twenty. tell me when it hurts
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Os céus na Corte Invernal são escuros, preenchidos por nuvens cinzentas que nunca hesitam em disparar neve sobre suas cabeças, tornando o cenário ainda mais esbranquiçado e os ventos sopram com força, agitando as roupas, infiltrando-se nas brechas para gelar os ossos por debaixo da pele e carne. Não havia como saber se era dia ou noite, logo a percepção de tempo perdeu-se junto do calor.
June estava tremendo há horas, abraçando o próprio torso e esforçando-se para não perder a figura de Zion conforme caminhavam, empurrando os pés pela neve e cessando quaisquer movimentos sob a suspeita de estarem próximos dos ursos polares responsáveis pela proteção da corte.
Ele não tinha exatamente uma ideia da distância que havia entre as cortes, já que os pequenos illyrianos são educados sobre a natureza das montanhas pertencentes à Corte Noturna antes de qualquer coisa. Caso sobrevivessem à natureza do lugar que nasceram, são permitidos a ter vislumbres das outras cortes que formavam Prythian e a forma que poderiam agir em cada bioma. Mas, Zion é um dos soldados escolhidos à dedo por Demetria. Se há alguém capaz de guiá-los até a Corte Crepuscular, uma aliada e onde estava sendo realizada a reunião dos Grão-Senhores, é aquele illyriano que agora parara para acolher June em seus braços, pressionando os lábios contra as bochechas do menino a fim de uma demonstração silenciosa de conforto.
─ Estamos muito perto?─ Sussurrou June, a voz quase desaparecendo nas ventanias do inverno incessante, encolhendo-se contra o peito de Zion, sentindo o calor restante emanando pelos sifões apagados.
Eles poderiam atravessar. Mas havia algo estranho, pois Zion não sentia-se capaz de acessar a própria magia, provavelmente um arranjo preparado por Hybern para garantir que ninguém fosse escapar daquele ataque na Cidade Escavada. A única escolha que restou foi vagar até estarem seguros por conta do acordo entre cortes solares. Lá, poderia traçar um plano.
Porém, por enquanto, Zion precisava manter June seguro a qualquer custo até que o menino estivesse protegido sob a mão de Demetria.
─ Vamos continuar, sim?─ Ele esforçou-se para sorrir, disfarçando a preocupação crescente e as asas subiram para cobrí-los, evitando que mais neve caísse sobre suas cabeças.
June acenou, encolhendo as asas em suas costas conforme mexia-se na busca de conforto, apoiando uma palma contra o peito do mais velho, sabendo que ficaria seguro enquanto aquele coração bater.
E assim o fizeram. Treinamentos duros haviam preparado seu corpo e o Rito de Sangue garantiu resistência o suficiente, mas, em algum momento, quando uma espécie de sol pálido surgia no horizonte, Zion sentia as pernas trêmulas, prontas para desabar, mas recusava-se a deixá-las ganhar poder ou espalhar sua fraqueza. O illyriano trincou o maxilar, forçando-se a segurar um sonolento June com a mesma firmeza.
As montanhas cobertas por neve estavam próximas. Não demoraria para que precisasse usar suas asas, enfrentando o vento forte e os pingentes de gelo repousando nas pontas das arestas rudimentares para cruzar as cadeias montanhosas, atravessando Meio, finalmente acessando as terras pertencentes à Corte Crepuscular.
Faltava pouco. Em breve, June estará seguro. Ele estaria seguro.
Um estalar de galhos quebrando o fez parar imediatamente, congelando todos os músculos e aguçando os ouvidos. Ele conseguiu capturar sons de passos afundando na neve, cerca de dez feéricos, todos eles não continham uma magia reconhecível que corria por todos nascidos em Prythian.
─ Temos que continuar as buscas.
Tão lento quanto possível, Zion moveu-se para atrás de uma árvore morta, cujo tronco encontrava-se aberto, grande o bastante para esconder o corpo de uma criança. Ele balançou June em seus braços, fazendo-o piscar os olhos e franzir o rosto para o dedo que pressionava contra os lábios, garantindo-o seu silêncio.
─ Tem certeza que Brannagh está certa? Que os illyrianos da Dama dos Pesadelos caíram por aqui?
─ Não duvide dos poderes da sobrinha do rei, Cedrit, você sabe o tipo de magia que eles têm.
As vozes soavam mais próximas, um pouco altas. Logo, estavam por perto.
Zion ajoelhou-se na neve, gesticulando para que June se aproximasse. O menino o fez, não esforçando para esconder a apreensão e o nervosismo espalhando-se por cada centímetro de seu corpo.
─ Vou distraí-los.─ Ele avisou, baixinho. Os ventos cobriram boa parte de sua voz e June demorou segundos para entendê-lo, tecendo uma feição cheia de protesto.
