junto dela.
- Pelo jeito aquilo só foi pra nos cegar por um tempo. – Alana esfrega as mãos nos olhos, e piscando por algumas vezes – Como uma coisa daquele tamanho consegue sumir tão rápido?
- Não faço ideia, aquela mulher fantasma fez a mesma coisa... Só é uma pena que perdemos a chance de derrubar aquela coisa. – Resmungo olhando o alto, apertando a boca de leve.
- Do jeito que as coisas estão indo, talvez teremos uma nova chance logo. – Olho para minha irmã de canto de olho, a vendo apoiar as mãos na cintura.
- Espero por isso. – Digo num suspiro – Vamos retornar ao chalé, pelo visto não temos muito mais a fazer por aqui.
- Claro, pode só reforçar a escuridão das minhas asas? – Alana aponta para suas costas – Não sei se vou aguentar o caminho de volta.
Assentindo, ergo uma mão em direção a minha irmã e soltando uma quantia de escuridão em torno de seu corpo. Toda a energia sombria vai se concentrando e ganhando forma, enquanto minha irmã adiciona seu próprio poder, moldando assim suas asas novamente.
- Prontinho, podemos ir. – Digo já moldando as minhas próprias.
- Você vai aguentar o caminho de volta? – Alana pergunta me observando – Você usou o poder da vontade, deve estar se sentindo exausto...
- Está tudo bem, eu consigo aguentar o caminho de volta... Só vou precisar tomar três copos de café e um banho gelado para acordar. – Digo rindo e, num bater de asas em conjunto, ascendemos ao céu, iniciando nosso caminho de volta.
- Lembra o caminho de volta? – Alana questiona conforme vamos ganhando altitude, o som da cachoeira sendo substituído pelo vento, e as árvores ficando cada vez mais distantes de nós.
- Mais ou menos, só vermos para qual lado estão as luzes, que teremos achado uma das vilas. – Respondo risonho.
- Pensei agora... Notou que um daqueles fantasmas estava brilhando? – Confirmo olhando para minha irmã – E se esses fantasmas não estiverem absorvendo, mas sim levando essa vitalidade para esses seres maiores?
- É possível. Talvez esses maiores estejam absorvendo toda essa energia, enquanto os menores são só transportadores. – Digo pensativo – Explicaria o porquê deles serem tão grandes e mais fortes.
- O que precisamos agora é descobrir como atrair eles. – Alana aperta os olhos.
- Isso se não vierem atrás de nós no meio da noite. – Passo os olhos ao redor, já vendo a avenida principal e seguindo para ela – O lado bom disso, é que estarão facilitando as coisas.
- Isso é verdade, então que venham os dois de uma vez! – Minha irmã diz animada, e acabo concordando com ela na mesma animação.
Impressionante que estamos animados dessa forma depois do que passamos momentos atrás, e principalmente por estarmos doloridos.
Fazemos o restante do caminho de volta em silêncio, chegando ao chalé em poucos minutos de voo. Durante todo o trajeto, não percebi nenhuma movimentação estranha na vila, nem sinais de fantasmas.
Parece até que estavam propositalmente reunidos naquela área...
Devagar aterrissamos no deque, dissipando nossas asas. Enquanto que minha irmã entra primeiro, paro por um instante e olho ao redor, buscando ter certeza que não existe nenhum fantasma vindo em nossa direção. Quando me dou por satisfeito, também entro no chalé.
Encontro Alana jogada no sofá, deitada de bruços abraçando uma almofada, enquanto que eu vou para a cozinha preparar um chá quente para mim, de forma que me ajude a refletir sobre tudo que vimos até então.
- Irmãozão? – Ouço ela me chamando com a voz abafada no sofá. Olho para minha irmã, que ergue seu rosto preguiçosamente – Tem doces aí?
- Acho que tem... – Digo pensativo, procurando na geladeira. Encontro dois saquinhos transparentes, com algumas bolotas de chocolate dentro – É... Tem isso aqui...
- Ah sim, as drágeas que comprei hoje cedo. – Ela ergue uma das mãos – Joga pra mim, quero experimentar elas... Comprei um pacote pra mim e um pra você.
Arremesso para minha irmã, que consegue segurar o saquinho no ar, e se senta para experimentar as bolotas, enquanto que deixo um pouco de água esquentando no micro-ondas.
Alana liga a televisão enquanto saboreia seus doces, e seu semblante de criança feliz entrega como ela adorou as tais drágeas. Não nego que agora estou bem curioso quanto o sabor desses doces.
- Sabe o que pensei agora? – Ela diz de repente – Nós esquecemos o corpo daquele homem lá na cachoeira.
Me aproximo do sofá devagar, sentando ao seu lado – Isso é verdade... Mas não tínhamos o que fazer... Acho que o melhor é deixar ele lá, provavelmente as pessoas o encontrarão amanhã cedo.
- Vamos mesmo deixar um corpo largado pra estragar o passeio de alguém? – Ela me olha incrédula, e confirmo com a cara mais limpa do mundo – Você é mau.
- Eu sei. – Respondo rindo apenas para descontrair. – Já estamos lidando com coisas demais nessa viagem, não será bom se nos envolvermos com mais isso... Deixemos as pessoas daqui cuidarem pelo menos desse assunto.
Minha irmã concorda, se encostando no sofá, voltando sua atenção à televisão. Acabo fazendo o mesmo, mas só consigo pensar em como lidar com aqueles dois fantasmas.
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