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Por volta das três da tarde, Louis sentou na cadeira de balanço ao lado da cama em que o vovô dormia.
Descansava enquanto lia um livro sobre psicologia voltado à administração que trouxe consigo para as férias e estava tão concentrado que nem percebeu Phoebe entrar no quarto, pé por pé.
Ela parou ao lado dele e empurrou de leve a cadeira para assustá-lo propositalmente. O solavanco fez o livro cair em seu colo e Louis quase deu um grito.
– Puta que pariu – ralhou para a prima que gargalhava dele – todo mundo resolveu brincar de me assustar aqui?
– Deve ser porque você fica por aí com a cabeça no mundo da lua.
Louis deixou o livro de lado para dar atenção a ela porque ainda não haviam tido tempo para conversar tranquilamente desde que chegaram. Dentre todos os membros da família, além de seus pais, Phoebe, a prima de trinta e um anos, é a que mais mantém contato com Louis. Ela vai à casa dele para almoços aos domingos, é amiga de seus amigos, leva as meninas para passeios durante a semana e se ele der corda Phoebe passa o dia inteiro mandando figurinhas no Whatsapp.
– Toda vez que venho aqui, ele está dormindo. – Disse ela, cruzando os braços e observando o avô dormir tranquilamente, alheio aos filhos, netos e bisnetos barulhentos pela casa inteira.
– Harry disse que são os remédios dessa semana – Louis explicou – tem efeitos colaterais.
– Harry, então – ela sorriu insinuativa e apesar de encenar fingir não ser uma indireta, ela está claramente pedindo para entrar no assunto – vocês já se falaram?
– Sim.
– Hum, sobre o quê?
– Coisas da fazenda.
Louis apoia o cotovelo no braço da cadeira e o queixo entre os dedos, esperando ela terminar aquele interrogatório difícil de escapar. Se bem conhece Phoebe, ela vai perseguir Louis pelos próximos trinta dias se ele não der ao menos um gostinho de fofoca, mesmo que ela tenha outras obrigações e ocupações urgentes para cumprir como por exemplo a porra dos preparativos do próprio casamento.
– Entendi, coisas da fazenda, tipo cavar buracos ou cavalgar.
– Você sabe que o seu avô está nesse cômodo?
– Ele está dormindo.
– Mas se estivesse acordando ia ter um infarto por ouvir tanta malícia, cale a boca, sua metida.
– Eu não tô falando nada demais, se você tá dando duplo sentido para a palavra cavalgar só porque citei o Harry, então é tudo coisa da sua cabeça.
– Engraçadinha – apesar da brincadeira de mal gosto, ele riu – você não leva nada a sério.
Phoebe estava tentando esconder a gargalhada atrás do pulso, mas fez sinal para Louis seguir para fora do quarto. Ele foi junto com ela. Os dois caminharam rindo lado a lado para a varanda, onde havia sofás e bancos à disposição.
– O que foi?
– Os padrinhos e madrinhas estão sendo convidados para uma celebração amanhã à noite. É uma tradição, você sabe, estamos na etapa de festar pra caralho usando o casamento como álibi.
– Legal, que roupa devo usar?
– Casual, nós vamos apresentar os padrinhos e madrinhas uns aos outros enquanto comemos uns petiscos, bebemos muito, falamos besteiras e aproveitamos tudo o que uma festa do interior lá no Celeiro Ritz pode oferecer.
– Praticamente uma despedida de solteiro – Louis sorriu e relaxou no sofá, graças ao Sol quente em seu rosto e a boa companhia.
– É uma pré despedida de solteiro, só que com os noivos juntos.
– O que é o Celeiro Ritz?
– Transformaram um dos campos vizinhos num hotel fazenda e o Celeiro Ritz fica pertinho, pertence à família Ritz, se lembra deles?
– Vagamente, mas o que eles fazem?
– É uma espécie de balada rural, Lou – Phoebe se inclinou empolgada para contar a ele como se fosse uma novidade bombástica – eles estão se dando muito bem porque também há um novo Hotel Fazenda ao lado e os turistas vão ao local, mas quem vive aqui no interior frequenta mais ainda.
– É um bar?
– Bar, restaurante, karaokê e tudo mais que uma boa noite de festa precisa – Louis riu da empolgação dela – você vai ver!
