twenty nine. calm day
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O quarto de Feyre era um sonho. As janelas estavam abertas para o mundo brutalmente belo além delas, não havia vidro ou venezianas, apenas as cortinas de um tom ametista puro oscilavam com a brisa suave e imortal. A cama era uma mistura cremosa de branco e marfim, mas toda a atenção deveria ser dada para a banheira.
Ocupando metade do quarto, a banheira era uma piscina que pendia da própria montanha, a água fluía de forma silenciosa pela lateral em direção a noite, contendo um parapeito adjacente coberto com velas gordas e tremeluzentes, o brilho das pequenas chamas dourava a superfície escura e vítrea junto dos espirais de vapor.
Aberto, arejado, aconchegante e extremamente calmo.
Um quarto digno de uma imperatriz. Com o mármore, sedãs, veludos e detalhes elegantes por cada mísero espaço, apenas uma poderia pagar por ele. Um quarto para convidados e não para...
uma prisioneira.
Feyre não se incomodou o suficiente em fazer uma barricada na porta. Rhys, com todo o poder sombrio que possuía, conseguiria voar para sentindo quarto caso tiver vontade.
Novamente, os olhos azul-cinzentos se encontravam vasculhando seu redor, o vestido de noiva que ainda se agarrava ao seu corpo sibilou no piso. Ela se encarou.
Você está ridícula. Foi as palavras que surgiram em sua mente. Calor se espalhou por suas bochechas e pescoço.
Claro que aquilo não iria fazê-la perdoá-lo, mesmo que... Tivesse a salvado das possibilidades, permitido que ela não precissase recusar, e sequer explicar aquilo que lhe engolia de forma lenta e dolorosa, aprofundando-a na escuridão para sempre.
Devagar, os grampos e enfeites dos cabelos cacheados foram puxados e empilhados na penteadeira. Pela Mãe, a visão que obteve de si mesma foi o suficiente para trincar o dentes e enfiar os decorativos em uma gaveta vazia, fechando-a com tanta força que o espelho acima da mesa chacoalhou.
Seus dedos esfregaram a cabeça que doía por culpa do peso dos cachos e dos grampos que despontavam. Durante aquela tarde, ela havia imaginado e desejando ter Tamlin retirando cada grampo, pressionando os lábios contra sua pele a cada grampo, porém ali naquele momento....
De todas as preocupações, Rhys e sua malícia perigosa era a menor. Tamlin...
Ela se encarou no espelho.
Tamlin havia a visto hesitar, porém ele teria visto em seu rosto que estava prestes a dizer não? Talvez Ianthe tenha percebido... Provavelmente Lucien havia a visto com aquela astúcia.
Não, ela precisava contar. Dizer o motivo pelo qual não deveria haver um casamento, pelo menos não naquele momento. Talvez devesse esperar até que o laço de parceria se acontecesse. Até que tivesse a certeza que era digna dele. Até que Tamlin enfrentasse os demônios que assolavam sua alma e coração, até que relaxasse em relação às coisas e... A ela.
Talvez... Feyre devesse explicar tudo quando retornasse. Mas, pela Mãe, tanta gente a viu hesitar...
As lágrimas desceram por seu rosto, borrando a maquiagem que Alis havia cuidadosamente feito quando desfez o contato do vestido com seu corpo, quando se deparou com os retalhos brilhantes de renda que havia colocado na intenção de Tamlin, ela não se permitiu imaginar como os olhos esverdeados pontilhados de ouro iriam brilhar ao se deparar com a renda antes de a rasgar em tiras.
Lágrimas escorriam por seu rosto mas ela só notou quando agarrou o primeiro pedaço de tecido que encontrou dentro do armário, um conjunto de pijama turquesa que vestiu rapidamente e subiu na grande cama macia. Ela reuniu o ar e apagou as lâmpadas de cada lado, porém quando a escuridão dominou, os soluços vieram com força total.