─ Me deixa ajudar você.─ O menino respondeu, as asas abrindo-se levemente, roçando na madeira podre que o escondia.
Zion balançou a cabeça e ergueu uma mão, silenciando-o.
─ São muitos. Você atrapalharia mais do que ajudaria e preciso que fique seguro.
─ Não sou criança. Posso lutar.
Mas não podia, não realmente. Nem mesmo, Zion conseguiria naquele estado que estava com magia bloqueada e corpo afundado em fadiga.
O illyriano mais velho esticou os lábios num sorriso que continha uma tristeza. June recuou, desconfiando das implicações escondidas nas palavras de Zion, ele sentia os olhos queimarem ao sentir os dedos bagunçando seus cabelos escuros. É como se estivesse revivendo as próprias memórias daquela noite em que perdera tudo.
Por um segundo, Zion só o fitou.
June é um menino. Um que possuía bastante sorte. Sua infância poderia ter sido trágica com a morte brutal de seus pais, tendo aquela cicatriz como a prova que sobreviveu à revolta de Keir. Mas Jolly e Kirk interferiram, cultivando-o como seu próprio filho, apresentando-o à pequena família que construíram. Ele é amado por todos, cada um esteve abraçando-o e cobrindo as lacunas deixadas pela morte com carinho, o que soava terrível, pois se Zion estivesse certo, June perdera seus pais adotivos pelas mãos de algum soldado hyberniano e estava perto de perdê-lo também.
Ele estaria sozinho para encontrar Demetria e Ludovik em algum lugar além das montanhas numa guerra que estouraria a qualquer momento.
O pensamento apertava sua garganta, deixando um gosto amargo na boca e os olhos ardendo, prontos para derramar lágrimas.
─ Não me deixa sozinho, ─ Choramingou June, capturando a mão de Zion, apertando com força.─ por favor…
Ele sorriu, o movimento fez lágrimas caírem.
─ Eu também não quero, June. Mas preciso, entende isso, não é?
O menino não ofereceu alguma palavra, as bochechas frias estavam molhadas por conta de seu choro e preferia morder os lábios, contendo um soluço.
─ Preciso que você siga sozinho e não pare por nada.─ Zion precisava ser rápido. Ele os ouvia.─ Tem que atravessar a montanha e seguir em frente, é tudo que precisa fazer. Demetria vai encontrá-lo, de algum jeito.
June balançou a cabeça, negando a aceitar. Estava ocorrendo mais uma vez. Ele estava perdendo…
─ Você tem que viver. ─ Zion agarrou seu rosto, forçando-o a encará-lo. ─ Enquanto viver, todos nós, toda a Corte dos Pesadelos também viverá.
Eles se encaram por um segundo.
Foram forjados no mesmo molde, destinados à serem soldados antes de serem crianças, todos os dias de suas vidas haviam sido traçados para que morressem no campo de batalha, orgulhosos de seguirem o mesmo caminho de seus antepassados, já que os illyrianos nasceram para tal. São servos em armaduras em vez de corações batendo.
Mas, June irá escapar. Ele será muito mais do que um corpo a ser sacrificado nas fileiras do Grão-Senhor. Demetria o permitirá ser, ela forjaria um caminho de ouro para June.
─ Seja corajoso.
Zion beijou a testa de June. E deu-lhe as costas.
Foi a última vez que June vira Zion com vida.
Uma silenciosa Feyre analisa uma Demetria que apresenta certa coloração arroxeada abaixo dos olhos, denunciando uma noite mal dormida que poderia ser refletida na forma na qual Rhysand parecia ainda mais atento a cada movimento feito pela Grã-Senhora, garantindo que ela tenha seu prato preenchido pelo café da manhã preparado por mãos crepusculares. Ela mesma via-se cutucando os ovos em seu prato, tão lentamente quanto conseguia, apesar do gesto parecer exigir demais, principalmente após a última noite. Enxergar o terror nos olhos de sua irmã mais velha trouxe-lhe memórias daquela noite em Hybern, onde as assistiu serem forçadas contra as águas do Caldeirão até quaisquer resquício de humanidade desaparecesse, e a impediu de acessar os braços de Morfeu, fora uma longa jornada até o sol enfim brotar no horizonte, obrigando-a escapar dos lençóis para se preparar. A continuação da reunião dos Grão-Senhores estava fardada a um costumeiro estresse que necessitava de uma boa preparação mental e emocional.
─ Você parece terrível... Seu sono de beleza não deu certo.─ Anunciou Cassian, sorrindo maliciosamente para Mor.
Ela o encarou com raiva. Primeiro, jogou-lhe a colher. Depois o mingau.