– Ainda bem que tá se casando com um festeiro como você, se não o pobre coitado iria sofrer pra acompanhar seu ritmo.
Os dois passam um bom tempo juntos na varanda conversando sobre tudo. Phoebe também é amiga de Zayn, o melhor amigo de Louis desde os tempos da faculdade, que atualmente trabalha na mesma empresa que ele em Nova Orleans e é padrinho das meninas. Ela pergunta se Zayn vai comparecer porque foi convidado, mas a previsão é que Zayn só chegue na semana do casamento porque não conseguiu tirar férias ao mesmo tempo que Louis.
Eles assistem as crianças menores da família brincando de bola na terra perto da entrada do casarão até o fim da tarde. Tom, o noivo de Phoebe, aparece antes do Sol se pôr com um saco de laranjas que colheu com a ajuda do tio Alan e as crianças correm para dentro pedindo o suco da fruta. Phoebe vai ajudar a coordenar aquela bagunça e quando Louis também estava prestes a ir verificar sua caçula, Harry apareceu falando no celular na porta de casa.
Ele estava distraído, parecia resolver um assunto sério e com pressa, mas houve tempo de encarar Louis de volta. Eles acenam um para o outro por educação, mas ainda é inevitável esse sentimento de constrangimento mesmo que já tenham até se falado desde que Louis chegou.
– Pai – ele é resgatado daquele momento estranho quando Rose chegou com os primos mais velhos. Ela estava com os cabelos escuros molhados e uma toalha úmida nos ombros. Louis sabe que estavam no lago e fica feliz que tenham voltado cedo, conforme combinado – tudo bem?
O restante do grupo de adolescentes da família continuam brincando entre eles, pertubando um ao outro entre gritos e gargalhadas, seguindo pela porta dos fundos para não molhar a sala do vovô.
– Sim, querida. Como foi o passeio?
– Foi ótimo, eu senti falta dos verões daqui. Onde Elis está?
– Bebendo suco com as crianças, eu acho. Você pode tomar um banho quente, trocar de roupas e olhar ela para mim por um instante.
– Claro, o senhor está bem? – ela se preocupa pelo modo distraído dele.
– Estou, amor, só quero dar uma volta por aí.
– Ok, tome cuidado.
Ele riu suave e se sentindo amado, beijou a testa da filha e agradeceu antes de seguir até a garagem de maquinários, mais utilizado pela produção da fazenda. Louis caminhou com as mãos no bolso, tranquilo, ouvindo o som da roça: a estrada de terra, as pedrinhas rolando quando ele pisa. O som dos pássaros e da conversa alta vinda do casarão.
Louis ficou curioso com o caminhão que descarregava mercadoria na garagem. Havia um homem trabalhando sozinho em descarregar e apesar de parecer ter experiência naquilo, também parecia cansativo que logo no fim da tarde, quando já deveria estar se aprontando para ir embora e encerrar o expediente, ele ainda estava ali cumprindo tarefas. Louis se aproxima mais rápido e nem espera ser notado para perguntar:
– Ei, precisa de ajuda, cara?
– Só se não for incomodo, senhor – respondeu o funcionário com seu sotaque interiorano acentuado.
– Não mesmo – Louis esticou os braços e tirou as duas caixas da pilha que fazia o homem se inclinar para trás para suportar o peso. Quando Louis segurou uma parte, o outro respirou aliviado e agradeceu – Tudo bem, onde eu deixo essas?
– Pode ser aqui na garagem mesmo porque o patrão vai fazer a contagem depois quando voltar, esses são só materiais de limpeza.
Louis seguiu a instrução. Deixou as caixas em cima de uma mesa cheia de outros cacarecos. Aquela mesma mulher do dia anterior que segurava uma prancheta e fazia contagem dos materiais, se aproximava, mas parou na porta para ler as mensagens do celular. O funcionário ajeitou as caixas sobre a mesa e tirou o suor do rosto com o antebraço.
– Cuidado, tira o olho dessa aí – brincou – é venenosa feito uma cobra.
– O quê? – Louis não entendeu a insinuação e o funcionário apontou para a mulher na porta – Eu de olho nela? Não – riu – só sou curioso. Tem bastante funcionários aqui hoje em dia e antigamente não tinham tantos assim, parece que a fazenda está indo muito bem.