Na manhã seguinte, as antigas damas de companhia de Sob a Montanha surgiram logo depois do alvorecer e talvez Feyre não tivesse as reconhecido caso elas não tivessem agido como se a conhecesse. Ao contrário de três meses atrás, as belas gêmeas estavam completamente corpóreas. Elas revelaram que Nuala e Cerridwen eram seus nomes, informando que o café da manhã seria em trinta minutos e tomar banho e se vestir era o que deveria fazer.
Sinceramente a ex-humana havia ficado tentado em continuar afundada nas águas da banheira mas houve aquele sussuro, aquela convocação que mais se parecia o sino de um criado e isso a irritou. Ela foi rápida em vestir as roupas escolhidas pelas gêmeas, agora caminhando pelos corredores do andar superior ensolarado, sua maior vontade era retirar aquelas roupas que pertenciam àquele lugar, a ele.
No final do nível superior, uma pequena mesa de vidro reluzia no coração de uma varanda pedra, montada com três cadeiras e posta com frutas, sucos, pães e carnes para café da manhã. Em uma das cadeiras, encarando a vista deslumbrante composta por montanhas nevadas quase ofuscantes ao sol, Feyre possuía a certeza que Rhysand sabia muito bem que estava ali quando terminou de subir a escada do outro lado do corredor.
─ Não sou um cão para ser convocada.─ Soprou, parando entre duas pilastras e avaliando o Grão-Senhor de uma distância que julgava ser segura mesmo que soubesse que nada impediria Rhys.
De forma devagar, o Senhor da Noite olhou por cima do ombro, os olhos violetas a analisaram, franzindo a testa por um momento.
─ Não queria que se perdesse.─ Respondeu o macho, inexpressivo.
─ Achei que seria sempre escuro aqui.─ Comentou Feyre, tentando não parecer tão desesperada pelo líquido contido na chaleira prateada que fumegava.
─ Somos uma das três Cortes Solares, nossas noites são muito mais belas e nossos pores do sol e alvoreceres são exóticos, mas aderimos às leis da natureza.─ Respondeu, usando um gesto gracioso para indicar que Feyre se sentasse, algo que ela fez.
─ E as outras escolhem não aderir?
─ A natureza das Cortes Sazonais está ligada a seus Grão-Senhores cuja magia e vontade os mantém em primavera ou inverno eterno. Sempre foi assim, algum tipo de estagnação estranha. Mas as Cortes Solares são de uma natureza mais... simbólica. Podemos ser poderosos, mas nem mesmo nós podemos alterar o caminho ou a força do sol. Chá?
Rhys a observou, depositar um pouco de leite no chão que acabara de servir a ela, os olhos azul-cinzentos fixos no claro e escuro que se misturavam na xícara. Um suspiro escapou por seus lábios, os olhos violetas encararam um ponto fixo no piso por um breve momento, quase parecendo ser capaz de visualizar o que havia por debaixo da montanha. O povo que lá existia, todos eles sendo governados por uma fêmea de maliciosos olhos verde-prata.
Feyre ergueu o olhar e o viu, ainda observando o piso com certa atenção necessária demais. Uma lembrança rapidamente cruzou sua mente...
No dia anterior, Rhysand a disse que havia uma Corte sob aquela montanha. Uma Corte que serviu como inspiração para Amarantha criar sua própria corte sob uma montanha sagrada. Ele a dito que governava ali de vez ou outra mas, as estrelas em seu olhar brilharam quando citou uma fêmea que agora possuía aquele lugar dominado por crueldade em mãos.
Por um momento, ela própria cogitou que... Feyre balançou a cabeça, não, ela não deveria se deixar levar por aqueles pensamentos, mesmo que...
─ Você perdeu peso.─ Rhys disse, uma certeza fria fazia morada em sua voz.
─ Você vasculha minha mente sempre que quer. Não vejo por que está surpreso com isso.─ Retrucou ela.
O olhar do Grão-Senhor não se suavizou, mas aquele sorriso continuava a ser exibido em seus lábios.
