zero. without wings
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EM ALGUM MOMENTO NO PASSADO
É um daqueles dias raros nas estepes illyrianas, o sol brilhava em meio ao céu azul-claro, sua luz dourada parecia tornar a paisagem ainda mais viva, as copas das árvores encontrava-se com uma coloração impressionante de verde e a madeira de seus troncos exibem um tom de marrom profundo que chegava a ser encantador, as flores florescem ao redor das pequenas cabanas feita de nada além de madeira, agarrando-se desesperadamente naquelas estruturas como se isso fossem impedi-las de se tornar cinzas e pó quando a neve voltasse a cair, trazendo aquela paisagem fria e esbranquiçada que refletia o quão cruéis os illyrianos poderiam ser e quão longe poderiam chegar para honrar o sangue guerreiro que corria em suas veias.
De braços abertos e rosto erguido na direção dos céus, parecendo uma deusa que as antigas cantigas illyrianas falavam sobre, tendo seus cabelos de um tom ébano flutuando ao redor de seus ombros, acompanhando a brisa suave do verão e pele marrom-clara parecendo ganhar um tom levemente dourado enquanto se mantinha no sol, os olhos fechados deixavam claro que seu objetivo era absorver a luz e calmaria que dias como aquele traziam.
Mirna enfim abriu os olhos, os lábios abrindo-se levemente para que um suspiro escapasse conforme virava-se, os olhos em um tom avelã que se aproximava de um verde-musgo encararam as cabanas illyrianas, as pequenas crianças que se permitiam aproveitar o dia, erguendo as asas membranosas para voar pelo céu, e as fêmeas que os fitava com um sorriso acolhedor, como se estivessem presas em lembranças dolorosas demais para que se permitam pensar no passado. A fêmea levou as mãos até os cabelos, as pontas dos dedos roçando nas orelhas redondas e esticando-se para além, se deparando com o vazio, onde deveria estar aquelas mesmas asas parecidas demais com as de um morcego que seu sangue illyriano deveria ter lhe dado. Ela estalou a língua, evitando novamente ter aquele sentimento destruidor em seu coração quando lentamente desceu o morro no qual estava, a terra gramada sendo esmagada embaixo de seus pés conforme avançava na direção da pequena cabana que estava longe o suficiente das demais, apenas o bastante para que todos soubessem quem morava ali e o quanto deveriam manter a distância.
A figura de Mirna se destoa ao passar pelas ruas, a falta de suas asas é o que atraí atenção da mesma forma que as afasta e traz os murmúrios. E não é toa. Ela sabia muito bem o que cada um diz.
Isso é um castigo, é triste que o Lorde Devlon pague por sua esposa ser uma atrevida.
Sua existência é prova da traição de Carmie.
Todos os comentários eram apenas mentiras, ela sabia disso muito bem, já que apesar das inúmeras discussões e farpas, Mirna nunca havia visto um illyriano olhar para sua esposa da forma que seu pai fazia com sua mãe. Havia um motivo pelo qual Carmie aceitou se casar com Devlon e nenhum deles possuía relação com seu título ou seu espírito guerreiro, mesmo que muitos negassem a verdade. Amor é o que os uniu e é a principal causa pela qual Carmie mantinha-se calada diante de tais comentários hediondos, sua intenção era que Devlon continuasse um Lorde sem a pequena adição da informação sobre sua esposa incontrolável.
E, em breve, Mirna não teria que ouvir mais as fofocas que todos pensam esconder muito bem na sua presença. Logo, ela teria o que muitas illyrianas sonham mas nunca chegam alcançar.
Mirna seria esposa de um poderoso Lorde das terras diurnas, nunca mais enfrentaria o frio e os olhares mal direcionados por conta da ausência de asas, ela se encontraria em uma casa bastante aquecida com criadas para realizar seus desejos e um bom marido para mantê-la rodeada de joias e carinho. Apesar que...
Um cheiro forte de madeira misturada com neve lhe trouxe para fora de seus pensamentos, fazendo-a perceber que já se encontrava em frente a sua casa, encarando a porta de madeira que possuía figuras entalhadas, todas elas sempre se tratando de um poderoso guerreiro illyriano. O ar pareceu fugir de seus pulmões quando enfim abriu a porta e se deparou com ele.
─ Olá, minha doce alma.─ Ronronou aquela voz seduzente que sempre lhe fazia derreter naqueles braços. Mirna respirou fundo e lentamente adentrou na casa, fechando a porta atrás de si.
─ Você não deveria estar aqui.─ Falou ela, erguendo o queixo, negando-se a cair novamente nas lembranças de um passado nem tão distante. O macho não se incomodou com o tom congelante da mulher, apesar exibiu um sorriso cheio de malícia e se inclinou levemente para frente, mantendo os olhos avelãs na fêmea.
─ E você vai se casar.─ Ele estalou a língua, como se a frase dita tivesse lhe desagradado. Mirna revirou os olhos e guiou as mãos para as saias do vestido, claramente evitando encarar o homem confortavelmente sentado no sofá de sua casa como se tivesse o direito.
─ E sua mulher está grávida, Anteros.─ Chiou a illyriana sem asas.─ É a sua segunda criança e você nem ao menos está ao lado dela.
O lorde apenas deu de ombros, as palavras mal chegando perto de atingi-lo. Mirna torceu o nariz, desgostosa. É justamente aquela falta de sentimentos que sempre lhe irritou no macho, ele nunca parecia dar importância a nada que não seja relacionado ao campo de batalha e a maioria das vezes, os illyrianos se encontravam apenas treinando para a preparação de uma guerra que nem sequer sabiam se realmente chegaria.
