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Quando subiu a colina ao oeste da plantação de algodão, ainda no território de Olivia 's Farm, Harry se sentiu nostálgico e feliz.
Nostálgico, porque quando era criança, foi inúmeras vezes até a superfície mais plana onde haviam os milagrosos e resistentes pés de laranja, para procurar Louis entre as árvores cheirosas, mas fingia que não o via para cair nas pegadinhas travessas de esconde esconde entre primos. Dessa vez, ele também sobe a colina procurando por Louis enquanto caminha em direção ao altar, ao lado de sua mãe, mas fica mais fácil encontrá-lo, porque seu noivo vem logo atrás com a tia Jeane de braços dados a ele, percorrendo esse mesmo caminho juntos.
E feliz, porque se sentia como se tivesse desabrochando feito um botão de algodão extravagante e atemporal, para receber a iluminação vinda do amor e dar em troca a maciez do seu coração, ansiando para que floresça a partir dos cuidados mútuos.
É primavera fresca, aliás. As flores brancas e pequenas das laranjeiras se espalham acima de suas cabeças, como se tivesse sido colocadas lá pela mãe natureza para decorar e celebrar o amor deles.
É confortável e maravilhoso como tudo tenha mudado para melhor desde que Louis voltou para a fazenda.
Eles sabem que o casamento não é só uma marca final ou a linha de chegada com uma grande fachada de "felizes para sempre" na porta de casa, como se tivesse tudo se resolvido em suas vidas a partir do momento em que decidiram ficar juntos. Eles também sabem que longe um do outro machuca mais e já tinham aprendido o suficiente sobre ceder, se apoiar e lutar juntos para que qualquer outra coisa difícil que tenham ou ainda estão passando pelo caminho da vida, fique mais possível de lidar ao lado de quem se ama. Muitas outras coisas eles ainda não sabem, porque já podem ter crescido desde que se apaixonaram pela primeira vez, podem ser homens maduros agora, pais e responsáveis por um negócio que sustenta dezenas de famílias, mas não sabem de tudo o que virá como obstáculo, não sabem sobre tudo da vida, ninguém sabe de tudo, até que aconteça e quando acontece nem sempre se aprende.
Tem gente velha, pra lá da segunda metade do seu centenário, que continua errando, que continua tendo a vida tentando ensinar algo e não aprendendo nem mesmo beirando a morte.
Franklin não foi ao casamento.
Ele foi convidado como todos os outros só por cordialidade, mas também pelo menos teve a decência de recusar educadamente, dizendo que não estava bem para subir a colina ou ficar numa festa. Sendo sincero, Louis achou que Harry ficaria chateado, mas ambos os noivos ficaram aliviados porque seria estranho alguém que os praguejou tanto, fingindo (ou nem tentando) compartilhar de um dos momentos mais incríveis e felizes como casal. Ninguém precisava passar por essa situação inconveniente.
Não importa mais, honestamente. Uma vez, Louis disse para Harry que ele mesmo poderia trilhar seu caminho, porque todos tinham seus próprios caminhos a trilhar e não servir de estrada para que os outros passassem por cima de você e pudessem trilhar os deles achando que isso era alguma forma de demonstrar amor e gratidão. Ele tem razão. Harry estava trilhando o seu próprio caminho, sem angústia, sem culpa e sem remorso, agora. Fazia porque merecia, porque tinha direito. Porque amor é ter quem queira trilhar caminhos paralelos, lado a lado, ou até mesmo compartilhando a mesma estrada, dando forças para ir até onde quisesse ir. Amor não era ser a estrada.
Primeiro, Harry aprendeu parte disso da pior maneira, depois, aprendeu da melhor forma de todas.
Ter Louis, Rose, Elis, sua mãe Anne, pouco parte da família e alguns amigos como Liam e Zayn apoiando, torcendo por sua felicidade e recebendo seu apoio também, era a forma de demonstrar amor que ele descobriu ser melhor do que ser devoto e devedor de gratidão. Respeito era natural, não por temor ou imposição.
De novo, coisas como essa que ele aprendeu já adulto e provavelmente, assim como acontece com todo mundo, vai aprender ainda muito mais. Harry, em especial, com todo o prazer, agora fará com a ajuda do seu marido.
