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Leiam esse com calma e o próximo com o coração.
Obrigada pelos quase 12k de leituras e por todo o retorno
Boa leitura!
🌾🚜
Tia Jeane, destrambelhada, se apressou em pegar a garrafa caída ao chão. Pela cor translúcida do líquido esparramado e o vapor quase imperceptível subindo, era chá quente.
Harry tem os olhos pregados no desastre do piso de madeira porque ainda não tinha coragem de olhar o tio nos olhos, enquanto Louis encarava Johanna porque era mais habitual confrontar ela.
E ele pensa num segundo, entre Harry se levantando da rede e Phill rindo de nervoso, o quão burro foi de não pensar no chá noturno, que os tios sempre faziam antes de dormir. Na vez em que os dois estavam dentro da caminhonete para conversarem a sós quando Louis chegou na fazenda e Harry ainda estava arisco, os tios estavam na varanda tomando o bendito chá. Na maioria das vezes em que Harry e ele chegaram tarde no casarão quando voltaram a se envolver, os tios também estavam lá.
Mas ah, é claro que a paixão tem dessas, de deixar a gente sem freios, de querer tocar o outro o tempo todo, a todo instante, a ponto de nem pensar direito sobre mais nada a sua volta. De nos deixar descontrolados, com um desejo de contato insaciável, descomunal, beirando a abstinência. É tanto disso, que ainda pegos no flagra, nesse momento, o instinto de Harry foi se pôr de pé ao lado de Louis, quase colado e receber de volta a mão dele em sua lombar, tocando mais suavemente e calma do que as suas palavras a seguir:
– Não é "porra" nenhuma, somos Harry e eu aqui.
– Muito engraçado – Adam riu – essa falta de respeito debaixo do teto da casa do seu avô, vocês não tem vergonha não?
Harry estava pálido, atônito, ainda processando que aquele era o momento de expor a verdade, mas Louis estava ficando vermelho, enfurecido, porque não cabia a ninguém dizer coisas tão duras com tanta falta de consideração, como se os dois estivessem de fato fazendo algum tipo de atrocidade, ao invés das coisas bonitas que nutriam um pelo outro. Se eles fossem garotos jovens e ainda imaturos, provavelmente se deixariam intimidar pelas broncas. Mas faz tempo que são dois homens feitos, plenamente conscientes do que são e do que querem. A vida toda se escondendo já bastou, Louis pensava, enfurecido pela abordagem ofensiva.
– Que ousadia – sua mãe colocou lenha na fogueira – eu sabia do meu filho e desconfiava desse outro aí, mas estarem fazendo essa nojeira dentro da nossa própria casa, daí já é demais mesmo.
Phill ainda estava rindo de nervoso, em choque, sem saber o que dizer e Tia Jeane olhava para todos como quem assistia a uma partida de tênis.
– Cala a boca, Johanna – Louis bradou – essa casa não é, nunca foi e nunca será sua, ainda pertence ao Franklin e principalmente ao Harry.
– Olha o jeito que fala com sua mãe!
– Olha o jeito que vocês falam conosco – Harry finalmente reage, a voz engrossando e se elevando acima dos outros: – Louis tem razão. Eu exijo respeito dentro da minha própria casa.
– Se quer respeito, se dê o respeito – Adam rebate – Imagina o meu pai quando souber que os principais herdeiros dele são dois depravados, se nem eu não consigo colocar em palavras o tamanho da minha decepção, do meu desgosto, do nojo e a raiva que tô sentindo.
– É uma pena que você terá que viver com isso – Louis disse se aproximando, com seu olhar e mandíbula firmes.
Adam estava pronto para avançar sobre Louis, mas Phill o segurou e Jeane gritou: – Pare, pare! – se colocando no caminho. A essa altura da discussão, com certeza quem dorme na parte dianteira da casa já escutou a confusão.