– Harry é um bom fazendeiro. Daqui a pouco ele pode deixar de ser distribuidor e vender direto por conta própria, pode até fazer uma pequena fábrica de algodão se o senhor avô permitir.
– É mesmo?
– Desde que Harry assumiu o comando, a fazenda vai de vento em polpa.
– Parece ótimo.
– E é – o funcionário ajeitou o chapéu na cabeça e olhou Louis com mais atenção – que indelicadeza a minha não se apresentar, qual sua graça?
– Louis Tomlinson – estendeu a mão – e você?
– Minha nossa, um patrão. Desculpa fazer o senhor carregar tanta mercadoria.
– Não se preocupe, houve um tempo em que esse aqui era meu trabalho de verão, sei como as coisas funcionam, conte comigo se precisar. O seu nome?
– Liam Payne.
– Prazer te conhecer, que tal um descanso?
Liam gesticulou para a saída em concordância. Eles passam pela outra funcionária que os cumprimenta e encontram dois tocos de árvore para se sentar ao lado de fora da garagem, enquanto Liam fuma em seu intervalo e bate um papo mais a vontade com Louis.
Eles conversam sobre Liam ter começado a trabalhar na fazenda haviam poucos meses e Louis descobriu ter sido mais ou menos quando o vovô Franklin piorou. Louis conta também sobre suas experiências ali quando fazia os serviços mais pesados na roça e Liam faz bastante perguntas curiosas de como costumava ser Olivia' s Farm naqueles tempos.
Já estava escurecendo, quase noite. Louis e Liam só se deram conta de terem ficado proseando além da conta, quando Harry se aproximou aparentando estresse e todo sujo da plantação de algodão.
Louis não percebeu encarar fixamente. É difícil não olhar e não ficar reparando no quanto Harry mudou nos últimos anos. Com certeza ele está mais forte, mais alto e inegavelmente mais bonito. É como se ao invés de lhe castigar, a idade tenha o abençoado.
Liam se ajeitou, jogou o terceiro cigarro fora e se apressou na direção do patrão pedindo instruções. Louis seguiu só por estar ali, mas também porque queria ser útil.
– Danielle já trouxe a nota fiscal – Harry disse – agora eu vou conferir a mercadoria e você, Liam, vai colocar no carrinho pra levar para o estoque, tudo bem?
– Sim, senhor.
Harry não diz nada quando Louis ajuda Liam a colocar o que já foi contado no carrinho. Eles trabalham seriamente juntos, dizendo apenas o necessário. Quando terminam essa etapa, Harry instrui Liam sobre outras coisas relacionadas a sua função e avisa que ele pode ir para casa depois do dia longo de trabalho, mas antes Liam precisava terminar de levar a última remessa ao estoque. Harry agradece e se retira. Louis permanece quieto o tempo todo, como se nem estivesse ali.
– Vocês não são parentes?
– Primos.
– E não se dão bem?
– Não sei – Louis andou ao lado de Liam que empurrava o carrinho de mão para o estoque. Ele ia ajudar até a etapa final, já que estava desocupado mesmo, para contribuir que Liam fosse embora mais rápido em seguida – não nos vemos há quase duas décadas, mas da última vez em que nos vimos não foi muito bom.
– Eu não consigo imaginar o que seja uma briga tão grande a ponto de dois primos ficarem sem se falar por tanto tempo.
Corações partidos e decisões radicais, Louis pensa, mas não responde. Ele passa o restante da tarefa conversando amenidades com seu novo amigo. Os dois combinam de se encontrar a qualquer hora por ali e se despedem antes de cada um seguir seu caminho para casa.
Louis se apressa para encontrar Elis e fazer ela lavar as mãos para o jantar. Ele encontra sua pequenininha no balanço de pneu da árvore, com a irmã mais velha. Rose balança Elizabeth suavemente, mas elas estão rindo como se estivessem empurrando para o espaço cideral.
Louis rouba a atenção delas. Elis desce do pneu às pressas para abraçá-lo e Rose aproveita a oportunidade para ocupar o lugar na balança.
– Quer que eu te empurre? – ele pergunta.
