19
Embora estejam se aproximando do fim da estação, ainda é verão e não há algodão, mas há pequenos botões esperando florescer no lugar. Lindos e delicados botões ansiando para explodir em branco maciez no momento certo, na ordem da natureza, quando o outono chegar.
Isso faz Harry refletir, enquanto caminham no campo marrom, o quanto o ser humano atropela fases da vida, ou nas pessoas que vão deixando as estações passarem e não florescerem absolutamente nada, em ambos os casos, como se sua capacidade de consciência lhe desse habilidade de driblar a natureza.
E talvez a "ordem natural das coisas" seja um conceito superestimado que nem exista.
Mas bem, as pessoas não são plantas - e nem dão em terra.
Prova disso provavelmente estava na barriga de Rose, crescendo em seu ventre, num órgão fibromuscular.
E não havia mais nada que Harry pudesse dizer a Louis naquele momento, mais nada além do que já disse ou fez para tentar acalmá-lo nessa situação complicada e ao mesmo tempo tão delicada.
Harry já acalmou Louis tanto nessa vida, já o consolou de tantas coisas em tantas crises, mas nunca algo do qual ele não entendesse. Harry ainda não é pai, ele gostaria muito de ser um dia, mas ele não é pai e não entende o desespero pelo qual Louis possivelmente passava. Então, tudo o que podia fazer no momento era estar ao seu lado.
- Quando a gente era criança, pensava que na fase adulta tudo seria mais fácil de lidar, né? - Louis disse, ganhando a atenção de Harry - É engraçado isso agora, o pensamento inocente, porque as coisas não ficam mais fáceis no momento que vem. Quer dizer, eu aprendi a ter resiliência, mas não significa doer menos.
- Pelo menos você já entende que com o tempo isso vai se transformar em outra coisa. Você vai olhar para trás e somar com o que já passou, vai perceber que tudo te transforma em alguém mais forte.
- O custo pra ser forte é alto demais - Louis diz baixo, comprimindo os lábios - não é justo ter que só se conformar.
- Não acho que seja conformismo - Harry parou Louis para abraçá-lo, ignorando os dois funcionários da inspeção que também pareciam alheios a eles a certa distância na plantação - Você vem juntando todas essas coisas e transformando em armadura a cada vez que tenta entender o quanto elas moldam a sua vida, e te dão experiências, e te transforma nesse homem honesto com seus sentimentos - ele deixa um beijo casto em seu rosto, falando lento e baixo naquele sotaque caipira que deixa Louis completamente derretido: - Se fosse conformismo você apenas viveria com o que aconteceu como se fosse comum, mas você se importa e usa tudo como fonte pra se tornar alguém melhor.
- Você também.
- Pode ser. Nós dois passamos por muitas coisas. Perdemos pessoas que amamos, partimos o coração um do outro e depois perdoamos, criamos responsabilidades, você com suas filhas e emprego e eu com essa fazenda e o Franklin.
- Além das nossas perdas conjuntas: a vovó e meu tio, seu padrasto.
- Sim, infelizmente - lamentou, acariciando o cabelo de Louis sem tirar os olhos dos seus. Ele acha bonito como Harry tem essa necessidade constante de estar lhe tocando com carinho - É tudo parte do que a vida é, e quando o tempo passar outras coisas estarão nessa lista imensa de situações duras que nos transformam.
- Não quero comparar a vida com a morte. Não quero fazer disso uma tragédia, porque é um nascimento, mas mesmo assim... só é um momento assustador. Eu estou sendo horrível, não estou?
- Não, amor, você só tá absorvendo e é difícil, muito mais difícil do que se parece.
- Ninguém prometeu ficar mais fácil, mas eu gostaria que fosse.
- Mas não é.
- Não, não é mesmo - Louis inclinou a cabeça para frente e respirou fundo, pensando em tudo, tomando fôlego para aguentar a próxima pancada que a vida planejou dar: - Estou pronto, podemos voltar e chamar por ela.
- Tem certeza?
- Não preciso mais adiar o inevitável.
- Promete tentar resolver as coisas com calma?
- Vou tentar o meu melhor.
- Você já está tentando - Harry cochichou, praticamente sussurrando em seu ouvido, inclinando a cabeça para depositar um beijo em seu rosto.