O casamento foi melhor do que os seus sonhos, aqueles juvenis e os mais recentes também. Louis usou um terno azul escuro quase como o seu, a diferença estava nos cortes. Tinha um caimento perfeito, mas ousado, modelando seu corpo tão bonito e deixando Harry fissurado nele durante a cerimônia inteira. A todo momento tocando a cintura de seu esposo, se aproximando, ansioso para ficarem a sós após a festa. Mas é claro que antes de conseguir escapar para um canto mais privado, teve a hora do discurso dos padrinhos, Liam e Zayn, das madrinhas, Dayse e Phoebe, de Mark e Anne, e dos próprios noivos. Harry ainda não é alguém de chorar muito facilmente, mas Louis conseguiu fazer ele chorar de rir das piadas internas e outras gracinhas que era sua marca registrada, com aquele carisma e atrevimento capaz de cativar o humor de todos os convidados. E também, quando ele finalizou falando sobre eles já serem uma família e agora estarem prontos para fortalecer ela, Harry chorou um pouco de emoção e felicidade, discreto, mas sentindo transbordar do seu coração de verdade.
Depois, na vez de Harry, o seu discurso foi a música prometida. Louis não o pressionou a tocar publicamente, mesmo já tendo lhe dado um violão de presente, que Harry tocava todo dia só entre eles e em família. Eles sabiam que era difícil se expor porque por um longo tempo o seu talento foi reduzido à bobagem por alguém que não dava valor às coisas que faziam Harry ser Harry, um homem forte que tinha direito de ser sensível também.
Mas uma vez que Harry subiu no palco, cercado pelo arco de flores entre as laranjeiras, se ajeitou no banquinho, focou na música e no olhar emocionado e apaixonado de seu chato, a pessoa que mais o apoia em tudo o que lhe faz feliz no mundo, e se sentiu seguro e confiante o suficiente para desejar fazer aquilo mais vezes. Talvez, para sempre.
🌾🚜
Lana foi visitar os primos recém casados num final de semana em maio. Mesmo ainda sendo primavera, o ar da noite era gelado, então fizeram uma fogueira em frente ao casarão e sentaram em volta dela para cantarem, enquanto Harry tocava e dividiam o vinho trazido de presente.
Naquela semana, Claire tinha ido embora para Nova Iorque, para terminar os estudos e morar com Anne temporariamente. O bebê, um menino, foi adotado por Louis e Harry em comum acordo e com o total desejo de Claire, desde o oitavo mês de gestação. Phill deserdou e emancipou a filha. Louis e Harry não querem mais vê-lo, nem pretendem recebê-lo na fazenda, assim como já não recebem Adam e Johannah também.
O bebê deles se chama Gabriel, mas Louis gosta de chamá-lo de "meu algodãozinho doce". O filho deles é o grude de Elis, e Elisabeth é o grude de Gabriel, que com seus poucos cinco meses de vida já parece ter decidido que a irmãzinha é sua pessoa preferida no mundo.
Conversando, em volta da fogueira naquela noite, o casal Tomlinson contou sobre a situação complicada da fazenda, sobre o que conseguiram resolver e tudo mais que ainda precisava ser feito com pouco recursos e muita força de vontade em não se desfazer das terras pelas quais Olívia lutou sua vida toda, assim como os antecessores dela.
– Ok, eu tenho uma ideia e não sei se vocês vão achar absurda, mas tenho certeza que funciona e estou disposta a convencê-los de que sim, pelo bem de Olívia 's Farm.
Ela segurava a manga do suéter azul entre os dedos, estava de pernas cruzadas e com os olhos azuis sempre atentos através das labaredas da fogueira, provavelmente porque essa agitação energética, ansiosa, estava no sangue de todos os Tomlinson.
– O que seria? – Liam perguntou por curiosidade. Ele voltou a trabalhar na fazenda, mas não de forma integral, ajudava como podia com o pouco que Harry e Louis podiam pagá-lo, mas como amigo, ele estava preocupado e disposto a resolver aquela situação.
Naquela roda, sentados em cadeiras de pesca, estava Louis segurando no colo a babá eletrônica, ao lado de Harry, que dedilhava baixinho a viola enquanto olhava para a sua prima do outro lado, entre Liam, Rose e René.
– Na universidade, eu faço parte de organizações ativistas. Participo diretamente em algumas, e em outras eu simpatizo, dando o meu apoio como posso.
– Seu avô te chamaria de comunista ou democrata de merda se soubesse disso – Louis comentou brincando, rindo, porque ele mesmo já foi chamado assim por Franklin, um milhão de vezes. Lana riu também e ergueu a taça para brindar o ar em direção a Louis, como um cumprimento de duas pessoas que sabem como o velho os trata, e apenas lidam com isso – mas o que isso tem a ver com a fazenda?