Rhysand sorriu com a interação, parecendo de alguma forma cansado. Cassian num gesto rápido, agarrou a colher e invocou uma barreira que brilhava suavemente na coloração avermelhada de seus sifões. Mor lançou um olhar para o mingau que escorreu para o chão e, por debaixo da mesa, o chutou tão forte que Cassian saltou.
─ Não seja um imbecil tão cedo.─ Chiou ela, os cabelos dourados caíam em forma de cachos pelos ombros, Feyre imaginou ser um trabalho feito pelas mãos ágeis de Nuala e Cerridwen.
Ao seu lado, Lucien batalhava para deixar os cabelos carmesim atrás das orelhas pontudas, silenciosamente irritado consigo mesmo por ter escolhido não manter as tranças, pouparia o trabalho de ter que desviar do prato de mingau como se fosse uma espada, apenas para impedir que não se sujasse igual a uma criancinha. Já vira June repetir tal façanha tantas vezes que se recusava parecer minimamente parecido com o garotinho illyriano.
Feyre escondeu um sorriso. De alguma forma, adentrar na cabeça de Lucien é tão natural quanto respirar, quase instintivo. Imaginava que é seus poderes reconhecendo-o como seu parceiro, permitindo-a ficar próxima dele o máximo permitido. Em algum momento, pediria conselhos a Rhysand ou Demetria sobre. Em parte, por temer que o efeito também seja contrário, Lucien sendo capaz de analisar seus pensamentos ou uma fração deles, mesmo que não fosse daemati. Aquele laço que os unia... Amren, poucas semanas atrás, comentou sobre casais parceiros desenvolverem habilidades impressionantes a partir da magia que cada um continha. Se isso acontecesse com Feyre e Lucien, o segredo que Muireann a confidenciou na calada da noite estava em risco numa guerra, é a pior situação possível.
Demetria partiu um pedaço de uma espécie de fruta azulada com o garfo prateado e o levou à boca, os olhos esverdeados agora escorregavam pela sala, fixando-se numa janela que exibia uma paisagem dos campos da corte. Seu estado de apatia estava começando a incomodá-la, havia uma centelha diferente na Grã-Senhora, tão diferente da postura confiante que sustentava ou daquele olhar de inteligência afiada. A sensação que havia algo de errado começara a escalar a pele de Feyre.
─ Como está sua irmã?─ Cassian sentou-se ao lado da espiã.
Ela sopesou as palavras conforme assistia o general empilhar frutas e pães em seu prato, franzindo o cenho ao notar que faltava carne nas travessas. No final, chegou a conclusão que não sabia como Nestha estava após a noite passada. Havia se dedicado em ser a rocha que sua irmã agarrou-se enquanto encontrava-se rodeada por uma maré revoltosa, assumido um papel que havia sido entregue à Elain pelas mãos da própria Nestha, mas quando o sol cortou o horizonte com sua luz dourada, Feyre não sabia se havia tomado a decisão correta naquele instante.
─ Parecia bem... ainda preocupada...
Ele maneou com a cabeça, aceitando as palavras oferecidas.
─ Prontos para mais um dia de discussões e tramoias?
Mor resmungou, insatisfeita. Feyre viu-se fazendo careta para o mingau.
Seria mais uma rodada de insultos mal disfarçados e... Ela lançou um olhar de canto para Lucien que agora mordia a maçã. O pensamento que um de seus irmãos ou Tamlin ousasse insultá-lo mais uma vez fazia sua pele formigar, é como uma besta desperta esperando por um momento para revelar as garras afiadas.
─ Esse é o espírito.─ Sorriu Rhysand, rasgando um pedaço de pão.
Ele mergulhava o pão num caldo marrom-avermelhado quando sutilmente roçou o cotovelo no braço de Demetria, atraindo as orbes dominadas por manchas prateadas para si e aceitando-as suavemente em seus olhos violetas, uma troca de olhares entre os Grão-Senhores que nem ao menos disfarçaram a conversa silenciosa que mantiveram antes que Mor ergue-se, torcendo o nariz para Cassian enquanto dizia que se prepararia para a reunião.
A de cabelos dourados foi a primeira a partir. Mas, não a última.
Demetria arrastou a cadeira para trás e esticou uma mão sem nem ao menos direcionar um olhar na direção de Rhysand, que já esperava pela fêmea com um braço pronto para receber seu toque e guiá-la para o quarto. Não demorou muito para que Feyre seguisse um mesmo caminho com Lucien nos tornozelos.
A Corte Noturna encontrou-se na câmara no alto do palácio. Mor trajava um vestido de seda ébano sem mangas com as costas nuas à vista e Nestha mostrou-se com um modelo idêntico vermelho-escuro, possuindo mangas transparentes e reluzentes enquanto Lucien e Feyre mantiveram as armaduras com detalhes em vermelho, as mesmas que agora vão vistas em Cassian e Azriel, trazendo ainda mais atenção para seus sifões.