– Já chega! – ela tomou as rédeas – Você já disse besteiras demais, se não gostou do que viu então lide com os fatos sem despejar suas merdas homofóbicas que não nos servirão de nada – Jeane apontou o dedo no peito de Adam o empurrando para trás – Deixe meus sobrinhos em paz!
Todos estavam surpresos pela reação da tia, mas Louis não, ele conhece o coração dela. Sempre doce e compreensiva. Sempre alerta e disposta a bater de frente para defender sua família, mesmo que seja da própria família. Quando ele era criança, tantas e tantas vezes ela o defendeu de sua mãe implicante. É de conhecimento geral dos Tomlinson, que Jeane era a mais parecida com a vovó Olívia, tanto fisicamente quanto de personalidade forte. O fazia sentir ainda mais falta da sua pessoa preferida que já pisou nesse mundo.
– Phoebe é minha filha, eu vou deixar ela avisada que não quero vocês dois no altar, desrespeitando a Deus e a nossa família – Adam cuspiu no chão, aos pés de Louis – Eu os proíbo de subir a colina amanhã.
Sem esperar uma resposta, Adam chuta a cadeira que estava em seu caminho, entra no casarão e bate à porta com força. Naquele momento as luzes da sala se acenderam porque alguém acordou com o barulho. A cacofonia, as portas dos quartos se abrindo, era claro que a situação poderia piorar em breve.
– Eu vou ver meus filhos, acho que acordaram – Phill disse sem jeito – licença.
– Aposto que suas filhas também te esperam, Louis – Johanna envenenou – você tá muito ocupado fazendo sem vergonhice pra prestar atenção nas coitadinhas.
– Vá a merda.
– Eu deveria ter te criado com pulso firme, ter dado uns tapas quando tive a oportunidade, mas o seu pai sempre esteve passando a mão na sua cabeça, agora vejam só…
– Tô sem paciência pra te aguentar – ele interrompeu – será que você pode sair daqui agora? Já falou demais.
– Não falei.
– Mas ele não quer ouvir – Harry interveio – já chega, vamos todos para a cama que amanhã o dia será longo.
– Não se meta entre meu filho e eu.
– Não se meta a senhora entre Louis e eu.
– É claro que eu me meto, minhas netas não podem ter como exemplo tanta repugnância e você nem deveria estar nessa casa se até Anne que era casada com o falecido Robert não convive mais aqui.
– Deixe Harry em paz – Louis o defendeu – saia daqui!
– Johanna, já chega você também – Jeane apontou para dentro de casa – Já tivemos o suficiente, por favor.
Pelo menos, dessa vez, ela parecia ter escutado a cunhada porque entrou na casa com menos ferocidade do que Adam, mas se rastejando feito a cobra que era. Louis sabe que sua mãe não vai deixar por isso mesmo. Harry esfrega o rosto com as mãos, cansado. Louis bufou e a tia deles ajeitou a garrafa térmica sobre a mesa baixa de centro disposta entre as cadeiras da varanda.
– Eu também vou, Rose e Elis devem ter acordado com toda essa gritaria, não quero que Zayn se incomode.
– Não, você fica – Jeane pediu, séria – vocês dois ficam porque temos muito o que conversar.
– Tia, agora não é uma boa hora.
– É uma boa hora sim – estressada, ela aponta para o chão para enfatizar seu pedido – vocês dois não pareciam ter pressa antes de chegarmos, agora você pode sentar aí para ter uma conversa decente comigo, Louis Tomlinson.
Ele não consegue mais protestar. Não contra ela. Jeane nunca precisou falar desse jeito antes e os dois não precisam dar motivos para ter mais alguém contra eles. Harry é o primeiro a se aquietar no parapeito e tirar um palheiro já bolado do bolso, pronto para acender, mas não para conversar. Ele não parecia nada disposto a conversar sobre o que os outros viram. Em seguida, Louis se sentou na banqueta ao lado da cadeira de balanço que oferece para Jeane, por consideração.