– Tem um movimento muito antigo que defende a ideia de dividir as terras de grandes latifundiários para famílias camponesas também plantarem. Há terras demais para um só proprietário que mal usa e terra nenhuma para famílias inteiras cultivarem suas plantações orgânicas.
– Como aqueles movimentos de reforma agrária?
– Exatamente! É um assunto bem extenso que eu estou tentando resumir agora, mas amanhã eu vou no escritório de vocês para mostrar alguns estudos que explicam melhor o assunto.
– Eu tô quase entendendo onde você quer chegar, mas Lana, apesar de termos bastante funcionários, sermos uma distribuidora, e ter bastante campo, não somos a maior fazenda de Louisiana, nem a maior da região – Harry comentou de cenho franzido, sem deixar de dedilhar a viola baixinho, suave, para não atrapalhar a conversa.
– A fazenda dos Horan, por exemplo, é cinco vezes maior do que a nossa em todos os sentidos, de hectares e produção. – Disse Louis.
– Eu sei disso e não tô acusando vocês de serem gananciosos ou algo do tipo. Olivia 's Farm não é uma gigantesca fazenda, mas é grande o suficiente para ser usada com sabedoria. E se vocês entrassem para cooperativas? Ou fazer melhor: e se… vocês negociarem pedaços de terras com seus ex-funcionários, para eles plantarem o que quiserem em troca de alguma porcentagem, ou de um aluguel fixo? Assim, eles finalmente terão a oportunidade de terem o próprio negócio de maneira justa.
– Parece um pouco louco – Liam comentou – mas também parece uma ideia inteligente.
– Enquanto maior a fazenda, mais trabalho ela dá e mais custo ela gera. Sem tanta renda e lucro, como ela veio perdendo desde que Franklin mandou Harry embora, não temos dinheiro suficiente para lidar com tantos custos – Louis raciocinou – a sua ideia não é nada ruim, Lana, na verdade é bem lógica. Já resolve dois problemas de uma única vez, a dívida com os funcionários e evitamos falência.
Harry acha uma boa ideia, eles terão mais tempo para se dedicar a família deles, ao bebê que nasceu, e ainda iriam lucrar com o aluguel. Poderiam aderir ao plantio de laranja na colina e manter alguns funcionários ali, outros na casa, e os outros conseguiriam serviço com quem alugasse suas terras. Eles dariam preferência para alugar terras com uma boa negociação, algo acessível, para os ex-funcionários que ainda tentavam trazer de volta e em seguida para funcionários atuais, aqueles de maior confiança e responsabilidade.
Assim, as terras ainda seriam de sua avó de alguma forma, evitaria discordâncias de toda a família, e ainda serviria para plantar e alimentar aquelas famílias de trabalhadores que dependiam delas há anos.
E eles poderiam fazer outras coisas também, além de viver só em função disso. Harry percebeu, depois de voltar de Nova Iorque, que podia ter um pouco da vida rural que ama, e um pouco de fazer outras coisas suas também.
Nessa mesma semana, ele aceitou a proposta de sua mãe para gravar um EP com 4 músicas, fazendo promoção delas apenas em regiões locais e focando na distribuição em redes sociais. Desde que voltou a se sentir à vontade cantando, Harry tocava no Celeiro Ritz duas vezes na semana como um trabalho extra, mas principalmente porque gostava da sensação de fazer as pessoas dançarem com a sua música. Ele não queria a fama e nem o dinheiro, só estava feliz em ver que cantar era um trabalho legal que fazia as pessoas se divertirem juntas, gerar emoção e diversão, e não só uma bobagem como seu avô julgava.
Aquela conversa na fogueira, a sugestão de Lana e as ideias que vieram a partir disso, fizeram com que um plano surgisse dali. Foi rápido e eficiente. Um mês depois eles tinham acordo com quatro famílias dos ex-funcionários que queriam plantar algodão e outros dois ainda estavam negociando porque pretendiam plantar hortaliças.
Foi, de certa forma, aliviante para o casal. Eles ficaram receosos que o negócio fosse um tiro pela culatra, temeram que alguém agisse de má fé e acabasse com as terras que os Tomlinson protegem há décadas, mas a cada novo acordo fácil e de sucesso, eles percebiam que estavam ganhando tanto quanto as outras partes.