Eles passam um tempo envolvidos ali, mas quando se afastam e caminham de volta, fazem com mais rapidez do que saíram. Quando estavam subindo o mezanino para o escritório, cruzaram com Liam na escada, que parecia muito empolgado e de bom humor.
- Boa tarde, patrão! E Louis! - Parou para cumprimentar sem notar o clima tenso - Que bom te ver, eu estava te procurando mais cedo e não te encontrei.
- Desculpe, mas agora não é hora - Harry assumiu sua posição de chefe, sem arrogância, apenas instruindo educadamente: - Pode procurar por Louis mais tarde, por favor?
- Sim, senhor.
- Não - Louis corrigiu rapidamente - quer dizer, está tudo bem, ele pode ficar enquanto você vai acordar Rose? Acho que esse processo todo dela se levantar e se ajeitar para vir, vai demorar e o Liam pode me fazer companhia enquanto ela não vem e eu não... grrr - esfregou o rosto, agoniado - Desculpe, deixe o Liam ficar?
- Tem certeza? - perguntou olhando em seus olhos.
- Eu vou ficar melhor assim, por favor.
- O que você quiser, chato - Harry respondeu carinhosamente, suspirou, acenou com a cabeça e desceu as escadas com mais pressa.
Liam entrou no escritório seguido de Louis e sentaram frente a frente na mesa. Eles conversam banalidades enquanto esperavam a chegada de Rose, mas Louis podia perceber o quanto Liam parecia distraído.
- Você tá bem?
- Sim.
- Parece distante, algum problema?
- Não é um problema, só... - ele franze o cenho e comprime os lábios, calculando como dizer o que pensava a seguir: - faz umas duas semanas que eu tô com uma pulga atrás da orelha e tenho medo de tirar - Liam disse em seu sotaque mais puxado que o comum. Louis reconhece o anseio dele como o causador disso: - não quero que se ofenda, é só o que me parece e o Zayn uma vez deixou a entender que... - Liam coçou a barba rindo baixo, desviando o olhar, se enrolando, Louis estava tão ansioso com sua própria situação que até isso poderia deixá-lo irritado - diga por mim o que eu tenho medo de dizer.
- Diga você de uma vez.
- Você se relaciona com homens - Liam disse suando frio - não se ofenda, por favor, não tô julgando nada, eu realmente não tô, eu só tô...
- Tudo bem, eu sei - é quase um alívio cômico nesse momento, Louis não consegue evitar rir do jeito de Liam abordar, mas há um pouco de tristeza naquilo também, em como ali eles tomam tanto cuidado para um assunto que nem deveria ser tabu - eu não ligo, sou bissexual mesmo.
- Uau, isso é - Liam parecia aliviado de não ter que dizer e ao mesmo tempo chocado com a facilidade de Louis em assumir - é sério?
- Igual você.
O sorriso de Liam morreu dando espaço para o espanto.
- Eu?
- Você.
- Não - Liam colocou a mão no peito - não sou não.
- Então é gay?
- O quê?
- Qual é? - Louis riu - Estamos só nós dois nessa sala e eu te considero um amigo, sejamos honestos, porque se você precisa de discrição, pode confiar em mim.
Liam permaneceu meio tenso, até pasmo, então Louis não insistiu, mas disse:
- Tanto faz, de qualquer forma, você tem sua resposta - sorriu para tentar transmitir tranquilidade diante a tensão do amigo - Mais alguma pergunta?
- Bem, já que está sendo honesto e eu intrometido.
- Manda.
- Você e o patrão tão de caso?
Se fosse sobre si mesmo, Louis poderia responder na lata que sim, não teria vergonha nenhuma em admitir que está se relacionando com um homem como Harry Styles. Lindo, inteligente, trabalhador, respeitado, sensível e maduro. Mas nessas circunstâncias, ele não tem permissão, Louis precisaria conversar com Harry primeiro, como casal (se não for cedo demais para nomear os dois assim) sobre quem o outro sente segurança que saiba sobre sua sexualidade e sua relação.
Louis sorriu, sem responder, mas para um bom entendedor meia palavra bastava. Em retribuição ao respeito, Liam não insistiu na pergunta, apenas trocou de assunto. Queria saber se Louis estava bem porque parecia aflito, também desabafou sobre algumas questões da saudade dos pais que moravam na cidade. Louis não disse diretamente que estava preocupado com a gravidez da filha, mas disse que estava tendo problemas graves de pai que ele não sabia como administrar e que estava assustado. Liam é um bom amigo e um bom ouvinte. Fez companhia para Louis até Rose aparecer, quase uma hora depois.