Rhysand ostentava uma túnica obsidiana com as bordas escarlate e douradas que é completo do vestido de Demetria. A fêmea havia sido mergulhada na maciez de tecidos que formavam uma saia com camada até alcançar o busto aperto e cravejado por pedras vermelhas, formando o decote entre seus seios. E nos cabelos agora lisos, uma coroa repousava, brilhando intensamente sob a luz do sol, refletindo a cor carmesim por sua pele pálida.
No dia anterior, haviam sido a Corte dos Sonhos, aquela que moldava sonhos, abertos à críticas nos próprios termos, amigáveis diante das circunstâncias postas em suas frentes e dedicados à causa de impedirem uma guerra que já estava em suas baías. Mas, a noite já havia passado, restando apenas os pesadelos que assombram as mentes dos desavisados.
Ali, mostrariam o tipo de fúria e crueldade que iriam lançar contra os inimigos, a retribuição que tanto desejavam despejar sobre os exércitos de Hybern.
Eles seriam a Corte dos Pesadelos.
Thesan os cumprimentou como o bom anfitrião que é quando Cassian e Azriel cruzaram o arco de glicínias, parando um momento para analisar suas roupas, os rostos cobertos por sombras e murmurou uma oração silenciosa ao Caldeirão. Seu amante, honrando seu papel de capitão, os examinou e abriu levemente as asas. Um gesto que extraiu um risinho zombeteiro de Demetria, a quem detinha maioria dos olhares.
Os Grão-Senhores da Corte Noturna estavam acomodando-se em suas cadeiras no momento que Tamlin chegou por último, as orbes esverdeadas vagando por todos os círculos íntimos com certa desconfiança. Feyre manteve o queixo erguido e recusou-se a reconhecer sua presença de onde estava sentada, assim como Lucien que arriscou pôr uma mão sobre seu joelho.
─ Revisei completamente os mapas e os números que compilou, Tamlin.─ Helion começou sem esperar o sinal de Thesan, cruzando o tornozelo sobre um joelho.
─ E?
─ E ─ Helion encontrava-se vestido com uma túnica cobalto que detinha bordas em dourado e sandálias douradas nos pés.─ se for capaz de reunir suas forças rapidamente, você e Tarquin podem segurar a linha de frente por tempo o bastante para que nós, acima do Meio, levemos as tropas maiores.
─ Não é tão fácil.─ Tamlin rosnou e disparou um olhar cheio de ódio para Feyre.─ Resta um terço comigo. Depois que Feyre destruiu a confiança que depositavam em mim.
A dita fêmea encolheu os ombros, mesmo que não estivesse exatamente arrependida por suas ações. Ela havia feito o necessário, não pensara nas consequências ao incentivar uma velha desconfiança que já havia desde que fora levada pelos braços de Rhysand ou considerou que de alguma forma fossem realmente precisar daquele exército.
Demetria revirou os olhos, dispensando as palavras de Tamlin com um aceno de mão. Nestha inclinou-se na cadeira, Cassian a lançou um olhar e estendeu a mão para pôr os dedos em suas costas.
─ Não a culpe por seus erros. É de seu dever garantir que seu povo confie em você, independentemente do que seja.
Tamlin torceu o nariz, as unhas alongando-se.
Feyre piscou e olhou para a irmã mais velha. Nestha soltou um ruído sussurrado e agudo, tropeçando nas próprias saias ao se levantar. Ela cambaleou com uma mão pressionando um peito enquanto outra aperta sua garganta. De pé, Feyre tentou alcançá-la, mas Mor e Demetria saltaram, impedindo Nestha de cair no espelho d’água.
─ O que foi?─ Indagou Mor, os olhos castanhos cobertos por preocupação conforme analisava as feições da Archeron que se contraem em dor.
─ Nestha, precisamos que respire.─ Demetria soltou, notando a forma que Nestha estava ofegante, suor pingando na testa pálida.
A grã-feérica de olhos cinzentos balançou uma mão como se estivesse tentando fazer com que as palavras escapassem de sua boca.
─ Alguma coisa…
Um gemido baixo e os joelhos fraquejaram. Mor a segurou pelos cotovelos. Ela lançou um olhar para uma Demetria mortalmente séria que deu um passo à trás, permitindo que Cassian assume sua posição, as mãos acariciando as costas de Nestha, atento para a ameaça invisível.
─ Nestha…
Ela esforçou-se para erguer a cabeça, reconhecendo rapidamente a figura de Feyre estendendo a mão. Seus dedos trêmulos escorregam pela pele da irmã mais nova, segurando-a com força. Mais uma respiração apressada. Nestha passou por Cassian e caiu de joelhos, esvaziando o estômago no espelho d’água.