Foi então que a decisão de terceirizar toda a terra de algodão foi tomada.
Louis e Harry iriam receber só uma porcentagem disso e ainda assim seria o suficiente para manter o patrimônio, distribuir aos Tomlinson e viver em paz sem perder a posse de Olivia.
Os dois ainda trabalhavam administrando as terceirizações, cuidando dos animais e da fazenda, mas principalmente cultivando na colina, na colheita de laranjas, das quais passaram a dedicar mais seus esforços e fazê-las render até criar uma nova marca.
Era o suficiente.
Quatro meses depois, foi o dia em que aconteceu. Era outubro, fazia mais frio que o normal e a colheita estava sendo um sucesso, tanto de algodão como a de laranjas.
Naquele dia em específico, Harry saiu do trabalho no campo mais cedo porque era a sua vez de buscar as crianças na escola. Louis tinha ido à cidade, porque Gabriel tinha uma consulta de rotina no pediatra.
Eles se falaram pelo telefone antes de Louis sair com a caminhonete nova. Ele reclamou porque não gostava de dirigir nela, estava muito acostumado com o seu carro anterior. Ele mandou um áudio para Harry quando chegou na cidade reclamando que odiava o sistema elétrico do carro, mas no final, também disse que o amava e que levaria comida japonesa para o jantar, aproveitando que na cidade haveria restaurantes.
A estrada de terra que Louis pegaria era pior para dirigir, por isso ele foi com a caminhonete, mas dirigir com o carro popular velho também era mais lento para Harry no caminho da escola.
Como sempre, Elisabeth estava falante durante o trajeto, contando sobre o seu dia na escola e Rose mexendo no celular. Harry deu atenção a elas, respondendo durante a conversa e puxando assunto de volta, mas internamente sentia-se estranho, com uma sensação muito ruim.
Primeiro, ele viu a multidão de conhecidos aglomerados do caminho, da porteira até a entrada do casarão. Obviamente, Harry estranhou aquilo. Diminuiu a velocidade e olhou para toda aquela gente, para a feição deles, sabendo que era uma coisa ruim antes mesmo de ver a viatura da polícia estacionada mais próxima da varanda, com a sirene desligada.
Quando desceu do carro, um pouco assustado, com o coração quase batendo na boca, ele só pensava em Louis e Gabriel. Um policial se aproximou cauteloso antes mesmo dele subir a escada da varanda. Liam apareceu junto, meio pálido, mas contido e sério. Naquela fração de segundo, qualquer um pode pensar em um milhão de tragédias, os piores cenários possíveis e impossíveis, principalmente para alguém tão sentimental e protetor como Harry era.
– Cadê o meu marido? – Perguntou tremendo, de punhos cerrados e colados ao corpo. Rose se aproximou de olhos arregalados, mas menos tensa do que o padrasto.
– Ele está chegando, acabei de falar com Louis no telefone – respondeu Liam, dando a chance para Harry soltar todo o ar que havia prendido no peito. – Vou levar as crianças para ver os cavalos até Louis chegar, pode ser?
– Não, eu quero ficar – Roselin protestou, sabendo que era coisa ruim.
– Fica com a sua irmã até o seu pai e seu irmão chegarem, Rose, consegue fazer isso por nós?
Ela atendeu o pedido de Harry, saindo com Liam e carregando Rose no colo. Harry deixa as mochilas no carro e pergunta o que estava acontecendo ao policial. Ele vê outro oficial pedindo para as pessoas curiosas se afastarem e respeitarem o momento. Era de se esperar que numa vila como aquela, com todos os funcionários da cooperativa em horário de movimento, eles viessem a bisbilhotar porque era raro a polícia precisar aparecer no campo.
O policial leva Harry para se sentar na varanda e explica, sem enrolar, mas com mais tato do que um policial na cidade grande faria. É claro que sim, esse oficial trabalha na região há pelo menos trinta anos. Ele viu Harry crescer ali, eles jantaram muitas vezes juntos em quermesses e Franklin e Olívia eram padrinho e madrinha de uma das filhas mais velhas dele. Dar a notícia de que Franklin Tomlinson havia falecido naquela tarde, era muito difícil para o velho amigo policial.