─ Faço isso apenas ocasionalmente, caso queira saber.
Feyre espreitou o olhar, irritada.
─ O que quer comigo? Você disse que me contaria aqui. Então, conte.
Rhysand encostou-se na cadeira, cruzando os braços.
─ Esta semana? Quero que aprenda a ler.
Era um dia bom. O luz do sol brilhava, banhando a cidade de tons dourados fortíssimos, conversas animadas e risadas ecoavam pelas ruas formavam uma bela música que lentamente se tornava o som favorito da fêmea que mantinha um braço entrelaçado com o do macho ao seu lado, seus olhos dominados pelo tom prata pareciam brilhar, apenas mostrando a felicidade que por muito tempo foi aprisionada na escuridão formada por dor na alma de Demetria.
Jolly não podia se sentir mais feliz ao vê-la sorrir para seu povo que não dispensava reverências diante da Dama dos Pesadelos, a Senhora da Cidade Escavada. Cinquenta anos haviam se passado, mas aquela lealdade criada através dos caminhos que ela tomou para guiar aquela cidade na direção da luz continuava ali. Confiança ainda banhava as feições dos feéricos que cruzavam o caminho de Demetria e todos sorriam, a maioria sorriam para ela e se podia ver aquele brilho que revelava que eles sentiam muito por tudo que se perdeu nos últimos cinquenta anos.
─ Você parece diferente.─ Disse ele, sorrindo para a fêmea que analisava a água que fluía abaixo da ponte que estavam. Olhos esverdeados respingados de prata o encaram por um mísero segundo.
─ Digamos que tenho motivos para estar diferente.─ Proferiu ela, a voz suave. O guerreiro riu, cruzando os braços e olhos dourados ganhando um brilho carinhoso quando depositou uma mão em um dos ombros da fêmea e acariciou a pele da mesma.
─ Não tenho a mínima ideia de qual motivo é esse, mas quero que continue fazendo você ficar assim.
Demetria sorriu, o nariz se franzindo levemente quando o fez.
─ Assim como?
─ Feliz, Demi.─ Sussurou ele, puxando-a para perto e beijando os fios castanhos da Dama dos Pesadelos.─ Você merece felicidade e fico feliz que finalmente a alcançou.
Demetria soltou sua risada de sinos e o cutucou nas costelas com o cotovelo.
─ Você está muito sentimental ultimamente.─ Ela o analisou por um momento.─ Aconteceu alguma coisa?
Jolly deu de ombros, afastando-se alguns passos e cruzando os braços, parecendo pensar por longos minutos que se estenderam no mais puro silêncio, algo que normalmente não ocorria quando o guerreiro e a dama estavam juntos.
─ Vamos.─ Ele mirou os olhos dourados cruéis na feérica que piscou os olhos, arqueando uma sobrancelha em um questionamento silencioso que se encontrava estampado em sua face. Jolly fez careta, as mãos agarraram os ombros de Demetria e a puxou para perto, fazendo-a tropeçar nos próprios pés por conta da surpresa que aquele gesto despertou em seu peito.
A Dama dos Pesadelos abriu os lábios rosados, prestes a falar quando o guerreiro a interrompeu.
─ Sem perguntas.
E foi a única que ele a disse quando começou a levá-la para as ruas da cidade, guiando-a para um caminho que desconhecia.
─ Você está vendo aquele garotinho ali?─ Jolly apontou para um ponto específico no cenário na frente da Dama dos Pesadelos que franziu o cenho e o encarou com tédio.
─ Eu estou vendo cerca de cinquenta garotinhos, vai ter que ser mais específico.─ O guerreiro crispou os lábios com a resposta da fêmea e revirou os olhos cruéis.
─ Estou falando daquele ali.─ Ele apontou novamente para o mesmo lugar e Demetria não se esforçou para enxergar o que ele tanto queria mostrar.
─ Seja específico.─ Rosnou ela.