Rhysand levantou-se, tendo uma conversa através de olhares com Azriel e Cassian enquanto Feyre e Mor ofereciam à Nestha. Demetria segurou o braço de Lucien quando o mesmo colocou-se ao seu lado, as sobrancelhas escuras franzidas e o olhar concentrado.
─ Veneno?─ Perguntou Kallias, sua tentativa de empurrar Viviane para trás fora falha, já que a Senhora da Invernal desviou de seu braço e deu um passo em direção à Nestha.
O poder de Helion tremeluziu, alcançando a figura da fêmea curvada como um enxame de vagalumes formados por uma luz dolorosa aos olhos e Thesan apoiou a mão sobre o ombro de Nestha, seu poder em uma cor dourada rósea.
─ Nada.
─ Não é comigo.─ Gemeu Nestha, apoiando a cabeça no ombro de Mor e apertando os dedos de Feyre. Os olhos dispararam na direção de Demetria.─ Tem algo de errado. Não comigo. Não eu.
É o Caldeirão.
De repente, Feyre não consegue respirar.
─ Rhysand.─ É o que escapa da boca da Grã-Senhora, contendo uma centelha de desespero que ninguém havia presenciado, girando o corpo para fitar seu parceiro que encarava os dois illyrianos, observando-os assentir e caminhar para as janelas abertas, prontos para mergulhar no ar e voar além da corte.
Nestha gemia, parecia que ia vomitar mais uma vez. Feyre corria as mãos pelos cabelos da irmã quando pausou o movimento, assim como todos dentro da câmara.
Primeiramente, um tremor. Tão leve quanto um sopro, escorregando pelo ar como se estivesse acariciando-o, correndo por todo o sol, acolhendo as pedras, plantas e tudo que crescia com suavidade. Dava a impressão que algum deus havia soprado sobre a terra, entregando-os um mísero instante de sua atenção.
Um recuo. Alguém, ao que parecia, engasgou. Então, um impacto tão brutal ao ponto de sacudir a terra por inteiro. O prédio oscilou.
Viviane gritou.
Demetria caiu nas pedras, os braços de Rhysand puxando-a para perto até que todo o espaço entre eles tivesse desaparecido. Feyre arranhou a irmã quando a puxou, cobrindo-a com o próprio corpo enquanto sentia o peso familiar de Lucien sobre si. Ela esticou as mãos para sua magia, formando uma proteção ao redor deles, a fim de evitar os escombros que caíam.
Um conjunto de gritos espalhou-se pelo vale abaixo e corredores do palácio.
Então, parou.
Silêncio pendurou-se entre as maiores figuras de poder que há em Prythian.
─ O que diabo…─ Helion começou. Ele tinha um braço sobre os ombros de Muireann, puxando-a contra seu peito. Havia a protegido durante aquela estranha ocorrência.
Nestha vomitou novamente. Mor, em choque, encarou Feyre. Lucien sentou-se ao lado de sua parceira, apoiando uma mão em seu ombro.
No chão, Rhysand afastou-se de Demetria. O rosto bronzeado estava sem cor e os lábios sensuais mais pálidos do que a Grã-Senhora, quem virou o rosto para o sol ao mesmo tempo que ele. Ela arrastou uma mão pelo antebraço de Rhysand, segurando-o com força, temendo que fosse separada dele caso um novo tremor avançasse sobre eles.
A magia de ambos foi lançada. Uma estrela cadente adornada pela escuridão em sua forma mais pura lançou-se pela terra.
Demetria congelou, os músculos tensos. Rhysand a olhou primeiro. Os olhos cheios de medo, um amor tão triste e incerteza que fez Feyre encolher-se na direção de Lucien, seu sangue havia virado gelo em suas veias.
Os Grão-Senhores da Corte Noturna se encaram por longos momentos até Demetria balançar a cabeça com uma confiança que pareceu ter fugido de suas feições. Rhysand engoliu em seco e a voz rouca declarou:
─ O rei de Hybern acaba de usar o Caldeirão para atacar a muralha. A muralha se foi. Ao longo de Prythian e continente.
─ Estamos atrasados.─ Demetria fechou os olhos, mais verdes do que prata, lamentando.─ Fomos lentos. Hybern destruiu a muralha. A guerra começou.
Haviam deixado a Corte Crepuscular em minutos após a revelação entregue pelos seres mais poderosos que já testemunharam.
Thesan prometeu grandes carregamentos de antídoto contra o veneno feérico preparado por Hybern para cada Grão-Senhor e seus exércitos num prazo de dois dias. Virando-se para Cassian, avisando-lhe que os peregrinos começariam os preparativos para juntar-se aos illyrianos. Kallias e Helion afirmaram que apressariam os preparativos para que seus exércitos terrestres marchem o mais rápido possível. Apenas Tamlin negou-se a entregar promessas, estava com forças militares em frangalhos e o orgulho o controlava por completo. Mas, de toda a forma, Helion pediu para que tirasse seu povo restante da linha frontal e reunisse as tropas que conseguisse. Tarquin repetiu o pedido, oferecendo porto seguro para o povo primaveril.