Harry não se levantou e nem disse nada. Ele ficou lá, sentado, escutando como o policial recebeu a ligação duas vezes, do enfermeiro latino, depois de Liam. Em como eles encontraram Franklin sentado na cadeira de rodas apagado, de frente para a janela do quarto com vista para o campo de algodão e a fotografia de Olívia em seu colo. Ele escutou o policial justificar ter chegado antes da ambulância porque o enfermeiro já havia constatado a morte e que em breve chegariam para levá-lo ao necrotério.
O policial lamentou a morte, lamentou a perda do amigo, disse algumas coisas como se sentia e ofereceu apoio a Harry, porque todos sabiam, esse tinha sido o neto mais presente de Franklin.
Harry continuou sentado lá. Ele viu as pessoas indo para suas casas e viu outro carro oficial chegar. Depois Louis chegou e tentou falar com ele, mas vendo o estado catatônico do marido, deixou um beijo em seu rosto, se abaixou para dar um abraço apertado e finalmente o trouxe de volta com algum sentido tátil.
– Amor, eu vou resolver o que é necessário.
– Cadê o nosso bebê?
– Rose está com ele e Elis também – Louis disse, sorrindo triste, Harry nem tinha reparado quando isso aconteceu – já chegamos faz uns vinte minutos. Eu fui ver elas primeiro, mas já estou aqui com você.
– Obrigado.
– Você quer vê-lo enquanto eu falo com a polícia? Liam e Niall estão aqui também, eles vão te fazer companhia se precisar.
Harry ficou um tempo em silêncio, a mente parecendo um imenso vazio. Ele encara os olhos de Louis, ainda um pouco dissociado. Ele não respondeu a pergunta ainda, ao invés disso, disse:
– Eu já sabia que ele estava morrendo.
– Você sabia.
– Mas eu não acho que… acho que eu não sabia de verdade.
Louis entendeu o que aquilo significava. Não havia aviso prévio capaz de prevenir o choque do luto. A única certeza que temos desde que nascemos é a morte, mas mesmo assim, quando ela vem, não nos conformamos. Mesmo sendo a morte de alguém que em vida tenha te ferido a maior parte do tempo, como o caso de Franklin para Harry.
Harry ficou de pé, vestiu o chapéu, retribuiu o beijo de Louis em seu rosto e caminhou para o casarão.
Louis perguntou se Harry queria que ele fosse junto, ou algum dos dois amigos dispostos, esperando lá fora para dar apoio, mas Harry recusou sobre os ombros e foi sozinho. Ele precisava ter essa última conversa com Franklin sozinho. Por um átimo de segundo, quando entrou no quarto frio do avô, uma piada mórbida surgiu sem controle em sua cabeça e ele riu. "Pelo menos agora ele vai me escutar, me deixar falar o que penso, de boca fechada." Ele parou de rir quando sentou na beirada da janela, de frente para a cadeira de rodas onde Franklin estava do mesmo jeito que o policial havia descrito: olhos fechados, cabeça tombada no encosto e aquela fotografia da única pessoa que ele amou de verdade, em seu colo, com a mão da aliança sobre ela.
Aquele vazio do choque na mente de Harry, de repente, é surpreendido por um turbilhão de sentimentos, como um tornado finalmente tocando o chão.
Ele achou que diria alguma coisa, foi pra isso que veio até Franklin, mas ao invés disso, chorou.
Essa foi a segunda vez que Harry chorou na frente de Franklin. Da primeira e última vez, o velho havia dado um tapa na cabeça dele e o proibiu de fazer aquilo de novo.
Dessa vez, chorou alto e fundo, a ponto de soluçar. Chorou sem se preocupar se estava fazendo na frente de Franklin, porque dessa vez Harry não vai ouvir suas broncas cortantes.
Ele não sabe quanto tempo ficou ali chorando, mas já era noite quando Louis veio buscá-lo. Os dois tomaram banho juntos no banheiro novo, aquele que Harry mandou construir com o dobro de tamanho no piso inferior da casa. Depois disso tudo, foi um borrão até o terceiro dia no velório, quando Harry se sentia um pouco melhor em comparação ao estado inerte de antes. Todos os Tomlinson estavam lá, enterrando o avô no mausoléu da família, onde ele estaria ao lado de Olívia. Na missa de sétimo dia, Harry compareceu, mesmo que o seu lado amargo de mágoa que ainda estava sendo curado com o tempo, o amor da família que construiu e com muita terapia, sussurre em seu ouvido que Franklin não merecia tanto saudosismo.