– Não quero ser intrometida. Nunca fui o tipo de pessoa que fica xeretando e dando palpite na vida dos outros. Quase todos nós, os Tomlinson, nunca fomos de intrigas ou fofocas. Quando Franklin decidiu dar a fazenda nas mãos de Harry, ninguém se opôs ou quis questionar porque, desculpa Louis, mas com exceção de Johanna que sinceramente é uma oportunista–
– Não precisa se desculpar. Conheço a mãe que tenho e reconheço esse defeito nela.
– Eu peço desculpas porque independente das suas mágoas, ela ainda é sua mãe e eu a sua tia. Mas enfim, o que eu quero dizer é que mesmo que não tenhamos o hábito de ficar apontando o dedo um para o outro, amanhã todos saberão o que está acontecendo, seja porque parte da casa ouviu os gritos, seja porque seu tio Adam estará furioso e vai querer fazer uma cena. E independente de sermos esse tipo de pessoas ou não, nós somos uma família e esse caso vai gerar drama.
– O que a senhora quer saber? – Louis perguntou, enquanto Harry permanecia em silêncio, fumando.
– O que está acontecendo?
– Não é óbvio? – Harry riu, irritado por toda a situação.
– Eu quero saber o que é óbvio.
– Vocês viram o que viram sobre nós, o resto não lhes diz respeito.
– Harry, desarme – Louis disse, mais calmo, tentando apaziguar – estamos só nós três aqui, agora, tudo bem?
– Não temos que ficar nos explicando. Nunca quis falar sobre isso e não quero falar ainda. Preciso do meu tempo.
Louis está chateado com o que escuta, porque, se Harry não queria falar deles ainda, então o que seria deles depois?
– Eu só quero entender o que está acontecendo nessa família – Jeane pediu exalando, parecendo uma panela de pressão liberando o vapor aos poucos para não explodir, mais irritada ainda do que Harry – como e quando isso começou, o nível dessa relação, quem mais sabe e o que pretendem fazer disso?
– Por que tantas perguntas?
– Por que não pode responder se já sabemos o mínimo, Harry?
– Estaríamos sofrendo esse interrogatório se fôssemos Lana e Jacob?
– O que meu filho Jacob tem a ver com essa história?
– Harry, por favor – Louis bate as mãos nas coxas – Toda vez que você está estressado, fica na defensiva. Que tal encarar essa conversa de uma forma mais tranquila?
– Você fez o mesmo mais cedo quando estava irritado com a possível gravidez, e agora tá me julgando?
– Que gravidez? – Jeane fica confusa e em alerta, mas os dois ignoram, concentrados demais em discutir a relação na frente dela.
– Não estou, só estou dizendo que – Louis respirou longo e profundamente, olhando somente alguns segundos para o teto como quem clama aos céus por paciência, de pernas abertas na banqueta em uma posição que ele tenta fazer ser relaxado, embora esteja sentindo qualquer coisa, menos relaxado: – bem, tem razão, eu errei mais cedo, mas essa rota de diálogos funcionou para nós dois voltarmos por um bom caminho, então agora só estamos tentando conversar adequadamente sem gritos e desrespeito, então, por favor, desarme.
Louis manteve seu olhar firme e sério para Harry depois do que disse. Eles estavam realmente estressados e reconhecem o caos vindo como praga em época de colheita no campo. Os dois estavam se esforçando para ser alguém melhor, que conversavam mais, mas no ápice do estresse, às vezes assim, quando estamos tão cansados, preferimos ingerir veneno de inseto e colher daninhas do que conter a proliferação do jeito mais longo e difícil.
– Eu até posso ficar aqui esperando vocês dois se encarando como se estivessem discutindo a relação por telepatia, mas não temos todo o tempo do mundo, e aí?
– Estamos juntos – Harry respondeu por eles, curto e grosso, com Louis ainda o encarando – Louis e eu estamos juntos.
– Isso eu já percebi, mas quero entender como e se estão vivendo uma fase, uma brincadeira, ou se é coisa séria. Não posso entrar em defesa dos dois sem saber o que está acontecendo aqui.
– É complicado.