Tamlin não ofereceu respostas e Demetria tinha um olhar que prometia matá-lo caso desconfiasse de seu envolvimento com Hybern.
As despedidas foram rápidas e continham certa tensão com a guerra assombrando-os. Viviane apertou Mor em seus braços, repetindo o mesmo gesto com Feyre e oferecendo um aceno respeitoso à Demetria, enxergando o sorriso leve da fêmea como um convite para abraçá-la também. Kallias segurou a mão de Rhysand, hesitante. Ambos desapareceram num piscar de olhos.
Helion estava preso numa batalha de olhares com Muireann antes de virar-se, dando uma piscadela para Demetria e Rhysand antes de também sumir junto de sua corte.
Tarquin reuniu sua prima mais velha em um braço, Varian e Cresseida os seguiram atrás. Fora decidido que as forças da Estival ficariam separadas, vigiando as cidades e marchando em terra. Varian hesitou, lançando um olhar fixo em Demetria e Rhysand, abrindo sua mente para um breve pensamento ser lançado.
“Digam a ela ‘obrigado’” Ele levou uma mão para o peito sob o olhar atento de Muireann. “Digam a ela…” Sacudiu a cabeça. Rhysand estava sorrindo. “Eu mesmo direi da próxima vez que a vir”
É uma promessa, ambos sentiram pela veemência que ecoou misturada à voz. Ele determinou para si mesmo que encontraria Amren, seja nos campos de batalha ou além.
A Corte Noturna retornou logo depois à Velaris sem a presença de Azriel, que se foi para verificar não só as terras humanas, mas também os palácios que iriam acolher o povo da Cidade Escavada.
Amren sentou-se numa poltrona na sala e ouviu Demetria compartilhar que Caldeirão sem querer forjou uma conexão com Nestha, permitindo que ela sentisse quando o rei Hybern fosse reunir o poder do artefato e seu despertar. Rhysand acrescentou que é por isso que Nestha é caçada, não pelo poder que roubou, mas, sim, por ser um sinal de aviso.
Agora, encontravam-se espalhados pela casa.
Feyre desfez-se das armaduras e refugiou-se em roupas confortáveis, apreciando o toque das sedas. Em sua frente, sentada no tapete, tendo os olhos verde-prata presos nas vidraças, analisando a paisagem de Velaris e apoiando os braços no acolchoado do sofá, Demetria escorregava os dedos pela costura sem dizer uma única palavra.
─ Você está pensativa demais.─ Lucien comentou, deslizando para o lado de Feyre, depositando um prato com doces entre eles.─ Pensei que ia ter muito o que falar depois da reunião.
Demetria moveu a cabeça para fitar o emissário de cabelos carmesim. Ela molhou os lábios secos com a ponta da língua e suspirou, cutucando o tecido que cobria seu peito.
─ Tem algo de errado, sinto isso.
─ Não vai me dizer que você também está conectada com o Caldeirão.
Os olhos verde-prata tornaram-se gélidos e Feyre o deu uma cotovelada, mastigando um biscoito.
─ Não seja estúpido, Lucien.─ Um dedo roçou na superfície do anel em seu dedo.─ É só…
Ela piscara os olhos, novamente fitando as janelas. Sentia-se mais nova, dominada por desespero, sedenta por informações que negassem suas suspeitas.
─ Senti algo assim cinquenta anos atrás.─ Seu rosto moveu-se para o casal de parceiros.─ E não acabou bem, como podem observar.
Feyre avançou, escorregando uma mão pelos ombros de Demetria e outra segurando os dedos da outra, chamando atenção dos olhos verdes salpicados por prata.
─ Você pode estar errada, sempre pode.
─ É, ─ Sorriu a Dama, apertando a pele de Feyre por um instante e, então, dando tapinhas com carinho.─ sempre posso estar.
Mas, aquela dor por trás dos olhos e a sensação incômoda diziam-lhe que estava se repetindo. O passado estava retornando para assombrá-la e preenchê-la de dor mais uma vez.
─ Precisa deslocar as legiões illyrianas hoje.─ Mor caminhou pelo escritório, substituiu as roupas por um suéter cobalto e uma calça, cruzando os braços abaixo dos seios.
Cassian acenou com a cabeça, deslocando a madeira esculpida no formato de um sol sobre o mapa aberto na mesa. Ele ergueu a cabeça e disse:
─ Com a muralha caída, precisamos que deixem algumas coisas claras para os illyrianos. Preciso de vocês no acampamento comigo, para um belo discurso antes de partirmos.