E falando em terapia, ele aumentou os dias de consultas por semana para lidar com mais aquilo, mas poucas semanas depois aquele sentimento esquisito e difícil de explicar foi se apagando. Era difícil de explicar como ele achava amar um homem como figura paterna, mas esse mesmo homem o fez tanto mal até seu último dia de vida. Alguém que nem mesmo sabendo que estava prestes a partir escolheu ter uma conversa por perdão, para deixar a vida de forma leve e uma lembrança boa sua para trás. Alguém que não se importou com os sentimentos da única pessoa viva que se preocupou em demonstrar o que sentia por ele quando estava sozinho.
Mas passou, ficou para trás.
Tinha algo acontecendo que supera toda essa dor do luto em Harry.
Algo tão pequeno que dormia entre Louis e ele na cama, às vezes em seu peito. Algo que cheirava algodão doce, e emanava esperança, motivação, para Harry se tornar uma versão melhor de homem, para ensinar que o ser humano podia ser forte para erguer uma enxada tanto quanto para admitir seus sentimentos, ser forte para amar quem quisesse sem medo e chorar quando necessário, ou simplesmente se apenas lhe desse vontade.
Outro algo, mais dois para ser preciso, que deixaram de chamá-lo de tio Harry para chamá-lo de pai e surpreender com todas as descobertas de como era lidar com o sentimento paterno com duas meninas crescendo. Uma que já estava aprendendo a ser uma mocinha crescida e independente e a outra, uma mulher cheia de sonhos e planos em andamento.
A dor do luto por alguém que trazia lembranças dolorosas sendo substituída pela alegria de viver e aprender a viver com o seu amor antigo, com seus próprios filhos, no seu lugar preferido no mundo todo, fazendo as coisas que mais gosta de fazer.
Sete anos depois, Harry estava voltando a cavalo da colina, mas foi interceptado por Louis em Atlas, cavalgando em sua direção com o violão na capa em suas costas.
Ao invés de ir para o casarão, eles foram para o lugar deles. Sentaram no gramado de frente para o lago e se beijaram por um tempão. Depois, Harry começou a tocar uma de suas músicas autorais. Ele lançou o primeiro disco com doze músicas e foi um sucesso de vendas e de ouvintes nos streamings, além de tocar frequentemente nas rádios do meio oeste. Mas ele ainda não está querendo a parte de shows enormes e divulgação exagerada e sua mãe respeita isso.
Roselin estava terminando a faculdade de veterinária e voltava para casa quase sempre, principalmente nas férias. Elisabeth era uma pré adolescente esperta e com muito senso crítico, mas sempre falante. Ela ainda nem está no ensino médio, mas já é uma ativista, tendo sua tia Lana como uma referência para discutir sobre todo assunto sociopolítico que Harry tenta acompanhar para conversar com ela e aprender com sua filha.
Gabriel aprendeu a ler e a andar de bicicleta sem rodinhas no mês passado. Ele também gosta dos animais igual as irmãs dele e ama o campo como Harry, mas ele é sapeca, terrivelmente arteiro e corajoso como Louis.
– Você tá muito bonito hoje – Harry disse para o marido, observando ele, a pele bronzeada do Sol brilhando nele, mais do que em Harry mesmo, que trabalha a céu aberto, diferente de Louis que fica no escritório por lidar com a administração.
Louis sorriu e deitou a cabeça em seu ombro, respondendo:
– Eu tô com a cabeça cheia de fios brancos e você fala isso, não me engane.
– Você nunca esteve mais gostoso.
Ao invés de replicar, Louis o analisou de baixo a cima, olhando com um desejo sincero e profundo. Um olhar que, para alguém que o conhecia e o amava a vida toda, era fácil reconhecer. Harry sentiu a pele esquentar e ficou tímido.
– Pare, chato.
– Eu não disse nada, você que começou.
– Mas você fica me olhando desse jeito.
– Que jeito, Tomlinson? – Disse Louis, sorrindo sagaz. Harry estreitou os olhos e ganhou um selinho.
Eles ficaram um tempo lá, depois voltaram para o casarão, porque estava tarde e no dia seguinte, um outro dia de trabalho com a vista para a colina e para o campo de algodão iniciaria.
Veio estação, foi embora outra estação.
Sementes irão germinar, botões de algodões desabrochar, laranjas encheriam os cestos, flores nasceriam e depois morreriam.
E nem sempre a vida seria doce como algodão doce, mas Harry e Louis iriam tentar desfrutar e aprender a plantar para colher o melhor que viesse da terra.
🌾🚜
FIM
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