─ Melitsa está muito feliz na riqueza que eu ofereço a ela e mal sente minha falta quando olha para suas jóias.─ Ele balançou uma mão, exatamente da forma que costumam fazer para afastar algum inseto.─ Aquele velho do Devlon lhe entregasse para alguém de outra corte, como pôde permitir isso?
Mirna riu, sarcasmo tomando conta de seu riso que se assemelha bastante com o tilintar de sinos. Seus olhos escureceram ao serem postos no lorde, não era mais possível enxergar aquele pequeno manto esverdeado que cobria suas avelãs.
─ Como ousa?─ Rosnou ela, fúria pode ser sentida.─ Não venha colocar um peso que não existe em meus ombros, se estou indo me casar com alguém de outra corte, é por sua culpa. Foi você que se esqueceu de mim e se casou, criando uma família sem mim!─ A fêmea liberou mais um riso, se afastando lentamente da porta em que estava encostada desde o início do diálogo e erguendo um dedo na direção do illyriano.─ Como pôde esperar que eu continue aqui, parada, esperando por algo que nunca vou ter?
O lorde revirou os olhos mais uma vez.
─ Pare com isso, sentimentalismo nunca irá combinar com você.─ Disse, tedioso.
─ Incapacidade combina perfeitamente com você.─ Retrucou Mirna. Suas palavras pareceram chamar a atenção do macho que ergueu uma sobrancelha, o brilho da indignação já surgindo em seus olhos.
─ O que diabos quer dizer com isso, sua bruxa?─ Perguntou. A fêmea o ignorou, seguindo para a cozinha, o tecido de seu vestido ondulando ao redor de suas pernas conforme se movimentava. O macho não demorou a segui-la, os passos pesados fazendo a madeira do piso ranger.
Mirna estava agarrando um prato com uma mão e rapidamente virou-se na direção do macho, o brilho perigoso em seus olhos o fizeram cessar os passos.
─ Você é um incapacitado! É incapaz de sentir qualquer porcaria!─ Berrou ela, os dedos apertando cada vez mais a peça de porcelana com os dedos. Por um momento, suas palavras cessaram e ela respirou fundo, tomando fôlego.─ E é incapaz de admitir a si mesmo que não sou mais sua!
A porcelana foi lançada pelos ares e, por pouco, não atingiu o alvo. Anteros apenas precisou inclinar a cabeça para escapar do ataque e um sorriso dançava nos seus lábios quando a fitou com algo que se parecia muito com adoração no momento que deu um passo na sua direção, os cacos do prato se tornou pó abaixo de suas botas escuras e pesadas enquanto se aproximava da illyriana que apenas o encarava com as sobrancelhas erguidas.
─ Não mentirei para mim mesmo, apenas para que vá se esconder da verdade que está estampada em seus olhos.─ Uma mão se ergueu quando estava próximo o suficiente e seus dedos calejados encostaram na pele marrom-clara da fêmea que suspirou com o toque sem possuir controle de suas reações. O macho sorriu, afundando o rosto na curva do pescoço de Mirna, inalando seu cheiro adocicado.─ Você é minha, Mirna.
A fêmea riu com deboche, guiando as mãos até o rosto do macho, onde um sorriso se abriu antes de deslizar os dedos por sua pele, trazendo-o lembrar daquelas madrugadas frias em que permitia que Mirna fosse a única fêmea capaz de tocar em seu coração. E é por isso que estava ali enquanto facilmente poderia estar em sua pequena mansão feita de pedras invernais, observando se seu filho mais velho futuramente poderia se tornar um guerreiro illyriano. Aquela fêmea sem asas igual a um pássaro desamparado lhe encantou de uma forma que às vezes considerava deixar tudo que já construiu para ter uma vida ao seu lado, apesar de saber que Lorde Devlon jamais o deixaria ter um destino ao lado de Mirna. Se fugissem, Devlon não se importaria em incomodar o Grão-Senhor da Corte Noturna para que pudesse caçá-los por Prythian e os continentes além do horizonte.
─ Eu já fui sua, Anteros.─ Ela disse com calmaria, os olhos carregando a mesma tempestade que parecia controlar o próprio pai nos campos de batalha.─ Mas não sou mais.─ O macho a assistiu se afastar com um mísero sorriso nos lábios, as pequenas mãos se fecharam em punhos e o olhar foi para baixo.─ É hora de dizer adeus.
O illyriano não esboçou nenhuma emoção, seu rosto rústico e bonito parecia drenado de qualquer sentimentos quando lentamente se curvou diante de Mirna, capturando a mão da fêmea e grudando os lábios na sua pele. Os olhos avelãs presos nos dela a todo momento, principalmente quando sorriu daquela forma selvagem e as asas farfalharam suavemente.
─ Vá, Mirna.─ Ele sussurou.─ Trepe com aquele macho, o encha de filhos e durma com as jóias mais brilhantes, tentando esquecer a verdade: você voltará para mim, amor.
─ Ah, eu vou.─ Retrucou ela.─ E sofra, sabendo que estou vivendo uma vida cheia de felicidade sem você e a culpa é totalmente sua.
Oi, eu voltei!
Tá bom, eu sei que não é exatamente o capítulo que esperavam mas esperem que tudo vai fazer sentido do mesmo jeitinho que faz na minha cabecinha!
Enfim, espero que tenham gostado!
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