Rhys ofereceu um princípio de sorriso. Sua mente esticou um tentáculos misturando-se com aquele laço ligando-o à uma fêmea de cabelos curtos, cuja voz ecoou em sua mente, suave e afiada.
“Pronta para incentivar os illyrianos, Grã-Senhora?” Ele ronronou, podia sentir o revirar de olhos e o sorriso de Demetria.
“Me dê uma hora e verá, Grão-Senhor”
─ Podemos todos ir.─ O meio-illyriano analisou a disposição das peças no mapa, os cantos dos lábios erguidos.─ Uma hora para preparação. Mor, pode deixar Nestha e Elain cientes que virão conosco?
Mor assentiu, recuando para escapar do espaço e cumprir as ordens.
─ Ótimo.─ Cassian cruzou os braços, os sifões brilharam fracamente.─ E como estão os soldados da Corte dos Pesadelos?
─ Jolly já os preparou,─ Rhysand disse, batucando os dedos na mesa.─ assim como os illyrianos restantes na cidade para irem se encontrar nas Myrmidons.
Cassian acenou. Em silêncio, Rhys o observou analisar o mapa mais uma vez, atentando-se a cada rio e espaço aberto próximo ao local que irão erguer os acampamentos. Sem dúvidas, considerava a quantidade de fêmeas curandeiras que acompanhariam os exércitos para auxiliar os feridos após as batalhas, elas teriam que descer para os rios e limpar os panos sujos ou preparar as refeições junto dos feéricos pertencentes às outras cortes.
─ Rhysand.
Ambos viraram-se ao mesmo tempo para a figura que escapava das sombras, os sifões azuis acesos e iluminando as feições tensas de Azriel. O Mestre-espião não dissera nada, mas Rhysand o conhecia mais do que a si próprio. Algo ocorreu durante sua averiguação nas terras humanas.
Será que Hybern fizera sua jogada ou as rainhas descumpriram o acordo feito com Demetria?
─ As terras humanas estão vazias.─ O som de suas botas contra a madeira soaram inseguras conforme se aproximava e apontava um dedo cheio de cicatrizes para o ponto além de onde estava desenhado a muralha.
─ Hybern?─ Perguntou Cassian. Azriel negou com um balançar de cabeça.
─ Não, não há nenhum traço de magia. Cada casa está vazia, mas há roupas nos armários, são poucas.
─ Provavelmente fugiram por conta do tremor da terra.─ Cassian fala.
Rhysand franziu as sobrancelhas, pensativo.
─ Mas para onde?─ O Grão-Senhor perguntou, o olhar vagando entre seu general e espião.─ Eles estão cercados por mar e uma terra cheia de feéricos, para onde iriam?
Azriel mordeu os lábios e suspirou.
─ Isso não importa, não agora.─ Ele guia uma mão para o bolso de sua armadura. Rhysand o observa com curiosidade quando retira um papel do compartimento e o estica sobre a mesa.─ Recebi de um dos meus espiões.
A mão de Cassian avançou, agarrando o papel e lendo-o enquanto Rhys encara Azriel, notando a forma que o irmão adotivo parecia tenso e dominado por uma pitada de nervosismo. Como um espião, cujas emoções sempre estão parcialmente escondidas nas sombras, há poucos momentos que Azriel deixa escapar. A última vez fora no dia anterior e antes disso…
Cinquenta anos atrás quando Demetria fora capturada por Amarantha.
─ O que aconteceu?─ Rhysand falou, a voz que soou fora o Grão-Senhor.
─ Cidade Escavada caiu na última noite.
Demetria congelou sob as mãos de Feyre por um momento, o rosto disparando na direção das portas, os olhos agitados. A Archeron a observou com cuidado, imaginando que fosse Rhysand comunicando-se como havia feito há pouco tempo.
Porém, Demetria ofegou, aterrorizada.
─ Demetria?─ Lucien fez menção de se aproximar mas a fêmea mais baixa estava utilizando Feyre como apoio para se erguer, parecendo instável nos próprios pés quando Rhysand cruzou as portas da sala de descanso.
Ele estava mortalmente sério. E o que quer que Demetria tenha enxergado nas feições de seu parceiro não havia sido um bom sinal pela forma que seu corpo tremeu.
─ Não…─ A Dama recuou um passo, a voz frágil e quase desabando em lágrimas.
─ Demetria…─ Ele começou, os dedos começando a mover-se na direção da fêmea, mas a mesma sacudiu a cabeça, pressionando uma palma contra a testa.
─ Não!
Sua respiração estava rápida e carregada.
Rhysand concordou com um suspiro e virou-se para Feyre e Lucien, os movimentos rígidos como se estivesse fazendo um esforço para afastar o olhar de sua parceira que parecia estar a uma palavra de desmoronar no tapete.