– Descomplique. Estou ouvindo de mente e coração aberto.
Harry tragou mais fundo, ganhando tempo para pensar no que dizer, então Louis respira fundo, torce o rosto em estresse e admite primeiro:
– Eu o amo.
– Nós nos amamos – Harry o corrigiu – nos amamos desde quando corríamos descalço nessa plantação, quando moleques – Harry apontou o dedo para o campo a perder de vista – desde quando tínhamos que colher as laranjas pra vovó Olívia usar no café da manhã, nós dois nos apaixonamos. Eu amei Louis primeiro, continuei amando ele quando foi embora e o amei de novo e diferente quando voltou para mim, mas não menos, porque ainda o amo – com esse sotaque e a sensibilidade na voz grave e ainda assim suave, que Louis sempre adorou ouvir, Harry assume, mas sem vacilar e sem titubear: – Eu não tive coragem de dizer tanta coisa antes, tia, e vocês podem me chamar de covarde, mas foi muito difícil ter crescido aqui sozinho com Franklin, ouvindo tanto do que ouvi, para simplesmente dizer que discordo do meu avô sobre o que é ser homem de verdade. E que valores se trata da honestidade dos meus sentimentos. O sentimento que eu tenho aqui – Harry bateu o punho forte no peito – é um sentimento de homem de verdade. Eu sou um homem que está apaixonado por outro homem, verdadeiramente.
– Você não é homem – Franklin apareceu na porta, ao lado de Adam.
Dessa vez Louis nem se deu ao trabalho de levantar, mas Harry abandonou o cigarro e saiu do parapeito, dando um passo para o lado, contra a pilastra. A família toda estava ali, na janela, amontoados na porta, assustados com o escândalo, escutando tudo o que diziam.
Johanna deu um jeito de sair por cima naquela história, Louis tem certeza, estava estampado na cara de vitória que ela sustentava, mas era tão baixa em suas ações egoístas que até as crianças assistiam a cena porque chamou a todos para verem a queda de Harry.
– Não é homem de verdade – o velho se apoiou no batente da porta, com dificuldade, sendo segurado por Adam – e também não é meu neto.
É o estopim para Louis se levantar, furioso, voltando-se contra o avô.
– Quem são seus netos, Franklin? Nenhum de nós ficamos ao seu lado como Harry ficou, porque nenhum de nós tivemos paciência para suportar essa sua arrogância e frieza como esse seu neto aqui suportou. E duvido que alguém aqui em algum momento vai deixar suas vidas para vir conviver com sua ruindade e pequenez porque é preciso um coração muito forte pra te aguentar mesmo.
– Olha como você fala…
– É o senhor que não pode falar assim com ele depois de tudo o que Harry fez por nossa família, por você!
– Posso! – Franklin usa quase toda a força que tem para gritar. O silêncio à sua volta, temeroso, não era um sinal de respeito da família. É reflexo de como todos cresceram baixando a cabeça, com medo do patriarca, de como essa criação que ele pensa ser respeito foi construída a base da radicalidade e agressividade – Posso, porque sou o dono dessa casa, eu sou o chefe dessa família e – ele tenta se aproximar de Harry se apoiando com dificuldade na cadeira que Jeane sentava – eu quero você fora dessa casa, fora daqui, sua desgraça!
Grace tampou a boca em choque. Jeane se levantou contrariada com o que escuta, mas nada diz. Sam e Jacob falam "vovó, não!" mas não reagem a mais do que isso. Louis estava prestes a chorar, como Claire e Rose já fazem. Estava tudo uma bagunça.
Mas Harry não abaixa a cabeça.
Boa lição Franklin o ensinou: um homem com honra e orgulho não abaixa a cabeça nunca. Nem chora, nem implora perdão. E ele nem faz questão, na verdade, Harry não diz nada enquanto sai dignamente porque não havia nada do que se envergonhar.
Ele apenas pegou outro tabaco inteiro no bolso, colocou entre os lábios e caminhou em direção a porteira, indo embora da fazenda.
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