– Pode ser – Rose segurou firme e fechou os olhos, sentindo o leve balançar. Elis está ocupando o braço livre de Louis, com as perninhas laçando a lateral do corpo dele por colo.
A estatura das duas são baixas como a de Laura, ele repara pela milésima vez, sorrindo enquanto Elizabeth conta sobre ter brincado com vários animais da fazenda nos passeios com seus primos mais cedo.
O barulho da caminhonete estacionando na frente do casarão chamou a atenção dele. Harry desceu segurando três sacos de panos pesados e o chapéu escorregou da cabeça direto para o chão de terra. Ele parece tão sério, mas tão atrapalhado.
– Tudo bem, niñas, hora da janta. Quero as duas indo lavar as mãos, Rose ajude a sua irmã! – a mais velha concorda e elas correm para dentro da casa, agitadas, mas famintas.
Louis foi depressa na direção de Harry. Primeiro pegou o chapéu dele no chão e depois estendeu a mão, pedindo silenciosamente para segurar um dos pesados sacos de pano. Aparentemente as coisas vinham sendo assim entre eles, nesse respeito em silêncio.
Mas Louis não vai deixar ser desse jeito. Ele não veio para Olivia' s Farm numa missão de reconciliação com o primo ou para tentar ter uma conversa que deveriam ter tido há muito tempo. Mas Louis acha que os dois precisam resolver algumas questões para terem dias mais agradáveis ali e sinceramente, Laura estaria orgulhosa pra caralho dele tentando fazer um diálogo funcionar.
– Obrigado.
– Não foi nada demais. Sabe, desde que chegamos eu notei que você trabalha bastante e faz de tudo – Louis tentou começar por outros lados e Harry cruzou os braços de frente para ele, esperando para ver aonde aquilo daria – se precisar de alguma ajuda, eu posso tentar qualquer coisa, igual mais cedo na garagem.
– Ta bom – Harry não parecia muito interessado.
– Sei fazer a maioria das tarefas, lembra que o vovô me obrigava a acordar antes do Sol nascer pra ajudar ele na roça?
– Sim.
– Aposto que ele fez muito disso com você depois que eu não voltei mais – Louis riu e Harry também só que de uma maneira diferente, um pouco amargo e Louis arriscaria dizer até mesmo sarcástico.
– Licença, eu tô cansado e quero jantar.
Harry se afasta para a porta, mas Louis segura o cotovelo dele antes de perder a oportunidade de resolver o que precisa de uma vez por todas:
– Nós precisamos conversar.
– Você já disse isso.
– Então.
– Eu tô com fome. Estive trabalhando desde às quatro da manhã, você pode deixar eu ir almoçar em paz, por favor? – a rispidez não assusta Louis, ele se lembra dessa versão meio arrogante e irritado de Harry também.
– Eu posso e depois do jantar nós vamos nos encontrar para conversar.
Harry não respondeu, mas puxou o braço com força, novamente sem olhar nos olhos de Louis e se retira para a cozinha.
Louis está ocupando a cabeça ajudando Elis a cortar os vegetais no prato e ouvindo Roselin – com toda a sua atenção e orgulho – explicar seu interesse em cursar veterinária futuramente. Ela está inspirada pela fazenda e era natural que aquilo viesse acontecer, considerando que Rose ama estar ali e ama ainda mais o cuidado com os animais.
Ele entra em outros assuntos com sua tia Jeane, ajuda a recolher a mesa, mas não para de perseguir Harry com os olhos. Ele é retribuído em algum momento e não parece agradável, Harry parece cada vez mais irritado com aquela situação.
Quando o jantar finalmente acaba, Louis tem que acompanhar Elis para o quarto porque ela ficou com sono e quer dormir. Louis troca a roupa dela, deixa um copo de plástico com água na mesinha ao lado da cama e estava até conformado de que a conversa com o seu primo não iria acontecer naquele momento, mas foi surpreendido quando desceu para a varanda e encontrou a velha caminhonete estacionada debaixo das árvores do casarão com os faróis apagados e o motorista esperando lá dentro.
Louis se aproximou insistente e encontrou Harry sentado de um modo desleixado no carro desligado, mas com uma mão no volante e o outro braço apoiado na janela. Ele faz um sinal para entrar e abre a porta do passageiro.