─ Preciso de vocês dois nos palácios, ─ Demetria girou os tornozelos e encarava o horizonte da cidade mais uma vez, os olhos brilhavam. Ela tremia, notou Feyre com preocupação.─ Ludovik está esperando.
Feyre estava prestes a questioná-lo quando sentiu a mão de Lucien em torno de seu cotovelo. Seus olhos azul-cinzentos prendeu-se nos dele, enxergando um sinal silencioso que deveriam obedecer às ordens. Ela mordeu os lábios e, com um último olhar na direção de Demetria, arrastou os pés para fora dali deixando os Grão-Senhores sozinhos.
Por um momento, Rhysand não diz nada. Apenas permanece parado, observando-a ser consumida, desconfortável na própria pele e incapaz de assimilar os próprios sentimentos diante da realidade que encarou no rosto de seu parceiro, desviando a atenção com medo tingindo suas feições.
─ Demetria.
Ela não dá sinais que o escutou. Rhysand avança em sua direção, oferecendo passos cuidadosos, sem ousar tocá-la por saber que Demetria quebraria em suas mãos no mesmo instante.
─ Eu preciso que me escute.
─ Não, ─ Ela fala, baixinho. Está evitando encará-lo.─ isso… Não posso fazer isso de novo, Rhysand… Não sei se consigo…
De repente, é Rhysand que sente quão facilmente poderia quebrar nas mãos daquela fêmea. Sua voz que detém a força capaz de fazer cortes inimigas se unirem estava quebradiça, soava como alguém que perdera seu coração, igual aquela fêmea que lamentou a morte daquele que considerava irmão aos berros e um choro inconsolável.
Demetria. Seu demônio, a fêmea que amava e sua parceira. Ela enfrentou, sangrou e sacrificou para conquistar os próprios sonhos em favor da melhoria de vidas. Com aquele coração que possuía, deveria ser uma das feéricas mais felizes que há, mas a Mãe tomava, tomava e tomava cada vez mais, largando-a nos braços de um luto devorador.
─ Eu sei, meu amor…
Demetria soluçou, abraçando a si mesma, desabando no tapete. É uma imagem inconsolável e apertara o peito do Grão-Senhor que se ajoelhou, sentindo as próprias lágrimas escorregando por seu rosto.
─ Eu não entendo.─ Ela murmurou entre as lágrimas.─ Não… Não podem estar mortos, eles não podem.
É impossível que Jolrien, o guerreiro que a abraçava com força e a encarava com tanto amor, deslizando as mãos calejadas por seu rosto, tratando-a como uma filha, estivesse morto. O mesmo poderia ser dito em relação a Kirk que cobria as palavras com carinho, apertando suas mãos quando sentia que precisava de conforto. Zion nem ao menos chegou a ter uma conversa apropriada com Cassian e Azriel para agradecê-los por dar esperanças aos meninos bastardos ou sequer alcançou boa parte dos sonhos que tanto adorava narrar aos risos.
E June… Oh, sua pobre criança...
Pela Mãe, June mal completara uma década de vida. O menino ainda estava descobrindo como viver, ainda estava aprendendo a segurar uma pena sem sujar os papéis ao redor ou a comer sem derramar grãos pela mesa. Ele sempre estava grudado em suas saias, pedindo por um abraço ou simplesmente ser segurado para que pudesse sentir o cheiro de seus cabelos, aproveitando o conforto.
Eles são sua família. Não importava que não havia o mesmo sangue correndo por suas veias. Não importava que se conheceram quando já tinham suas próprias vidas formadas. Não importava, pois havia amor e cumplicidade em cada momento. Jolly e Kirk garantiu que fossem suas crianças, que fossem amadas e bem-cuidadas.
E agora…
Eles estão mortos. Assim como Lionel.
Demetria… Ela nem ao menos lembrava-se da última vez que os viu. Será que Kirk apertou suas mãos? Jolly a abraçou com força? June lhe ofereceu aqueles sorrisos cheios de dentes que aquecia seu coração?
Rhysand esticou uma mão, espalhando a palma sobre as costas femininas. Demetria lançou-se contra ele, apertando-o com força, mergulhando a cabeça em seu peito.
E ali, nos braços de seu parceiro, a montanha tremeu quando a Grã-Senhora da Corte Noturna derramou sua tristeza pela perda daqueles que amava.
Adivinha quem não morreu?
Pois é, euzinha! Era pra ter saído um pouquinho mais cedo, mas fiquei escrevendo e chorando horrores. Então, por favor, não me matem, sou apenas uma universitária que pensa se jogar de uma ponte todos os dias!
E não, não abandonei Corte dos Pesadelos e nem vou abandonar. Então, aguardem que vai acabar, principalmente porque já tenho uns capítulos enooooormes planejados, agora quando é um mistério.
Obrigada pela leitura! E um beijão.
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