Ela não pediu licença antes de entrar. Também não parecia desconfiada do teor da conversa. Parecia tranquila demais quando cumprimentou Liam que cruzou seu caminho de saída. Rose trancou a porta porque Louis pediu e sorriu, mas ele segurou o choro, sentindo os olhos arderem. Rose reparou, franziu o cenho e se aproximou rapidamente para abraçá-lo.
- Pai, o que foi? - chamá-lo de pai não ajudou muito, só fez Louis se sentir mais frágil e sensível, a ponto de não conseguir mais segurar o choro alto - Meu Deus, o que está acontecendo?
Ele não recusou o abraço de início, mas teve que se afastar eventualmente para dar rumo àquela situação. Louis respirou fundo, secou o rosto e tentou o seu melhor para obter uma postura firme. Aflita, Roselin aguardou que ele dissesse o que precisava olhando em seus olhos.
- Você tem algo para dividir comigo?
- Eu? - perguntou ela, confusa - Acho que não.
- Estou te dando a chance de me contar, como prometemos fazer, como seu pai e amigo - a voz saiu um pouco mais alta do que planejava - como alguém que você deveria contar em primeiro lugar.
- Não sei do que está falando.
- Tudo bem - de repente, sentia mais chateação por ela omitir dele a verdade, por não sentir conforto em compartilhar algo assim com o pai, do que pela gravidez - o que me enfurece é você achar que eu não sou alguém que poderia te apoiar, como se eu fosse um pai ruim, que pune ou algo horrível assim. Era para sermos amigos, você me prometeu e eu te prometi, e agora eu tenho que descobrir suas coisas sozinho?
- Pai, eu nunca pensei em algo assim de você. É claro que eu confio.
- Então por que não me contou que está grávida? - instantaneamente, o rosto de Roselin empalidece. Ela abre a boca, mas trava, não fala, um pouco em choque pelo o que ele disse. Louis tira o teste do bolso e coloca ele sobre a mesa.
Ela encara o teste ainda de boca aberta por tempo demais e ele espera, sentindo o sangue ferver, mas respira fundo porque sabia que tinha que ficar calmo. Ele está chateado por ela não confiar nele, mas não se trata disso. Respirar fundo e ter dito o que sentia até esse ponto também serviu para perceber que o que importa, na verdade, é o rumo dessa situação e não sua própria insegurança.
- Roselin - chamou por ela, mais calmo, mas ela fechou os olhos - eu quero entender.
- Não é meu.
- O quê?
- Por que você mexeu nas minhas coisas?
- Não é seu?
- Não, meu Deus, é claro que não. Se fosse meu eu te diria em primeiro lugar.
- O que eu poderia pensar depois de ver o teste e sabendo que você está namorando?
- Eu sei me cuidar e... você sabe que sou virgem!
Louis sentiu o corpo amolecer tamanho nervosismo, como se estivesse fraco, tremelicando, após tanta carga de pânico e exaltação.
- Eu não sei.
- Porque não aconteceu ainda. Quando acontecer você será o primeiro a saber porque eu gosto de conversar com você, porque eu confiava em você, e agora você me cobra confiança, mas nem confia em mim.
- Eu confio sim.
- Como, se mexeu nas minhas coisas?
Ela estava magoada, demonstrava no olhar duro e a voz embargada, mas não chorou. Ao contrário de Louis, que já estava se debulhando em lágrimas desde que ela entrou. Ele sempre foi muito chorão, Franklin criticava essa sensibilidade de Louis quando ele era mais novo, mas Laura sempre defendeu que ele lavasse a alma com lágrimas. Chorar faz bem, ela sempre dizia. Ele confessa que alivia, mas demora, ainda se sente nervoso.
- Foi acidente, eu só estava arrumando o quarto - Rose continua o encarando magoada, e ele pergunta: - se não é seu, de quem é então?
- Claire, mas não conte para o tio Phil.
- Ele tem que saber, é o pai dela, Claire é menor de idade.
- Ele não é um pai que quer conversar com a filha. Ele é um primo legal, mas não é como você.