Louis olhou para trás e só havia seus tios na varanda, bebendo e conversando, mas de qualquer forma não pensariam nada demais de dois primos batento papo no carro.
– Boa noite.
– Vamos ter essa conversa, mas é porque eu sou homem o suficiente pra não fugir de uma – o sotaque evidente é uma coisa que o tempo no interior trouxe com mais força em Harry.
É claro que Louis não consegue deixar de reparar em todas as mudanças neles.
– Por favor, sem esse ego de supermacho pra cima de mim
– Vai começar...
– Você acabou de insinuar que não sou homem o suficiente usando esse discurso machista e pensou que eu não fosse revidar?
– Só vamos conversar e pronto.
Louis bufou uma risada porque é realmente engraçado como os dois parecem fogo perto um do outro. Sempre queimando de alguma forma, quando não é quente de desejo, é trágico, é destrutivo.
– Como foram os últimos anos? – tentou começar pelas beiradas.
– Você não quer saber disso – Harry respondeu ríspido, indo direto ao ponto central daquela conversa.
– É claro que eu quero.
– Se você quisesse realmente saber teria me procurado antes e não virado as costas de vez como se tudo o que aconteceu entre a gente não valesse de merda nenhuma.
– Porra – Louis praticamente gritou em resposta – não vamos conseguir fazer isso se você enfiar grosseria em tudo o que fala como um filho da puta arrogante.
– Então por que tentar?
– Não tem como fugir, vamos conviver pelas férias inteira porque eu não vou embora e perder o casamento da minha prima mais próxima ou pior, perder os últimos momentos com Franklin só porque você tá agindo feito uma criança birrenta.
– É bem maior do que agir como uma criança birrenta e se você não enxerga o problema é porque ainda está errado.
– Esse é o objetivo aqui, Harry, conversar pra tentar consertar o erro.
– Não tem conserto com uma conversa.
– Você não sabe se nem está tentando!
Harry bateu as mãos no volante com força e jogou a cabeça para trás no apoio do banco.
Um longo silêncio seguiu. A calmaria lá fora com o som da brisa e dos pássaros fazia um constraste absurdo com o caos ali dentro. Louis está respirando fundo porque não vai perder a linha, não vai deixar de fazer isso só porque Harry está sendo difícil. Ele pode ter um pouco mais de paciência se for necessário.
– Louis, você quer estar com o vovô nos momentos finais, mas não esteve quando ele realmente precisou. Você só decidiu que iria embora e não queria mais me ver e nem pensou que isso incluia não ver mais Franklin.
– Posso dar a minha versão? – Louis pediu e Harry gesticulou para que ele fosse em frente – Eu não ia parar de viver a minha vida pra viver a vida do nosso avô, essa foi a sua escolha e não a minha.
– De novo você dizendo isso, então me responde o que você não soube responder anos atrás: se eu não cuidasse dessa fazenda que é o sustento de toda a família e inclusive de onde saiu o dinheiro da sua faculdade, quem você acha que cuidaria?
– Eu lembro quais eram seus sonhos e não tinha nada a ver com ser fazendeiro. Temos mais de trinta pessoas na família e tinha que ser logo você?
– Trinta pessoas desinteressadas em ficar aqui mais do que o período de verão e trinta pessoas que não conseguem lidar com as exigências e o humor ranzinza dele. Trinta pessoas que não estavam aqui a primeira vez que ele teve um infarto ou que me ajudaram a carregá-lo nas costas da plantação quando Franklin teve uma convulsão enquanto trabalhávamos. Onde você estava, Louis? Vivendo a sua vida perfeita porque não quis viver a do seu avô, com todo o direito de seguir em frente porque ninguém é obrigado a ficar, mas enquanto isso ele trabalhava duro pra sustentar o luxo de todo mundo. Agora me diz, porra, por que você pelo menos não pôde aparecer pra visitar ele uma vez em dezessete anos?
A paciência quase acabou. Louis queria dar um soco em Harry, mas eles não fazem do tipo machucar físicamente. O mais próximo que poderia fazer é contra atacar, mas também estava exausto pra isso. E apesar de ficar puto com a maneira de Harry jogar tudo em sua cara, Louis admite que o outro tem razão. Não é como se não tivesse refletido a respeito nos últimos meses desde que souberam que Franklin estava em seus momentos finais.