Demetria e Jolly se encararam por um longo momento até o macho suspirar, exasperado.
─ Você é uma maldita.─ Rosnou ele, virando-se e então, caminhou na direção das pequenas crianças que se esforçavam para acertar uma à outra sob os olhos atentos de um illyriano de cabelos marrons encaracolados e que exibia um sifão em seu peito.
Demetria não possuía a mínima ideia do que Jolly tanto queria ao levá-la para um dos campos de treinos illyrianos dedicados totalmente para crianças acima dos cinco anos que ainda não possuíam total controle de suas asas ao ponto de sequer saberem voar. Mas, ali estava ela, ciente que muitos garotinhos tiveram seus rostos infantis adoráveis atingidos por um bastão de madeira apenas lançarem um olhar curioso em sua direção.
Demetria suspirou, uma das mãos afastou uma poeira invisível no tecido do seu vestido turquesa e arqueou uma sobrancelha ao ver Jolly andar em sua direção mas não sozinho.
Havia uma criança com ele. Um garotinho de curtos cabelos na tonalidade das penas de um corvo e pequenos olhos castanhos, as pequenas asas membranosas se agitaram nas costas quando ele a fitou. Mas o que mais lhe chamou no garotinho foi a cicatriz que se iniciava no meio de uma de suas bochechas e terminava no começo do seu pescoço. Provavelmente feita por alguma lâmina.
Demetria não deixou de olhar para Jolly, exigindo uma explicação para que pudesse aplicar a punição necessária para o monstro que ousou fazer aquilo para uma criança. Porém o guerreiro apenas dispensou seus pensamentos com um gesto de mão e com o pé, empurrou o garotinho para frente.
A criança tropeçou por um momento e tombou contra o vestido de Demetria, a Dama segurou-o, impedindo que ele caísse com o rosto no piso pedregulhoso.
─ Você está bem?─ Ela perguntou, se agachando levemente para poder fitar os olhos do pequeno illyriano que se encolheu, parecendo tentar se manter distante do toque da feérica.
─ Esse é o June.─ Disse o guerreiro, agarrando um dos ombros do menino. Demetria lançou um olhar repreendedor para Jolly por conta da violência que o macho havia puxado o illyriano.─ June, dê olá para Demetria.
O pequeno illyriano sussurou um olá antes de partir na direção das outras crianças, não parecendo se importar com os gritos que recebeu o illyriano adulto que observava os pequenos. Demetria olhou para Jolly e ele sorriu.
─ Os pais de June foram mortos na pequena rebelião de Keir, ele mal tinha nascido e perdeu os pais por conta de um imbecil que não consegue aceitar a derrota.─ O guerreiro confessou.─ Vive largado por aí, vive da caridade dos outros e bom, ele se esforça mais do que todos os outros no treinamentos, pois é a única coisa que ele pode fazer para ter uma cama quente em algum futuro incerto.
Ah, sim, Demetria conhecia muito bem aquele sentimento que dominava todos seus poros quando o instinto de se mostrar capaz aflorava cada vez mais junto com a certeza que você era um sobrevivente, não importando o que digam. Ela conhecia e sabia que uma criança não deveria passar por aquela situação, havia prometido a si mesma que ninguém enfrentaria o que enfrentou na infância enquanto estivesse no comando daquela corte pertencente aos pesadelos.
Seus punhos se fecharam. Jolly riu, agarrando as mãos da fêmea e as balançando.
─ Não fique desse jeito, você nem escutou o resto.─ Ele proferiu. Demetria espreitou o olhar, desconfiada.─ June é uma criança que já sofreu muito, e, faz um bom tempo que eu e Kirk queríamos realizar um desejo. Mas, aconteceu o que aconteceu então...
─ Vá direto ao ponto.─ Ela soltou, prevendo que Jolly daria uma forma de extender ainda mais aquele diálogo. O guerreiro suspirou e então, soltou.
─ Kirk e eu decidimos adotar June.
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