Anteriormente, Rose se defendeu com honestidade e firmeza e agora defende a prima com tanta maturidade e austeridade que Louis não consegue evitar a comparação do quanto ela se parece com Laura. O quanto ela herdou o melhor da própria mãe. Ele a leva a sério, leva o que ela diz em consideração.
Além disso, ele sabe que é verdade. Ter se casado com Laura, uma terapeuta, pode ser fator fundamental para Louis ter a mentalidade que teve de tentar ser alguém de confiança para as filhas, somado às suas próprias experiências na adolescência que, assim como Harry lhe disse, contribuíram para ele ser o homem que era. Mas Phil era diferente, apesar de mais jovem que Louis, Phil era duro, conservador e impaciente. Não tanto quanto Franklin, mas ainda assim, criava sua filha em régua. Quando Claire for contar para a família, Louis quer apoiar ela porque se importa de verdade, ele não vai se meter até que ela peça ajuda.
- Ok, não vou falar nada - ele respira fundo e esconde o rosto enquanto parece que seu cérebro gira dentro da cabeça - que susto, meu Deus, que susto.
- Eu ainda estou chateada.
- Eu sei, me desculpa.
- Não foi legal mexer nas minhas coisas, agradeço a intenção, mas se tiver bagunçado eu mesmo arrumo.
Louis afastou a cadeira de perto da mesa e ainda sentado, chamou por ela, que se aproximou, ainda cabisbaixa, mas aceitando o abraço dele.
- Você pode namorar e pode viver suas experiências, não estou te limitando, mas precisa prometer a mim e a si mesma que vai tomar cuidado, porque você ainda é jovem e porque todo mundo tem que se cuidar, até mesmo os adultos - ele engoliu aquele gosto amargo do ciúme paterno para fazer a coisa certa, embora difícil: - Proteção não é só pra evitar gravidez, é para evitar doenças também, você sabe, não sabe? - ela afirmou num gesto de cabeça confiante - Bom, mas não se esqueça do que sabe porque não são casos isolados ou raros, isso acontece e muito, pode acontecer com qualquer um e você não está imune pela sorte do destino. Tem que se cuidar sempre, entendido?
- Sim, você tá me deixando constrangida.
- Deixa o constrangimento para quando você se esquecer de ouvir os conselhos do seu pai. Tem mais uma coisa e não menos importante: saiba com quem está lidando, preste atenção. Você é uma menina linda e inteligente, mas os sentimentos nos deixam cegos e de guarda baixa. A pessoa com quem você estiver, se gosta de você de verdade, também vai querer te proteger.
- O Rene é legal.
- Eu não sei ainda, mas estou de olho nesse cara e me ajuda muito não imaginar ele com as mãos em você porque me dá vontade de cometer um crime sem hesitação.
- Pai...
- Ok, eu tô brincando - com um fundo de verdade - só quero o melhor pra minha filha. Estou do seu lado, sempre.
- Eu sei - ela se afasta do abraço e guarda o teste de gravidez que estava na mesa, em seu bolso, para devolver a Claire - me desculpa por te assustar.
- Me desculpa por mexer nas suas coisas e depois pela reação.
- Sobre a reação eu entendo, acho que também ficaria chateada se você me escondesse alguma coisa - ela disse firme, olhando nos olhos dele, como se esperasse pegá-lo dessa forma - vou deixar você esfriar a cabeça agora, tenho que ir porque combinei de encontrar o tio Harry.
- Harry?
- Ele vai me ajudar com o cordeiro. Vai me ensinar sobre os cuidados dele.
- Ok, legal - Louis cruzou as mãos no colo e comentou enquanto ela se afastava: - Harry gosta muito de você.
Rose sorriu, e respondeu, antes de sair e fechar a porta:
- Pois é, mas ele gosta muito mais de você!
Sozinho no escritório, Louis tenta se acalmar do susto de pensar ser avó antes dos quarenta, enquanto encara a porta e pensa o que a filha queria dizer com aquilo.
Será que ela desconfia? E se sim, será que aprovaria o pai com o próprio primo? De qualquer forma, Roselin ficaria furiosa se Louis estivesse sendo hipócrita de não contar a verdade. E ele sabe que está, admite a si mesmo que sim.
Ele bate a mão na testa grunhindo, mas decidido a conversar com Harry sobre toda essa situação, para abordar com Rose, antes que ela descubra sozinha.
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