Essa culpa Louis sabe que não carrega sozinho porque a família toda está sentindo. É evidente no exagero em que eles tentam de alguma forma ajudar Harry a passar por esse momento, mas precisam convir que deveriam ter feito desde sempre.
Louis apoia o braço na janela do carro e observam os vagalumes sumindo entre os galhos da árvore. Os dois ficam imóveis e absortos em seus pensamentos. Essa é a verdade, não adianta Louis se justificar. E a resposta para a pergunta de Harry é que Louis foi covarde. Esteve tão confortável em sua vida supostamente ajustada que não teve coragem de enfrentar o passado e fugiu dele o quanto podia. Olhar pra trás era dolorido e ele não conseguia enfrentar enquanto tocava sua vida adiante.
Tem mais um monte de coisas entre eles no meio disso. Teve as escolhas que não incluiam um ao outro, as palavras usadas que machucaram, a imaturidade naquela época. Mas o principal motivo, Louis sabe que foi por ter ido embora.
– Me desculpe – surpreendentemente, foi Harry que pediu, parecendo realmente se arrepender em seguida ao acesso de fúria – estou com raiva porque ele está morrendo e tô tentando encontrar um culpado, mas não é assim – refletiu – Quando você foi embora eu incentivei que fosse, não tenho direito de gritar agora como se a culpa fosse só sua.
– Eu te entendo e não acho que tenha que me pedir desculpas, sou eu que tenho que te pedir perdão – Louis olhou para Harry, nos olhos, pela primeira vez desde que chegou na fazenda – tenho que pedir desculpas para o Franklin, principalmente, mas também para você por ter ido sem voltar.
– Você tinha que viver a sua vida.
– Nossa vida sempre foi essa família.
Harry concordou com um gesto de cabeça.
– Estamos nos desculpando, então.
– Tá vendo como conversar faz bem?
– Não exagera, você sabe que nem tudo pode ser consertado.
– Mesmo assim, vamos lá, admita que conversar é melhor do que nos evitar.
– Aposto que foi Laura que te ensinou.
– Você nem a conheceu – Louis sorriu triste.
– Infelizmente, mas aposto que eu adoraria ela. Você mudou muito e pelo jeito que Rose age, eu tenho certeza que a Laura era uma boa ouvinte.
Eles dividem o silêncio entre um tempo e outro. Louis está ficando sonolento, mas Harry parece impaciente.
– Eu ainda estou com raiva de você, honestamente.
– Mesmo depois desse desabafo e das minhas desculpas sinceras?
– Sim.
– Compreensível.
– Mas acho que com o tempo vai melhorando.
– Também acho.
Outro silêncio, dessa vez desconfortável. Louis vai tentar quebrar o gelo pelas beiradas de novo:
– E agora você pode me dizer como foram esses últimos anos?
– Hum, o que você quer saber?
– Sei lá, tudo, o que fez em todo esse tempo.
A pergunta está coçando na ponta de sua língua. Todos sabem de Laura porque ela foi casada com Louis por mais de dez anos, mas ele quer saber com quem Harry esteve depois. Achou que chegaria na fazenda e o encontraria casado ou ao menos namorando, mas nada. É estranho vê-lo solteiro porque pelo o que se lembra, Harry é romântico, carinhoso e um pouco carente, além de atualmente ser absurdamente lindo e interessante.
– Vou a cidade agora, preciso fazer uma última coisa antes de encerrar meu dia. Quer vir junto? Podemos conversar mais pelo caminho.
– Tenho que ficar aqui porque Elis está dormindo, ela se assusta quando acorda e não me encontra por perto.
– Tudo bem – Harry sorriu e Louis abriu a porta para descer do carro – até amanhã.
– Até... e, Harry?
– Oi.
– Apesar de ter sido difícil ouvir tudo o que me disse, eu agradeço pela conversa. Vamos melhorando com o tempo, yeah?
Harry acenou em concordância, antes de dirigir para fora da fazenda. Louis sentou na varanda para fazer companhia aos tios, mas a cabeça estava longe, pensando naquela caminhonete que registrou mais um de seus momentos importantes.
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